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Finalmente todas as noites sem dormir e os finais de semana enfiada nos livros valeram a

pena, passou em primeiro lugar no curso de Letras e já tinha alugado um apartamento em um bairro
perto da faculdade, agora só faltava a mudança, mas sua mãe não estava facilitando.
- Mãe, não fica assim, minha casa é a 2 horas daqui!!!!
- Mas filha, se é tão perto porque você não fica aqui em casa?
- Me desculpe, mas não vou ter essa conversa com você de novo, mamãe. Eu te amo, mas
já conversamos sobre isso e eu não vou mudar de ideia, eu preciso fazer isso!!!!
Não gostava de falar assim com a mãe, mas sabia que se fraquejasse nunca se mudaria.
Subiu para o seu quarto e terminou de encaixotar suas coisas para poder levar para o carro,
precisava chegar à nova casa antes do meio dia, pois suas aulas começariam na segunda-feira cedo e
precisaria de pelo menos três dias para arrumar suas coisas e estar muito descansada.
- Estou indo, mãe!
Sabia que sua mãe não estava gostando da sua mudança, mas esperava o mínimo de apoio
dela, mas pelo visto isso não seria possível, pegou a última caixa e foi para o carro, seu pai teria que
cuidar do temperamento da mãe. Deu a última olhada para trás e foi para o carro, estava com uma
sensação estranha, como se nunca mais fosse ver a sua casa novamente, sabia que isso não poderia
ser verdade e que provavelmente o sentimento se devia ao fato de sua mãe ter tido um
comportamento tão frio e por ter ficado com tanta raiva dela, mas algo a estava incomodando.
Chegou ao apartamento ao meio dia e começou a descarregar suas caixas, como o prédio
não tinha elevador ela tinha muito trabalho pela frente de decidiu começar logo, afinal tinha que
subir quatro lances de escadas levando 10 caixas com suas coisas. Respirou fundo e começou a levar
as caixas, na terceira viagem levou um susto que quase a derrubou escadas abaixo, uma garota mais
ou menos da sua idade apareceu do nada no seu andar.
- Oi, vizinha!
Milena deu um pulo de susto e derrubou a caixa com seus livros, nunca tinha visto essa
garota e agora ela quase a derrubou das escadas.
- Meu Deus! Quem é você???? Você quer me matar?????
Uma expressão estranha passou pelo rosto da menina, mas sumiu antes que Milena
pudesse decifrar e então ela respondeu:
- Eu sou Angélica, moro no apartamento vizinho ao seu com a minha avó.
- Ah... Entendi...
- Você quer uma ajudinha com as caixas?
- Não precisa se incomodar, eu estou quase terminando...
- Não parece que está, vamos lá, me deixe te ajudar!
Aparentemente seria mais difícil fazer a garota desistir de ajudar do que levar as caixas
sozinha, então concordou e em 10 minutos acabaram de levar todas para dentro e Angélica ficou
parada na porta como se esperasse por alguma coisa.
- Então tá... Muito obrigada, Angélica.
- Pode me chamar de Angel! Você não vai me chamar pra entrar? Podemos arrumar suas
coisas juntas e conversar!
- Ahnnnn... Angel... Não quero ser grossa, mas é o meu primeiro dia aqui e eu gostaria de
ficar um pouco sozinha...
Milena viu novamente a expressão estranha no rosto de Angélica, mas novamente não
conseguiu identificar. Angélica sorriu e desceu as escadas cantando, o que fez com que Milena
tivesse arrepios pelo corpo, mas entrou e começou a desempacotar suas coisas. O apartamento era
bem pequeno, mas ótimo para uma pessoa morando sozinha, começou pelo seu quarto que seria o
lugar que ela precisaria primeiro, pois tinha certeza de que não receberia visitas tão cedo.
Terminou de arrumar seu quarto e foi tomar banho, após o longo banho de que estava
precisando, deitou em sua cama para tentar cochilar um pouco e de repente lembrou-se de uma
coisa que não conseguiu definir se era importante ou não, mas que definitivamente a deixou
intrigada. Quando alugou o apartamento foi informada de que não havia ninguém morando nesse
andar e que não teria vizinhos, mas Angélica disse que morava no apartamento vizinho ao seu com
uma avó seria possível que o zelador tivesse se esquecido de duas moradoras?
Essa lembrança acabou com seu sono e ela resolveu ler um pouco, pegou seu livro e foi se
sentar no sofá na sala de estar, era estranho estar sozinha em casa, mas ao mesmo tempo era
reconfortante saber que finalmente tinha conquistado a independência, começaria a estudar e
trabalhar na segunda-feira e poderia seguir com sua vida. Com certeza sua mãe repensaria no caso e
viria visita-la, apenas tinha que dar tempo para ela, sabia como deveria ter sido difícil essa separação
para sua mãe.
Após um tempo começou a sentir fome, afinal só havia tomado café da manhã e já estava
no meio da tarde. Trocou de roupa e foi até uma padaria perto do seu prédio para comer alguma
coisa e decidiu fazer algumas perguntas, não sabia por que, mas essa vizinha surpresa a estava
realmente incomodando. Assim que a garçonete trouxe seu lanche resolveu puxar assunto.
- Você trabalha aqui faz tempo?
A garçonete a olhou estranho e levou um tempo para responder.
- Sim... Alguns anos... Por quê?
- Só curiosidade... É que acabei de me mudar para o prédio da esquina e ainda não conheço
ninguém na cidade, eu vim por causa da faculdade...
Sentiu que a garçonete relaxou um pouco e aproveitou a oportunidade para fazer mais
perguntas. Começou a falar sobre o bairro, perguntando a respeito do que existia lá para se divertir,
a respeito das boas lojas, supermercados, até que chegou ao assunto do seu prédio, algo lhe dizia
que precisaria ser muito sutil, pois esse seria um assunto delicado.
- E o meu prédio, ele é bem antigo, né, Janaína?
- Sim.
Sentiu Janaína se fechando e começou a ficar bem intrigada e pensar que tinha alguma
coisa errada com sua nova “casa”, mas decidiu continuar a perguntar e dessa vez foi bem direta.
- Então você deve conhecer todos os moradores do meu prédio... Você conhece a Angélica?
Ela me disse que mora com a avó no quarto andar.
- Não conheço ninguém com esse nome, agora me dá licença que eu preciso trabalhar.
Sabia que ela estava mentindo e começou realmente a sentir que havia algo muito errado a
respeito de Angélica, mesmo com uma sensação ruim resolveu comer e voltar para seu apartamento,
pesquisaria na Internet para ver o que havia de errado com o seu prédio. Acabou de comer e quando
ia se levantar para pagar a conta Janaína se aproximou e disse apenas uma palavra, mas que gelou
sua espinha.
- Fuja...
Não teve tempo de perguntar nada, pois a garçonete já havia voltado para a cozinha,
levantou, pagou sua conta e foi para o apartamento, agora sabendo que tinha algo muito errado
relacionado ao seu apartamento. Na volta começou a prestar atenção ao bairro, com uma visão
diferente agora, e percebeu que o seu prédio ficava em um lugar bem isolado na rua, as casas ao
lado pareciam abandonadas e pensando bem, ela nunca havia visto nenhum morador no prédio
quando ia visitar o seu apartamento.
Chegou ao apartamento com uma horrível sensação de que havia algo muito errado com
tudo isso, mas sabia que não podia simplesmente voltar para a casa de sua mãe, não agora que
estava tão perto de conseguir o que sempre sonhou. Ao abrir a porta do seu apartamento, encontrou
um bilhete que havia sido colocado por baixo da porta, era de Angélica, convidando-a para uma festa
de boas vindas no apartamento dela. Milena jogou o bilhete no sofá e pegou seu celular para ligar
para a mãe.
- Mãe, sou eu...
- Oi, filha. Me desculpe pelo meu comportamento mais cedo, eu fiquei nervosa e acabei
fazendo uma coisa horrível.
- Tudo bem, mãe. Só queria ouvir sua voz, eu estou sentindo uma coisa muito estranha
aqui...
- O que foi, filha?
- Nada, eu acho... Só percebi algumas coisas que não tinha percebido antes a respeito do
meu apartamento.
- Você quer que a mamãe vá aí?
- Não, mãe, não precisa. Eu estou bem, só preciso me acostumar...
- Tem certeza?
- Tenho sim, mãe... Te ligo mais tarde, tem alguém batendo na porta, beijos, amo você.
- Eu também, filha. Fique com Deus.
Milena sentiu uma forte vontade de chorar, mas se conteve, não queria deixar sua mãe
preocupada, até mesmo porque não tinha certeza se havia algum motivo para preocupação. Foi até a
porta e encontrou Angélica parada com uma expressão de impaciência olhando para baixo, abriu
mesmo sem vontade nenhuma de falar com ninguém, principalmente essa sua estranha vizinha.
- Que bom, você está de volta! Onde você estava?
- Desculpe, mas não acho que isso te interessa... Eu estava indo me deitar, posso te ajudar
em alguma coisa?
Os olhos de Angélica ficaram sombrios por apenas um instante, mas logo ela voltou à
postura animada que já estava irritando tanto Milena.
- Não! Eu só queria saber se você leu o meu bilhete, minha avó já está preparando as
comidinhas para nossa festa.
- Angélica, eu não quero ser chata, mas não estou com tempo para festas, preciso arrumar
meu apartamento antes do início das aulas e já estou atrasada, além do mais, preciso ler um livro
para a faculdade...
- Tudo bem eu entendo, fica para outra hora...
Angélica foi para o seu apartamento, seus olhos estavam diferentes, quase inteiramente
negros, Milena sentiu um arrepio passar por seu corpo quando seus olhares se cruzaram, mas os
olhos de Angélica voltaram ao normal e Milena entrou em seu apartamento antes que mais alguma
coisa estranha acontecesse.
Pegou seu notebook e decidiu pesquisar a respeito desse prédio, agora quase convencida
de que tinha algo muito estranho a respeito desse lugar. Colocou o nome do prédio em um site de
pesquisas e ficou chocada com o que encontrou, dez garotas que mudaram para esse bairro haviam
desaparecido e nunca foram encontradas, continuou pesquisando e as informações foram piorando,
segundo uma reportagem o prédio havia sido condenado e não era habitado há anos.
Milena se levantou apavorada, como podia ser verdade? Quando ia visitar o apartamento
sempre ouvia barulhos como se houvessem pessoas no prédio e o lugar não parecia abandonado de
jeito nenhum... Pensando bem, hoje não havia visto ninguém no prédio o dia todo, a não ser Angélica,
sua estranha vizinha, e o prédio estava com uma aparência muito diferente do dia em que foi fechar
o contrato de aluguel.
Decidiu que se mudaria desse lugar na segunda-feira, ficaria apenas o final de semana, pois
não conseguiria encontrar nada nesses dias. Pela manhã ligaria para sua mãe para pedir que seus
pais passassem o final de semana com ela, não queria ficar sozinha com essa terrível sensação.
Tentaria dormir um pouco agora, sabia que não seria fácil com todas essas informações a respeito de
seu novo apartamento, mas tinha que tentar.
Trancou a porta e todas as janelas do apartamento e foi para a cama, ao contrário do que
pensava, caiu no sono quase instantaneamente. Começou a ter um sonho horrível, sonhou que
estava em uma floresta, no meio de um círculo de pessoas vestidas com túnicas vermelhas e todas
olhavam para ela, Milena tentava se mexer mas não conseguia, começou a ficar apavorada quando
viu que a líder do grupo era Angélica, começou a gritar e acordou com o coração batendo tão forte
no peito que quase não podia respirar.
Decidiu se levantar para pegar um copo d’água e dessa vez gritou de verdade, Angélica
estava parada na porta do seu quarto, com uma túnica vermelha e dessa vez Milena teve certeza de
que os olhos estavam totalmente negros. Tentou se levantar, mas não conseguiu, algo a estava
prendendo à cama, não sabia como, mas tinha certeza de que era Angélica, ficou completamente
apavorada, tinha certeza de que teria um ataque do coração a qualquer momento, como isso
poderia estar acontecendo?
Angélica se aproximou da cama e Milena pode perceber que até mesmo sua pele estava
diferente, seu peito começou a doer terrivelmente e então Angélica falou:
- Não senhora! Preciso do seu coração batendo!
Então Angélica deu-lhe um soco tão forte que Milena ficou inconsciente, enquanto
desmaiava pode ver a expressão de triunfo da vizinha e tudo o que conseguiu pensar antes de ficar
inconsciente foi em sua mãe e como ela ficaria preocupada com ela.
Milena acordou em um lugar escuro, com uma dor de cabeça terrível e com gosto de
sangue na boca, tentou se mexer, mas estava amarrada a uma cadeira, sentiu uma dor aguda no
braço e percebeu que estava com uma agulha enfiada em seu braço. Tentou se localizar, procurando
saber onde estava, mas estava muito escuro, a única coisa que conseguiu ver foi que havia uma outra
cadeira no quarto e uma pessoa estava desmaiada, dormindo ou morta nela, começou a sentir de
novo o pânico em sua garganta e começou a gritar.
Angélica abriu a porta e acendeu a luz, queimando seus olhos e fazendo com que ela
desejasse o escuro novamente, o lugar em que estava era apavorante, era um apartamento como o
seu, mas havia sido modificado, transformado em um grande laboratório. Prateleiras foram
colocadas em todas as paredes e continham frascos com coisas que Milena não pode e nem queria
descobrir o que eram, havia mesas com instrumentos cortantes e agulhas espalhadas, mas a pior
coisa que Milena viu foi o que estava na outra cadeira, era uma mulher que parecia ter mais de cem
anos, mal parecia ser humana, era mais como uma caveira sentada na cadeira. O mais apavorante e
que fez com que Milena perdesse os sentidos novamente foi que a mulher estava na cadeira do
mesmo jeito que Milena estava.
Acordou com um tapa que a fez gritar, era Angélica agora com uma faca na mão e um cálice
na outra.
- Você conheceu minha avó? – disse com uma gargalhada que gelou o sangue em suas
veias – Vou te falar a verdade agora já que você não vai poder contar para mais ninguém. Essa que
você está vendo não é a minha avó, era a minha vizinha, morava no mesmo prédio que você e agora
já não mora em lugar nenhum.
Milena não queria escutar nada a respeito disso, mas sabia que precisava ganhar tempo
para pensar no que fazer e tentar se salvar então perguntou com uma voz que não parecia dela,
ouviu sua voz como se viesse de outro lugar.
- Como assim? O que você está fazendo comigo? O que você fez com essa senhora?
- Senhora?! Você ainda não entendeu, não é? Eu ainda tenho bastante energia então vou te
explicar, acho mais do que justo que você saiba o que vai acontecer com você.
“Essa senhora que você está vendo tem 19 anos e se mudou para esse prédio há duas
semanas, o nome dela era Julia. Não me interrompa!!! Eu vou te contar tudo desde o começo,
quando eu acabar você pode fazer perguntas. Há quase 500 anos eu era uma garota fraca como você
e comecei a ficar muito doente, no meu vilarejo nós tínhamos uma curandeira que acabou me
levando para sua casa quando meus pais morreram, pois viu que eu estava prestes a ter o mesmo
destino.
Joana me curou e começou a cuidar de mim, disse que tinha cansado da vida e que não
poderia partir sem compartilhar os seus encantamentos e livros, então começou a me ensinar muitas
coisas. Aprendi a fazer alguns feitiços utilizando os elementos, água, fogo, terra e ar, eu fiquei
admirada, eu nem sabia que magia existia e muito menos imaginava que me tornaria uma bruxa.
Após me passar tudo o que achou necessário e prudente Joana se retirou para a floresta e nunca
mais a vi.
Comecei a ler alguns livros, procurando por algo que pudesse ser novo e mais interessante
do que eu já sabia, sabe, eu sempre fui uma garota ambiciosa... Acabei encontrando um livro
escondido que tinha uma capa vermelha e alguns rituais muito interessantes e o principal deles era
um feitiço que permitia que a essência da vida fosse transferida de uma pessoa para a outra. Isso
realmente incrível! Esse ritual permitiria que eu vivesse para sempre! Eu não perderia essa chance de
imortalidade por nada!
Naquela época tínhamos muitos andarilhos e encontrei uma garota andando na floresta,
assim que soube que não tinha família decidi usá-la para meu teste e levei-a para minha casa, segui
todas as instruções e não acreditei no poder que aquela poção me deu! Na hora soube que não
poderia parar nunca mais, não se pode abrir mão desse tipo de poder, então comecei a escolher
vários andarilhos, sempre que me sentia fraca, mas com o tempo percebi que quanto mais fortes e
novas fossem as minhas vítimas mais tempo de poder eu tinha.
Mudei então a minha escolha de vítimas e agora estamos aqui!”
Milena não sabia o que fazer, era muita informação para processar e a visão do cadáver ao
seu lado não era nada reconfortante, falou a única coisa que veio à sua mente:
- Você vai me matar?
- Bem... Vou sim, mas não se preocupe, vai ser quase indolor.
- Mas por quê? Me solte e eu prometo que não vou à polícia!
- Você não estava ouvindo? Eu preciso de pessoas pra continuar assim, não é simples ficar
assim com 480 anos! Eu só preciso de um pouco do seu sangue para minha poção e se você tiver a
força da Júlia ainda tem duas semanas de vida.
- As pessoas vão me procurar, isso não vai ficar assim!
- Sinto te decepcionar, mas mesmo que te procurem ninguém vai te achar, esse prédio é
encantado, quando te procurarem aqui vão encontrar um prédio abandonado e vão achar que você
fugiu e você vai apenas compor mais estatísticas de desaparecimento.
- Não, por favor...
- Agora você está me cansando! Vou te fazer dormir um pouco porque o meu tempo está se
esgotando.
Enquanto ficava inconsciente novamente, Milena viu alguns fios brancos aparecerem na
cabeça de Angélica e então se lembrou da única palavra de aviso da garçonete da padaria e deu o
último grito da sua vida que se perdeu no escuro onde ninguém poderia ouvi-la nunca mais.

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