Você está na página 1de 33
_Caricias de Sergi Belbel Tradugao: Christiane Jatahy CENA1 Sala de estar de um apartament, Poltronas. HOMEM JOVEM e MULHER JOVEM HOMEM JOVEM: Que estranho. MULHER JOVEM: O que. HOMEM JOVEM: Tudo isso. MULHER JOVEM: Do que vocé esta falando. HOMEM JOVEM: Nao sei se vocé se da conta. MULHER JOVEM: Néo. De que. HOMEM JOVEM: Estou com uma sensagao.. MULHER JOVEM: Fala. HOMEM JOVEM: Uma sensagdo estranha... MULHER JOVEM: Que é que vocé tem. HOMEM JOVEM: E como se... MULHER JOVEM: Como se 0 que... HOMEM JOVEM: Como se ja ndo... MULHER JOVEM: Nao, 0 que. HOMEM JOVEM: Como se a gente ja nao tivesse... Pausa. MULHER JOVEM: O que. HOMEM JOVEM: Nada pra dizer um pro outro. Pausa. MULHER JOVEM: Claro. HOMEM JOVEM: Claro, o que. MULHER JOVEM: Claro que temos algo pra dizer um pro outro. HOMEM JOVEM: Ah, claro? MULHER JOVEM: Claro. HOMEM JOVEM: O que? Pausa HOMEM JOVEM: Diz o que? MULHER JOVEM: Nao sel, agora no me lembro. HOMEM JOVEM: Ta vendo? Ta se dando conta? MULHER JOVEM: Nao. Nao t6 vendo. Nao to me dando conta. HOMEM JOVEM: Nao quer se dar conta. MULHER JOVEM: Mas, de que? Vamos ver: de que? Diz! De que porra eu tenho que € dar conta, se 6 que eu posso saber? HOMEM JOVEM: Quer que eu repita? MULHER JOVEM: Nao, por favor. Se voce vai repetir o que acabou de dizer € melhor que se cale, HOMEM JOVEM: Bom, entdo se é melhor que eu me cale, me calo. Pausa MULHER JOVEM: A gente tem muito pra dizer um pro outro, ainda, e vocé sabe disso muito bem. Eu sei que tem coisas que vocé pensa e se cala, porque nao quer falar sobre elas, ou nao quer falar pra mim, sim, falar pra mim, pra mim, por algum problema seu que eu ignoro, que até vocé mesmo ignora, e isso me ofende, sabe? Me ofende, me angustia, déi, me doi ver vocé as- sim, me ver-assim, nos ver assim, enchendo com palavras vas todos estes vaos momentos de silencio, e depois 0s insultos, seus insultos, porque é uma ofensa o que vocé acabou de me di- zer, me insulta, me ofende quando diz que no tem mais nada para me dizer. HOMEM JOVEM: Desculpa, s6 um instante. MULHER JOVEM: Por que voo8 me interrompe? Sempre me interrompe quando comego a ..2 construit um ...um discurso minimamente coerente que uitrapasse 0s...0s monossilabos que tanto caracterizam as nossas conversas cotidianas! Vooé parece com a minha mae e se sal da casa dela ndo foi ustamente pra irviver com out igual ela, ou pior aindal Nao tem desculpal Quem tava falando era eu e vou cont ‘Nuar falando! Vamos ver se comegam a mudar as coisas nessa casa de merda, pelo menos nessal Ele a esbofeteia violentamente. HOMEM JOVEM: Quando uma pessoa pede desculpas, a gente desculpa, se cala e escuta. Entendeu? Eu acabei de pedir desculpas s6 para fazer um breve aparte em seu...estupendo discurso, téo claro e coerente e vou fazé-lo, té me ouvindo? Vou fazé-lo, vou fazé-lo, vou fazé-lo! Ele volta a esbofeted-la, ainda mais forte. HOMEM JOVEM: Eu no disse que eu jé nao tenho mais nada pra te dizer. Ouviu? Volta a esbofeted-a, selvagemente. HOMEM JOVEM: Eu disse que ja ndo temos nada que nos dizer. Ndo eu. No voo8. Eu disse: nés. Siléncio MULHER JOVEM: O que vocé quer jantar? HOMEM JOVEM: Nao sei. O que tem? MULHER JOVEM: Came, ovos, salada. Posso fazer um macarréo, se vocé preferir. HOMEM JOVEM: Nao, ndo, massa de noite ndo, que me da indigesto. Prefiro uma sa- lada, dessas com bastante ingredientes e uma boa sobremesa. MULHER JOVEM: Temos alface, tomate, cenoura, milho, azeitonas, aipo, cebola HOMEM JOVEM: Nao, nao, nada de cebolas, que me dé azia MULHER JOVEM: E melhor mesmo porque vocé fica com mau halito insuportavel e deixa um fedor na cama que nao tem quem agiiente. HOMEM JOVEM: Podemos pér também pedacinhos de maga ¢ abacaxi, se tiver, claro, MULHER JOVEM: Otimo! Uma salada tropical! Adorei. Mas 0 abacaxi é de lata. HOMEM JOVEM: Dé no mesmo. MULHER JOVEM: Bom, ento td, maos a obra. Ih! Nao sei se ainda tem alguma coisa de sobremesa. HOMEM JOVEM: Nao sobrou pudim? MULHER JOVEM: Claro, como eu ando desligada. Hoje, mesmo, comprei dois, de ma- nha. Ah! E também tem iogurte! HOMEM JOVEM: Prefiro pudim. MULHER JOVEM: Pois eu um iogurte, HOMEM JOVEM: Eu um pudim MULHER JOVEM: Tudo bem, vooé come o seu pudim e eu como o meu iogurte, néo tem problema. HOMEM JOVEM: Nao tem problema. Ajudo a preparar a salada? MULHER JOVEM: Claro, assim acabamos mais répido. Vamos pra cozinha? HOMEM JOVEM: Vamos. Eles se preparam para levantar. Ela para. MULHER JOVEM: Desculpa, um instante. HOMEM JOVEM: Que. Ela Ihe dé um murro no estémago e um golpe de joelho nos testiculos. Ele cai no chéo. MULHER JOVEM: Nao tem azeite. HOMEM JOVEM: Ahhh. MULHER JOVEM: © nosso acabou! Vocé vai ter que pedir um pouco a vizinha. HOMEM JOVEM: Ah, ndo posso resp... MULHER JOVEM: Vamos levanta, néo vamos perder tempo a toa. HOMEM JOVEM: Ah. Ah... MULHER JOVEM: Vem, vamos, levanta, pega um copo e enquanto eu ponho a alface de molho, vai e pede a vizinha que encha o copo de azeite de oliva. Mas tem que ser de oliva, hein!? Detesto salada com azeite de girassol, ndo tem gosto de nada. HOMEM JOVEM: Voc 6 um monstro. MULHER JOVEM: Levanta agora e vai na cozinha HOMEM JOVEM: E nojenta. Ela ihe dé um chute na cara MULHER JOVEM: Levanta ou nao levanta?! Dé outro chute na cara. MULHER JOVEM: Vai a cozinha ou néo vai a cozinha?!t! Mais um chute. MULHER JOVEM: Vai pedir o azeite pra vizinha ou ndo vai pedir o azeite pra vizinhaIlIl ‘Outro chute ainda mais forte. MULHER JOVEM: Quer uma salada tropical ou ndo quer uma salada tropical??71!1 Siléncio. HOMEM JOVEM: Ah. MULHER JOVEM: Que. HOMEM JOVEM: Aah. MULHER JOVEM: Nao t8 entendendo o que vocé té dizendo. HOMEM JOVEM: Aahhhh MULHER JOVEM: Desculpa, mas se vocé néo articular melhor.. HOMEM JOVEM: Agahhhh. MULHER JOVEM: Quer dizer alguma coisa para mim, talvez? HOMEM JOVEM: Mmm..ss..sim. MULHER JOVEM: Ta vendo? Ta se dando conta? Ta vendo como vocé ainda tem algo pra me dizer? CENA 2 Um parque. Um banco de pedra. MULHER JOVEM e SENHORA. MULHER JOVEM: Que é que vooé quer? SENHORA: Presta atengao. MULHER JOVEM: Prestar atengao a que? SENHORA : Ao que eu vou ler. Vocd sabe que eu tenho dificuldade para falar. E o que eu quero dizer é...Me escuta atentamente. MULHER JOVEM: O que 6? SENHORA: N&o tem importancia. Nao importa quem escraveu. Nao importa como esta escrito. Importa mais o que diz. So palavras que falam sobre nés. E eu espero que voce as entenda e entenda porque as leio. Abre o livro que tem sobre os seu joelhos @ 16. SENHORA: “Cai a noite eo siléncio...abandona a cidade; porque ndo é verdade que o silencio seja a noite; é comum acreditar que tudo para quando as pessoas param, e ento, as pessoas acreditam que deter-se, enfim, depois de tanta rotina implica em parar o tempo e penetrar na calma, e pensam que isso é a noite; 0 repouso do guerreiro, um teatro tedioso, a sonoléncia letargica, um paréntese vazio, 0 nada téo necessario. Cai a noite @ nasce um tempo que se op6e ao proprio tempo; alimenta 08 dasejos e nos empurra ao excesso; 0s instantes se eterizam, o segredo inconfessavel se revela brutalmente, as méscaras caem e até o minimo gesto pode romper com tudo; se desfazem as pai- xBes, 05 medos saem voando...A noite é como um motor de siléncios elogiientes, onde, o tempo nao 6 tempo, o lugar nenhum lugar, onde o escuro é radiante, onde o nada ndo existe...” MULHER JOVENM: Caralho mae, da um tempo! SENHORA: O que? MULHER JOVEM: Cala a porra dessa boca! Que saco! Afinal que merda vocé td tentando me dizer? Se 6 que vocé té querendo me dizer alguma coisa! Porque eu ndo t6 acreditando que vocé me fez vir de tao tonge e tdo tarde para me encher o saco com essas suas babaquices, com essa sua mania de palavras melosas, frases sem pé nem cabega e pensamentos profundos escritos por imbecis para anormais ignorantes! Quer saber? Chega desse seu papo furado © vai logo dizendo 0 que vocé quer, sem fazer rodeios estUpidos, porque eu tenho mais o que fazer, Go me esperando para jantar e ndo posso perder tempo com uma velha chatal ‘SENHORA: Vail MULHER JOVEM: Mame no vamos comegar. SENHORA: $6 fe pego um minuto. Estou to sozinha, minha filha, e tem tantas coisas que eu penso...Desde o dia que vocé foi embora, a casa nao é mais o que era. E verda- de, antes era um infemo, uma batatha constante: brigas, gritos, mau humor, angiistia, choros, tensdes. Eu tenho que reconhecer que talvez tenha sido minha culpa que a gente tenha declarado guerra uma contra a outra, uma guerra pequena, ainda que hosti, a ba- se dos minimos gestos ¢ de minimas palavras e de siléncios eternos. Se a guerra mais cruel 6 a guerra entre as mulheres, 6 mais cruel ainda entre uma mae e sua filha. Mas agora que vocé ndo esta, tenho tanta saudade de vocé! MULHER JOVEM: Que é que vocé té dizendo? Voeé ficou louca? ‘SENHORA: Sim. Sim. MULHER JOVEM: Vocé reconhece? ‘SENHORA: Sim. Sim. MULHER JOVEM: E foi para isso que me chamou? Marca comigo com tanta urgéncia, tem a coragem de me incomodar, me implora que eu te escule para dizer 0 que eu |é sei? Que vocé t4 completamente louca. SENHORA: Nao. Para falar, de uma vez por todas, o que nunca te disse. Sei que chegou ‘© momento. MULHER JOVEM: Que momento? SENHORA: O momento. MULHER JOVEM: De te levar para 0 hospicio? SENHORA: De te dizer a verdade. MULHER JOVEM : Se vocé se sente sozinha em casa, se a velhice te dé medo e vocé nao sabe como acabar com ela, vai viver num asilo, me disseram que 840 dtimos, con- fortaveis, maravilhosos. SENHORA: Eu...a culpa ndo foi minha. MULHER JOVEM: Voeé conheceria pessoas, ia se divertir. Sao hotéis muito bacanas, para veihos, mas limpos, pode entrar e sair, os hordrios nao so rigidos e tem até excursées.. ‘SENHORA: Sinto muito ter demiorado tanto... MULHER JOVEM: Vooé devia me ouvir. SENHORA: Em te contar. MULHER JOVEM: Como é que eu fago para te convencer ? Sei que. SENHORA: Nao sou sua mae. MULHER JOVEM: ..,0 asilo 6 ideal. E 0 lugar ideal pra vocé. Vai para um asilo. Silencio. ‘SENHORA: Que horas s40? MULHER JOVEM: Muito tarde. ‘SENHORA: Filha. MULHER JOVEM: Que. SENHORA: Pensei que o parque era 0 lugar ideal para dizer que afinal tomei uma decisdo_ a respeito dessa sua mania de afastar-me de vocé, deixar de ser uma carga para voce @ para 0 mundo. Sei que eu sou jovem ainda, mas também sou consciente da minha doenga @ também sou consciente de tudo que me afoga e de que minto, minto para mim, minto para vocé, para matar o tempo ou recuperé-lo, por isso imploro... MULHER JOVEM: Vocé fala como um livro! SENHORA: Imploro que vocé se encarregue dos tramites, assim me economiza trabalho e problemas com papéis, com leis e telefonemas e esforgos e visitas e nao faga caso do que digo. Do que eu disse. Vocé jd tinha me convencido . MULHER JOVEM: Vocé tem razdo. Este 6 0 lugar ideal. E um parque to tranqiillo. Tao solitério mame. Tao solitério. ‘SENHORA: Nao entendo vocé. MULHER JOVEM: Nao se preocupe. Vou me encarregar de tudo. ‘SENHORA: Obrigada. Pausa, MULHER JOVEM: Mae. SENHORA: Que. MULHER JOVEM: Vocé devia ter me abortado. SENHORA: Adorarei, tenho certeza. Vou adorar 0 asilo. MULHER JOVEM: Tohau. E para de ler essas coisas, Vo te deixar mais louca. SENHORA: Me liga. MULHER JOVEM: Mais ainda. CENA3 Saldo de um asilo. Um sofa. SENHORA e MULHER VELHA. MULHER VELHA: Eu gostava de dangar tango. SENHORA: E eu Rock and Roll Pausa SENHORA: Eu sempre dangava 0 rock and roll, todos os sAbados e domingos, eu fugia de casa pela janela da patio, escondida do papai e da mame, e ele me esperava na rua de- tras, e a gente dava as maos; ele sempre tinha a mao quente, a minha estava sempre fria, € ele a esquentava e a gente ia correndo para a zona norte da cidade. Ali, da rua, j se ouvia a miisica: rock auténtico e a gente dangava felto uns loucos, e foi assim um ano inteiro, tal- vez mais, as mos apertando-se e os corpos apertados, a cada final de semana até que...até que:..chegou a menina, a estiipida menina, vocé nao pode imaginar como eu odia- va a essa menina nojenta quando estava no meu ventre: Me impedia de dangarl E para pio- rar, papai e mamde colocaram madeiras nas janelas e eu ia apodrecendo la dentro e a bar- tiga inchando cada dia mais; mas uma tarde eu me libertei, mais frenética do que nunca enganei a eles e fugi e fui completamente sozinha ao Clube, ao saldo de baile do Clube, completamente sozinha, ele ndo estava Id nem nunca mais voltou, nao voltou a me ver, mas eu ainda me lembro dele: bracos musculosos ¢ pernas fortes, a barriga de bronze e as mos fervendo; fugiu, mas aquela tarde eu dancei como nunca, era como uma droga, eu no podia parar e todos me olhavam e eu dangando sozinha; a estlipida de merda ja devia ter uns sete ou ito meses de letargia aqui dentro, sugando meu sangue, roubando o ali- mento das minhas entranhas, algo inacreditavelmente vivo nesta barriga agora mole, e eu a ‘sacudi para cima e para baixo e de um lado para 0 outro, chocando contra 0 figado e os ‘08808, 0 estémago e as tripas e contra meus rins, porque era isso que eu queria; agité-la, ‘enjoa-la, vomité-la, minha vinganga; quase seis meses depois dos primeiros enjéos, seis meses sem me deixar dangar 0 rock and roll, a imbecil, a traidora, a criatura inoportuna, monstruosa, porque o rock and roll se danga com um par ¢ ele me abandonou e eles me encarceraram, mas aquela tarde eu dancei sozinha como uma louca diante de todos, quan- do tocou o meu rock preferido, o sangue jé descia até os meus tornozelos. MULHER VELHA: Eu gostava de dangar tango porque também odeio os homens, eu também os odeio; e quando dangavamos aquele pobre idiota nem percebia. E era feliz 0 infeliz, porque pensava que estava me dominando. Sempre dizia... o tango é dominio do macho...e eu sabia que nao, e deixei o meu macho plantado ali mesmo, no salao de bai- le, quando ele quis meter a mao no meio das minhas pemnas depois de ter dangado seu tango favorito (que era 0 que eu mais detestava). Pobre rapaz, nem lembro mais da sua cara, 56 me lembro das suas méos peludas como verrugas negras e o horror entre as suas pernas. Coitadinho. O nico homem na minha vida, por sorte, 0 nico, Nunca mais voltei a dangar com nenhum outro homem, nunca mais... e olha que eu gostava de tango, ‘olha sé que coisa mais estranha...eu gostava de tango. Pausa ‘SENHORA: Nao sabia que vocé estava aqui. MULHER VELHA: Nao tenha medo. Vooé acabaré se acostumando a esse lugar. Pausa SENHORA: Como o tempo passa. MULHER VELHA: Isso dizem. SENHORA: Mas vooé esta muito bem. MULHER VELHA: Nao é verdade. SENHORA: Falando sério. Pausa. A senhora olha fixamente para a MULHER VELHA, pega @ sua mao e se aproxi- ma. Se bejjam na boca, por um tempo. De repente, toca uma musica doce, cafona, anti- ga. Som ligeiramente defeituoso. MULHER VELHA: Vamos dangar? SENHORA: Vamos tentar. Se levantam, se abragam, dangam. MULHER VELHA: E horrivel, SENHORA: Insuportavel. MULHER VELHA: Ail Jé chega! Param de dangar. ‘SENHORA: Que absurdo. MULHER VELHA: Tirem isso! Parem! A misica para. SENHORA: E sempre assim? MULHER VELHA: Freiras velhas idiotas! SENHORA: Sempre assim? MULHER VELHA: Eu jé cansei de falar, mas ndo tem jeito. SENHORA: Que horror. MULHER VELHA: Se essa vitrola fosse minha... SENHORA: Se fosse... nossa... MULHER VELHA: Nada. Nada. Misica de asilo, musica de asilo, para velhos brochas, essas freiras de merda gostam de musica de asilo, adoram, ficam loucas e nao entra na cabega delas que eu detesto e que nao sou a Unica! Tudo bem. Tudo bem. Vou me quei- xar outa vez. SENHORA: Isso, vamos nos queixar. MULHER VELHA: Sim, as duas juntas, melhor nés duas juntas, unidas venceremos. SENHORA: Néo se preocupe, estou contigo, MULHER VELHA: Teremos que ser duras, fortes, intransigentes. SENHORA: Entao, sejamos duras, fortes, intransigentes. MULHER VELHA: Teremos que tomar medidas drasticas. ‘SENHORA: Como 0 que por exemplo? MULHER VELHA: Greve de fome. Greve de fome. ‘SENHORA: Isso! Até que ponham uma musica que a gente goste! Peusa MULHER VELHA: Talvez nos deixem morrer ‘SENHORA: Talvez sim. MULHER VELHA: Pra mim ja falta t@0 pouco tempo... ‘SENHORA: Nao! MULHER VELHA: Sim! Pausa SENHORA: Nés temos uma a outra. MULHER VELHA: Nao tenha medo! Voc8 acabaré se acostumando a esse lugar! Siléncio ‘SENHORA: Ainda bem que vocé esta aquil MULHER VELHA: Por que? ‘SENHORA: Ainda bem que nos encontramos de novo. MULHER VELHA: Que vocé té dizendo? SENHORA: Eu achava que jd tinha perdido vocé. MULHER VELHA: Que vocé ta dizendo? ‘SENHORA: Vocé me ensinou tanta coisa! MULHER VELHA: O que? O que? ‘SENHORA: Da vida. E em tao pouco tempo. MULHER VELHA: Desculpa. SENHORA: O.que, MULHER VELHA: E que eu nao me lembro de vocé. ‘A SENHORA chora. CENA4 Uma rua, Um latéo de lixo . MULHER VELHA e HOMEM VELHO. HOMEM VELHO: Puta vestida de velha MULHER VELHA: O que vocé ta procurando? HOMEM VELHO: Comida MULHER VELHA: Jé faz mais de dez anos que ndo nos vemos. HOMEM VELHO: Té com fome MULHER VELHA: Vocé nao vai me dizer nada? HOMEM VELHO: Puta. MULHER VELHA: Voc8 no vai me dizer nada? HOMEM VELHO: Puta. Puta. Puta. Vai embora, TO com fome. Pausa. O HOMEM VELHO mete metade do corpo no latéo e afunda nos sacos de lixo. MULHER VELHA: Sé tenho uns vinte minutos. Porque fecham o asilo as nove, Alguém me disse que vocé estava aqui. E hoje, enfim, eu decidi sair para procurar voc8. Dez a- nos é muito tempo mas vocé ndo mudou nada. Cito meia, jé $40 oito e meia. Estou andando ja faz mais de cinco horas. Porque sai depois de comer. E estive dando voltas e mais voltas. Nao conhego essas ruas, nem esse bairro. E olha que é o centro da cidade. Me disseram que vooé estava aqui. Jd sei que vocé dorme na rua, Que seu lengol 6 um jomal. Faz dez anos que sei, ¢ hoje, por fim, me decidi. Na verdade, nao sei porque. Ou 80 sei, ndo sei HOMEM VELHO; Uma sardinhal MULHER VELHA: Vocé ndo me da pena. HOMEM VELHO: Trés sardinhas! © HOMEM VELHO tira do lato um saco que acabou de rasgar. Se senta no chéo e tira do saco umas latas de sardinhas abertas. MULHER VELHA: Vocé nao me da pena. HOMEM VELHO: Vai embora puta vai embora so minhas. MULHER VELHA: Nao quero comer. HOMEM VELHO ~ Vagabunda vagabundaca sei quem vocé é sei quem voce é. MULHER VELHA — Vocé sabe quem eu sou, HOMEM VELHO: Sim: puta vestida de velha: um policial disfargado. Nao ndo nao! Nao corte meu cabelo quero ficar aqui ndo me leve ndo quero me favar vou peidar nao limpa o meu co- 6 gosto da merda seca assim minha bunda ndo tem frio as sardinhas séo minhas! MULHER VELHA: Por que ndo vem comigo para o asilo? HOMEM VELHO: Minha bundinha nao quer frio merda cocd quer cocé. MULHER VELHA: Por que nao vem comigo para 0 asilo? HOMEM VELHO: Minha Irma irmazinha vivia num asilo MULHER VELHA: Sua ima. HOMEM VELHO: Puta vestida de velha. Pausa. O HOMEM VELHO come avidamente metade de uma sardinha, MULHER VELHA: Tenho que ir. HOMEM VELHO: Sardinha. Sar MULHER VELHA: Vem comigo. HOMEM VELHO: Puaf asco porcaria tenho sede que salgada que salgada! Joga uma sardinha na cara da MULHER VELHA. MULHER VELHA: Ai. O que vocé té fazendo? HOMEM VELHO: Sardinhazinhaas salgadas para as putas velhas tenho fome tenho sede. © HOMEM VELHO volta a mexer no lato de lixo. MULHER VELHA: E se for a uitima vez que a gente se v8? Vocé é forte, est’ louco, os louces s&o fortes, fortes demais para morrer antes do tempo. Eu estou doente e sou mais velha que vooé. No muito, mas sou, sé trés anos, mas s4o anos. Agora $40, mas an- tes...0 que eram trés anos para nés? Nada. A gente se entendia. Sempre nos entende- ‘mos, nos entendiamos.. antes... principalmente antes... Quando apagavam a luz do nosso quarto, nés fatavamos em voz baixa, cochichavamos e morriamos de rir, nos entendla- mos. Nao tinhamos medo, confessvamos tudo um ao outro. HOMEM VELHO: Frango frito! MULHER VELHA: No tente me dar pena HOMEM VELHO: Um frango frito inteiro! Pega outro saco de lixo jé rasgado. Tira dele uns ossos de galinha. Se senta no chéo. Em volta dele, restos, MULHER VELHA: Nao tente me dar pena. HOMEM VELHO: Franguinho frito um peito e uma asinha. Nao vou te dar puta velha ca- minhoneira MULHER VELHA - Nao quero comer, nao tenho fome. \hazinha. Sardinhazinha bonita. A gostosa sardinha. Ele come. Ela o observa, se agacha e senta-se do seu lado, Ele a olha supreendido. HOMEM VELHO: A senhora ndo 6 um policial. MULHER VELHA: Nao. HOMEM VELHO: E uma velha. MULHER VELHA: Sou. HOMEM VELHO: Uma vetha que ja foi jovem. MULHER VELHA; E, HOMEM VELHO: A senhora é boa? MULHER VELHA: Sou. HOMEM VELHO: Entdo posso dizer um segredo segredinho. MULHER VELHA: Pode. Ele mostra a m&o e aponta um anel. HOMEM VELHO: Gosta? MULHER VELHA: Gosto HOMEM VELHO: Eu tinha uma mulher. MULHER VELHA: Eu sei. HOMEM VELHO: A senhora no sabe de nada. MULHER VELHA: Vem para o asiio. : HOMEM VELHO: Uma mulher minha minha. HOMEM VELHO: Morreu. MULHER VELHA: Jé faz tanto tempo. HOMEM VELHO: Me deixou. : MULHER VELHA: Vem para asilo. HOMEM VELHO: Me deixou. MULHER VELHA: Ja faz muito tempo. HOMEM VELHO: Me deixou antes de morrer. MULHER VELHA: Nao é verdade. HOMEM VELHO: A gente vivia junto. MULHER VELHA: © que vocé t4 comendo? HOMEM VELHO: A gente se via pouco. MULHER VELHA: Nao fale tanto. HOMEM VELHO: Minha mulher tinha uma namorada. (ri baixo) MULHER VELHA: Vem para asilo. HOMEM VELHO: Que frango mais gostoso. MULHER VELHA: Eu sou boa. HOMEM VELHO: Era eu quem cozinhava. MULHER VELHA: Estou morrendo, HOMEM VELHO: Minha irma. MULHER VELHA: Dez anos sem te ver HOMEM VELHO: E enquanto eu cozinhava... MULHER VELHA: Me perdoa. HOMEM VELHO:.. Minha mulher tinha uma namorada: minha irma. Silencio. MULHER VELHA: Estou com fome. Ele dé a ela um osso de galinha.. Comem. Olhares perdidos. Pausa. Ela se levanta com dificuldade. MULHER VELHA: Quinze. Quinze para as nove. O asilo fecha as nove. Voc8 nao quer vir comigo. Eu vou. HOMEM VELHO: Puta vestida de velha. Vocé esta morrendo, Ele solta uma grande gargalhada. n CENA 5 Uma rua, Escada de um bar fechado. HOMEM VELHO e MENINO. MENINO: Que 6 que tu tem af nos bolsos? HOMEM VELHO: Pra cama neném pra cama MENINO: Se é dinheiro pode ir passando. HOMEM VELHO: Que horas so? Nao é muito tarde ndo é muito tarde? Nao so trés horas nao sao quatro? MENINO: Cala essa boca. HOMEM VELHO: Oh calo calo MENINO: Diz ai, que que tu tem nos, bolso? vod é um menino e € de noite muito tarde muito tarde. MENINO: Vai passando. HOMEM VELHO: Ab filhodaputa filho da puta tua mae é uma puta. MENINO: Minha mde ndo é puta, babaca. HOMEM VELHO; Oh quer me roubar. Os filhosdaputa filhos das putas roubam e batem roubam e batem, Pausa. MENINO: Bil, Por que 6 que tu té olhando pra mim velho escroto? Té com cara de palhago? HOMEM VELHO: Palhago. Nao. E um menino. Os meninos nao andam a noite. Eu sim. Outros também. Entdo vocé nao é um menino. E um deménio um animal. MENINO: Tu que é um animal! HOMEM VELHO: Ah no Ah néo Ah ndo. Eu sou um homem sou um homem sou um. homer MENINO: Quer um cigarro? O MENINO tira um cigarro e funa. MENINO: Sao muito maneiros. O melhor, saca? Me custaram os olhos da cara, porque 6 do bom mesmo. HOMEM VELHO: Um cigarro. MENINO: Toma, 6 no vou com a tua cara, te acho nojento, asqueroso, mas eu te dé se tu ndo disser nada aos homé quando te encontrarem e perguntarem por mim, HOMEM VELHO: Nao digo nada ndo no ndo digo nada MENINO: Toma, mas tu néo me viu, falou? HOMEM VELHO: Nao vi ndo vi ndo nao vi nada © Menino the dé um cigarro @ acende com um isqueiro de ouro. HOMEM VELHO: (1i baixo) Do teu papai MENINO: Que é isso cara? Mau pai no fuma, idiota, eu roubei de um cara brother que eu até que ia com a cara dele e ele ia com a minha, ai ele ndo vai pensar nunca que fui eu que roubei. Ai, quer que eu te conte um lance? © HOMEM VELHO traga com prazer. HOMEM VELHO: Oh sim sim. Oh sim sim siifimmm, n MENINO: ©, 0 cara que eu roubei isso, é im cara que eu encontrei no metré e que me pas- ‘sou um bagulhinho, e sé me cobrou vinte pau, era do cacete, porra, uma merda que acabou, 6 que eu tenho um amigo nojento que fumou a metade, puta que pariu que anormal, o cara do metré levou a gente na casa dele, puta que pariu que casa meu irmao que casa puta que pa- riu, @ a gente tomou banho ali porque fazia uns cito dias que a gente néo tomava banho, meu amigo nojento e eu, e quando a gente tava assim no banho, a gente viu que 0 cara tava fi- cando pelado no quarto dele @ que no quarto do cara tinha uma mulhe peladona que disse: quem sao esses moleques? E ele disse que a gente tinha vindo comprar bagulho e a mulher se levantou peladona e entrou no banheiro, puta que pariu, tinha a booeta muito preta, puta que pari, e meu amigo e eu quase morremos de rir, o lance é que a mulher era cantora de um conjunto do caralho que se chama Cheiro de Sémen que eu e meu amigo, a gente tinha ido, tipo a uns quatro dias atrés, de moto, com uns brothers nossos, p6 que puta coincidéncia, né no? e ela disse que a gente era muito pequeno e eu perguntei se ela era a garota do Cheiro de Sémem e ela disse que sim e que quantos anos a gente tinha e tal e eu peladao disse que me amarrava muito no grupo dela e que tinha treze, e ai entrou o cara, que tinha um pau assim de grande 6, e fumando uma morra disse pra gente *se veste e cai fora" & passou pra gente 0 bagulho, e so cobrou vinte pau e a gente ficou brother, e como a gente ainda tinha sétenta e dois paus dos cem pau que meu amigo tinha roubado do pai, a gente comprou a parada, e ai eu roubei o isqueiro do cara e a gente saiu se mijando de rir, puta que pariu, af a gente furiou todo o lance numa noite, puta que pariu, e bebendo e tudo, e a gente Passou a noite na casa de uns maluco, porra que viagem meu irmao, eu voava como se fosse um anjinho, com 0 fuminho e as bebidas, e de manha eu ainda tava doidéo como se eu tives- ‘se no ou, sem barulho nem nada de nada, maior tranqiillidade @ senti o maior nojo de ver meu amigo dormindo como um idiota. HOMEM VELHO : Como um anjinho. MENINO: Mas af a gente saiu da casa dos cara e foi pra um buraco que uma galera tava morando e que uns malucos deram o enderego e abriram a porta e a gente disse “Pode- mos dormir ai? E disseram “té limpo, ta limpo, mas s6 uma noite, hein?”; ali tavam os cantores do Merda Social, a mulher do Lengdis Manchados e o baterista do Fudendo minha mée, era foda e a gente pensou “Porra, ainda sobram sessenta e sete paus ¢ es- ‘ses caras com certeza podem vender uma parada pra gente, porra manero.” E deram pra gente meio acidinho por cinquenta e cinco pau, é muito barato, eles disseram e meu ami- go nojento ¢ eu, a gente disse “porra maneiro’, e compramos e matamos ali mesmo, puta que pariu, cara, porra muito maneiro que viagem alucinei, tudo cheio de cores @ voamos © a genie tava no céu como um anjo e eu ndo pensava em nada e me mijava de rir. HOMEM VELHO - Como um anjo. MENINO — Aina manhé do dia seguinte a gente tinha doze reais e como a gente saiu fora &s dez e todo mundo tava roncando entao a gente roubou dez paus da mulher dos Lengtis Manchados e pegamos um énibus e todas as velhas idiotas e os velhos babacas como tu ‘se afastaram cagando de medo e eu pensava se a minha mae me visse também ia se ca- gar de medo. E com os dez pau rangamos uma pizza num parque que tava chelo de Mau- Ticinho, pé que nojo esses Mauricinhos, todos vestidinhos assim que nem veados e os ca- belos penteadinhos, se eu tivesse a grana que esses babacas tém, pé ia me entupir de maconha e de acidinhos, po, ia ser muito maneiro, mas depois da pizza s6 sobraram seis reais e quarenta centavos e 0 mago de cigarro custou dois e cinquenta, porra, muito caro, mas ndo 6 tao caro quanto o que eu comprei essa tarde, custou cinco e quarenta porque ‘s&o importados, ndo é verdade que sdo bons? Vinte e sete centavos cada cigarro, hein cara? Tu ta fumando vinte e sete centavos, é bom vocé saber, entéo a gente ja tava chei de ficar de bobeira pelo parque, 6 que a gente nao tem porra nenhuma para fazer em toda ‘a merda do nosso dia e ndo estamos afins de fazer nada mesmo. As vezes a gente fica meio mal e tudo é meio mal para gente, até & meio mal enrolar um base, e estivemos as- sim meio mal se balangando em uns balangos na pracinha até que uns brothers nossos trouxeram cerveja de graca “legal, esta noite também vou ficar nas nuvens", mas nao, por- que era sé uma garrafa e eu tive que dividir com meu amigo nojento e os quatro brothers, que tinham sido amigos do meu imo, entao, eu sé mamei uns quatro ou cinco traguinhos, mas um dos caras tinha um baseadinho, e com a cola que a gente tinha cheirado a noite ja tava feita, mas eles sairam fora porque eles nao fugiram de casa e eu fiz eles jurarem pelo B ‘meu irmao que se meus pais ligassem pra casa deles eles ndo iam dedar e ai eles foram embora e eu fiquei super bem me balangando no balango e sonhei com meu irmao. HOMEM VELHO- Um anjinho. Pausa MENINO ~ Como é que tu sabe? HOMEM VELHO - Como um sonho. Fala fala fata e ndo entendo MENINO ~ Como 6 que tu sabe? HOMEM VELHO — Anjinhos anjinhos estou vendo anjinhos. Que sonho. Chato chato vo- 8 6 um chato e ndo fala como eu. MENINO — Mas néo é verdade. HOMEM VELHO — Dormir dormir e nao falar mais chega ja chega. MENINO — Nao é verdade. Meu irméo nao 6 nenhum anjinho, cara. Minha mae é quem diz isso, todos os dias diz a mesma coisa, trés meses me dizendo a mesma coisa todos 08 dias; mas é mentira, e vou te dizer porque deus ndo existe, o céu é uma mentira, HOMEM VELHO — Cala a boca cala a’boca filho da puta dorme dorme e cala a boca MENINO — Meu irmao nao 6 nenhum anjinho, no colégio s6 dizem mentiras e os anjos no andam de moto, vocé ja viu alguma vez algum anjo com a cabeca aberta? Deus nao existe, 6 uma mentira nojenta, HOMEM VELHO - Pra cama nenen pra cama MENINO - Foi ali. Ainda da pra ver a mancha vermelha e negra do cérebro esborrachado. HOMEM VELHO ~ Dormir dormir sonhar. Silencio MENINO ~ Ta bom, agora jé chega, me da a grana de uma vez, 0 babacal HOMEM VELHO — Anjinhos anjinhos © menino comega a dar chutes no velho na barriga e Ihe revista os bolsos MENINO — Anda, porco de merda, babaca! Puta que pari, porra, escroto, veado, baba- al Porra, esse veado nao tem um puto, que merda! O anel! O menino com estor¢o, tira 0 ane! do Homem Velho, cospe na sua cara e sai correndo. HOMEM VELHO ~ Ai. Ai. Ai. Fitho da puta filho da puta filho da puta de anjinho! 4 CENA6 Banheiro de um apartamento, Banheira. HOMEM e MENINO. HOMEM: Grande, hein? MENINO: Nao 6 to grande como o teu. HOMEM: Té quase. MENINO: Quem me dera HOMEM: Quantos pentelhos, hein? MENINO: Mas ndo so téo crespos como os teus. HOMEM: Cada coisa tem seu tempo. MENINO: $6 quero ver. HOMEM: Vocé vai ver. MENINO: Por que vocé t olhando tanto pra mim? HOMEM: E voc6? MENINO: Quer tomar banho? HOMEM: Nao. MENINO: E a mame? HOMEM: Dormindo. MENINO: Nao quer tomar banho? HOMEM: Nao. MENINO: Ta muito boa. HOMEM: Quem? MENINO: Que que vocé acha? A agua HOMEM: Ah. MENINO: Em que vocé tava pensando? HOMEM: Que 6 que voc8 acha? MENINO: Na mamae. HOMEM: Ta boa? MENINO: Néo t& mal HOMEM: Nao ta mal. MENINO: Tem umas melhores HOMEM: Claro que sim! Claro que sim! MENINO: Mas também tem umas piores, hein? HOMEM: E, 6, € também MENINO: Mas muitas, hein? Muitas muitissimo piores. HOMEM: Vocé acha? ; MENINO: Vocé no enxerga? Nao vé por al? Nao olha quando elas passam na rua? HOMEM: As vezes. MENINO: Mentira. 1s HOMEM: E voc8? MENINO: Eu sempre. HOMEM: Até parece, vai, cala a boca MENINO: Nao quer tomar banho? HOMEM: Nao. MENINO: Eu ja t8 com os dedos enrugados. HOMEM: Entdo, sai. MENINO: Nao quero. HOMENM: Vai ficar mais enrugado ainda. MENINO: Até parece, vai, cala a boca. HOMEM: Esfrego as tuas costas? MENINO: Nao precisa. HOMEM: Quer alguma coisa? MENINO: Nao. HOMEM: Mmm...sabe que...? MENINO: Que? HOMEM: Amanha MENINO: Amanhé o que? HOMEM: Vooé vai ter um surpresa. MENINO: Quat? HOMEM: Nao, Nao vou contar. MENINO: Por que? HOMEM: Sendo néo vai ser uma surpresa. MENINO: Vai. Conta, HOMEM: Nao. Nao. MENINO: E a mamae também nao sabe? HOMEM: Nao. MENINO: Que é? HOMEM: Vocé vai adorar. MENINO: E pra mim? HOMEM: Pra todos. MENINO: Pra mame também? HOMEM: E pra todos. MENINO: Sei. Deixa ver. E quem vai gostar mais; vood, eu ou a mamae? HOMEM: Vocé vai gostar mais do que a mamae, MENINO: E voc8? HOMEM: Eu adoro, me deixa maluco, MENINO: Puta que pariu! Puta que pariu! Um carro novo! HOMEM: Shhhht. £. E, mas no conta para mamée. MENINO: Caralho, muito maneiro, muito maneirol 16 HOMEM: Me entregam amanhé de manha. MENINO: Ei, quando chegar vamos dar um rolé, t& bom? HOMEM: Esta feliz? MENINO: Eu t6. HOME! MENINO: Ei, a mamde também vai ficar, tenho certeza, hein? HOMEM: Claro que sim. MENINO: E que carro 6? HOMEM: Vooé vai ficar com 0 queixo caido. MENINO: JA t6 até imaginando. HOMEM: Sim. Shhhhht. Nao diga nada. MENINO: Uaaauuull! HOMEM: Eu pedi vermetho. MENINO: Maneiro 6 a cor que eu mais gosto. HOMEM: Por isso que eu pedi vermelho. u também, MENINO: Vou acordar a mame pra contar agora mesmo. HOMEM: Nao. Nao. MENINO: Vamos. HOMEM: Nao, é methor que a gente amanha chame ela Ié na rua ¢ ela encontre nés dois no carro, Vocé vai ver que cara ela vai ficar. MENINO: E verdade, j4 16 até imaginando. (ri baixo) HOMEM: E, vai ser muito divertido. MENINO: E. HOMEM: Vai ser engragado. MENINO: Néo quer tomar banho? HOMEM: Nao. MENINO: Vou botar mais égua quente. HOMEM: Vocé o que tem que fazer é sair. MENINO: Sé mais um pouco. Agora é que ta ficando bom, HOMEM: Nao deve fazer bem ficar tanto tempo dentro d’égua MENINO: Por que? HOMEM: Porque no. MENINO: Olha, se vai me encher o saco é melhor cair fora! HOMEM: Quem td te enchendo 0 saco? MENINO: Voo8, HOMEM: O que eu disse? MENINO: Jé ta comegando a brigar comigo. HOMEM: Quem? Eu? MENINO: Quem seria? O espelho? HOMEM: Quando que eu briguei com voc8? W MENINO: Que eu tenho que sair, que com certeza nao é bom, que eu vou pegar uma pneumonia, bah. HOMEM: Nao falei de nenhuma pneumonia. MENINO: Da no mesmo. la acabar falando. HOMEM: Tem vezes que eu ndo te entendo. MENINO: E tem vezes que eu ndo te agiiento. HOMEM: Vou pra cama. MENINO: Tem certeza que néo quer tomar banho? HOMEM: Tenho. MENINO: Nem comigo? HOMEM: Cabemos os dois? MENINO: Claro! Vocé jé esqueceu? O HOMEM se despe MENINO: E tem alarme o carro novo? HOMEM: O que vocé acha? MENINO: Eu sei la. HOMEM: Claro que sim. MENINO: Que mais que tem? HOMEM: Deixa ver...ar condicionado....teto solar eletrénico...trancas com controle remo- to...retrovisores reguléveis eletronicamente...abertura da mala e da tampa da gasolina de den- ‘ro do carro...ah, e equipamento de som estéreo com cassete @ Cd de alta fidelidade. MENINO: Cd de alta fidelidade! HOMEM: E. MENINO: Maneiro! O HOMEM entra na banheira HOMEM: Ai. Té pelando. MENINO: Que isso?! Té ¢ fria. HOMEM: Pra vocé, que ja t4 um tempao aqui. MENINO: Entra devagar. HOMEM: Té. MENINO: P6, Muito maior, né? HOMEM: Que? MENINO: O seu HOMEM: O meu? MENINO: Caralho! Nao té vendo? Que o seu é muito maior do que o meu? HOMEM: Que nada. MENINO: E tem montdo de pentethos HOMEM: Cada coisa tem o seu tempo MENINO: $6 quero ver. HOMEM: Vocé vai ver. MENINO: Como sobe a agua. 8 HOMEM: E verdade que td boa. MENINO: A mamae? HOMEM: A agua. MENINO: Papal, HOMEM: Que? MENINO: Ota HOMEM: Que. MENINO: Toca. HOMEM: Por que? MENINO: Acho que agora eu te ganho. HOMEM: Em que voc8 me ganha? MENINO: Olha como & que té grande. HOMEM: Ficou duro, Silencio. MENINO: A mamée té roncando. CENA7 Esta¢ao Central. Assentos de plastico. HOMEM e GAROTA. GAROTA: E como € que ela conseguiu descobrir? HOMEM: Pelo cheiro da tua boceta GAROTA: Vai 4 merda. HOMEM: Foi culpa minha, eu reconhego. GAROTA: E 0 que vocé disse pra ela? HOMEM: Nada. GAROTA: Nada. HOMEM: Que ela tava imaginando coisas. GAROTA E ela acreditou? HOMEM: Nao. GAROTA: E vocé vai fazer o que? HOMEM: Nao te entendo. GAROTA: T6 perguntando o que vocé ta pensando em fazer? HOMEM: Nada. GAROTA: Nao vai contar para ela? HOMEM: Voo8 ficou louca? GAROTA: Nao te entendo. HOMEM: Vocé vai perder o trem GAROTA: Nao. Eu vou ficar. HOMEM: Que maravitha. Posso saber, entéo, o que estamos fazendo aqui? GAROTA: Discutindo sobre a minha boceta e as suas grosserias. HOMEM: Quer saber ? E methor que a gente se separe, 16 falando de nés dois. GAROTA: Té bom. A gente se separa. HOMEM: Ainda da tempo. GAROTA: De que? HOMEM: De pegar. GAROTA: Pegar 0 que? HOMEM: O trem. GAROTA: Ah. HOMEM: Sabe, vocé devia se lavar com mais freqiiéncia. Com certeza assim a gente teria evitado um ou outro problema. GAROTA: Do que vocé té falando? HOMEM: Da tua boceta, claro. (problema? Eu disse “um ou outro problema’.....?) Olha, 6 que. 6 que falando sério, sua boceta tem um cheiro muito forte, que empesta, sabe? Tudo bem, eu reconhego que todas as bocetas tem cheiro, na verdade, fedem, ¢ evidente, soltam uma pesti- léncia doce, com um pouco de fedor, sé um pouco, ndo que seja desagraddvel, pelo menos de maneira geral. Mas acontece é que a sua...bom, agora que a gente terminou, eu posso falar ‘sem papas na lingua...a sua solta um fedor realmente insuportavel...6 estranho...n0 6 o tipico, 20 cheiro de bacalhau ou de peixe podre das boceta sujas na época da menstruagao, ndo, néo, 0 teu, o da tua boceta, é outra coisa, é mais azedo, mais acido que doce, como 0 ameniaco, uma coisa assim, como uma mistura de amonfaco e carne podre...Cada vez que eu penso eu acho mais ins6lito, em voc; quero dizer que vendo vocé assim, vestida, nunca imaginaria, até que eu pude comprovar com as minhas préprias nerinas...eu fiquei tao surpreso na primeira vez..(quando tempo ja fa2?...{f@s meses?)...normalmente as pessoas se favam, se limpam, na primeira vez, quero dizer, vao limpas e perfumadas ao primeiro encontro...Oh! me desculpe, na verdade, eu ndo sei se o seu problema é sujeira, vai ver € 86 algo fisiolégico, quero dizer uma espécie de doenga intemia, uma ma formagao ou infeccdo das glandulas (porque so glandulas © que vocés tém af dentro, ndo 2) sabe, que nem as pessoas que tem mau halito, que parece que tém estémago sujo, ou que jé tdo quase vomitando, se é que ja nao vomitaram...pois en- do, a primeira vez quando vocé tirou a calcinha, eu néo podia acreditar, néo, de verdade; des- culpa por s6 estar dizendo agora, depois de tanto tempo, depois que gente ja fez tantas vezes, mas so coisas que a gente s6 pode falar quando a relagao acaba e ndo existem mais cobran- gas, nem entraves nem nada que nos una, quando a gente se sente livre como eu me sinto agora, bom, pois na primeira vez eu quase voritei, como fedia, me lembro perfeitamente, puta que pariu, olhei de lado assim, disfargando, para o meio das tuas coxas segurando a respira- go © pensando que eu ia ver um vapor espesso e quente, uma fumiaga verde, sei Id, saindo la de dentro, de tao penetrante que era o fedor; mas a gente se acostuma a tudo; as ve- zes...olha...48 vezes nem lavando 0 pau com sabdo trés vezes seguidas saia 0 cheiro, ¢ eu tinha que carregar esse cheiro (0 cheiro da tua boceta) durante o resto do dia (porque a maior parte das vezes, ou melhor, todas as vezes, nds fizemos ao meio dia, lembra?); assim nao ti- nha jeito de esquecer de voo8. Agora que eu té pensando, ndo sei como ela ndo percebeu an- tes; ndo deve ter 0 olfato t&o fino como o meu, é dbvio...claro que, de qualquer maneira, os dias que eu fazia com vocé tentava ndo tirar a cueca na frente dela ou perto dela...eu ia cor- endo ao banheiro com as calcas do pijama, ensaboava o pau mais uma vez e enfiava a cueca direto na maquina de lavar, antes eu cheirava e me subia uma nsia de vomito...Que estranho, quando eu era jovem e as minhas cuecas $6 tinham o cheiro dos meus testiculos, e eu adorava cheiré-las. Agora, ao contrdiro...buf, sZo colsas que eu ndo consigo entender. Voce nao diz nada? Por que nao diz nada? GAROTA: Eu sonhei tudo isso faz uns dois dias HOMEM: Vocé ainda pode pegar o trem. GAROTA: Mas era diferente, HOMEM: Ta ficando tarde para mim. GAROTA: No sonho era diferente, mas nem tanto. A gente falava de acabar a nossa rela- :40, eu via vocé chegar. Me dizia que a sua mulher sabia da gente. Curiosamente, também estavamos numa estagdo. Mas era vocé quem ia pegar 0 trem. Eu lembro que vocé me in- sultava, Mais ou menos, como voeé acabou de fazer agora. Mas 0 que eu me lembro melhor era o que eu dizia pra voc8. Eu falava com vocé gritando no meio do barulho, cheio de gente em volta, viajantes com mala, vendedores de jomais, uardas, maquinistas, ¢ sobretudo lixeiros.... ixeiros vestidos com macacées laranjas (eram muitos, muitissimos, mithares milhares de lixeiros fosforescentes escutando de boca aberta as minhas palavras em frente ‘a nés dois, sentados no chao da estago, com as vassouras perto dos pés) E eu estava fu- riosa, mas lcida. Dizia que as desgragas no so frutos da casualidade. Os homens tem uma perigosa tendéncia a pensar que sim. As mulheres no. Eu nao. Eu sou uma mulher. E acusava vocé. Aos gritos. Eu acusava voos diante de todos. Vocé é o culpado. De tudo. Ab- soluiamente tudo. Todas as suas desgragas; a histeria da sua mulher, o seu principio de impoténcia, © desequilibrio do seu filho mais novo. E sobretudo, a morte do seu filho mais velho. Sim. Vocé € 0 culpado. O tinico culpado. E todos me aplaudiam. Todos me ovaciona- vam. Enido, vocé se levantava e ia embora. Sozinho. Pegava 0 trem. Sozinho. E descarri- hava, E viamos como o trem descarrihava com voc8 dentro, s6 voc8. E todos gritavam de alegria. E eu gritava de alegria. E comemorava. Todos comemoravam. Quando acordei, quis acreditar que era um pesadelo. Agora sei que foi uma simples premonicio. Vou embora. Nao quero perder o trem. Voc8 nao diz nada? Por que ndo diz nada? HOMEM: O seu halito fede...também...fede...0 seu halito 2 GAROTA: A boceta. © halt. Sabe o que fede em voc? A desgraca. Vocé tem a des- graga a flor da pele. HOMEM: Vocé perdeu 0 trem. GAROTA: Nao. Seu religio esté adiantado. Sinto muito. HOMEM: Se...na ultima vez eu tivesse me lavado... GAROTA: Nao teria acontecido nada? HOMEM: N&o. GAROTA: Com certeza. HOMEM: Ficaria tudo igual. GAROTA: Vocé vai me deixar 0 jornal? HOMEM: Para que? GAROTA: Para ler durante o trajeto, para que seria? HOMEM: Vocé vai conseguir? GAROTA: Vooé ta bem? HOMEM: Boa viagem. GAROTA: Ta arrependido de néo ter lavado o pau? HOMEM: Acho que...que nao. GAROTA: Entdo por que vooé té chorando? HOMEM: Adeus. GAROTA: Vooé néo tem nenhum motivo pra chorar. Na verdade, ninguém percebeu na- da. Ninguém sabe de nada. Ninguém me ouviu. Além do mais, ninguém se interessa, nem se importa com a sua desgraga. Muito menos os lixeiros da estacao. Fica trangiilo. Esta boceta fedida e este mau halito se despedem de vocé sem histerias nem gritos nem ataques de nervos nem ninguém que nos escute HOMEM: Os sonhos sao scnhos. GAROTA: E isto nao é um teatro HOMEM: Os sonhos sao mentiras. GAROTA: E 0s trens nao descarilham HOMEM: Adeus. Siléncio. GAROTA: Eu odeio vocé. 2 CENA8 Cozinha de um apartamento. GAROTA © SENHOR GAROTA: Que vocé ta fazendo? SENHOR: Uma salada GAROTA: E ja ta pronta? SENHOR: Nao GAROTA: Que mais vocé val fazer? ‘SENHOR: Quer me ajudar? GAROTA: Quer que eu ajude? SENHOR: Nao. GAROTA: Melhor. Prefiro olhar. SENHOR: Como antes. GAROTA: Nao entendo como vocé pode gostar tanto. SENHOR: De que? GAROTA: De cozinhar. SENHOR: Vocé sempre opés resisténcia GAROTA: A que? SENHOR: A aprender. GAROTA: Com alguém que o fizesse minimamente bem, ja era o bastante. ‘SENHOR: Passa a faca. GAROTA: Eu disse que olharia, que s6 olharia. SENHOR ~ € verdade. GAROTA -~ Nao gosto dessa calea. Fica... SENHOR - Linguado GAROTA - Que? SENHOR - Linguado. Depois da salada um bom linguado. GAROTA — Péssima. Fica péssima em voce. E para jovens. SENHOR - Sou jovem. GAROTA - Ontem encontrei uma amiga que me disse uma mentira. ‘SENHOR - Essa alface ta cheia de vermes. GAROTA ~ Joga fora. SENHOR - Que amiga? GAROTA - Odelo vermes. ‘SENHOR ~ Sei que o saleiro esté bem perto de vood, GAROTA - Té na minha mao. SENHOR — Olha. Olha bem. Nao te pego nada, té vendo? Eu mesmo venho buscé-lo. Pode soltar, j4 que voeé & to gentit? Muito obrigado. Bom, agora pode continuar olhando. GAROTA - Uma amiga do colégio. Fazia anos que eu nao a via. 23 SENHOR — Acho que jd sei quem 6. GAROTA — O que vocé té fazendo com o sal? SENHOR - Britham tanto. GAROTA — Que nojo, ‘SENHOR ~ Quando vocé toca neles, eles se dobram sobre si mesmos. Fazem bolinhas. GAROTA Te vé muito na rua. SENHOR ~ E quando vocé os mete efi um montinho de sal, explodem. GAROTA — Me disse que vocé & o homem maduro mais interessante que ela jé viu. ‘SENHOR - Pafl GAROTA — Vocé 6 nojento. ‘SENHOR ~ An! J sei quem 6. GAROTA - Mora perto daqul SENHOR — E que mentira ela te disse? GAROTA ~ Me disse que voc8 é o homem maduro mais interessante que ela jé viu. SENHOR - E que mentira ola te disse? GAROTA — Quer parar de brincar com esses vermes nojentos? Vou acabar vornitando! SENHOR ~ Vocé jé no olha como antes. Vocé cresceu. Cresceu demais. Antes olhava € nada mais. Agora olha e fala. Critica GAROTA — Vocé nem perguntou como foi a minha viagem. ‘SENHOR ~ Como foi a sua viagem? GAROTA — Esse avental ndo 6 0 seu. ‘SENHOR - Como foi a sua viagem? GAROTA ~ Bem, muito bem, estou muito feliz com meu novo trabalho, felicissima e ado- ro viajar e poder estar longe dessa cidade de merda e esta viagem me fez muito bem. ‘SENHOR — J no tem mais vermes. ‘GAROTA — Olha bem, ndo deixa que sobre nenhum. SENHOR — Vocé tem razdo, esse avental é da sua mae. GAROTA — Vocé deu de presente para ela. SENHOR ~ Que meméria. GAROTA — Que presente estipido. SENHOR ~ Pratico. GAROTA - Estupido. Vocé comprou para vocé. ‘SENHOR — Gosto mais do que do meu. GAROTA — Eu que dei o seu de presente pra vocé ‘SENHOR — Olha sé que linguados! GAROTA — Peixe mais insosso. Faz um més que eu ndo venho e vocé decide fazer 0 peixe mais insosso que existe e uma salada triste, uma salada triste cheia de vermes & um peixe sem gosto; eu telefono a mil quilémetros de distancia, mil quilémetros e digo: “chegarel amanhé e irei vé-los, irei jantar com vocés, porque depois de amanhé volte a Viajar” e vocé prepara de propésito os pratos mais inadequados, é verdade, ja estou até vendo, vejo perfeitamente: fitha chata, visita de passagem, reuniao familiar forgada, en- contro sem graga, menu sem graga: salada e linguado! SENHOR — Voeé ndo falou da guamigao. 24 GAROTA - De que? SENHOR — Do linguado. GAROTA - Que? SENHOR ~ Batatas fervidas. Pequinininhas. Redondinhas. GAROTA — O que foi que eu te fiz? SENHOR ~ Sao tdo gostosas. GAROTA - Sei. E vai demorar muito para ficar pronto? E porque...sabe o que aconte- ce?...6 que... eu 16 com muita pressa. E falando nisso, e a mamde? Jé ndo devia ter che- gado? Ou também vai fechar a loja mais tarde do que de costume sabendo que estou aqui...quanto menos tempo me vendo melhor? O que vooé acha? SENHOR — Acho que é um bom menu para manter a linha GAROTA — Da mamée. O que vocé pensa? ‘SENHOR — Nao sei, E vocé? GAROTA ~ Que ja deveria estar aqui. SENHOR - Talvez sim. Ai, mas sel Id. la acabar botando tudo de cabeca para baixo. GAROTA — Acabariamos antes. SENHOR ~ Sujaria toda a cozinha. GAROTA — Ela no tem essas frescuras. SENHOR ~ Suja tudo. GAROTA — Pelo menos ela nao tem. ‘SENHOR — Seria horrivel. GAROTA — Seria normal ‘SENHOR — Detesta a cozinha e estraga tudo. GAROTA ~ E voc8? Por que vooé gosta? SENHOR - E um dom. GAROTA - Uma merda. ‘SENHOR - Uma heranga. GAROTA — Perdida. Perdida. Eu ndo te suporto. Uma heranga perdida. Eu ndo a tenho, no a recebi, nunca quis aprender. 'SENHOR — No fundo nao se pode aprender. GAROTA — Portanto nao falhei, como vocé pensa. ‘SENHOR - S&o to pequinininhas, as batatas. GAROTA — Nao falhei. ‘SENHOR — Tao difici! descascé-las. GAROTA — A sua heranga acaba em voc. SENHOR —~ Acho que a sua mae est chegando. GAROTA — Acaba em vocé. ‘SENHOR ~ Nao t4 ouvindo seus passos na escada? GAROTA — E ndo restaré nada de vocé. SENHOR — Nao t4 ouvindo o ruldo das chaves na fechadura? GAROTA — Absolutamente nada. 25 SENHOR — Ja sente o cheiro do seu perfume? GAROTA ~ Voo8 esta sozinho. ‘SENHOR — Vai recabé-a. GAROTA ~ E nao é por minha culpa. De repente, num impulso, 0 SENHOR atira todos os utensilios da cozinha no cho. Gran- de barulho. Siléncio. SENHOR — Por que vooé néo faz a comida? GAROTA - Por que vocé se ama tanto papai? 26 CENA9 Pequeno apartamento. Uma cama. SENHOR e RAPAZ ‘SENHOR carrega um pacote enorme. SENHOR — Um presente, RAPAZ- Que é? ‘SENHOR — Adivinha. RAPAZ — Pela forma é facil. Um quadro. ‘SENHOR — Nao. Nao desembrulha. Ainda néo. RAPAZ — Por que? SENHOR — Vocé jé vai ver. RAPAZ — Deixa ele aqui. SENHOR —Me dé um uisque. RAPAZ — Nao tenho. ‘SENHOR — Nao tem? RAPAZ — Voo8 acabou com a garrafa. SENHOR ~ Nao me lembro. i RAPAZ — Era eu quem enchia seus copos, SENHOR — Nao lembro. RAPAZ ~ E normal. SENHOR — Que é que vocé tem? RAPAZ ~ Eu t6 nervoso. SENHOR ~ De bebida. 0 que vooé tem de bebida RAPAZ ~Agua, ‘SENHOR ~ E muito pouco. RAPAZ — Nao te esperava. SENHOR — Por que vood td nervoso? RAPAZ — Hoje... na casa da minha mae. Minh: SENHOR Eu a vi anteontem. RAPAZ — Por isso. ‘SENHOR ~ Pela rua, como sempre. RAPAZ — A gente tinha que morar mais longe. Todos, mais longe. Que merda de Todo mundo acaba se encontrando, mais cedo ou mais tarde. Jé néo existe mais i SENHOR ~ Se vocé quiser sim. RAPAZ ~ O que vooé quer dizer? ‘SENHOR — Sabe quantos anos eu tenho? RAPAZ — Ndo quero saber. ‘SENHOR - Por que? RAPAZ - Nao sei. Eu ia ficar angustiado. 27 ‘SENHOR — Cinquenta. RAPAZ — Pronto, fiquei angustiado. ‘SENHOR — Quem diria? RAPAZ — Ninguém, realmente. SENHOR — Cinquenta, 0 que ndo impede que a sua irma... RAPAZ - Faz de propésito. E na frente da minha mae. Fala na frente da minha mae. Como das outras vezes. E quando fala me olha. ‘SENHOR ~ Vooé acha que ela te olha. RAPAZ — Me otha. Fala para mim. Para me mostrar que ela sabe. SENHOR - Paranéia. Vamos mudar de assunto. RAPAZ- Tenho medo. SENHOR.~ Angustia. Medo. Vocé é jovern. RAPAZ — Nao. ‘SENHOR ~ Me da agua. RAPAZ ~ Abro 0 pacote? SENHOR ~ Tenho sede. Ainda nao. RAPAZ — Se serve vocé mesmo. SENHOR ~ Me serve vocé. RAPAZ - Fica a vontade. ‘SENHOR — Jé estou. RAPAZ - O que a gente tava falando? ‘SENHOR ~ Nao me lembro. RAPAZ — De intimidade. ‘SENHOR ~ Ah, sim. Tenho cinquenta anos. RAPAZ — Vou fechar a janela. ‘SENHOR - E nem minha prépria filha sabe de nada. RAPAZ — Esses apartamentos de merda. ‘SENHOR — Quer chupar? RAPAZ ~ Quero. SENHOR — Jé estou com a calga aberta, RAPAZ ~ Se a gente néo fecha, eles véem tudo. ‘SENHOR ~ Seus labios. RAPAZ — Vizinhos de merda. SENHOR — Vem. Rapido. RAPAZ ~ Vocé néo queria... Agua? ‘SENHOR - Depois. Tira a roupa. RAPAZ — Tira a roupa vooé também. SENHOR - Tira a minha roupa vocé. RAPAZ ~ Vooé vai me deixar fouco. ‘SENHOR — Poe a mao. 8 RAPAZ — Me deixa louco. SENHOR - Vocé gosta de mim. RAPAZ ~ Gosto. Muito. © SENHOR tira a roupa violentamente do RAPAZ SENHOR — Agora sim. Agora. Agora. Vem. RAPAZ — Agora o que. O que? ‘SENHOR — Pega o pacote. Depressa. RAPAZ — Agora? O pacote? Agora? SENHOR - Sim. Vern, depressa, RAPAZ - Que eu fago? Que...que vocé quer? Que... quer que eu faa? SENHOR — Pée aqui. Diante da cama. Nao. No pé da cama. Eneima. Aqui. Isso. Endirel- ta. Nao. Mais perto. Apoia em uma ou duas cadeiras. E isso. Sim. Assim. Perfeito. RAPAZ -- E agora 0 que? Que eu fago? Que...que tenho que fazer? ‘SENHOR — Nao tenha medo. RAPAZ — Nao tenho medo. ‘SENHOR — O seu ndo esté duro. RAPAZ ~ Nao tenho medo de vooé. SENHOR — Desembrutha. Rasga o papel e vem aqui. RAPAZ - E um espelho. ‘SENHOR ~ Vem se aproxima. Venha, vem aqui. Pega nele. Assirh. Sua boca. Isso mes- mo. Faz gostoso. Devagar. Sem pressa. Quero ver tudo. Até o final. Sua pele. Eu t6 vivo. Devagar, devagar. Eu gosto tanto. Gosto tanto. Vocé faz tao bem. Nao. Nao, nao, ndo. Nao olhe. Vocé nao olha. Nao olha. Que vocé té fazendo? RAPAZ ~ Também quero me ver, quero ver. Quero olhar. SENHOR — Depois. Depois. Continua. Sem olhar. Até 0 final. Assim. Isso mesmo. Depois eu fago em vooé. E vocé vai se olhar. Vai nos olhar. Assim. Assim. Isso. S6 nés. Os qua- tro. Os quatro, sozinhos...Sozinhos? Até parece! Somos... quatro! Ah. Assim. Assim. Ah. Vocés trés...08 Uinicos que me amam. Siléncio. 2 CENA 10 Sala de jantar de um apartamento pequeno.. Mesa e cadeiras. RAPAZ E MULHER RAPAZ — O jantar tava muito bom. MULHER ~ Hoje fiquei um tempo me olhando no espelho: jé fazia uns dias que eu ndo me olhava, talvez umas duas semanas, ou talvez...dez anos; talvez pela primeira vez em minha vida, eu me olhei por um longo tempo, detalhadamente e com insisténcia; eu tava acabando de chegar do mercado com um humor de cachorra, que vocé conhece muito bem: as coisas ndo param de subir e subir com uma velocidade que eu bem que gostaria de ter para subir as escadas deste edificio velho e decrépito, imagina, muito adequado para uma mulher da minha idade e condigéo (vocé néo diz nada”): pois entdo, eu vinha tao carregada. RAPAZ — Me faz um café. MULHER ~ E quando eu estava abrindo a porta e tocou 0 telefone e vocé nem imagina quem era. RAPAZ — A administradora de apartamentos dizendo que vai subir seu aluguel. MULHER ~ Vocé néo acha estranho que um telefone toque no mesmo instante em que se esta enfiando a chave na fechadura da porta? Nao? Pois eu sim, ndo sei se ja tinha acon- tecido comigo, é como se as duas coisas estivessem ligadas ou fossem uma coisa 86; a- lém do mais, vocé sabe muito bem: que nao é nada freqiiente que alguém telefone para essa casa, ndo é normal, 6 anormal, vocé sabe disso melhor do que eu: inclusive eu sem- re achei que o motivo principal que te levou a me deixar, quero dizer, a ficar independente (é assim que vocé fala, néo ¢ verdade?) foi porque o telefone tocava pouco nessa casa, é sim, é sim, estou falando sétio, sempre pensei que foi por isso; tudo bem, agora imagina 6 a minha cara, cansada e angustiada, com as sacolas do supermercado me cortando literalmente os pulsos @ com a carteira vazia no sovaco, a carteira...vazia, quando ainda faltam varios dias para chegar ao fim do més. Correndo, para ndo perder a bendita chama- da, larguei as sacolas no chao de qualquer maneira e quebraram sete ovos; bom, imagina 6 eu correndo feito uma louca para 0 quarto, e por uns milésimos de segundos pensei como eu gostaria de ouvir uma voz agradavel que me perguntasse como eu estou e me ajudasse a passar agradavelmente o resto do dia, 0 resto dos dias, o resto dos meus dias. RAPAZ - Vou mijar. O RAPAZ sai. A Mulher continua falando como se nao tivesse acontecido nada. Enquan- to fala, se levanta e dé uma busca nos bolsos da jaqueta do RAPAZ que esta pendurada na cadeira. Encontra a carteira e conta o dinheiro. MULHER ~ Mas no. Era uma amiga da minha irma mais velha, que vive num desses lugares para pessoas como ela, desses onde eu ndo pretendo botar meus pés nessa vida. Mexendo em uns papéis, sei |4, ela acabou encontrando por acaso meu telefone e me ligou para que eu fosse visitar a ela e a umas amigas e...e me animar a ... a it nao sel aonde em um desses carros especiais para pessoas como...como nés. Que horror! Ela me disse, como nés! Imagina o programa. Enfim, me fiz de idiota e comecei a falar de coisas sem importéncia e do meu estado de satide que ndo melhora e que maravitha € da gentleza e simpatia das pessoas desse bairro e de que eu estou feliz vivendo nesse apartamentinho antigo mas com muito charme e desliguei o telefone em dois tempos e sem dar tempo para que ela respirasse e voltasse a me convidar; enfim, mal eu desliguei ful como uma sondmbula para o banheiro e me olhei no espelho. Mas, o que té pensando aquela mulher, aquela...velhal!! Como se atreve a telefonar para mimll? Mas tudo bem, rndo tem problema; quando eu me olhei eu me acalmei em seguida: continuo sem ne- nhuma ruga. Posso ficar mais uns dez anos sem ter que me olhar no espelho. 30 Tira uma nota da carteira do RAPAZ e e pée dentro do decote, disfargadamente. Mas 0 RAPAZ ja tinha entrado sem que ela percebesse. RAPAZ -E 0 café? MULHER ~ Ail Que susto! Vooé e essa sua mania, néo vai mudar nunca. Vocé é um sé- dico, um sadico, Porque voc nasceu desse jeito? Por que? Eu ndo posso entender. RAPAZ — Acho que eu vou embora, MULHER—A quem voc puxou? A quem? ‘ RAPAZ ~ Té dizendo que eu vou embora. MULHER — Ao seu pai, com certeza que nao, ele era um homem encantador, galante € educado e que em paz descanse. RAPAZ.- Senta. MULHER- E a sua irma menos ainda, sensivel, terna, incapaz de matar uma mosca. RAPAZ—Se acalma. MULHER- E que néo se pode estar assim pela vida, dando sustos desta maneira, assus- tando as mulheres como vocé assusta, porque se vocé assusta a mim, com certeza as- ‘susta também as outras mulheres. RAPAZ — Que mulheres? MULHER — Oh, as que eu imagino que voo8 esconde naquele buraco em que voce vive, vai saber para fazer o que. RAPAZ ~ Por que vooé ndo vai me visitar um dia desses? MULHER — Tenho que tomar o comprimido RAPAZ ~ Por que vocé nao se senta? MULHER — Também vocé nunca me convidou. Devo ser um estofvo para vocé. RAPAZ - Vou tomar 0 café na rua MULHER — Val tomar 0 café aqui, comigo. RAPAZ ~ Quanto vocé quer? MULHER — Jé te disse mil vezes que da proxima vez que vocé vier jantar pode trazer alguma amiguinha, se vocé quiser. Eu ndo me incomodo, pelo contrario. E nés mulheres nos entendemos, E seria menos chato. Por que vocé 6 tao chato? Ui, 0 comprimido. Por que voc é t4o cansativo? RAPAZ — Nao! Depois! Depois vocé toma! MULHER — Depois de que? RAPAZ — Nao sei. MULHER — De que? RAPAZ — Nao sei , me deu um branco. MULHER ~ Vou fazer o café para vocé. RAPAZ ~ Nao. MULHER ~ Ah, agora vocé no quer o café? RAPAZ - Nao. MULHER - Existe alguém que entenda vocé nesse mundo? RAPAZ ~ Duvido. MULHER ~ Vooé tinha que ir a0 médico. RAPAZ ~ Vooé ficou louca? 31 MULHER ~ Agora tem uns étimos. Até fazem companhia para vocé. RAPAZ ~ Estou em branco. Me deu um branco. Um branco. Fiz uma pergunta e vooé ndo me respondeu. Nao sei porque a gente gasta tanto tempo desta maneira. Vocé me liga, me liga, me liga quase todos os dias e me repete a mesma coisa: que venha te ver, que venha te ver; jd sei que vooé é a melhor cozinheira do mundo, ndo duvido, nunca duvidel; se vocé soubesse a propaganda que fago de vocé por ai, vocé nao acreditaria que as coisas que digo sobre vooé sao palavras minhas. E eu abro uma concessdo e venho te ver; mas ndo sei porque fico aqui tanto tempo, deve ser masoquismo, sabe o que significa isso? Claro, com certeza vooé sabe, com certeza , se vocé sabe o que significa sadico, também sabe 0 que significa masoquista; ndo, ndo, ndo se assuste, me deu um branco porque nao sei Porque alguma coisa esté me impedindo que eu va embora daqui sem que antes vocé te- nha respondido a minha pergunta; espero a sua resposta da mesma maneira que voc8 esperava ansiosamente, desesperadamente minha pergunta ( vooé sabe disfargar mas eu te conhego); € tenho que agiientar durante todo um jantar insuportavel ~ delicioso, nao Posso negar - , mas lento e chato, cheio de conversas vas, vazias...Nés podemos econo mizar 0 sacrificio, a partir de hoje, presta atengdo; isso de ficar em branco, mame, eu nao gosto, me deixa doente; eu digo para vocé que me faca um café e vocé ndo faz, eo tempo se alonga e tudo ¢ inutil, porque na verdade vocé esta esperando e eu estou esperando e esperar cansa @ me deixa mal ¢ tudo fica parado e tudo nos machuca e se perde. Por isso, desta vez néio mude de assunto e nem se faca de surda, porque eu quero ir embora daqui © quanto antes, mame no se preocupe; eu voltarei, voltarei outro dia, talvez na outra semana, ou no outro ano, porque sou seu filho. Quanto voc8 quer? MULHER - Cem. © RAPAZ tira 0 dinheiro da carteira RAPAZ —Dez. Vinte. Trinta. Quarenta. Cingilenta. Sessenta. Setenta. Oitenta....e noventa Pe 0 dinheiro no decote da MULHER, violontamente. RAPAZ — Os outros dez....te dou outro dia, MULHER ~ Obrigada, fiho. RAPAZ — Foi um jantar maravilhoso. MULHER - O café vocé toma na rua, néo é verdade? RAPAZ ~E. MULHER — E que eu tenho que tomar o comprimido e vocé sabe que me da um sono terrivel RAPAZ -~ Serd que existe alguém que me entende nesse mundo? MULHER ~ Eu, filho, ou. Siléncio. MULHER ~ Tchau, filho. RAPAZ - Tchau. MULHER ~ Te ligo amanha. RAPAZ - Se eu estiver trepando, nao vou atender. MULHER - Agora que vocé vai comegar a brincar? O RAPAZ sai. A MULHER vai até a mesa. Se senta. Tira as notas do decote, as arruma @ tenta alisa-las. Toca a campainha. 2 EPILOGO .»Toca a campainha da porta. A MULHER se levanta e anda em dire¢do a porta. O- Iha pelo otho magico. Sorri e abre. HOMEM JOVEM — Boa noite. MULHER - Entra, entra. Desculpa a bagunga. HOMEM JOVEM - Se a senhora pudesse me fazer um favor... MULHER ~ Claro que sim, imagina...Quer sentar? HOMEM JOVEM ~ Nao, no, 6 um segundo. MULHER ~ Como o senhor preferir... senhor 6 quem sabe. HOMEM JOVEM ~ Poderia encher esse copinho de azeite de oliva, por favor? Amanha eu devolvo, sem falta. MULHER - Com muito prazer, com muito prazer, e ndo precisa me devolver nada. HOMEM JOVEM — Muito obrigado. MULHER - S6 um momentinho que...oh, mas...’mas...oh....que aconteceu com 0 seu rosto? HOMEM JOVEM — Néo, ndo é nada. MULHER — Esté machucado? HOMEM JOVEM ~ Nao, ndo, nada, ndo é nada. MULHER ~ Ai. Ai. Sente-se, sente-se, por favor...Foi na escada, ndo é verdade? Vocé caiu na escada? Foi isso? Que horror. Espera sé um segundo, vem aqui comigo, senta aqui, fica calmo, pode ficar traniilo, trangiilo. A MULHER vai até um mével ¢ pega algodao e agua oxigenada. MULHER- Aqui, senta aqui. Nao tenha medo. Nao precisa se preocupar. Eu cuidarei de vocé como se eu fosse sua mae. Melhor ainda. Lentamente, com muita delicadeza, a MULHER passa um algodao molhado na agua oxi- genada no rosto do HOMEM JOVEM. Em siléncio. Ele olha a MULHER e se deixa curar Por ela. Ela Ihe seca cuidadosamente as gotas de dgua com o algodo seco. Ele relaxa ¢ sorri. Ela the acaricia suavemente 0 cabelo. Ele pega a méo dela em sinal de agradeci- mento. Ela ihe beija a testa. Ele Ihe belja a mao. Se olham nos olhos. ( Dois seres estra- nhos parecem se encontrar) O ar se torna célido e sensual. As notas que estavam na mesa caem no chdo. fim 33

Você também pode gostar