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TURMA 2019
Módulo I
Unidade 1 - História da Psicologia Junguiana
(...). Mesmo assim Jung tinha pacientes para tratar, de modo que tomou
a decisão consciente de que, se as pessoas buscavam sua perícia, ele
tinha a obrigação de pelo menos escutá-las. Não faria interpretações
baseadas em seus textos científicos anteriores porque, nas condições em
que se encontrava, não estava mais seguro de seu valor. Mais
importante ainda, não faria diagnóstico algum baseado em suas
interpretações dos escritos dos outros, especialmente de Freud. (BAIR,
2006, pag.320)
VULGARIZAÇÃO DA PSICANÁLISE
A palavra “psicanálise” vulgarizou-se a tal ponto, que quem usa o termo
até parece entender o que ele significa. No entanto, em geral, o leigo
desconhece o significado real da palavra: de acordo com a vontade do
seu criador, ela designa apenas, e acertadamente, o método inaugurado
por FREUD, para reduzir complexos de sintomas psíquicos a certos
processos instintivos recalcados; e, na medida em que esse
procedimento não é possível sem a base conceptual correspondente, o
conceito da psicanálise inclui também certos pressupostos teóricos, a
saber, a teoria sexual de FREUD, conforme exigência expressa de seu
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conferência de Weimar (Alemanha) em 1911. No final deste mesmo ano Jung encerrou
a análise com ela apesar da sensação crescente de “se sentir envolvido por ela”.
Toni Wolff era a única pessoa, além do filho de seis anos, Franz, que
Jung permitia que se sentasse com ele enquanto brincava às margens do
lago. Em geral ela se sentava em silêncio, fumando, um pouco afastada,
tentando buscar abrigo do sol que lhe feria os olhos e queimava a pele
clara, falando apenas quando ele iniciava a conversa. (BAIR, 2006,
pag.323)
Toni Wolff foi a única pessoa, durante o início de 1914, a ler o Livro
negro, e se Jung teve qualquer tipo de psicanálise formal (ou informal),
esta fora feita por ela naquela ocasião. (Ibidem)
Se Jung era o centro espiritual do Clube, Toni Wolff com certeza era a
sua viga mestra. Sendo uma pessoa extremamente introvertida, ela
achou muito difícil lidar com o clube de início, mas, à medida que os
anos foram passando, ela foi destinando cada vez mais energia para ele,
tendo sido, sem dúvida, a melhor presidente que o clube já teve. O clube
deve a ela mais do que a qualquer outra pessoa, exceto o próprio Jung,
por sua dedicação e iniciativa para desenvolver sempre novas
atividades; em suma, Toni foi quase tão importante quanto o próprio
Jung para o Clube Psicológico, em especial durante os seus primeiros
anos de existência, devido ao suporte e companheirismo que
proporcionou a muita gente solitária. (HANNAH, 2003, pag.138)
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(...) o Clube Psicológico passou por alguns períodos difíceis dos quais
eu sei apenas de ouvir. Em determinado momento, o próprio Jung
chegou a deixá-lo, embora a continuidade tenha sido garantida pela
presença de Emma Jung e Toni Wolff e por vários discípulos leais. Não
demorou muito, porém, para que Jung cedesse aos apelos e retornasse.
Ele já havia percebido, bem antes desses contratempos, que palestras e
discussões científicas não eram o bastante para manter a coesão de um
grupo. Sendo assim, ele não só incentivou diversos encontros sociais,
como também dava grande ênfase aos contatos sociais e aos petiscos
que sempre eram oferecidos durante os intervalos entre as conferências
e as discussões subsequentes. (HANNAH, 2003, pag.203)
Outra razão para que o próprio Jung criasse o Instituto C. G. Jung pode,
provavelmente, ser encontrada em um texto gnóstico, que contém um
diálogo entre João Batista e Cristo, no qual o primeiro pretende manter
os mistérios em segredo, pois as pessoas não os compreenderiam e os
destruiriam. Cristo, por seu turno, pensa que os ensinamentos devem ser
proporcionados a todos, para o bem dos que venham a compreendê-los
e beneficiar-se deles. (HANNAH, 2003, pag.306-307)
Já no final dos seus dias, podemos ver o mesmo conflito, que na ocasião
foi solucionado através de um sonho: depois de uma firme recusa, ele
finalmente decidiu abrir o processo de individuação para um público
bem maior, mediante a publicação de O Homem e seus símbolos.
(HANNAH, 2003, pag. 307, grifo do autor)
MARIE-JEANNE SCHIMID
Era uma cabana deste gênero que eu queria construir, uma morada que
correspondesse aos sentimentos primitivos do homem. Ela devia
oferecer uma sensação de refúgio e de abrigo, não só em sentido físico,
mas também psíquico. (BAIR, 2006, pag.321)
No princípio não pensei em fazer uma verdadeira casa, mas apenas uma
construção de um andar, com lareira no centro e beliches ao longo das
paredes, à maneira das moradas primitivas. Tinha diante dos meus olhos
a imagem de uma cabana africana: no centro, cercado por algumas
pedras, o fogo brilha e em torno dele se desenrola a existência da
família. (JUNG, 2006, p.163)
Era uma cabana deste gênero que eu queria construir, uma morada que
correspondesse aos sentimentos primitivos do homem. Ela devia
oferecer uma sensação de refúgio e de abrigo, não só em sentido físico,
mas também psíquico. (JUNG, 2006, p.164)
[Recorte] TEMENOS
“Área consagrada, circundada por um templo. ”
“Círculo sagrado onde uma pessoa pode ser ela mesma, sem medo. ”
O templo de Qasr al-Bint em Petra (Sul da Síria) na qual uma grande porta com três vãos
separava a zona pública da zona sagrada, ou temenos, e permitia o acesso ao templo.
TEMENOS – Uma palavra usada pelos antigos gregos para definir um recinto sagrado (isto é,
um templo) dentro do qual a presença de um deus pode ser sentida.
O uso da palavra por Jung não acrescenta nada a seu significado original, porém lhe dá uma
aplicação psicológica. Aplicava-a de forma quase metafórica para descrever: a área
psiquicamente carregada que circunda um complexo, inabordável pela consciência e bem
guardada por defesas do ego; um recinto analítico (isto é, da transferência) dentro do qual
analista e paciente sentem-se na presença de um inconsciente potencialmente avassalador e uma
força demoníaca; a área da psique mais estranha ao ego e caracterizada pela numinosidade do
Self ou Imagem de Deus; e o continente psicológico moldado pelo analista e pelo paciente
durante a análise é caracterizado por um respeito mútuo a processos inconscientes, sigilo, um
compromisso com uma atualização simbólica e confiança no senso ético um do outro.
A TORRE DE BOLLINGEN
A Torre foi construída principalmente como um local onde Jung pudesse “renascer na
pedra” e onde pudesse ser ele próprio em sua totalidade, “um local de contemplação
espiritual”. Um destaque sobre a importância de Bollingen para o equilíbrio psíquico de
Jung obtém-se do seguinte relato:
Bollingen era principalmente um local onde [Jung] podia ficar bem
sozinho e onde mesmo os mais chegados não podiam aparecer de
surpresa enquanto estivesse trabalhando, e ele gostou disso mais do que
qualquer outra coisa do início ao fim. Somente cerca de dois anos antes
de sua morte, eu estava sentada perto dele certo dia em que estava
cortando lenha junto ao lago. Falávamos da crença budista na
reencarnação. Comentei que, nesse caso, esperava fosse a última vez
que eu tivesse de reencarnar! Jung começou concordando
animadamente, como sempre ocorria em tais discussões, mas então
subitamente ele parou, ficou olhando em volta em silêncio e disse:
“Não, eu estou errado. Se fosse para ter Bollingen, eu estaria disposto a
voltar”. (HANNAH, 2003, p.161)
De acordo como Zacharias (1995), a tipologia de Jung seria: Atitude introvertida, com
função principal Intuição e função secundária Pensamento. Podemos confirmar esse
parecer através de descrição da Dra. Nise da Silveira ao relatar:
O conhecimento da vida e da obra de Jung, a valorização que ele dá aos
fatores subjetivos, permitem situá-lo do lado dos introvertidos. (...). Mas
a leitura atenta de seus livros, permite discernir que sua função principal
era a intuição. Parece que em visões de longo alcance ele apreendia o
sentido dos processos psíquicos de maneira imediata para depois passar
todo o material assim colhido pelos crivos do pensamento, trabalhando-
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A IMPORTÂNCIA DE BOLLINGEN
Não era um sábio de gabinete. Não desdenhava a vida real. Sabia usar
as mãos: lavrava a terra, rachava lenha, cozinhava, esculpia a pedra.
Introduziu a dimensão sentimento na sua obra científica, dando a
importância devida à tonalidade afetiva que impregna toda a
experiência vivida de verdade. E seu pensamento era decerto poderoso.
(SILVEIRA, 1974, p. 68)
A LAPIS PHILOSOPHORUM
A PEDRA DO ALQUIMISTA
da criança. Eis Telésforo, que vaga pelas regiões sombrias deste cosmo
e que brilha qual estrela se erguendo das profundidades. Indica o
caminho das portas do sol e país dos sonhos. ” (JUNG, 2006, p.167,
grifo do autor)
Em 1920, ele acompanhou seu amigo Hermann Sigg, que fazia uma
viagem de negócios ao norte da África. Sua intenção era “ver, uma vez
ao menos, os europeus segundo um prisma fora da Europa, refletidos
num meio que lhes fosse estrangeiro em todos os sentidos”. Afirmava
que o único meio de chegar a um entendimento de suas próprias
peculiaridades nacionais seria tomando consciência de como os outros
as viam. Sendo assim, viajar para o exterior era a via régia para uma
etnopsicologia comparativa. (SHANDASANI, 2006, p.339-340)
Eu estava, enfim, onde tantas vezes desejara estar, num país não
europeu em que não se falava nenhuma língua da Europa, onde não
dominavam os preconceitos cristãos, habitado por uma outra raça, e
onde uma tradição histórica e uma concepção diferente do mundo se
estampavam no rosto da multidão. Desejara muitas vezes ver, de fora, o
europeu refletido num meio estrangeiro, sob todos os pontos de vista.
Deplorava profundamente meu desconhecimento da língua árabe, mas
isso me fazia observar com maior atenção as pessoas e seu
comportamento. Às vezes permanecia horas a fio sentado num bar,
escutando conversas, sem entender uma só palavra. Estudava ao mesmo
tempo, com atenção, a mímica e principalmente as manifestações
afetivas das pessoas. (JUNG, 2006, p.283)
“(...) Era chefe dos pueblos Taos, homem inteligente, de quarenta a cinquenta anos. Chamava-se
Ochwiay Biano – Lago da Montanha. ” (JUNG, 2006, p.292)
Perguntei-lhe então por que pensava que todos os brancos eram loucos.
Respondeu-me: “Eles dizem que pensam com suas cabeças. ”
Isso ocorreu depois de estar na África apenas a dois dias (em Mombaça)
e parece-me resumir toda a sua permanência por lá. Ambas as suas
personalidades, nº1 e nº2, estavam consteladas e ativas, operando
simultaneamente. A personalidade nº1 percebia o homem cor de terra
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escura como um estranho, pois jamais em seus 50 anos de vida ele havia
visto ou vivenciado nada igual; mas a personalidade nº2, em sua
atemporalidade, avançava até as mais profundas camadas do
inconsciente até os ancestrais originais e naturalmente sentia como se já
conhecesse o homem que dela estava separada apenas pelo tempo. Uma
tão completa constelação do Si-mesmo e do ego parece-me ser o
prólogo necessário para a tremenda impressão que a África viria a
causar em Jung. Com efeito, ele afirma: “o tom emocional dessa curiosa
experiência acompanhou-me ao longo de toda a minha viagem através
da África selvagem”. (HANNAH, 2003, p.178)
Não demorou muito para que Jung tivesse a experiência que talvez mais
o tenha marcado durante toda a sua permanência no monte Elgon. Ao
amanhecer, quando o sol desponta no horizonte, os nativos emergiam de
suas cabanas, cuspiam nas mãos e voltavam as palmas em direção ao
sol. Perguntados por Jung, não conseguiam explicar tal ação:
simplesmente, eles sempre haviam feito assim. Por outro lado, quantos
europeus são capazes de explicar as velas na árvore de natal ou o
porquê de esconder ovos coloridos na Páscoa? Jung ficou sabendo que,
somente no instante em que nasce, o sol é mungu, Deus; a lua nova,
com seu primeiro crescente dourado, também é Deus. A saliva é a
substância da alma para os primitivos, de modo que de fato eles
estavam dizendo: “ofereço a Deus minha alma vivente”, ou uma “prece
sem palavras, que poderia também significar: Senhor, em tuas mãos
entrego meu espírito! ” (HANNAH, 2003, p.182, grifo do autor)
BAIR, Deirdre. Jung: Uma Biografia. Vol.1. São Paulo: Editora Globo, 2006.
HANNAH, Bair. JUNG: Vida e Obra– uma memória biográfica. Porto Alegre: Artmed,
2003
JUNG, Carl Gustav. Memórias, Sonhos, Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2006.
______. A prática da psicoterapia. 11ª ed. O.C. Vol. XVI/1 - Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
SILVEIRA, Nise da. Jung, vida e obra. Rio de Janeiro: José Álvaro Editor, 1974.
ZACHARIAS, José Jorge de Morais. Os Tipos Humanos. São Paulo: Paulus, 1995.