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Um Clownsamento Junino – Fernando Leão

Um Clownsamento Junino
Fernando Leão

(Cenário de festa junina de interior. Os clowns passeiam, conversam, jogam


nas ‘argolinhas’, ‘rabo do burro’, etc. Fios de lâmpadas incandescentes
iluminam e transpassam o palco. Música instrumental ao fundo.)
Narrador
(Como um narrador de rodeios/vaquejadas) Viva São João! Viva a festança!
Festança boa! Acorda pra dança! Acorda zabumba, acorda ganzá. Olha o
sanfoneiro, olha o ‘triangueiro’, que belo terreiro, bandeira, balão, só falta
animar e eu grito de novo: acoooorda meu povo!!! Acorda, meu filho, é festa
do milho, festa de fartura, por isso segura, segura, segura a cintura da tua
mulher, seu Mané! E acorda Oliveira, Ferreira, hasteia, da alegria, a bandeira!
Acorda Tavares, acorda Soárez, são ares de festa nesse sertão! Acorda Girão,
Leão, Simeão, o sol se escondeu! Acorda Abreu, é o luar que entra em cena.
Acorda Lucena, Lourenço, Loureto, os ‘homi’ mandou cantar e dançar! Então,
vem Balthazar, alegra o terreiro e acorda Monteiro, Cordeiro, Pinheiro,
Ribeiro! Acorda Rabelo, vem tocar rabeca para esses homens! Acorda
Gonçalves, Coelho, Gomes! Acorda Melo, bota uma mola na mala, joga tudo
numa mula e vem brincar nesses quintais. Acorda Morais, Macedo, Maciel,
Mota, Magalhães, vem tocar na banda! Acorda Holanda, ‘tu’ não vai ficar só!
Já acordei Mororó que acordou Varela que acordou Caetano que fez o milagre
de acordar Façanha. Quem acorda é quem ganha! É bombinha, é foguete, é
busca-pé. De pé, Cavalcante, chama Carvalho que é bacamarteiro e atira pra
cima! Acorda Lima, acorda Sales, acorda França, vem encher a pança de bolo
de milho e de aluá. Acorda Bezerra, acorda Meneses, acorda Meireles, vem
matar saudade. Acorda Costa, vem contar piada à tua maneira. Acorda Souza,
Silva, acorda Silveira, acende a fogueira pra que esse calor nos encha de
amor, acirre as paixões, e que os corações a incendiar consigam expulsar a tal
solidão. – “Não te quero, não”, diz coração. Manda a solidão ir embora, já
chegou a hora. É só na gramática, na terminação, que coração e solidão
combinam, e só porque rimam não venham dizer que têm algo a ver. Na vida

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Um Clownsamento Junino – Fernando Leão

real, solidão te faz mal, meu ‘coraçãozim’. Não fique assim jururu, vai caçar
amor pra tu, um teu semelhante, vai...
(a partir desse momento, o narrador interfere na festa dos clowns. Narra
movimentos, faz perguntas, provoca, etc.)
E é nesse instante que aquele ‘cabrinha’ vê a ‘bichinha’ e tenta chamar
atenção. Óia, parece um galo de rinha, o peito todo estufado, a cara chega
cora. Tem calma, abestado, se não tu ‘estóra’. A moça, de papo com a amiga,
tá toda entretida, fala em mudar de vida, de arranjar namorado que se faça
esposo seu... e o moço do outro lado, já ficando ‘empalamado’, e ela nem fé
deu. Mas o macho vai tentando. (nesse momento, o clown pega bolinhas de
papel de vários tamanhos e vai jogando para chamar a atenção do outro
clown. A última bola é muito grande.) Resolveu jogar uma pedrinha...
nadinha. Outra pedra... nada. Outra... nada. Pegou uma p... ei rapaz, tu é
beréu? Joga essa pedra na moça e ela sai que é um papel. Olha, eu não devia,
mas eu vou lhe ajudar. Psiu... moça... moça... psiu, moça, olha pra cá.
Moça... se não olhar é feia... (ela olha) óia, ficou toda cheia de perna, toda
faceira. Agora deixe de besteira e olhe pra esse rapaz bonito. (ela dá a
entender que não o considera bonito). Não, eu sei que ele é feio mas nem é
assim tão esquisito. Ele é leal, é uma boa pessoa, é, ele é legal, é ameno, ô
mocinho, o rapaz é até marrom, ‘marromeno’. Olhe direitinho, olhe. Chegue
mais perto. Mais um pouquinho. Ele quer, ‘tu’ também quer, vai dar certo.
‘Certim, Zezim’. Vamos, chega, olha. Vai tu também, cabra frouxo. Tu tá é
mudando de cor, tá verde, amarelo, roxo. Nã. Vai, não pára no meio do
movimento. Ô homem lento. Vai que ela tá olhando pra ti. Vai jabuti. Vai,
chega. Isso, isso. Agora, dá a mão. Ô coisa difícil, num sei não. Pelo menos,
chegou. Pronto. Vão dar um passeio, vão.
(Música instrumental aumenta enquanto os clowns passeiam)
Ô passeio proveitoso. Ele falou dois minutos e ficou todo orgulhoso. Ela falou
quatro horas. Achou pouco, mas ficou satisfeita. A primeira impressão foi
desfeita, chegaram ao entendimento e a resolução foi bela: ele vai à casa
dela pedir sua mão em casamento. Viva os noivos!!! Ele está meio nervoso
mas segue sua trilha. (ele faz exercícios de ginástica e pára em alguns
momentos para ensaiar a postura e a impostação que falará com a família da

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Um Clownsamento Junino – Fernando Leão

noiva) Quer mostrar-se corajoso e trabalha com a cachola para ver se não se
enrola ao falar com a família. Ela, ora, ela está bem confiante e aposta suas
fichas na coragem do amante. (depois de um tempo, ele se prepara e vai à
casa dela. Ela reuniu vários parentes que o esperam) Ele vai se aproximando,
e vinha todo machão, quando foi estranhando uma dor, uma pressão na altura
do abdômen, e pensou: - “êpa, que é isso, eu sou é homem, sou duma raça
danada”. Ora, quando viu a ‘parentada’ da mulher com aquela cara de boi,
não pôde se segurar, começou a se borrar, deu meia volta e já foi. Correu sem
nada dizer. A noivinha se revolta, mas termina por entender. Aquilo foi
acidente e podia acontecer a qualquer cristão. ‘Simbora’, bichão, se anima.
Levanta, troca a cueca e dá a volta por cima. (Ele faz o gesto de que está
mais aliviado) Então, vai. Vai falar com o pai. Mas vá devagar, não deixe
desunerar. Tá pensando que é brinquedo? O medo não brinca, não. Ora, que
quando o rapaz chegou, levantou uma multidão, era uns cinqüenta e seis, ô
povo repugnante, e o ‘noivim’ no mesmo instante deu meia-volta outra vez. A
mocinha se danou e tinha toda a razão. Será que ela se enganou? Ele era
homem ou não? Será que gostava dela? Toda vida ele amarela na hora de
conversar. O rapaz agora parou, tomou ar, se ajeitou, bateu o pé e disse: - “é
agora, seja o que Deus quiser”. Voltou à casa da mulher e viu a família
inteira, quando olhou para o lado tava a noivinha com uma peixeira, não tinha
pra onde correr e começou logo a dizer quais eram suas intenções, que
conheceu a menina e logo se enamorou, (sons de lobo uivando) inventou umas
mansões, carro, gado, que morou fora do estado e enquanto mentia, ouvia um
lobo uivando do lado. Pois era noite de lua, vai lhe dando um mal estar, seu
corpo se transformando, não consegue mais falar, se batendo, se babando,
não lembra mais o seu nome, o rapaz é um lobisomem (gritos, correria, etc.).
A família enlouquece, o lobisomem vai se embora e a moça apenas chora.
Chora, chora, chora desconsolada. E a mãe, apiedada, oferece-lhe o ombro. A
moça se aquieta. Dão-lhe água com açúcar mas logo mais um assombro. O
rapaz reaparece e parece bem sem força, sem vida. Está sem ação. A família
decidida se levanta e dá-lhe um “NÃO”!!! Saem todos do lugar. A noivinha o
abraça e quem dá o ar da graça são seus amigos que aparecem montados em
burrinhas. Eles entendem o recado, montam nos animais e fogem pra

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Um Clownsamento Junino – Fernando Leão

igrejinha. O delegado e seus capangas, sabendo da confusão, arregaçam suas


mangas, doidos pra levar mais um ‘frangote’ pra prisão. Conversam com,
mãe, com pai, e decidem, naquele momento, que vão agora à igreja acabar o
casamento. Os noivinhos se ajoelham, ela já o perdoou, agora vão poder
casar. Esperam apenas o padre para lhes abençoar. Mas eis que na hora de
dizer “sim” o noivinho fica mudo, é que vai entrando uns ‘meninim’ com uma
mulher esquisita. Uma mulher que amaldiçoa, que chora, que grita. Não pode
ser boa pessoa e embora o padre não queira, precisa ao menos saber que
espécie de feira se criou na casa de Deus. Ora, o padre nem falou e outra
louca já entrou dizendo que os seus meninos há muito esperavam o pai, e o
pai era aquele cretino que agora estava ‘iludino’ outra moça de família. E
essa ainda tava berrando quando outra foi entrando com dois ‘filho’ e uma
filha. O tempo já tinha fechado e noivo, de lado a lado andava, quando
chegou quem faltava: os ‘capanga’ e o delegado, todos de cara brava, afim de
levá-lo preso. A Mocinha só chorava, e chorava tanto e tanto... se apegava a
Deus, a santo e se perguntava se era o fim daquele sonho, se aquele
matrimônio não se realizaria... e no meio das ‘rezaria’ um milagre aconteceu.
Sabe quem apareceu, sorrindo, cheio de alegria? O santo do matrimônio.
SANTANTÔNIO!!! O santo foi logo chegando, apartando a confusão, era mulher
de joelho, gente lhe beijando a mão, era o padre desmaiando e as ‘carola’
gritando, cantando hinos de louvor. O ‘rapazim’ ia casar, agradece ao
Salvador, agora não tinha medo. E nesse agradecimento, quando os braços
levantou, o povo não agüentou o cherinho de azedo. O santo, no mesmo
instante, abriu o seu matulão, tirou um desodorante e xiringou no rapaz. O
cherinho melhorou, a noivinha se acalmou, o padre abençoou, oh glória, e
tudo se acabou em paz. Êêêhhh!!! Viva os noivos!!! É festa, meu povo!!!
(fim)

Fortaleza, junho de 2004.


(revisto em junho de 2008)

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