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O mercado negro eleitoral

Grupo que mais aceita negociar seus votos são os jovens em geral, e não a população mais
pobre ou com baixo nível de educação, como supõe o senso comum. Por Hugo Souza

No último dia 10 de agosto o cientista político Ricardo Caldas, da Universidade de B


rasília, jogou um balde de água fria na festa democrática brasileira. Falando à imprensa,
ele afirmou que cerca de 20% dos votos no país são comprados, e isso só das pessoas que
admitiram a prática . A declaração foi dada no lançamento da campanha Eleições Limpas, uma
rceria da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) com o Tribunal Superior Eleit
oral (TSE) para conscientizar o eleitor a não vender o seu voto nas eleições de outubr
o.
Dados da organização não-governamental Transparência Brasil dão conta de que 8,3 milhões de
eleitores receberam ofertas para venderem seus votos nas últimas eleições para preside
nte, governadores, deputados federais, estaduais ou distritais e senadores, real
izadas há quatro anos, em 2006. É mais do que a soma de todos os votos depositados,
ou melhor, digitados nos estados do Mato Grosso do Sul, Tocantins, Acre, Roraima
, Rondônia, Amapá, Amazonas e Distrito Federal. Isto, a rigor, tem um nome: fraude.
Mesmo supondo que, sufrágio após sufrágio, parte das ofertas de compra de votos é recusa
da pelos eleitores, o grande volume deste mercado negro da democracia representa
tiva indica que ele pode, sim, alterar substancialmente o resultado das eleições no
país. A Transparência Brasil é clara em seu relatório sobre a compra de votos em 2006: É l
to especular que entre governadores, senadores, deputados federais e deputados e
staduais e distritais, centenas tenham sido eleitos porque compraram votos .
Ainda segundo a Transparência Brasil, o grupo que mais aceita negociar seus votos é
etário, e não social: são os jovens em geral, e não a população mais pobre ou com baixo nív
de educação, como supõe o senso comum.
Cesta básica e material de construção
A compra de votos é a maior causa de cassações de políticos no Brasil. Em 1999, a Lei da
Compra de Votos foi levada ao Congresso por iniciativa popular com quase 1 milhão
de assinaturas. Aprovada, definiu a perda do mandato como pena máxima para a arti
manha de conquistar o voto de eleitores prometendo dinheiro ou outros benefícios.
Os mais comuns são cesta básica e material de construção, mas vale até oferecer participaçã
m shows, como fez o candidato ao Senado por São Paulo e cantor de pagode, Netinho
de Paula, em seu site de campanha a eleitores que respondessem a um quiz online.
Netinho agora terá que prestar contas à Justiça Eleitoral.
Com a aprovação neste ano de 2010 da Lei da Ficha Limpa, que também chegou ao Congress
o Nacional pela via da iniciativa popular, o político condenado por compra de voto
s fica inelegível por oito anos. Mas, por ora, tanto a Lei da Compra de Votos quan
to a Lei da Ficha Limpa parecem não intimidar o jogo sujo eleitoral.
Desde 1999, mais de 900 políticos que ocuparam cargos públicos com votos barganhados
junto ao povo foram cassados, entre os quais nomes notórios como os dos três ex-gov
ernadores eleitos em 2006 que perderam seus mandatos: Cássio Cunha Lima, da Paraíba,
Marcelo Miranda, do Tocantins, e Jackson Lago, do Maranhão. Não obstante, os dois últ
imos conseguiram registrar suas candidaturas ao senado e ao governo estadual, re
spectivamente, nas eleições 2010 junto aos TREs de suas jurisdições.
Em Alagoas, o Ministério Público Eleitoral já recebeu diversas denúncias sobre compra de
votos durante a campanha local. No Acre, a Polícia Federal investiga mais de cem
casos relatados de políticos oferecendo de tudo, menos propostas para o futuro, em
troca de apoio nas urnas. No início de agosto, um deputado estadual do Piauí denunc
iou, na tribuna da Assembleia Legislativa, que existe até uma tabela de preços regula
ndo a barganha de votos no estado.

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