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Gado de Leite 1

Embrapa Gado de Leite:


transformando conhecimento em riqueza
para a sociedade

O diretor-presidente da Embrapa,
Alberto Duque Portugal, é formado em
Engenharia Agronômica pela Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com
doutorado na área de Sistemas Agrícolas pela
Universidade de Reading, Inglaterra.
Especializou-se em Gestão de Pesquisa e
Desenvolvimento Rural em instituições brasileiras
e do exterior e afirma que os resultados apurados
nos 25 anos da Embrapa Gado de Leite são
capazes de quadruplicar a produtividade da
pecuária leiteira nacional.
Alberto Duque Portugal

IA - Em sua opinião, quais são as prin- desmama precoce; alimentação de vacas Melhoramento Genético Animal, desta-ca-
cipais contribuições da Embrapa Ga- no pré e pós-parto, desenvolvimento do se a publicação anual, desde 1993, do
do de Leite para a sociedade bra- capim-elefante cultivar Pioneiro, produção Sumário do Teste de Progênie dos Touros
sileira em seus 25 anos de atividades? de leite em pastagens de capim-elefante e da Raça Gir Leiteira, em parceria com a
coast-cross; produção e conservação de ABCGIL. E, finalmente, destacamos a ela-
Alberto Portugal - São muitas as forragens, recuperação de pastagens de- boração e o processamento de planilhas
contribuições. A Embrapa Gado de Leite gradadas e uso da cana-de-açúcar, uréia de custo de produção de leite para diversas
possui um dos maiores programas de e enxofre na alimentação de vacas e no- regiões do país, o desenvolvimento de pro-
pesquisa e desenvolvimento mundiais em vilhas. Em Sanidade Animal, podemos gramas de software para acompanha-
produção de leite bovino nos trópicos, destacar a elaboração do kit de diagnós- mento e análise de unidades produtoras
contabilizando resultados capazes de tico da mastite para ser usado nas pro- de leite, a avaliação econômica de tecno-
quadruplicar a produtividade da pecuá- priedades rurais, o desenvolvimento de po- logias produzidas pela pesquisa biológi-
ria leiteira nacional. No período entre 1976 mada (Papilomax) para a cura da papilo- ca e as análises de políticas para o setor
e 2000 foram lançadas várias tecnologias, matose, as recomendações técnicas para leiteiro.
as quais permitiram que a Embrapa Gado o controle estratégico do carrapato e o
de Leite tivesse destaque nacional como controle da verminose. Em Reprodução e IA - Em um cenário de aumento da pro-
Centro de Referência na Transferência de Ambiência, destacamos as tecnologias de dução de leite e redução do número
Tecnologias. Nas áreas de Manejo e Ali- fertilização in vitro, para aumento da taxa de produtores, em nível nacional, é
mentação Animal, destacam-se as de maturação e fertilização de ovócitos e possível reverter a tendência de
tecnologias de aleitamento artificial com desenvolvimento embrionário. No setor de abandono da atividade leiteira?

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.1-2, jul./ago. 2001


2 Gado de Leite

Alberto Portugal - A tendência de natureza, ampliando as oportunidades atividades terão que ser desenvolvidas si-
buscar escala na produção de commodities, para os pequenos produtores. multaneamente pela Embrapa Gado de
onde o leite se enquadra, ou seja, produ- Leite. É claro, que dependendo da situação
tos que são produzidos em grande quanti- IA - Estes pequenos produtores constituem desse Centro, uma pode ter importância
dade e que têm uma baixa densidade a “agricultura familiar”. Que impor- maior do que outra em curtos períodos.
econômica ou baixo preço por unidade tância deve ter este segmento no tra- Entretanto, investir em pesquisa de ponta
de produto, é uma tendência mundial. Isso balho da Embrapa Gado de Leite? é uma necessidade fundamental. O Centro
acontece em todas as cadeias produtivas, terá que manter contato estreito com as
Alberto Portugal - Entre os qua-
inclusive no Brasil, e é muito difícil de ser áreas de ponta no mundo, a fim de as-
tro objetivos globais da Empresa, buscar
revertida. Todavia, este processo de exclu- segurar para o setor produtivo no Brasil
a eqüidade social tem importância especial,
são tem um alto custo social, principal- as tecnologias mais avançadas, nor-
já que um dos grandes desafios contem-
mente quando ocorre de forma rápida co- malmente mais competitivas. O esforço do
porâneos da nossa sociedade é a inclusão
mo é o caso do nosso país. É preciso buscar Laboratório Virtual da Embrapa no Exterior
social. Em certos segmentos, como o da
alternativas. (Labex) tem este objetivo e tem contado com
pecuária leiteira, em que há um grande
a contribuição importante desse Centro.
número de produtores, a importância é
IA - Quais seriam essas alternativas e Do outro lado, a transferência de tecno-
maior. A ação desse Centro não deve ser
como a Embrapa Gado de Leite pode logia é a ação que dá sentido ao trabalho
no sentido de implantar projetos específicos
contribuir? de pesquisa, isto é, a razão de ser da pes-
de pesquisa para a agricultura familiar
quisa que é transformar conhecimento em
Alberto Portugal - De um lado, (melhoramento genético, sanidade, re-
riqueza para a sociedade. Essa riqueza só
ajudar na criação de formas associativas produção, nutrição e manejo), e sim no
existe quando o produtor ou industrial
como consórcios, associações, coopera- sentido de organizar, testar e validar sis-
inova, incorporando tecnologia ao pro-
tivas, para os pequenos produtores e para temas de produção adequados a partir do
cesso produtivo e transformando-a em
que eles possam ganhar escala, atingir estoque de conhecimento e tecnologia. As
um produto de interesse para a sociedade.
padrões adequados de qualidade, e que lacunas de informação porventura exis-
A sociedade não consome tecnologia e sim
permitem fornecimento contínuo aos sis- tentes devem-se tornar objeto de ações
produtos dela resultantes como o leite, o
temas de distribuição das grandes redes específicas de pesquisa. Vale enfatizar que
queijo, o iogurte.
de supermercados ou das grandes in- cerca de 40% do esforço de pesquisa na

dústrias. E, de outro lado, o que pode ser Embrapa atende às características da


IA - Em sua opinião, quais são as diretri-
feito é encontrar nichos específicos para agricultura familiar. Além dessas ações, o
zes futuras para a Embrapa Gado de
os pequenos produtores de gado de leite, Centro deve-se engajar em parcerias que
Leite?
agregando valor por intermédio da in- acelerem a disseminação da informação

dustrialização ou trabalhando com pro- organizada e o treinamento de técnicos e Alberto Portugal - Na metodo-
líderes que possam atuar como multi- logia de planejamento da Embrapa, temos
dutos específicos. Vale ressaltar a nova linha
plicadores. A parceria com organizações
de pesquisa com o leite orgânico, na qual toda uma estratégia montada a partir do
estaduais como a EPAMIG e a Emater, que
o pequeno produtor pode encontrar es- planejamento estratégico, com o Plano
têm maior conhecimento do Estado e mais
paço. Outra seria o chamado “mercado Diretor da Embrapa e os Planos Diretores
capilaridade, é uma estratégia fundamen-
institucional”, para atender, por exemplo, das Unidades. Agora, estamos refazendo
tal.
às prefeituras na merenda escolar. A Pre- a nossa Agenda de P&D, de maneira muito
feitura de Juiz de Fora, no passado, teve mais estruturada, muito mais participativa
IA - Após 25 anos de atividades, o que
experiência desse tipo, de criação de um e com a contribuição de uma massa de
seria mais importante para a Embrapa
mercado institucional, que é pequeno, mas inteligência muito maior, para definir exa-
Gado de Leite: investir em pesquisa
extremamente importante, pois permite que tamente os rumos da nossa pesquisa. A
de ponta ou implementar as ações de
uma parcela dos pequenos produtores do partir dessa Agenda e de seus Planos
transferência de tecnologia?
município possa continuar participando do Diretores, as Unidades de Pesquisa têm
mercado. A Embrapa Gado de Leite pode Alberto Portugal - Não há como condições de clarear o seu rumo. Entre-
estimular e apoiar experiências dessa dizer o que é mais importante. Porque essas tanto, nós poderíamos dizer que existem

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Gado de Leite 3

algumas áreas que entendemos como uma das grandes revoluções da huma- IA - Qual o retorno dos investimentos na
fundamentais para a Embrapa Gado de nidade. Num setor espacialmente disperso Embrapa Gado de Leite?
Leite. A primeira área deverá estar preo- como o setor da agropecuária, o acesso à
informação é um desafio e, hoje, quem Alberto Portugal - Desde a cria-
cupada em acompanhar e garantir o
acesso da sua equipe ao conhecimento e não tem acesso à informação organizada ção da Embrapa Gado de Leite em 1976,

às tecnologias mais avançadas em e na hora certa, não tem oportunidade no foram investidos, em média, 6,5 milhões

algumas áreas estratégicas, como a da mercado. Isso é extremamente importante de dólares/ano. São recursos totais des-
biotecnologia. As técnicas ligadas à para um segmento que tem uma grande pendidos e originários do Tesouro Na-
biotecnologia mudam as vantagens com- massa de pequenos produtores sem infor- cional, de convênios, parcerias, trabalhos
petitivas entre agentes econômicos, regiões mação. A questão do domínio de todas conjuntos e arrecadação própria. O cres-
e países, por todo potencial que elas têm as tecnologias e de todos os instrumentos cimento da produtividade advém da ado-
em desenhar mais rapidamente o produto que acelerem o processo de organização ção de tecnologias que melhoram a efi-
que o consumidor quer, em condições de- e disseminação da informação é de crucial ciência do uso dos fatores de produção.
sejáveis de sustentabilidade ambiental. É relevância. Estudos de pesquisadores desse Centro
uma questão de tempo para que os pro- indicam que a produtividade da pecuária
dutos da biotecnologia, inclusive os trans- IA - A tecnologia é capaz de resolver o leiteira, no período de 1976/2000, cres-
gênicos, sejam aceitos pela sociedade problema do produtor?
ceu a uma média geométrica de 2,61%
brasileira. A segunda deverá dar uma ao ano, considerando somente produti-
Alberto Portugal - É preciso ge-
atenção especial às tecnologias que re-
rar e adaptar tecnologias que sejam ca- vidade animal. Essa taxa corresponde a
duzem risco. Basicamente, risco de con-
pazes de mudar a realidade dos produ- um incremento de produção de leite de
taminação, já que a sociedade quer pro-
tores. É preciso atentar para atividades que 339 milhões de litros/ano, devido ao au-
dutos mais puros, e também o risco de
agreguem valor como o caso da indus- mento de produtividade. O valor do in-
perder dinheiro. Todas essas tecnologias
trialização, ou a criação de mercados ins- cremento da produção, devido à pro-
estão associadas ao conceito de pecuária
titucionais como o da merenda escolar, ou dutividade, considerando o preço real
de precisão, em que é necessário deter-
de promoção de alternativas múltiplas, médio do leite recebido pelo produtor, no
minar exatamente a quantidade de in-
como é o caso do agroturismo, do turismo período 1976/2000 (R$0,60), foi de mais
sumo que atenda à necessidade do
rural associado à própria pecuária de leite, de 204 milhões de reais - a preços de de-
sistema de produção. Nem mais, nem
que criam oportunidades para os pequenos zembro de 2000 - média/ano. É impor-
menos, do que aquela quantidade abso-
produtores. Entretanto, chamo a atenção
lutamente correta, evitando poluir o tante ressaltar que a cada dólar investido
para a importância da participação cada
ambiente. Uma terceira área fundamental no processo de desenvolvimento tecno-
vez maior da Embrapa Gado de Leite na
é trabalhar em todo conjunto de tecno- lógico da pecuária leiteria, 16 dólares
concepção de políticas públicas aplicadas
logias que permite a rastreabilidade e a retornaram para a sociedade brasileira,
a todos os setores e assuntos do interesse
certificação de origem do produto, o que considerando os dispêndios realizados
da pecuária e da indústria do leite. O pro-
também está associado ao conceito de pela sociedade com o orçamento da
cesso de desenvolvimento depende de mu-
alimentos saudáveis, outra exigência da Embrapa Gado de Leite e os preços mé-
danças tecnológicas e mudanças político-
sociedade. dios do período recebido pelo produtor.
institucionais, e não adianta termos um
Os resultados apresentados foram sub-
grande acervo de tecnologia se não for
IA - Como o senhor vê a questão da infor- estimados por não considerarem os
criado o arcabouço legal, político, insti-
mação? Num setor disperso como a
tucional, logístico, de infraestrutura, ne- impactos da tecnologia nos demais fatores
agropecuária o acesso à informação
cessário para que a sociedade possa fazer de produção, tais como capital, trabalho,
não seria um desafio?
bom uso dessa tecnologia. A comunidade terra etc. Foram subestimados também
Alberto Portugal - O quarto con- acadêmica deve ter cada vez mais claro pelas dificuldades de mensurar os impac-
junto refere-se exatamente às tecnologias seu papel de apoiar proativamente a tos na cadeia como um todo, advindos
de informação. Sabemos que as tecno- sociedade na concepção de seu arcabouço do aumento da produtividade no setor pri-
logias da informação e comunicação são legal e de suas políticas públicas. mário.

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4 Gado de Leite

Embrapa Gado de Leite - 25 anos de resultados


A globalização da economia determina mudanças

estratégicas nas organizações e nas estruturas de

produção. A adequação destas estruturas às novas

determinantes do mercado é uma garantia de

sobrevivência num ambiente de elevada competição.

Estas mudanças vêm ocorrendo em todo cenário

econômico nacional, do qual a agropecuária é parte

integrante. O agronegócio ocupa lugar de destaque na

balança comercial brasileira. Minas Gerais tem uma

grande parcela de contribuição no agronegócio do país,

pois são vários os produtos agrícolas e agroindustriais que

colocam o Estado entre os líderes no ranking nacional.

Nesse contexto, a geração de conhecimentos e a


Raul Belém

transferência de tecnologia revestem-se de extrema e

fundamental importância na busca da eficácia produtiva e leite e derivados em Minas Gerais.

da eficiência competitiva. Minas Gerais dispõe de uma Por ocasião das comemorações dos 25 anos da

estrutura em Ciência e Tecnologia, direcionada para o Embrapa Gado de Leite, a Secretaria de Estado de

agronegócio estadual, com destaque para a cadeia de leite Agricultura, Pecuária e Abastecimento e o Governo de

e derivados. A Embrapa Gado de Leite é parte deste Minas Gerais expressam os agradecimentos pelo

sistema e conta com uma estrutura física e recursos importante trabalho realizado, na expectativa de poder

humanos da mais alta qualificação e competência técnica, contar sempre com a competência dessa instituição para o

oferecendo a Minas Gerais e ao Brasil informações futuro do agronegócio Leite em Minas Gerais.

fundamentais ao desenvolvimento do setor de leite e

derivados. O competente trabalho realizado pela Instituição

já soma 25 anos e, sem dúvida, contribui Raul Belém

preponderantemente para o desenvolvimento da cadeia de Secretário de Estado de Agricultura, Pecuária e

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p., jul./ago. 2001


Gado de Leite 5

REVISTA BIMESTRAL
ISSN 0100-3364
INPI: 1231/0650500

COMISSÃO EDITORIAL
Márcio Amaral
Marcos Reis Araújo
Gado de leite
Marcelo Franco
Antônio M. S. Andrade
Luthero Rios Alvarenga
Tradição e inovação
José Braz Façanha

EDITOR No ano em que a Embrapa Gado de Leite comemora seus


Vânia Lacerda
25 anos de trabalho dedicados ao aumento da produtividade
COORDENAÇÃO TÉCNICA
Mário Luiz Martinez e José Joaquim Ferreira econômica dos sistemas de produção de leite, e com a estimativa de
COORDENAÇÃO EDITORIAL produção nacional de 20 bilhões de litros, é oportuno dedicarmos
Marlene A. Ribeiro Gomide
esta edição da revista Informe Agropecuário a um assunto tão im-
AUTORIA DOS ARTIGOS
Ademir de Moraes Ferreira, Antônio Carlos Cóser, Dante Pazzanese portante para todo o país. A Embrapa Gado de Leite, que realiza
Duarte Lanna, Duarte Vilela, Elizabeth Nogueira Fernandes, Fermino
Deresz, Fernando Enrique Madalena, Humberto Resende, Jackson Silva um trabalho de âmbito nacional, está localizada em Minas Gerais,
e Oliveira, João Bosco Neves Monteiro, João César de Resende, João
Henrique Moreira Viana, John Furlong, José Alberto Bastos Portugal, unindo a tradição mineira na pecuária leiteira à alta tecnologia gerada
José Ladeira da Costa, José Renaldi Feitosa Brito, Luciano Patto Novaes,
Luiz Januário Magalhães Aroeira, Luiz Sérgio de Almeida Camargo, pela pesquisa, para levar a todos os pecuaristas soluções e técnicas
Marco Antonio Machado, Marco Antônio Sundfeld da Gama, Maria
Aparecida Vasconcelos de Paiva e Brito, Maria de Fátima Ávila Pires, que elevam o padrão de qualidade do Agronegócio Leite.
Mário Luiz Martinez, Maurílio José Alvim, Roberto Luiz Teodoro, Rodolpho
de Almeida Torres, Rodrigo da Costa Cardoso, Rozzana Cafiero, Rui da As mudanças ocorridas nos últimos anos, em conseqüência
Silva Verneque, Sérgio Raposo de Medeiros, Vânia Maldini Penna,
Vânia Maria de Oliveira Veiga e Wanderlei Ferreira de Sá da abertura de mercado, globalização, Mercosul, Comunidade
REVISÃO LINGÜÍSTICA E GRÁFICA Européia etc., têm forçado os produtores de leite a modernizarem-
Marlene A. Ribeiro Gomide e Rosely A. Ribeiro Battista Pereira
se ou a saírem do mercado. Essa modernização exige, necessaria-
NORMALIZAÇÃO
Fátima Rocha Gomes e Maria Lúcia de Melo Silveira
mente, o emprego de novas tecnologias e a mudança de menta-
lidade. Hoje é importante observar o Agronegócio do Leite como
PRODUÇÃO E ARTE
Digitação: Maria Alice Vieira e Rosangela Maria Mota Ennes um todo e não apenas o setor produtivo. É necessário que o nosso
Formatação: Maria Alice Vieira e Rosangela Maria Mota Ennes
Capa: Lamounier Lucas Pereira Júnior
produtor se transforme em um pequeno ou grande empresário da
Fotos da Capa: Marcelo Cordeiro e Arquivo Embrapa Gado de Leite atividade.
Programação visual: Lamounier Lucas Pereira Júnior
As tecnologias aqui apresentadas têm como objetivo auxiliar
IMPRESSÃO
os produtores neste processo de mudança, fazendo com que eles
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possam, com um grau de risco menor, ajustarem-se aos novos tempos
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de mercados competitivos, demanda por produtos de qualidade,
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apresentar estas inovações, através da parceria sempre satisfatória
Copyright © - EPAMIG - 1977
É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, entre a Embrapa e a EPAMIG e instituições de pesquisa e extensão
sem autorização escrita do editor. Todos os direitos são
reservados à EPAMIG. rural, cujos objetivos convergem para o desenvolvimento da agro-
Informe Agropecuário. - v.3, n.25 - (jan. 1977) - .- pecuária nacional.
Belo Horizonte: EPAMIG, 1977 - .
v.: il. Externamos nossos parabéns à Embrapa Gado de Leite,
Bimestral com a qual nos sentimos honrados em trabalhar e buscar, cada vez
Cont. de Informe Agropecuário: conjuntura e estatística. -
v.1, n.1 - (abr.1975).
mais, a modernização da pecuária leiteira.
ISSN 0100-3364

1. Agropecuária - Periódico. 2. Agricultura - Aspecto


Econômico - Periódico. I. EPAMIG. Márcio Amaral
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Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, jul./ago. 2001


Nesta
Edição
Esta edição do Informe Agropecuário tem como tema: Gado de Leite, uma atividade tradici-
onal do estado de Minas Gerais e de vital importância para o agronegócio estadual e nacional. Este
número procura levar ao leitor o conhecimento mais exato e confiável sobre diversas técnicas em
experimentação e utilização.
Tecnologias para a sustentabilidade da Cadeia Produtiva de Leite, sistemas de alimenta-
ção, bioenergética animal e inovações como marcadores moleculares, produção in vitro e utilização
do ácido linoléico, são alguns dos assuntos abordados por especialistas nos artigos desta edição.
A Coordenação Técnica

Sumário
Cruzamentos tricross em gado de leite
Roberto Luiz Teodoro, Rui da Silva Verneque, Mário Luiz Martinez e Fernando Enrique Madalena ...................................................... 7
Ambiente e comportamento animal na produção de leite
Maria de Fátima Ávila Pires, Rui da Silva Verneque e Duarte Vilela ............................................................................................................. 11
Melhoramento genético de rebanhos zebus leiteiros
Rui da Silva Verneque, Roberto Luiz Teodoro, Mário Luiz Martinez, Vânia Maldini Penna e Rozzana Cafiero ............................... 22
Produção de leite em pastagem de capim-elefante manejado em pastejo rotativo
Fermino Deresz e Antônio Carlos Cóser .................................................................................................................................... 30
Produção de leite em pastagem de alfafa
Duarte Vilela ............................................................................................................................................................................. 38
Produção de leite em pastagem de coast-cross
Duarte Vilela, Maurílio José Alvim, João César de Resende e Rodrigo da Costa Cardoso ........................................................... 44
Produção orgânica de leite: um desafio atual
Luiz Januário Magalhães Aroeira e Elizabeth Nogueira Fernades .............................................................................................. 53
25 anos de produção de leite a pasto com gado mestiço
José Ladeira da Costa, Luciano Patto Novaes e João Bosco Neves Monteiro .............................................................................. 58
Milho para silagem: alguns conceitos para a escolha de cultivares
Jackson Silva e Oliveira ............................................................................................................................................................ 66
Utilização da mistura cana-de-açúcar com uréia na alimentação de bovinos leiteiros
Rodolpho de Almeida Torres, José Ladeira da Costa e Humberto Resende ................................................................................. 69
Controle estratégico do carrapato dos bovinos de leite
John Furlong ............................................................................................................................................................................ 77
Mastite em novilhas leiteiras
Vânia Maria de Oliveira Veiga .................................................................................................................................................. 82
A granelização no sistema do agronegócio do leite no Brasil
José Alberto Bastos Portugal, José Renaldi Feitosa Brito e Maria Aparecida Vasconcelos de Paiva e Brito ................................... 86
Produção higiênica de leite
José Renaldi Feitosa Brito e Maria Aparecida Vasconcelos Paiva e Brito .................................................................................... 91
Retorno dos investimentos na Embrapa Gado de Leite
João Cesar de Resende ............................................................................................................................................................. 94
Acelerando o melhoramento com o mapeamento do genoma bovino
Marco Antonio Machado e Mário Luiz Martinez ........................................................................................................................ 98
Produção in vitro de embriões bovinos
Luiz Sérgio de Almeida Camargo, Ademir de Moraes Ferreira, Wanderlei Ferreira de Sá e João Henrique Moreira Viana ........ 105
Parceria Esalq/Embrapa no estudo do ácido linoléico conjugado (CLA)
Marco Antônio Sundfeld da Gama, Sérgio Raposo de Medeiros, Dante Pazzanese Duarte Lanna e Luiz Januário Magalhães Aroeira .. 111

Informe Agropecuário Belo Horizonte v. 22 n.211 p. 1-116 jul./ago. 2001

O Informe Agropecuário é indexado nas


Bases de Dados: CAB INTERNATIONAL e AGRIS.
Os nomes comerciais apresentados nesta revista são citados apenas para conveniência do leitor,
não havendo preferências, por parte da EPAMIG, por este ou aquele produto comercial. A citação de termos técnicos seguiu a
nomenclatura proposta pelos autores de cada artigo.
Gado de Leite 7

Cruzamentos tricross em gado de leite


Roberto Luiz Teodoro 1
Rui da Silva Verneque2
Mário Luiz Martinez 3
Fernando Enrique Madalena 4

Resumo - Foi comparado o desempenho de fêmeas tricross jerseys ou pardas suíças com
fêmeas girolandas, mantidas no mesmo manejo, utilizando-se nas análises o método dos
quadrados mínimos, em um modelo em que foram incluídos os efeitos fixos de raça do
pai, fração Bos taurus da mãe, ordem e ano, estação de parto e os efeitos aleatórios de
vaca e resíduo. Foram estimadas as médias da produção de leite, de gordura e de
proteína por lactação, duração da lactação e porcentagens de gordura e de proteína para
os três grupos genéticos. As médias da duração da lactação e da produção de leite foram
maiores (P<0,05) nas mestiças holandesas, que nas jerseys e pardas suíças, as quais
apresentaram maiores conteúdos de gordura e proteína no leite. As produções médias
de leite, gordura e proteína por dia de intervalo de partos foram maiores para as mestiças
holandesas e jerseys. Estas apresentaram menor intervalo de partos, seguidas pelas
pardas suíças e pelas holandesas. O melhor desempenho reprodutivo das cruzas jerseys
contribuiu para o bom rendimento produtivo por dia de intervalo de partos. No estudo
dos pesos vivos concluiu-se que o crescimento de vacas adultas, com base em curvas
assintóticas, pode não ser adequado à realidade dos rebanhos brasileiros.
Palavras-chave: Cruzamento tríplice; Desempenho produtivo; Desempenho repro-
dutivo; Peso.

INTRODUÇÃO veis na literatura sobre este assunto, em te, no Campo Experimental Santa Mônica
áreas tropicais, o que levou a Embrapa Ga- (CESM), localizado em Valença, Rio de Ja-
O cruzamento holandês (H) x gir (G) neiro, em uma região montanhosa com alti-
do de Leite a delinear um experimento, a
é uma prática muito utilizada no Brasil, tudes que variam de 200m a 700m. O clima
longo prazo, com o objetivo de avaliar os
obtendo-se os animais denominados gi- corresponde a CWA da classificação de
desempenhos produtivo e econômico na
rolandos (Madalena et al., 1997). O uso de Köppen, com uma estação seca que se es-
vida útil dos animais destes grupos gené-
animais de uma segunda raça européia, tende de abril a setembro, sendo a média
ticos, também chamados tricross.
usualmente a Parda Suíça (S) ou a Jersey anual das temperaturas mensais de 21,7ºC,
(J), nestes animais girolandos é uma alter- com máxima de 31,4ºC em fevereiro e mínima
nativa que muitos produtores têm tentado A PESQUISA EM TRICROSS
de 11,5ºC em junho.
com o objetivo de obter animais mais pro- NO BRASIL
Foram utilizadas 75 vacas, com um total
dutivos e resistentes às condições de ma- Dos poucos experimentos existentes na de 480 lactações, durante toda a vida útil.
nejo que prevalecem nas áreas subtropicais literatura mundial, é de grande importân- Estas vacas eram progênies de fêmeas ho-
do Brasil. Poucos estudos estão disponí- cia o executado pela Embrapa Gado de lei- landesas x gir (1/2, 5/8 e 3/4 H) com 14 touros

1
Médico Veterinário, D.Sc., Bolsista CNPq, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz
de Fora-MG. Correio eletrônico: rteodoro@cnpgl.embrapa.br
2
Zootecnista, D.Sc., Bolsista CNPq, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-
MG. Correio eletrônico: rsverneq@cnpgl.embrapa.br
3
Engo Agro, Ph.D., Bolsista CNPq, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-
MG. Correio eletrônico: martinez@cnpgl.embrapa.br
4
Engo Agro, Ph.D., Bolsista CNPq, Prof. UFMG - Escola de Veterinária - Depto Zootecnia, Caixa Postal 567, CEP 30123-970 Belo Horizonte-MG.
Correio eletrônico: fermadal@prop3.lcc.ufmg.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.7-10, jul./ago. 2001


8 Gado de Leite

holandeses (H), nove jerseys (J) e nove par- aos dois meses antes do próximo parto ou sexta lactação, também foram analisados
dos suíços (S). O sêmen destes touros era quando a produção de leite era inferior a pelo método dos quadrados mínimos, ado-
originário dos Estados Unidos (12 H, 7 J e 3kg/dia. Não houve nenhum descarte por tando-se um modelo, no qual se incluiram
7 S), do Canadá (1 H, 2 J e 1 S); da Suíça produção, no entanto, as vacas considera- os efeitos fixos de raça do pai, fração de Bos
(1 S) e do Brasil (1 H). As diferenças preditas das muito velhas para iniciar uma nova taurus, estado reprodutivo, estádio da lac-
(PDs) médias para leite destes touros pro- lactação foram eliminadas. A ordem de par- tação, ano trimestre, classe de idade (anos)
vados nos Estados Unidos eram + 331kg to mais alta foi 14. e o efeito aleatório de vaca dentro de raça
(9 H), + 266kg (6 J) e + 347kg (7 PS) e para do pai e fração Bos taurus.
gordura -0,08% (9 H), -0,19% (6 J) e -0,10% CARACTERÍSTICAS ESTUDADAS
(7 PS). As vacas experimentais nasceram RESULTADOS OBTIDOS NO
Analisaram-se os dados referentes à
entre 1977 e 1983 no CESM, onde foram EXPERIMENTO
puberdade, às produções de leite, de gor-
manejadas juntas em um mesmo retiro até dura e de proteína por dia de lactação e por Puberdade sexual
o fim do experimento, em 1994. dia de intervalo de partos (IP), durante to- Para as características de maturidade
da a vida útil dos animais experimentais. A sexual, observou-se que as filhas de touros
MANEJO DOS duração da lactação (DL), o intervalo de holandeses e pardos suíços foram mais
ANIMAIS EXPERIMENTAIS partos e os conteúdos de proteína e gordu- pesadas do que as filhas de touros jerseys,
ra foram também considerados como variá- na puberdade e no primeiro parto. Entre-
Os animais experimentais foram criados
veis dependentes. As observações foram tanto, o grupo jersey foi mais precoce à
com, aproximadamente, quatro litros de
agrupadas em classes de estação ano de puberdade, à primeira concepção e ao pri-
leite/dia até os quatro meses de idade, e
parto. As ordens de parto 11 a 14 foram meiro parto, conforme apresentado no Qua-
mantidos em piquetes de capim-estrela
agrupadas em uma só classe. Nenhuma dro 1.
(Cynodon dactylon), até os seis meses de
observação foi excluída, devido à lactação
idade, sendo suplementados com 2kg/ca- curta ou a qualquer causa de encerramento Peso vivo em
beça/dia de um concentrado com 18% dela (Madalena, 1994). Intervalos de partos diferentes idades
de proteína bruta (PB) e capim-elefante iniciados ou terminados com aborto foram No estudo dos pesos vivos, com exce-
(Pennisetum purpureum) picado, quando excluídos da análise. Análises por quadra- ção da fração de Bos taurus, todos os efei-
necessário. As novilhas foram mantidas em dos mínimos foram executadas usando o tos foram significativos (P<0,05). Observa-
pastagens nativas de capim-gordura (Melinis Proc GLM do pacote SAS (Statistical..., se, no Quadro 2, que a evolução dos pesos
minutiflora) e suplementadas com capim- 1995). O modelo incluiu os efeitos fixos de com a idade teve uma tendência, aproxi-
elefante picado mais concentrado, na esta- raça do pai, fração Bos taurus, ano trimestre madamente quadrática nas três raças de
ção seca e períodos de escassez de pasta- de parto ou nascimento, ordem de parto pai, o que levanta dúvidas sobre a perti-
gens. Após o primeiro parto, as vacas foram dentro de raça do pai, e os efeitos aleatórios nência de estudar o crescimento de vacas
mantidas em pastagens predominantemen- de vaca aninhada dentro de subclasses de adultas com base em curvas assintóti-
te de Brachiaria decumbens e de capim- raça do pai x fração de Bos taurus. A intera- cas. A longa vida útil observada em vacas
elefante, recebendo na estação seca sila- ção raça do pai x fração de Bos taurus não mestiças em rebanhos leiteiros brasileiros
gem de milho ou sorgo e, ocasionalmente, foi significativa em análises preliminares (Lemos et al., 1996) indica que os pesos
silagem de capim-elefante e melaço de cana. (P> 0,05), sendo eliminada do modelo. Tes- diminuirão após atingir um máximo, que
Durante a lactação, receberam uma ração tes F aproximados foram aplicados aos neste experimento ocorreu aos cinco anos
comercial variando entre 16% e 22% de PB. quadrados médios esperados para os efei- de idade para as filhas de holandês e de
Os minerais eram fornecidos à vontade para tos de raça do pai. Os pesos vivos, até a pardo suíço e aos quatro anos, para as fi-
todas as categorias, em cochos cobertos
localizados nas pastagens. As cargas de
parasitas, principalmente carrapatos e ber- QUADRO 1 - Médias, por quadrados mínimos, para pesos e idades à puberdade, à primeira concepção
nes, eram mantidas baixas pelo controle e ao primeiro parto para fêmeas de cruzamento tríplice

químico e pela rotação de pastagens. Idade à Peso ao Idade ao


Raça Peso à Idade à
primeira primeiro primeiro
As vacas eram ordenhadas mecanica- do Número puberdade puberdade
concepção parto parto
mente duas vezes ao dia e os bezerros ama- pai (kg) (dias)
(dias) (kg) (dias)
mentados artificialmente. O controle leiteiro
Holandesa (H) 29 302 a 756 a 841 a 400 a 1121 a
era realizado quinzenalmente e a proteína e
a gordura do leite analisadas mensalmente. Jersey (J) 25 254 b 658 b 699 b 359 b 977 b
As fêmeas experimentais foram insemi- Parda Suíça (PS) 27 302 a 800 a 878 a 407 a 1156 a
nadas artificialmente. As vacas foram secas NOTA: Médias seguidas por letras iguais na coluna, não diferem entre si, pelo teste de Tukey (P < 0,05).

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Gado de Leite 9

QUADRO 2 - Médias ajustadas pelo método dos quadrados mínimos e erros-padrão (ep) para pesos em diferentes idades em vacas de cruzamento tríplice
Raça do pai
Idade Holandesa Jersey Parda Suíça
(em anos)
Média ep Média ep Média ep
Número Número Número
(kg) (kg) (kg) (kg) (kg) (kg)
2 0 _ _ 6 439,1 13,1 0 _ _

3 55 482,2 8,3 70 451,0 9,1 35 482,3 8,2

4 96 498,0 6,7 81 458,9 7,3 99 495,6 6,3


5 84 504,3 5,2 80 454,4 5,6 93 503,2 4,6

6 67 499,9 4,0 71 452,8 4,0 81 499,5 3,3

7 64 492,2 3,2 63 445,6 3,0 73 488,9 2,7


8 55 470,6 3,8 51 422,6 3,1 65 477,2 3,4

9 45 445,4 5,1 10 405,6 7,1 34 461,2 5,1

10 7 417,9 9,9 1 434,3 21,4 8 439,6 9,8


11 4 388,5 13,7 0 - - 1 427,0 23,6

Média 477 466,5 2,6 433 440,5 4,1 489 475,0 2,8

lhas de jersey, embora nos três grupos os apresentaram maior proporção de lactações foram maiores no grupo genético holandês
pesos entre quatro e seis anos tenham sido encerradas aos 60 dias antes do próximo do que nas vacas filhas de jersey e pardo
semelhantes. A queda do peso após o má- parto, enquanto as vacas filhas de touros suíço, as quais apresentaram maior con-
ximo foi menos pronunciada nas filhas de holandeses e de pardo suíço tiveram maior teúdo de gordura e proteína. A produção
pardo suíço. Em análise desses dados, mas proporção de lactações encerradas, devido de leite por dia de lactação foi maior em va-
considerando-se a idade como covariável à baixa produção (menor do que 3kg/dia). cas filhas de holandês, mas as produções
contínua, apenas os termos linear e qua- A raça do pai afetou significativamente de gordura e proteína por dia de lactação
drático foram significativos nas regressões os conteúdos de gordura e proteína do lei- não foram significativamente diferentes
de peso sobre a idade, em cada uma das três te, a DL, o IP e a produção de leite por lac- nos três grupos. Os IPs mais curtos e a me-
raças de pai5 . tação e por dia de lactação, mas não alterou lhor composição do leite dos grupos jersey
Curvas quadráticas de crescimento, a produção de leite por dia de IP nem o e pardo suíço compensaram a sua menor
com máximo aos nove anos de idade, foram conteúdo do leite por dia de lactação ou produção de leite por lactação. As diferen-
encontradas para vacas mestiças holan- por dia de IP. ças entre os três grupos para a produção
desas x guzerá em fazendas particulares6 . A DL e a produção de leite por lactação de leite e seus componentes, por dia de IP,
Assim, curvas de crescimento assintóticas
que não permitem expressar a queda do
QUADRO 3 - Distribuição das causas de encerramento da lactação em fêmeas de cruzamento tríplice(1)
peso com a idade, não parecem ser adequa-
das para vacas mestiças em rebanhos 60 dias para o Baixa Doenças, injúrias
Total
Raça do pai Número próximo parto produção ou morte
leiteiros brasileiros. (%)
(%) (%) (%)
Produção de leite, gordura Holandesa (H) 140 37,9 52,9 9,2 100,0
e proteína
Jersey (J) 175 61,1 30,9 8,0 100,0
Para características de produção, obser-
vou-se, conforme apresentado no Qua- Parda Suíça (PS) 165 43,6 49,7 6,7 100,0
2
dro 3, que as vacas filhas de touros jerseys (1) Heterogeneidade X = 21,17 (P < 0,001).

5
Informações constantes no artigo: Evaluation of Crosses of Holstein, Jersey or Brown Swiss Sires x Holstein – Friesian / Gir Dams-2: female
liveweights, de R.L. Teodoro e F.E. Madalena, submetido à revista Tropical Animal Health Production em 2001.
6
Informações constantes no artigo: Desempenho comparativo de seis grupos de cruzamento Holandês x Guzerá - 11: peso e altura de vacas, de
A.P. Madureira, F.E. Madalena e R.L. Teodoro, submetido à Revista Brasileira de Zootecnia em 2001.

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10 Gado de Leite

não foram significativas (Quadro 4). QUADRO 4 - Médias, por quadrados mínimos para características de produção e reprodução em fêmeas
Os presentes resultados tendem a con- de cruzamento tríplice
cordar com Syrstad (1985) e Yadav et al. Raça do pai
(1989), mostrando maiores conteúdos de Características
gordura e proteína para vacas mestiças de Holandesa Jersey Parda Suíca
jersey e pardo suíço e maiores produções Número para características de produção 140 175 165
por lactação para as mestiças holandesas. Características leiteiras por lactação
Resultados observados na maioria das lite- Produção de leite (kg) 2.821,19 2.320,11 2.418,02
raturas referem-se a F1. Syrstad (1985) re- Produção de gordura (kg) 96,86 86,82 92,77
visou os méritos relativos do H, PS e J nos Produção de proteína (kg) 85,27 71,32 76,29
cruzamentos e concluiu que a produção de Duração da lactação (dias) 338,75 283,26 313,45
leite por lactação foi maior para cruzamen- Conteúdo gordura (%) 3,37 3,73 3,77
tos de H e menor para cruzamentos de J. Conteúdo proteína (%) 3,02 3,10 3,16
Os IPs foram maiores para PS e menores Características leiteiras por dia de lactação
para J, mas as diferenças não foram gran- Produção de leite (kg/dia) 8,50 8,19 7,54
des, assim como a produção de leite por Produção de gordura (kg/dia) 283,46 304,10 286,13
dia de IP. Entretanto, neste estudo, as dife- Produção de proteína (kg/dia) 253,24 250,95 236,57
renças em IPs foram grandes e compensa- Número para intervalo de partos (IP) 104 149 138
ram a menor produção de leite por lactação Características reprodutivas (IP) e produção
das cruzas jerseys. Produção de leite por dia de IP (kg/dia) 6,68 6,34 5,63
Diferenças em IPs entre cruzas jerseys Produção de gordura por dia de IP (g/dia) 221,55 241,32 211,12
e cruzas holandesas foram maiores neste Produção de proteína por dia de IP (g/dia) 202,32 196,40 180,86
estudo (-78 dias), do que na revisão de Tibo Intervalo de partos (dias) 486,66 408,47 461,23
et al.(1994), que observaram -21 dias.
Pandey & Tomar (1990) observaram
maior produção de leite por lactação em de gordura, implicando em produções eco- PANDEY, R.P.; TOMAR, S.S. Effect of calf
cruzas holandesas do que nas cruzas par- nômicas mais favoráveis, devido ao seu characteristics and other factors on dam´s milk
das suíças, que foram superiores às cruzas menor porte, em sistemas de produção, em yield in dairy cattle. Indian Veterinary Journal,
jerseys. Vaccaro et al. (1994) reportaram que os machos não são aproveitados. Já o Madras, v.67, p.1037-1041, 1990.
maiores produções de leite por lactação em cruzamento de touro pardo suíço com vacas STATISTICAL Analysis System - SAS: user’s
F1 Holandês-Zebu do que em F1 Suíço- girolandas não melhorou o desempenho, guide. Cary, 1995.
Zebu. Yadav et al. (1989) alegaram que o quando comparado às cruzas holandesas.
percentual de gordura foi mais alto em F1 SYRSTAD, O. Relative merits of various Bos taurus
breeds for crossbreeding with Bos indicus cattle.
de Jersey, seguidos por F1 de Pardo Suíço
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Livestock Production Science, Amsterdam,
e por último de Holandês. As cruzas pardas
v.13, p.351-357, 1985.
suíças, no presente estudo, apresentaram LEMOS, A.M; TEODORO, R.L; MADALENA,
menores produções de leite e de seus con- F.E. Comparative performance of six Holstein- TIBO, K.; WIENER, G.; FIELDING, D. A review
teúdos por dia de IP. Friesian x Guzera grades in Brasil – 9: stayability, of the performance of the Jersey breed of cattle
herd life and reasons for disporsal. Revista Bra- and its crosses in the tropics in relation to the
sileira de Genética, Ribeirão Preto, v.19, p.259- Friesian of Holstein and indigenous breeds. Ani-
CONCLUSÃO
264, 1996. mal Breeding Abstracts, Farnham Royal, v.62,
Os resultados sugerem que o estudo p.719-744, 1994.
MADALENA, F.E. Considering lactation length
do crescimento de vacas adultas com base in tropical dairy cattle breeding. In: WORLD VACCARO, L.P.; PÉREZ, A.; VACCARO, R.
em curvas assintóticas pode não ser ade- CONGRESS ON GENETICS APPLIED TO Productive performance of F 1 compared with
quado à realidade dos rebanhos brasileiros, LIVESTOCK PRODUCTION, 5., 1994, Guelph. other 50% European-zebu crossbred cows for
tornando-se necessários novos estudos Proceedings... Guelph: University of Guelph, dual purpose systems in the Venezuelan tropics.
para definir a curva de crescimento mais 1994. p.318-321. Livestock Research Rural Development,
adequada para animais mestiços no Brasil. 1994. Disponível em : <http://www.cipav.org.co/
_______; ABREU, C.P. de; SAMPAIO, I.B.M.;
Para a mesma fração de herança Bos lrrd11/1/vac111.htm>. Acesso em: 2001.
FERREIRA SOBRINHO, F. Práticas de cruzamen-
taurus, as produções de leite e de proteína tos em fazendas leiteiras afiliadas à Cooperativa YADAV, S.B.S.; YADAV, A.S.; YADAV, B.L.;
por dia de IP foram similares nas cruzas de Central de Produtores Rurais de Minas Gerais. YADAV, M.S. Factors affecting fat percentage in
touros jerseys e holandeses, entretanto as Revista Brasileira de Zootecnia, Viçosa, v.26, crossbred dairy cattle. Indian Journal Dairy
mestiças jerseys tiveram maior produção n.5, p.924-934, set./out. 1997. Science, v.42, p.475-481, 1989.

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Gado de Leite 11

Ambiente e comportamento animal na produção de leite


Maria de Fátima Ávila Pires 1
Rui da Silva Verneque2
Duarte Vilela 3

Resumo - Atualmente, os novos modelos de pecuária, que se baseiam nos princípios da


sustentabilidade, têm como prioridades o conforto e o bem-estar dos animais. Pesquisas
vêm comprovando que o fator bem-estar animal é determinante nas viabilidades técnica
e econômica dos sistemas de produção de leite. Às vezes, pode ser difícil definir o que
é conforto para um animal, mas, por observações cuidadosas e constantes de seu com-
portamento, pode-se determinar se ele está sendo criado em condições que proporcionam
um ambiente confortável, para que possa expressar todo o seu potencial de produção.
O conforto, o bem-estar e a produtividade animal podem ser colocados em situação de
risco, devido à ação dos fatores ambientais que influenciam seu comportamento. Neste
contexto, a Embrapa Gado de Leite realizou uma série de experimentos, nos quais se
verificou a relação entre conforto térmico e comportamento de vacas leiteiras em
sistemas a pasto ou confinadas, utilizando animais da raça Holandesa, Gir ou vacas
mestiças. Alterações do comportamento destes animais, em função de altas temperaturas
e umidade relativa do ar, sugerem práticas de manejo que têm como objetivo pro-
porcionar condições de conforto e bem-estar aos animais e, conseqüentemente, melhorias
nos desempenhos produtivo e reprodutivo.
Palavras-chave: Estresse térmico; Hábito alimentar; Ingestão de alimentos; Conforto.

INTRODUÇÃO quisitos independem do sistema de pro- Os princípios gerais da criação dos ani-
dução adotado, seja ele com base em pas- mais em sistemas sustentáveis devem ba-
Atualmente, a produção de leite no Brasil
tejo, seja em confinamento, com alto ou baixo sear-se na idéia de que as espécies e as raças
passa por uma grande transformação em
virtude da nova realidade econômica mun- nível de concentrado, com vacas holan- dos animais sejam escolhidas a partir da sua
dial, com adoção de modernas tecnologias, desas, jerseys, pardas suíças ou mestiças. capacidade de adaptação às condições
que visam ao crescimento da produtivida- Os novos modelos de desenvolvimen- edafoclimáticas de cada propriedade. O es-
de. Esta modernização tem sido decisiva, to da pecuária são caracterizados por sis- tudo da relação animal: ambiente, já define
para que a atividade leiteira passe de um temas com tecnologias que se baseiam nos muito bem as limitações e o potencial de
modelo extrativista para um modelo com- princípios de sustentabilidade de produção. adaptação dos animais ao meio ambiente. A
petitivo e sustentável (Vilela et al., 1998). Estes novos modelos devem gerar uma pe- partir deste conhecimento, é fundamental
Tal processo adquiriu uma velocidade cuária que tem como prioridades o conforto definir a raça e o manejo da criação, obser-
inesperada para a realidade brasileira, trans- e o bem-estar dos animais. Pesquisas vêm vando sempre o comportamento natural dos
formando rapidamente o setor leiteiro. Al- comprovando que o fator bem-estar animal animais com vistas a obter o máximo de con-
guns dos requisitos básicos para que é determinante nas viabilidades técnica e forto e bem-estar, atender suas necessidades
ocorram essas mudanças nos sistemas de econômica dos sistemas de produção ani- em relação ao ambiente e suas exigências
produção de leite são o uso de animais es- mal. A partir dessa premissa básica é que nutricionais.
pecializados, bom manejo reprodutivo, poderemos definir os modelos mais ade- Desse modo, a lucratividade do setor
sanitário e nutricional e, principalmente, o quados para a realidade brasileira, evitando vai depender de um elo entre os princípios
fornecimento de condições adequadas de novos equívocos como a instalação de sis- corretos de manejo e um ambiente confor-
conforto, especialmente térmico. Esses re- temas superintensivos. tável e de alta qualidade para os animais.

1
Médica Veterinária, Dra, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-MG.
Correio eletrônico: fatinha@cnpgl.embrapa.br
2
Zootecnista, D.Sc., Bolsista CNPq, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-
MG. Correio eletrônico: rsverneq@cnpgl.embrapa.br
3
Engo Agro, D.Sc., Bolsista CNPq, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-
MG. Correio eletrônico: vilela@cnpgl.embrapa.br

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12 Gado de Leite

O entendimento das inter-relações básicas físicos, sociais e biológicos. Ao se conhe- nutrição, melhoramento e manejo dos ani-
entre conforto animal, desempenho e lucra- cerem as reações dos animais a estes dife- mais (Muller et al., 1994).
tividade tem despertado grande interesse rentes ambientes, pode-se avaliar seu grau
entre os técnicos do mundo todo, mas, de adaptação, o que reflete nos seus desem- AMBIENTE E COMPORTAMENTO
apesar disso, muito ainda se tem a conhecer penhos produtivo e reprodutivo. ANIMAL
sobre essa interação entre o homem e os
animais (Sanderson, 1996). O bem-estar e a produtividade animal
COMPORTAMENTO ANIMAL
É um tanto difícil definir o que é confor- podem ser colocados em situação de risco,
to para um animal, mas, por observações Os animais comportam-se segundo de- devido à ação dos fatores ambientais que
cuidadosas e constantes do seu compor- terminados padrões. Esses padrões são de- influenciam o comportamento animal. Cada
tamento, saúde, produção e reprodução, finidos como um segmento organizado de animal possui uma gama de comporta-
podem-se determinar os agentes que afe- atitudes que possui uma função especial. mentos que são usados como ferramentas
tam seu desempenho. Saber diferenciar Pode ser um ato único ou uma série de ati- de adaptação ao meio ambiente. Ele ne-
comportamento anormal de normal é uma vidades e, usualmente, representam uma cessita perceber as mudanças do meio para
etapa importante desse processo. Por exem- resposta do animal a algum estímulo am- então manifestar sua resposta a essas mu-
plo, o comportamento anormal pode ser biental. Uma dada alteração ambiental, co- danças. Assim, conscientemente, moni-
entendido como sinais de perigo, que, na mumente, estimula mais que uma resposta toram seu ambiente de várias maneiras:
grande maioria são pistas visuais: pro- comportamental, mas o animal aprende a utilizando a visão, a audição, o paladar, o
blemas de cascos, pernas, condição cor- usar aquela que mostra ser mais eficiente. olfato, a temperatura e o tato, que são esti-
poral, distúrbios metabólicos, maneira de Os animais exibem seus padrões de com- mulados por receptores específicos loca-
deitar, levantar ou andar etc. Outros as- portamento ciclicamente, uma vez que es- lizados em várias partes do corpo. Os ter-
pectos devem ser atentamente observados, ses ocorrem em respostas aos desafios morreceptores da pele são estimulados pela
como agressividade no cocho, tempo de externos e internos, muitos dos quais se- temperatura e pela taxa de alteração da
ruminação, tempo de permanência em pé, guem ciclos regulares. Por exemplo, os bo- temperatura (Curtis, 1981).
pouco tempo de socialização, os quais são vinos em sistemas de pastagem respondem Os homeotérmicos reagem a alterações
geralmente indicativos de ambientes des- ao ciclo natural claro-escuro, pastando, do ambiente térmico, não só funcional-
favoráveis. bebendo, ruminando e descansando nos mente e estruturalmente, como também por
O produtor precisa, portanto, preocu- mesmos horários, a cada dia (Curtis, 1981). respostas comportamentais. Os animais
par-se com os efeitos negativos de todos Um grupo de atitudes tendo o mesmo podem agir de várias maneiras para in-
os componentes ambientais sobre o con- propósito é chamado de sistemas de com- fluenciar a taxa na qual o calor flui entre o
forto e bem-estar de seus animais. Os prin- portamento. Existem, basicamente, sete corpo e o ambiente. A migração sazonal é a
cípios são bastante simples: as construções sistemas de comportamento: ingestão, última expressão de termorregulação. Pro-
devem prover um ambiente limpo, seco, eliminação, sexual, relacionado com cui- cessos menos marcantes, como a procura
confortável, espaço suficiente para des- dados maternos e com procura, agonís- por sombra durante o verão, a mudança
canso e movimentação e proteção contra ticos, de termorregulação e, finalmente, os dos padrões usuais de postura corporal,
extremos de condições climáticas. Quando de investigação. As atividades de alimen- movimentação e ingestão de alimentos e a
esses princípios básicos não são seguidos, tação e ingestão de água e suas conse- relutância das fêmeas em montar umas nas
os animais consomem menos alimentos, qüências, como defecação e micção, são outras, quando no cio, são acionados to-
não descansam adequadamente, sofrem indispensáveis à nutrição e, deste modo, dos os dias. Estas alterações são realizadas
estresse e, conseqüentemente, diminuem cruciais para produção animal. Muito im- pelo animal com o objetivo de reduzir a pro-
a produção de leite (Sanderson,1996). portante também são as atividades rela- dução ou promover a perda de calor, evi-
Talvez o principal e mais importante cionadas com a reprodução (Curtis, 1981). tando estoque adicional de calor corporal.
fator a ser considerado para se tentar ga- Os estudos referentes ao comporta- Mudanças de comportamento para pro-
rantir conforto ao animal, em países loca- mento animal têm aumentado muito nos mover a eliminação de calor ocorrem prin-
lizados nas regiões tropicais e subtropicais, últimos anos, principalmente devido ao cipalmente com o objetivo de maximizar a
é o de minimizar o efeito do clima, ou seja, advento da intensificação dos sistemas de dissipação de calor por condução e/ou con-
evitar que os animais sofram as ações do produção animal. Os conhecimentos gera- vecção (Mcdowell, 1972).
estresse calórico. As condições climáticas dos a partir desses estudos são importan- A produtividade das vacas em lacta-
nessas regiões são um grande desafio para tes na estruturação e acompanhamento ção pode ser adversamente afetada pelo
os produtores, já que afetam os três tipos destes sistemas, pois permitem melhor com- desconforto. Nos critérios considerados
de processos básicos dos animais: ma- preensão das causas que norteiam as ações para medir o conforto e bem-estar, estão
nutenção, reprodução e produção de leite. dos animais e, a partir daí, um melhor pla- incluídos saúde, produção, reprodução,
Para que haja sucesso na atividade leitei- nejamento para instalação de sistemas de características fisiológicas, bioquímicas e
ra, todos esses processos têm que ser oti- produção mais eficientes. Esses estudos comportamento dos animais. Em alguns
mizados. É neste contexto que se inserem são também importantes para uma melhor casos, as alterações comportamentais re-
os estudos do comportamento dos animais avaliação das respostas a vários tratamen- presentam a única indicação de que o es-
por meio de suas reações aos ambientes tos experimentais, envolvendo fisiologia, tresse está presente.
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.11-21, jul./ago. 2001
Gado de Leite 13

Ingestão de alimentos a distribuição dos períodos de pastejo O tempo total de ruminação pode variar de
O objetivo primário de todos os ani- relacionados com o ciclo claro-escuro. Os 4h a 9h, sendo dividido em períodos com
mais é o de se alimentarem. Os bovinos episódios de maior atividade do comporta- duração de poucos minutos a uma hora ou
respondem diferentemente a vários tipos mento ingestivo, em um período de 24h, mais (Fraser & Broom, 1990). O pico desse
de alimentos e a várias dietas. Os concei- acontecem logo antes de amanhecer, no comportamento acontece logo após o en-
tos básicos de alimentação, aliados ao co- meio da manhã, no início da tarde e próximo tardecer, reduzindo, continuamente, até
nhecimento do comportamento dos ani- ao crepúsculo. Entre esses períodos distin- pouco antes do amanhecer, quando o pas-
mais, devem ser utilizados para melhorar o tos, as horas próximas ao nascer e ao pôr- tejo recomeça. A relação entre o tempo des-
seu bem-estar e a sua produtividade. Por do-sol parecem ser as de pastejo mais longo pendido com ingestão e com ruminação
exemplo, os sistemas de alimentação e de e contínuo. No restante do dia, o pastejo é depende da estação do ano e da quantidade
água devem ser colocados onde animais intermitente e os animais descansam ou e qualidade do alimento fornecido asso-
jovens e inexperientes possam achá-los fa- ruminam. Essa atividade é sincronizada em ciado à área disponível para os animais e
cilmente. Nesse caso, o acesso ao alimento torno do horário das ordenhas. Usualmen- tamanho do rebanho.
pode ser mais importante do que a quan- te, a maioria das vacas alimenta-se após o Dentre os fatores que prejudicam a ru-
tidade de nutrientes fornecidos. Deve-se retorno da sala de ordenha, à tarde, e quan- minação, podem-se citar o pânico, a raiva,
evitar a competição por alimentos, in- do o cocho é reabastecido pela manhã (Fra- a ansiedade, a doença ou o clima. A per-
cluindo água e minerais, e por sombra ser & Broom, 1990). centagem de vacas ruminando é maior no
(Albright, 1993). Em dias muito nublados os bovinos inverno (25,2%), seguido da primavera
O consumo dos alimentos é deter- podem atrasar o início do pastejo pela ma- (22,6%) e verão (21,9%). Na primavera e no
minado pelo número de refeições diárias, nhã e parar mais cedo, ao anoitecer, as nu- outono, o tempo de pastejo supera o tempo
pela duração de cada refeição e pela taxa vens efetivamente reduzem a duração do de ruminação, mas, no verão, eles se equi-
de ingestão (Grant & Albright, 1995). Esses dia. Os animais ficam mais agitados, pas- valem (Shultz ,1983).
fatores dependem dos mecanismos orais, tejam com menor intensidade e caminham O período em que os animais não estão
das características físicas e químicas do mais, em dias com muitas nuvens e vento. comendo, ruminando ou ingerindo água, é
alimento, da disponibilidade de água, da A chuva só altera o comportamento geral definido como ócio e, em geral, são gastas
qualidade e quantidade dos nutrientes, da dos animais se for muito forte. Chuva com de 5h e 48min a 12h e 48min por dia nesta
temperatura ambiente e dos próprios ani- rajada de vento altera a direção do pastejo, atividade. Em condições de Brasil Central,
mais (idade, tamanho e nível de produção), isto é, os animais tomam a direção contrá- foi observado que animais confinados em
dos efeitos de distúrbios provocados por ria ao vento, e quando está muito forte e free-stall ficam 47,19% do tempo em ócio,
predadores, ataque de insetos, doenças, persistente os bovinos interrompem o pas- ou seja, 10h e 23min e esse tempo não foi
parasitas e da competição com outros tejo e permanecem imóveis com os pesco- diferente durante o ano (Camargo, 1988).
membros do grupo (Muller et al., 1994). Esta ços extendidos. Se o tempo de interrupção Dados obtidos em experimentos reali-
competição pode-se desenvolver, quando for superior a uma hora, os animais podem zados na Embrapa Gado de Leite e em fazen-
os animais são mantidos em grupos e o es- reiniciar o pastejo, a despeito da chuva da particular, nos quais o comportamento
paço no cocho é insuficiente para permi- forte. Os bovinos tendem a pastejar na de vacas holandesas em lactação mantidas
tir que todos se alimentem ao mesmo tem- mesma direção do vento, mas no calor to- em pastagens de alfafa e de coast-cross foi
po. Em situação de competição, as vacas mam a direção contrária para maximizar a observado durante todo o dia e à noite,
dominantes tendem a passar mais tempo troca de calor radiante (Blackshaw,1984). Em mostraram que o tempo médio total de
comendo que aquelas situadas mais abaixo sistemas mais extensivos, o pastejo, pela pastejo diário foi sempre inferior no verão
na escala social (Albright, 1993). Desse mo- manhã, é realizado entre dois pontos de água comparado com o inverno (Quadro 1). Esta
do, o comportamento alimentar não é ex- e quanto mais quente estiver o dia, mais resposta foi independente do tipo de pasta-
plicado apenas pelos fatores fisiológicos, rápido os animais alcançam o segundo gem, que, por ser irrigada, era de alta qua-
uma vez que é fortemente influenciado pe- bebedouro (Arnold & Dudzinski, 1978). lidade em ambas as estações. A diferença
las inter-relações ambientais e sociais (Fra- A ruminação é uma atividade que per- entre o pastejo no inverno e no verão, em
ser & Broom, 1990). mite a regurgitação, mastigação e a passa- termos percentuais, significa que os ani-
O comportamento de pastejo dos bo- gem do alimento previamente ingerido, para mais permaneceram 8% (alfafa) e 10%
vinos é comum a todos os animais da mes- o interior do rúmen. Durante a ruminação, (coast-cross) a mais do seu tempo diário,
ma espécie. A rotina diária envolve várias deitadas ou de pé, as vacas ficam quietas e pastejando no inverno. Já quando se es-
fases comportamentais: apreensão do ali- relaxadas com suas cabeças baixas e as pál- tudaram vacas mestiças em pastagem de
mento, ruminação deslocamento e ócio. O pebras semicerradas. Usualmente, os bo- capim-elefante, o tempo de pastejo foi se-
tempo gasto pelo animal com a apreen- vinos preferem ruminar deitados, embora melhante entre as estações (Quadro 1), pro-
são do alimento, ou seja, com a atividade durante mau tempo possam permanecer de vavelmente devido à diferença na qualidade
de pastejo propriamente dita, é de, aproxi- pé ou caminhar vagarosamente. Quando e disponibilidade desta gramínea e no
madamente, 8h, podendo variar entre 4 a deitados, utilizam a lateralidade esquerda manejo dos animais nas duas épocas do
14 h/dia (Fraser & Broom, 1990). como uma estratégia para otimizar o po- ano. A ação destas variáveis, provavel-
Uma das características do comporta- sicionamento do rúmen e obter, assim, uma mente, interferiu no efeito da temperatura e
mento alimentar é o seu padrão diurno, com ruminação mais eficiente (Albright, 1993). umidade sobre o tempo de pastejo. Quanto
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14 Gado de Leite

QUADRO 1 - Médias ajustadas do tempo despendido por vacas holandesas em pastagem de alfafa, coast-cross e por vacas mestiças em pastagens de capim-
elefante, nas atividades de pastejo, ruminação e ócio, em duas estações do ano

Alfafa Coast-cross Capim-elefante


Estação
TP TR TO TP TR TO TP TR TO

Verão 6h a 3h54min a 11h24min a 5h54min a 3h36min a 9h12min a 8h39min a 2h24min a 8h11min a


Inverno 8h30min b 4h18min a 8h b 7h 48min b 5h12min b 5h12min b 8h09min a 3h08min a 11h16min b

FONTE: Pires et al. (1998) e Werneck et al. (2000).


NOTA: Médias seguidas por letras iguais na coluna, não diferem entre si pelo teste de Tukey (p<0,05).
TP - Tempo de pastejo; TR - Tempo de ruminação; TO - Tempo de ócio.

ao tempo despendido com a ruminação, drástico no consumo voluntário de ali- Uma vaca em lactação necessita de 10h de
observou-se que no inverno este tempo mento durante à noite, indicando que pode pastejo diário para consumir o necessário
foi sempre superior ao do verão (Quadro 1). haver uma modificação no comportamento para produzir 12 litros de leite/dia, mas esse
Os dados apresentados no Quadro 1 mos- ingestivo com objetivo de amenizar os efei- tempo é reduzido, principalmente durante
tram, também, que, no verão, vacas em tos do estresse calórico. o dia, caso a temperatura máxima exceda
lactação em pastejo de alfafa ou coast-cross Além do calor, o ataque de moscas, co- 27oC (Cowan et al., 1993). Portanto, o que se
permanecem mais tempo em ócio. Isto sig- mum em épocas quentes, interfere no com- observa no verão é que, além da redução da
nifica que os animais, nesta estação, subs- portamento ingestivo. Ambas as circuns- atividade de alimentação, há uma inversão
tituem as atividades relacionadas com o tâncias demandam alterações das atividades dos hábitos alimentares. Os animais inter-
comportamento alimentar (ingestão e ru- físicas com priorização dos cuidados cor- rompem o pastejo entre a ordenha da manhã
minação) pelo ócio, numa provável ten- porais e conseqüentes prejuízos para o com- e a da tarde, evitando, assim, as horas quen-
tativa de reduzir a produção de calor meta- portamento alimentar (Fraser & Broom, 1990). tes do dia. O animal altera seu padrão de
bólico. Com o capim-elefante observou-se Experimento realizado na Embrapa Gado pastejo, reduzindo o pastejo diurno para
o inverso, isto é, os animais permaneceram de Leite, com vacas holandesas, confina- menos de duas horas, enquanto o noturno
mais tempo em ócio no inverno. A provável das em free-stall, alimentando-se de uma aumenta para, aproximadamente, 6h e
explicação para isso baseia-se na diferença mistura completa composta de silagem de 30min. Desse modo, o pastejo noturno
de manejo entre as estações. Os animais milho e concentrado, mostrou que, num pode representar 60% do tempo total de
alimentaram-se de silagem de milho entre as período de observação referente a três anos, alimentação, contrastando com climas
ordenhas e os dados do comportamento esses animais, em 24h, permaneceram 21% temperados, onde somente 40% do pastejo
foram também considerados no horário da desse tempo alimentando-se, no inverno, ocorre à noite (Hafez, 1975). Esta inversão
ordenha, o que não aconteceu no verão. e, 18%, no verão. O tempo de ruminação no comportamento ingestivo pode ser tam-
Além disso, a ingestão de silagem é mais também foi maior no inverno, inverso do bém observada, embora menos acentuada,
rápida que a ingestão de gramínea em forma observado em relação ao tempo de ócio em animais confinados e pode ser cons-
de pasto, sobrando, assim, mais tempo para (Quadro 2). tatada nos experimentos de pastejo ante-
o ócio. O comportamento alimentar é fortemen- riormente mencionados (Quadro 3).
Em vez de piques de pastejo, as vacas te afetado pelo clima e, em geral, o consumo Os dados do Quadro 3 mostram que os
estabuladas apresentam 10-12 períodos de de alimento diminui, quando a temperatura animais confinados aumentaram em 5% o
alimentação, com, aproximadamente, 68% ambiente ultrapassa 26oC e, em situação de tempo de alimentação à noite no verão,
deles ocorrendo entre 6h e 18h, e, em torno pastejo, esse efeito é mais pronunciado. comparado com o inverno, mas passaram
do meio-dia, a maioria das atividades de
alimentação é interrompida. Passam em tor-
no de 5h comendo, mas, caso a proporção QUADRO 2 - Médias ajustadas do tempo despendido/dia por vacas em lactação confinadas em free-
de concentrado na dieta seja aumentada, stall, nas atividades de alimentação, ruminação e ócio, em duas estações do ano
esse tempo pode ser reduzido. Embora esta-
buladas e, assim, em ambiente comple- Estação TC TR TO
tamente diverso do natural, o ritmo diurno
do padrão alimentar é semelhante àquele Verão 4h25min a 7h20min a 10h35min a
quando em pastejo, mas o tempo total de Inverno 5h10min b 7h55min b 9h05min b
alimentação é sensivelmente inferior (Fra-
ser & Broom, 1990). FONTE: Pires et al. (1999).
Em condições de temperatura ambien- NOTA: Na coluna, médias seguidas por letras diferentes diferem (p<0,01) pelo teste de Tukey.
te elevada, verifica-se aumento imediato e TC - Tempo de alimentação; TR - Tempo de ruminação; TO - Tempo de ócio.

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Gado de Leite 15

QUADRO 3 - Distribuição do tempo total de pastejo em 24h de vacas em lactação da raça Holandesa em pastagem de alfafa, coast-cross, confinadas em free-
stall, e de vacas mestiças em pastagem de capim-elefante durante o dia e à noite, em duas estações do ano

Alfafa Coast-cross Capim-elefante Free-stall


Estação

Dia Noite Dia Noite Dia Noite Dia Noite

Verão 3h10min 2h50min 2h20min 3h13min 4h09min 4h30min 3h23min 1h15min


(52,7%) (47,2%) (42,0%) (63,9%) (49,3%) (50,7%) (73,0%) (27,0%)

Inverno 5h30min 3h 5h05min 2h42min 6h18min 1h51min 4h05min 1h11min


(64,7%) (33,3%) (65,0%) (34,6%) (74,0%) (26,0%) (78,0%) (22,0%)
NOTA: Dia – 6h a 17h; Noite – 17h a 6h.

mais tempo se alimentando durante o dia pastejo. No entanto, tão logo aqueles con- total de água foi maior no verão que no
em ambas as estações. Já quando mane- siderados não-caminhantes deixam o be- inverno, em conseqüência do aumento da
jadas a pasto, vacas holandesas e vacas bedouro, começam a pastejar a, aproxima- temperatura ambiente. No entanto, a in-
mestiças em lactação preferem, no verão, damente, 200m distantes do ponto de água, gestão de água proveniente do bebedouro
pastejar durante à noite, ou seja, nos ho- e a distância máxima envolvida é em torno foi maior no inverno, provavelmente para
rários de temperatura ambiente mais amena, de 4km (Blackshaw, 1984). compensar o menor volume obtido pelos
com destaque para os dois piques de pas- A ingestão de água depende da tempe- alimentos e também pelo aumento de
tejo que ocorrem ao nascer e ao pôr-do- ratura ambiente, da qualidade do alimento disponibilidade da água entre as ordenhas.
sol. e da distribuição da água. Em pastagens Conforme Benedetti (1986) o consumo total
verdes e abundantes os bovinos não be- de água foi um pouco inferior às neces-
Ingestão de água bem muita água, no entanto, quando o sidades, para esse nível de produção, mas,
A evaporação da água em forma de alimento é mais seco, necessitam de água embora estas necessidades tenham sido
suor, com finalidade de termorregulação, regularmente. O consumo é maior quando praticamente satisfeitas, deve-se consi-
em climas quentes, aumenta a necessida- aumenta a temperatura ambiente e a dis- derar mais importante para o conforto dos
de de água pelos animais. Conseqüen- ponibilidade de água (Arnold & Dudzinski, animais livre acesso à água que a total
temente, há um incremento na ingestão de 1978). Outros fatores também influenciam satisfação de suas exigências.
água, quando o calor aumenta. Para ma- o consumo de água, tais como: produção Os horários de ingestão de água estão
ximizar a utilização da água, os bovinos, de leite, consumo de alimentos, peso do relacionados com os padrões diurnos de
em vez de reduzirem o volume urinário, eli- animal, nível de atividade, estado fisio- pastejo e descanso e a freqüência de in-
minam urina mais concentrada e fezes mais lógico, raça dos animais, composição e for- gestão, para vacas, está em torno de cinco
secas. ma física da dieta, precipitação, qualidade, vezes ao dia, variando de uma a seis vezes.
A disponibilidade de água determina acessibilidade e temperatura da água. Em sistemas extensivos esse padrão apre-
o padrão de pastejo, especialmente em re- O consumo de água por vacas mesti- senta pouca variação, com a primeira in-
giões secas. A área em torno do bebedouro ças em lactação com produção média de gestão ocorrendo depois do principal
tende a ser superpastejada com conse- 10kg/leite/dia, submetidas a dois tratamen- período de pastejo pela manhã. As vacas
qüente erosão e uma carga maior de pa- tos, foi medido em experimento realizado vão ao bebedouro entre 7h e 8h, não per-
rasitos pode ocorrer neste local. Estudos na Embrapa Gado de Leite (Quadro 4). No manecendo no local, mas no retorno do
realizados no Norte da Austrália mostram tratamento 1, os animais não recebiam con- pastejo, em torno das 11h, elas descansam
que os animais, à noite, tendem a per- centrado e, no tratamento 2, eram suple- próximo do bebedouro por várias horas.
manecer em áreas de pastagem e não mentados até 60 dias pós-parto de acordo No verão, 30% da ingestão de água ocorre
próximos ao bebedouro. Geralmente, apro- com a produção de leite. O acesso à água entre 6h e 12h, 53% entre 12h e 16h e 17%
ximam-se dos pontos de água 1h a 2h era restrito aos horários de ordenha, no entre 16h e 20h. As vacas permanecem pró-
depois de amanhecer, embora em dias quen- bebedouro situado no curral de espera. ximas ao bebedouro durante a maior parte
tes essa aproximação ocorra mais cedo. Em Estes animais, no inverno, permaneciam do dia, principalmente se não existe som-
sistemas extensivos, um comportamento estabulados, entre as ordenhas, alimen- breamento no piquete (Arnoldo & Dud-
interessante está relacionado com bovinos tando-se de silagem de milho, portanto, zinsk, 1978). A freqüência de ingestão de
considerados caminhantes e não-cami- com água disponível neste período. Para o água aumenta para 14 vezes por dia, para
nhantes. Os primeiros, após a ingestão de consumo total de água, considerou-se vacas em lactação confinadas.
água, caminham, até 9km, em trilhas bem aquela ingerida no bebedouro e nos ali- Em estudos realizados na Embrapa Ga-
definidas, para as áreas preferidas para o mentos. Conforme esperado, o consumo do de Leite, observou-se, durante o inver-

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16 Gado de Leite

QUADRO 4 - Média do consumo total de água (L) por vacas mestiças em lactação, de acordo com o tratamento e com a estação do ano

Verão Inverno
Tratamento
Bebedouro Capim Total Bebedouro Capim Silagem Total

Tratamento 1 15,7 57,2 72,9 28,7 17,7 15,7 62,1

Tratamento 2 29,5 43,5 73,0 43,0 11,6 14,7 69,3

FONTE: Werneck et al. (2000).

no e o verão, o comportamento de ingestão ao sol para aumentar ou diminuir a área de e outros danos físicos, resultando em
de água de vacas holandesas em lactação, exposição da superfície corporal, depen- problemas sanitários e baixo desempenho
confinadas em free-stall. Os dados do Qua- dendo da temperatura ambiente. Em am- (Krohn & Munksgaard, 1993). Os bovinos
dro 5 mostram que, independente da es- bientes quentes, os bovinos tendem a não apresentam o sono verdadeiro como
tação, no período do dia compreendido assumir uma postura de relaxamento e mi- os humanos, exceto por períodos muito cur-
entre 12h e 18h, houve um maior número nimizar as atividades físicas, ou seja, redu- tos. Eles descansam sem perda da vigilân-
de vacas ingerindo água e, ao contrário do zem ou cessam a atividade de alimentação cia e provavelmente sem perda da cons-
que se esperava, no inverno a freqüência e procuram uma superfície fria para se ciência. O animal pode deitar-se com os
de visitas ao bebedouro, neste período do deitarem. A impressão usual de que a perda olhos fechados, mas qualquer barulho ou
dia, foi maior que no verão. A explicação de calor por condução é incrementada, movimento pode causar uma resposta ime-
para este resultado baseia-se no com- quando o animal está deitado, somente tem diata. O sono verdadeiro ocorre em curtos
portamento dos animais no bebedouro. sentido caso a superfície de contato esteja intervalos de 2min a 8min. A literatura
Observou-se que, no verão, em decor- mais fria que o corpo do animal. Mesmo mostra que o tempo de permanência das
rência do calor ambiental, as vacas domi- assim, uma troca significativa de calor só vacas na posição deitada, num período de
nantes, após a ingestão de água, perma- pode ocorrer por tempo limitado e enquanto 24h, é geralmente, em torno de 8h a 14h
neciam próximas ao bebedouro, impedindo isso o animal estará removendo 1/3 de sua (Muller et al., 1994). Esse tempo apresenta
a aproximação e, conseqüentemente, a superfície do contato com o ar (Mcdowell, uma distribuição na qual, normalmente, às
ingestão de água pelos outros animais. 1972). 18h, 57% das vacas estão deitadas e, a partir
Dentre os padrões fixos de comporta- das 21h, com exceção das vacas que se
Postura animal mento, o de deitar é considerado altamente alimentam em períodos tardios, a maioria
Os animais podem ajustar-se ao am- prioritário para as vacas leiteiras. A priva- dos animais (76%) deita para ruminar e/ou
biente térmico alterando sua posição. Por ção do descanso pode induzir à frustração descansar.
exemplo, no calor, podem deitar-se com os que se manifesta por comportamentos A variação na duração e na freqüência
membros estirados, para aumentar a su- estereotipados, além de alterações no eixo desse comportamento é parcialmente de-
perfície de contato com o piso frio. Nor- hipotalâmico-hipofisário adrenal. Outras vida a fatores individuais, tais como idade
malmente, orientam seu corpo em relação conseqüências incluem lesões traumáticas da vaca, temperatura, doença e, parcial-
mente, devida a fatores de manejo, tais
como instalações, quantidade e tipo de
QUADRO 5 - Freqüência (%) da atividade de ingestão de água por vacas holandesas em lactação, material usado como cama, tipos de sistema
confinadas em free-stall em quatro períodos do dia, durante o verão e inverno e densidade dos animais (Krohn & Munks-
gaard, 1993).
Vacas bebendo água Em experimentos realizados na Embrapa
Período do dia (%) Gado de Leite, estudou-se o efeito do calor
(h) sobre a postura corporal dos animais. Para
Verão Inverno isso, não se considerou o tempo em que
estavam se alimentando. Os animais, in-
6 às 12 8,18 7,82 dependente da estação, permaneceram mais
tempo deitados, porque é nesta posição
12 às 18 9,32 13,28
que se encontram em situação de conforto
18 às 24 6,31 3,06
máximo. Porém, se observarmos as dife-
renças nas posições assumidas entre as
24 às 6 3,98 4,81 estações, verificamos que vacas mantidas
em pastagem de alfafa e coast-cross e con-
FONTE: Portugal et al. (2000). finadas em free-stall mostram tendência
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.11-21, jul./ago. 2001
Gado de Leite 17

em preferir a posição de pé, no verão (Qua- normal, quando deitados ou em pé, per- final da tarde, quando aquelas com acesso
dro 6). Isto ocorre para os animais maxi- mitindo o máximo de movimento do ar à sombra começam a pastar. Pelo agru-
mizarem a perda de calor por convecção, como proteção contra o calor (Arnold & pamento com as companheiras do rebanho,
isto é, pela movimentação do ar . Dudzinski, 1978). os animais tentam reduzir a área da su-
Os bovinos podem permanecer de pé Roman-Ponce et al. (1977), verificaram- perfície corporal exposta ao ambiente. Esta
na água, espojar-se na lama ou excretar, se que, embora livres para se movimen- reação tem sido chamada de termorre-
quando estão em condições de estresse tarem, as vacas permaneceram sob a som- gulação social (Curtis, 1981).
calórico. Permanecer de pé na água facilita bra durante o dia, com alimento e água O comportamento de procura por som-
a perda de calor por condução a partir dos disponíveis, mas se locomoveram para uma bra, em um sistema silvipastoril, foi estu-
apêndices e peito, enquanto no espoja- área relvada adjacente, ao entardecer e à dado na Embrapa Gado de Leite (Qua-
mento aplicam água na superfície corpo- noite. Os animais do lote sem acesso à som- dro 7), quando se observou que no inverno
ral que se evapora, resfriando o animal, bra usualmente deitavam na relva ou em a radiação solar não constituiu um fator de
quando esse deixa a área úmida. Vacas com locais úmidos durante as horas quentes do desconforto para os animais, uma vez que
estresse calórico freqüentemente perma- dia. Assim, o padrão de comportamento a tendência foi de preferirem ficar sob sol,
necem próximas ao bebedouro e borrifam diferiu consideravelmente e as vacas sem com exceção quando estavam na posição
água sobre seus corpos (Curtis,1981). sombra preferiram alimentar-se no final da de pé (ruminando ou em ócio). Ao con-
tarde e à noite. Comparando os dois gru- trário, quando se comparou a percentagem
Busca por sombra pos, as vacas com acesso à sombra apresen- total do tempo que os animais utilizaram a
Os animais procuram localizar-se em taram freqüência respiratória e temperatura sombra no verão (66%) e no inverno (45%),
ambientes termoneutros. Algumas vezes, corporal mais baixas, produziram aproxi- verificou-se uma tendência de preferirem a
buscar locais sombreados é a única opção madamente 11% a mais de leite, a taxa de sombra durante a estação quente do ano.
em condições de estresse calórico. Em dias concepção foi 19% maior e a incidência de O tempo de pastejo, no verão, foi maior
quentes, todos os animais procuram por mamite 10% abaixo dos índices apresen- sob o sol, mas esta diferença representou
sombra, uma forma de se protegerem contra tados pelos animais do grupo sem sombra. apenas 5% do tempo total de pastejo nesta
a ação do sol (Pires & Carvalho, 2000). As O incremento no desempenho destes ani- estação, confirmando a necessidade de
vacas param de pastejar e encaminham para mais, segundo estes autores, foi seme- sombreamento para o conforto térmico do
a sombra, quando a temperatura retal au- lhante àquele obtido com vacas em sistema animal.
menta acima do normal. de ar-condicionado.
A procura da sombra é, portanto, uma Nas pastagens sem sombra, os animais Comportamento sexual
resposta óbvia ao estresse calórico e uma apresentam sintomas de estresse calórico, O estudo do comportamento sexual nos
maneira de obter conforto, principalmente que se manifestam por movimentação animais de fazenda é dirigido por um nú-
conforto térmico. Este comportamento está excessiva, agrupamento nos extremos do mero de interesses tradicionais. O primei-
em função tanto da temperatura e umidade, piquete, ingestão freqüente de água e de ro e mais importante é de razão prática e
quanto do genótipo do animal. Raças descanso na posição deitada, quando o econômica. A pecuária é dependente da
temperadas podem permanecer até 11h por solo está mais frio que o corpo do animal. reprodução animal e esta é dependente da
dia na sombra. As sombras artificiais nem Caminhar excessivamente visa otimizar o disposição e habilidade dos animais de
sempre são tão efetivas quanto as naturais resfriamento pela evaporação. Então, essas interagirem em atividades sexuais, mes-
e devem oferecer espaço suficiente para vacas podem mostrar-se exaustas para mo quando a inseminação artificial é em-
os animais manterem sua distância social pastejar e deitam-se nas horas frescas do pregada. Para atingir as metas do manejo

QUADRO 6 - Tempo/dia que vacas em lactação da raça Holandesa em pastagem de alfafa, coast-cross e confinadas em free-stall, permanecem em pé ou
deitadas, em duas estações do ano

Alfafa Coast-cross Free-stall


Estação

TE TD TE TD TE TD

Verão 5h36min 12h18min 7h12min 11h48min 6h50min 11h06min


(56,5%) (53,8%) (64,0%) (48,8%) (55,5%) (48,8%)

Inverno 4h12min 10h42min 4h 12h05min 5h22min 11h58min


(43,5%) (46,2%) (36,0%) (51,2%) (44,5%) (51,2%)

FONTE: Pires et al. (1998).


NOTA: TE – Tempo em pé; TD – Tempo deitada.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.11-21, jul./ago. 2001


18 Gado de Leite

QUADRO 7 - Tempo médio (horas) por dia que vacas mestiças permanecem em pé ou deitada, pastejando, ruminando e em ócio, sob o sol ou à sombra

Tempo Tempo ruminando Tempo em ócio


Estação de Total
pastejo TD TE TD TE

Inverno
Sol 2h44min 50min 37min 1h40min 47min 6h38min
(64%) (59%) (39%) (67%) (35%) (55%)

Sombra 1h33min 34min 57min 50min 1h28min 5h22min


(36%) (41%) (51%) (33%) (65%) (45%)
Verão
Sol 2h13min 19min 19min 41min 30min 4h03min
(53%) (27%) (15%) (34%) (20%) (34%)

Sombra 1h58min 52min 1h45min 1h20min 2h01min 7h57min


(47%) (73%) (85%) (66%) (80%) (66%)

Total 4h14min 1h17min 1h48min 2h16min 2h22min 12h


(36%) (10%) (15%) (19%) (20%) (100%)
FONTE: Paes Leme et al. (2001).
NOTA: TE – Tempo em pé; TD – Tempo deitada.

reprodutivo, o homem pode contar com a para alcançar esse objetivo (Valtorta & sentam cios mais curtos (em torno de 10h,
vantagem de conhecer o comportamento Gallardo, 1996). Sabe-se que a temperatura em comparação com 18h, quando não há
sexual, podendo facilitar ou antecipar sua corporal da vaca em lactação aumenta du- estresse calórico). Além disso, as mani-
ocorrência (Katz & Mcdonald, 1992). rante o estresse calórico e, como resultado, festações do cio são menos notórias. Por
O sinal primário mais ligado ao estro é a muitos processos fisiológicos são alte- isso, em condições tropicais, nas proprie-
resposta de imobilização, ou seja, quando rados. Um dos exemplos mais drásticos do dades que se dedicam à atividade leiteira e
uma vaca ou novilha permanece imóvel, comprometimento da fisiologia pelo es- nas quais se utilizam este tipo de animal e a
enquanto é montada por uma companheira tresse calórico é a reprodução. Animais Bos prática da inseminação artificial, a detecção
ou por um macho. Usualmente, as montas taurus expostos ao calor reduzem a inten- do cio exige atenção especial, principal-
são caudais, mas montas de frente podem sidade do cio e a probabilidade de manter a mente durante o verão, em conseqüência
ser ocasionalmente observadas. O sinal se- gestação (Hansen & Aréchiga, 1994). da sua menor duração (Mellado, 1995).
cundário mais importante é aquele rela- As alterações na duração do ciclo estral Em experimento realizado na Embrapa
cionado, também, com as atividades de e do estro e o aumento na percentagem de Gado de Leite, a duração do cio induzido e
monta. A maioria das vacas e novilhas no óvulos anormais e na incidência de morte do natural subseqüente, de novilhas da
cio passa uma grande parte do tempo embrionária são as manifestações mais raça Holandesa confinadas em free-stall,
montando as companheiras que estão pró- comumente observadas nos Bos taurus, observadas continuamente durante cinco
ximas, ou que também estão no cio. Outros durante o verão, assim como um aumento dias em cada tipo de cio, não foi diferente
sinais secundários incluem lamber, cheirar, significativo de cios não identificados. A entre verão e inverno (Quadro 8). A tempe-
cabecear, pressionar o queixo etc. Todas reduzida intensidade das manifestações ratura ambiente durante as fases experi-
essas atividades podem ser realizadas pelo comportamentais do estro, somada ao fato mentais não foi suficientemente elevada
animal em qualquer fase do ciclo estral, por- de maior ocorrência durante à noite pare- para causar estresse calórico nas novilhas
tanto, deve-se dispensar atenção especial cem ser os problemas mais sérios para se e interferir na manifestação do cio, redu-
ao interpretar esses achados (Allrich, 1993). manter um manejo reprodutivo adequado zindo a sua duração. Como se sabe, este
O conhecimento do comportamento do durante o verão. Esses fatores se combi- tipo de animal é mais resistente à ação do
estro e o intervalo entre o estro e a ovulação nam para aumentar as falhas na identifi- calor que vacas em lactação. Independen-
são essenciais para estimar o melhor mo- cação do cio. No estado da Flórida (EUA), te da estação, a duração do cio observada
mento para inseminação dos animais, o que a taxa de cios não-detectados oscila em foi menor que aquela citada na literatura
contribui para obtenção de bons índices torno de 4% no inverno, a um máximo de (Gaverick & Smith, 1993). Chama a atenção
reprodutivos. A análise da influência dos 82% no verão (Valtorta & Gallardo, 1996) a tendência de ligeira redução na inten-
fatores ambientais sobre a eficiência re- Em condições de temperatura ambiente sidade do cio natural durante o verão, que
produtiva dos bovinos também contribui elevada, as vacas de raça européia apre- se manifesta por menor número de montas.

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Gado de Leite 19

QUADRO 8 - Duração, número de montas e número de montas/hora (médias) do cio induzido e natural subseqüente de novilhas da raça Holandesa,
confinadas em free-stall, durante o verão e o inverno

Cio induzido Cio natural

Estação
Número Número
Duração de Montas/h Duração de Montas/h
montas montas

Verão 12h48min 50,2 4,0 15h48min 31 2,42

Inverno 12h30min 52,0 3,5 15h30min 50 3,43

FONTE: Pires (1997).

Ao contrário do que ocorre com os elegeu-se a raça Gir, e acompanhou-se con- comportamentais em condições de estresse
bovinos de raças européias em condições tinuamente o comportamento do cio indu- térmico, fica claro que alterações da pos-
de calor, nos animais zebuínos o cio, em zido e natural de fêmeas dessa raça, não- tura, das atividades físicas, dos hábitos
geral, é mais fácil de ser detectado no verão lactantes, em duas estações do ano, durante alimentares e de outros comportamentos
(Zakari et al.,1981). Segundo Galina et al. dois anos consecutivos nas instalações do são importantes mecanismos adaptativos
(1995), poucas vacas foram observadas em Campo Experimental Santa Mônica, perten- para reduzir o efeito do estresse calórico.
cio no inverno (21%), quando comparada cente à Embrapa Gado de Leite. De modo Com base em alterações do tempo dedi-
no verão (33%), sendo, portanto, as con- geral, não houve diferenças nas carac- cado às atividades de padrão fixo de com-
dições do inverno um fator de restrição na terísticas do cio entre as estações (Qua- portamento (alimentação, ruminação e
expressão do cio destes animais. Além dro 9). Porém, quando se verificam os re- ócio), bem como nas modificações da pos-
disso, os zebuínos mostram uma tendência sultados, com relação apenas ao cio na- tura entre o verão e o inverno, observadas
de reduzir o período de aceitação de monta, tural, que é o tipo que ocorre na grande nos experimentos citados, pode-se sugerir
afetando a oportunidade para que um maioria das fazendas que praticam a monta que, nos períodos mais quentes do ano, os
observador ocasional possa identificar o natural ou inseminação, o dado que cha- animais utilizam alguns destes mecanis-
cio eficientemente. Os zebuínos têm pe- ma a atenção é a diferença entre as esta- mos (redução no tempo de alimentação, ru-
culiaridades quanto à sua expressão do ções na percentagem de cios curtos. Foi minação e aumento no tempo de ócio), para
estro: animais no cio não permitem a monta observada uma incidência relativamente diminuir a produção de calor metabólico
repetidas vezes; 85% da atividade de mon- alta destes cios durante o inverno. Além excedente, enquanto outros (aumento do
ta é realizada apenas pelos animais em cio; disso, nesta estação, mais da metade dos tempo em pé) auxiliam na dissipação do
vacas mantidas em curral, para observação cios observados iniciaram-se entre 12h e calor. Deve-se considerar também que mu-
do cio, alteram seu comportamento e, não 18h. Isto significa que cios com duração danças de comportamentos, como perma-
expressam sinais característicos do estro. inferior a 10h e que se iniciam no final da necer grande parte do dia à sombra e au-
Todos esses aspectos, aliados ao fato de o tarde, após encerrarem as atividades roti- mentar a ingestão de água, contribuem
neiras da fazenda, podem passar desper- significativamente para manter a homeo-
comportamento de monta não ser tão ex-
cebidos na observação de cio casual. termia dos animais.
pressivo nos animais tropicais e de a maioria
das montas ocorrer geralmente à noite, Estas mudanças comportamentais su-
CONSIDERAÇÕES FINAIS gerem algumas práticas de manejo que
tendem a afetar o sucesso da identificação
do cio (Galina et al., 1995). O comporta- A importância do estudo do compor- visam ao conforto dos animais e, conse-
mento infreqüente de monta, com a quase tamento animal baseia-se, principalmente, qüentemente, o aumento na produção de
ausência dos sinais secundários do cio, na sua utilização como ferramenta auxiliar leite e a melhora dos índices reprodutivos.
como hiperatividade, agitação, mugidos na solução de problemas que afetam os ani- Por exemplo: tornar disponíveis sombras
repetidos e secreção cérvico-vaginal abun- mais. Desse modo, o conhecimento das adequadas para os animais, principalmente
dante, explicam o porquê de o estro não atividades diárias dos bovinos pode ser com relação ao tipo e à dimensão de som-
ser considerado intenso nos animais ze- muito útil, visto que mudanças dessas ati- bra. Permitir livre acesso à água durante às
buínos. Vários autores têm mostrado que, vidades podem ser indicativas de algum 24h. Para isso, deve-se atentar para as di-
em condições tropicais, sinais intensos do problema de manejo ou de saúde; além dis- mensões do bebedouro e sua localização
cio foram observados em apenas 30% de so, é possível alterar ou melhorar a rotina no piquete. Aumentar a freqüência de dis-
vacas zebuínas criadas em condições bra- do rebanho com base nos resultados de tribuição da mistura completa para os
sileiras (Valle Filho et al., 1985) e em apenas pesquisas concernentes ao padrão com- animais confinados, principalmente duran-
17% de vacas gir (Galina et al.,1995). portamental. te à noite, forçando assim o consumo nas
Para se conhecer o comportamento Embora existam poucas evidências horas mais amenas. Eliminar obstáculos à
característico do estro de animais zebuínos, concretas sobre a extensão das mudanças ventilação natural próximo às instalações

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.11-21, jul./ago. 2001


20 Gado de Leite

QUADRO 9 - Características do cio induzido e natural de fêmeas da raça Gir, durante o inverno e verão, em dois anos consecutivos

Induzido Natural
Variáveis
Inverno Verão Inverno Verão

Duração da atividade sexual 41h51min 62h05min 114h36min 128h43min


Duração do cio 13h59min 13h29min 11h16min 12h05min
Número de montas/cio 35,8 20,9 20,5 18,3
Número de montas/h/cio 2,6 1,9 2,0 2,2

Início do cio (% e horário) 45,5 35,7 66,6 53,3


(18-24h) (12-18h) (12-18h) (6-12h)

Cios curtos (%)(1) 27,3% 30,7% 55,5% 16,6%

Maior intensidade sexual (% e horário) 18,6 19,8 29,9 22,3


(6-9h) (21-24h) (15-18h) (9-12h)

Intervalo PGF2α - cio 48h31min 70h42min - -


Vacas em cio (%) 78 66 69 75
FONTE: Pires et al. (2000).
(1) Cios com duração inferior a dez horas.

dos animais, o que maximiza a perda de calor BENEDETTI, E. Ingestão e gasto de água no Colégio Brasileiro de Reprodução Animal, 1995.
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Gado de Leite 21

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Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.11-21, jul./ago. 2001


22 Gado de Leite

Melhoramento genético de rebanhos zebus leiteiros


Rui da Silva Verneque 1
Roberto Luiz Teodoro 2
Mário Luiz Martinez 3
Vânia Maldini Penna 4
Rozzana Cafiero 5

Resumo - O Programa Nacional de Melhoramento Genético de Rebanhos Zebus Leiteiros


é coordenado tecnicamente pela Embrapa Gado de Leite e executado em parceria com
associações e instituições afins. Têm sido realizados vários estudos técnicos que envolvem
dados coletados em nível de campo nos rebanhos participantes. A avaliação genética
dos animais é feita duas vezes ao ano, usando-se a metodologia dos modelos mistos e
animal e considerando nos modelos de avaliação genética os efeitos fixos de rebanho,
ano e época de parto da vaca, composição genética e sua idade ao parto, nos termos
linear e quadrático. Como efeitos aleatórios são considerados o animal (vaca, pai e mãe
da vaca), o efeito de meio permanente e o erro. Ao longo dos anos, tem-se observado
evolução nos índices técnicos dos rebanhos participantes, evidenciando que, além de
melhorias genéticas, pelo uso mais intensivo de sêmen de touros de alto potencial
genético, principalmente de touros provados, está havendo melhorias substanciais no
manejo (alimentar, sanitário e reprodutivo) dos rebanhos. Com a execução do programa,
além de estabeler uma sólida parceria, iniciativa pública versus iniciativa privada, o
Brasil tem-se tornado uma referência mundial no fornecimento de genética zebuína
para países de climas tropical e subtropical.
Palavras-chave: Genética; Raça Gir; Raça Guzerá; Seleção; Teste de progênie.

INTRODUÇÃO lhoramento pode ser usado isoladamente mas de produção. As raças especializadas
O melhoramento genético de rebanhos ou de forma combinada. O progresso gené- para produção de leite, tais como a Holan-
leiteiros pode ser realizado por diferentes tico por unidade de tempo é diretamente desa, a Jersey ou a Parda Suíça, apresentam
procedimentos ou métodos, isto é, pela se- proporcional à intensidade de seleção pra- bom desempenho, quando as condições
leção dos melhores animais que serão man- ticada e às estimativas da herdabilidade e de criação são similares às praticadas nos
tidos no rebanho, com conseqüente des- do desvio-padrão fenotípico das caracte- países de clima temperado, ambientes para
carte dos piores, e pelos cruzamentos entre rísticas consideradas. Mas é inversamente os quais elas foram selecionadas. No en-
animais de uma ou mais raças. A eficiência proporcional ao intervalo de geração. tanto, no Brasil, tais condições, geralmente,
de qualquer um dos métodos, para obten- No Brasil, um país com grande dimen- são conseguidas apenas de forma artificial,
ção de ganhos genéticos por unidade de são territorial e com amplas variações de podendo tornar a atividade inviável pelo
geração, depende da existência de um sis- clima e de manejos praticados nos reba- alto incremento no custo de produção, não
tema adequado de identificação de animais nhos, os produtores de leite têm sido desa- compensado pelo aumento em produtivida-
de genética superior. Cada método de me- fiados no estabelecimento de seus siste- de de leite. Além disso, na grande maioria

1
Zootecnista, D.Sc., Bolsista CNPq, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-MG.
Correio eletrônico: rsverneq@cnpgl.embrapa.br
2
Médico Veterinário, D.Sc., Bolsista CNPq, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610- Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de
Fora-MG. Correio eletrônico: rteodoro@cnpgl.embrapa.br
3
Engo Agro, Ph.D., Bolsista CNPq, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 – Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-MG.
Correio eletrônico: martinez@cnpgl.embrapa.br
4
Médica Veterinária, D.Sc., Profa UFMG - Escola de Veterinária, Caixa Postal 567, CEP 30123-970 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico:
vania@vet.ufmg.br
5
Bolsista CNPq.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.22-28, jul./ago. 2001


Gado de Leite 23

dos criatórios nacionais, os sistemas de lhoramento Genético de Raças Zebuínas, touros jovens de alto potencial genético,
produção de leite são inapropriados pa- executados no Brasil, os quais têm como representando diversas linhagens gené-
ra animais desse grupamento racial, fazen- objetivos identificar animais de genética ticas existentes no Brasil.
do com que muitos produtores optem por superior, com ênfase para produção de lei- Na raça Guzerá, numa população de se-
animais menos produtivos, porém melhor te, e avaliar características de qualidade do leção leiteira menor e com programa mais
adaptados ou mais rústicos. leite como teor de gordura, proteína, lactose, recente, os touros jovens são escolhidos
As raças Zebuínas, por outro lado, em- sólidos totais do leite e contagem de célu- para ser testados, com base em diferentes
bora de potencial produtivo ligeiramente las somáticas. Além disso, características procedimentos:
menor, são naturalmente adaptadas à maio- lineares de tipo, como composto de úbere, a) no desempenho produtivo de suas
ria das condições de manejo, alimentação pernas e pés, temperamento e facilidade de meio-irmãs e de irmãs completas, em
e condições climáticas prevalecentes, no ordenha têm sido consideradas. Por certo, um núcleo de Múltipla Ovulação e
Brasil e em países de climas tropical e sub- a execução desses programas tem contri- Transferência de Embriões (Moet), (tra-
tropical. O menor potencial produtivo deve- buído em muito para o aprimoramento da balho coordenado pela UFMG-EV);
se, principalmente, pelas raças Zebuínas, atividade leiteira no Brasil, tornando-o ge-
rador de genética zebuína para os países b) com base no resultado da prova do
no passado, não terem sido selecionadas
de climas tropical e subtropical. pai no teste de progênie;
para produzir leite, mas para produzir car-
ne. c) na avaliação genética dos pais, usan-
Nos últimos anos, no entanto, além do PROGRAMAS DE do toda uma base de dados disponí-
trabalho de seleção conduzido em nível de MELHORAMENTO GENÉTICO vel.
rebanho, por criadores que acreditam no DAS RAÇAS GIR E GUZERÁ
Até o momento, foram incluídos em tes-
potencial de algumas raças Zebuínas, co- Executados em nível nacional, os Pro- te de progênie 168 touros da raça Gir, sendo
mo produtoras de leite, as raças Gir e Gu- gramas de Melhoramento Genético das 17, em 2001, e 39 da raça Guzerá, sendo dez
zerá foram introduzidas em trabalho de Raças Gir e Guzerá tiveram início em 1985, touros, em 2001. Na raça Gir já foram tes-
seleção, bem delineado e conduzido dentro para a raça Gir, e 1994, para a raça Guzerá tados 74 touros, com base no desempenho
de critérios técnicos adequados. Os resul- (Verneque et al., 1998). Os trabalhos são de 2.534 progênies e de 6.774 companheiras
tados desse trabalho são animadores. É coordenados tecnicamente pela Embrapa de rebanho (Verneque et al., 2001b). Na ra-
cada vez maior o número de vacas zebuí- Gado de Leite e executados em parceria ça Guzerá, foram testados dez touros no
nas, gir e guzerá, que atingem altas pro- com a Escola de Veterinária (EV) da UFMG, âmbito do teste de progênie, 13 famílias no
duções de leite por lactação. É crescente o Associação Brasileira dos Criadores de Gir núcleo Moet e publicados os resultados
número de criatórios que trabalham com Leiteiro (ABCGIL), Associação dos Cria- da avaliação de 14 touros mais velhos, que
animais zebuínos, de seleção leiteira, usan- dores de Guzerá do Brasil (ACGB) e Asso- apresentaram confiabilidade superior a
do-os tanto como raça pura, quanto em ciação Brasileira dos Criadores de Zebu 0,60, na avaliação genética realizada, usan-
cruzamentos; a procura por touros sele- (ABCZ). Financeiramente é custeado pe- do toda a base de dados disponível para a
cionados é crescente e a comercialização la Embrapa, Ministério da Agricultura, Pe- raça (Teodoro et al., 2001).
de sêmen de touros das raças Gir e Guzerá cuária e Abastecimento, CNPq, Fapemig, Anualmente, são publicados resulta-
encontra-se em ascensão. Os produtores, ABCGIL e ACGB. dos da avaliação de novo grupo de touros,
enfim, têm encontrado no zebu a principal No início dos Programas foi formada tanto da raça Gir, quanto da Guzerá. O obje-
forma de produzir leite a baixo custo, com uma ampla base de dados de animais per- tivo é tornar disponíveis ao mercado infor-
qualidade, com alto teor de sólidos totais e tencentes aos rebanhos, cujos criadores mações relevantes, para que os produtores
baixa contagem de células somáticas. Além de gado puro estavam envolvidos no pro- possam escolher os touros a serem usados
disso, é um leite com baixo nível ou livre jeto. O objetivo principal da base de dados em seus rebanhos, com base em informa-
de resíduos químicos, pelo menor uso de é realizar a avaliação genética para a pro- ções técnicas produzidas em condições
ecto e endectocidas, de uso muito freqüen- dução de leite, identificando-se touros a experimentais, permitindo fazer compara-
te em animais de origem européia. Os ani- serem incluídos em teste de progênie, a par- ções entre touros de uma mesma raça.
mais de raças Zebuínas têm sido, ademais, tir da avaliação genética dos pais, vacas e Técnica e operacionalmente, o Progra-
os preferidos pelos produtores de leite em touros de genética superior. Atualmente, ma tem evoluído. Em 1985, com a implan-
sistemas orgânicos de produção. Tem-se, os touros da raça Gir, a serem incluídos em tação do projeto na raça Gir, eram medidos
também, observado evolução nos índices teste, são escolhidos entre aqueles filhos apenas a produção de leite e o teor de gor-
produtivos e de qualidade do leite de ani- de touros provados no próprio teste e de dura, entre os rebanhos participantes do
mais zebuínos no rebanho nacional. vacas elites, de alto valor genético e com projeto. Em 1994, o projeto ampliou-se com
Esse artigo propõe-se a apresentar uma produção de leite na lactação de, no mí- a realização de medidas de conformação e
descrição sucinta dos Programas de Me- nimo, 3.800kg. Assim, são selecionados de manejo nas filhas gir puras dos touros

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24 Gado de Leite

em teste. As medidas eram realizadas obje- res de gordura já eram obtidos anteriormen- Embrapa Gado de Leite, que inclui informa-
tivamente no terço inicial e final da lacta- te, usando-se o método Gerber. Atualmen- ções dos principais criatórios nacionais que
ção, para as diferentes características fun- te, o sistema usado é por contagem centesi- realizam controle leiteiro oficial em animais
cionais. O Quadro 1 apresenta algumas mal por infravermelho, com o equipamento de raças Zebuínas. As raças Gir e Guzerá
medidas realizadas. Além disso, as caracte- Bentley 2.300 que torna processo rápido e participam do programa delineado de me-
rísticas relacionadas com a qualidade do preciso. lhoramento genético em nível nacional. Já
sêmen de cada touro, tais como volume, Em 2001, foi instalada a coleta de sangue as raças Nelore e Sindi são selecionadas
concentração, vigor, motilidade, turbilhona- de animais gir, para realizar estudos mais em nível de fazendas. A produção média
mento, presença de defeitos, entre outras, pormenorizados de genética molecular em diária de leite na lactação foi de, aproxima-
inclusive circunferência escrotal, passaram animais de raças Zebuínas. Trata-se de um damente, 10kg, em 29.100 lactações de vacas
a ser anotadas e armazenadas na base de estudo do complexo maior de histocom- da raça Gir; 8,4kg, em 3.019 lactações da
dados na Embrapa Gado de Leite, para estu- patibilidade bovina (BoLA), com vários raça Guzerá; 6,7kg, em 1.978 lactações da
dos de associação de fertilidade dos touros locos fortemente ligados entre si, cujos raça Nelore e 8,5kg, em 461 lactações de
com a fertilidade das filhas. Para tanto, todo genes codificam moléculas da superfície rebanhos de vacas da raça Sindi. A duração
controle reprodutivo de uso do sêmen de celular que estão relacionadas com a res- média da lactação variou de 241 ± 65 dias,
cada touro tem sido anotado e arquivado posta imunológica. O loco BoLA tem sido na raça Nelore, a 290 ± 65 dias, na raça Gir.
na mesma base de dados. Em 1999, com o amplamente estudado nos últimos 20 anos, O intervalo médio de partos variou de 14,0
objetivo de ampliar o número de animais devido à sua importante influência nas ca- ± 3,1 a 16,2 ± 3,3 meses e a idade média ao
sob avaliação, foi criado o Sistema de Ava- racterísticas produtivas e na saúde animal. primeiro parto variou de 37,6 ± 6,5 a 45,7 ±
liação Linear, que transforma o processo Enquanto o efeito sobre a saúde animal 7,5 meses. Os dados foram obtidos de
objetivo de medição para uma forma subje- pode ser explicado por meio direto dos ale- rebanhos de manejo, geralmente, simples,
tiva, atribuindo-se escores de um a nove los BoLA sobre as funções imunológicas, com baixo uso de concentrados e produ-
para cada uma das características conside- o efeito sobre as características de produ- ção basicamente a pasto. As médias de
radas por animal. Essa mudança visa massi- ção pode ser devido à influência indireta intervalo de partos e da idade ao primeiro
ficar a realização das avaliações que envol- do BoLA, o que melhora as condições ge- parto foram altas. Portanto, a eficiência
vem todas as filhas de touros, sejam elas rais da saúde do animal e aumenta sua capa- reprodutiva está aquém da esperada, indi-
puras, sejam elas mestiças. cidade de produção, por causa da ligação cando necessidade de melhorias no manejo
Também, em 1999, foi iniciado o pro- do loco BoLA com o loco de característi- médio, principalmente alimentar. A produ-
cesso de coleta de amostras de leite para cas quantitativas (QTLs), que afetam a pro- tividade média dos rebanhos, para o nível
realização de análise dos teores de gordura, dução. Esse estudo encontra-se em fase de manejo considerado, parece razoável,
proteína, lactose, sólidos totais e contagem preliminar e ainda não dispõe de resulta- uma vez que supera a média nacional em
de células somáticas. Na realidade, os teo- dos para animais de raças Zebuínas. mais de duas vezes.
Em 2002, novas ações de pesquisa es- Na raça Nelore, notam-se médias mais
tão previstas para o projeto. Serão incluí- baixas para o intervalo entre partos, cerca
QUADRO 1 - Estimativas de herdabilidade (h2)
das avaliação de objetivos econômicos da de 2,2 meses inferior ao da raça Gir, bem
das características de conformação
seleção em zebuínos e seus mestiços. Este como idade ao primeiro parto, 6,8 meses
e manejo
trabalho será executado em parceria com a mais precoce. Essas diferenças podem ser
Característica h2 UFMG-EV. O objetivo final da pesquisa se- explicadas, primeiramente, por questões de
rá obter pesos econômicos para as princi- amostragem, isto é, as médias estimadas
Comprimento corporal 0,25 ± 0,05
pais características de importância em gado para a raça Nelore foram provenientes de
Perímetro torácico 0,30 ± 0,05 de leite. dados de poucos rebanhos e pequeno nú-
Comprimento da garupa 0,29 ± 0,05 mero de animais. Além disso, trata-se de
CARACTERÍSTICAS rebanhos melhor manejados em compa-
Altura da garupa 0,66 ± 0,06
PRODUTIVAS E REPRODUTIVAS ração ao manejo médio dos demais. Isto
Temperamento 0,10 ± 0,04
DO ZEBU NO BRASIL indica o quanto o manejo adequado é impor-
Facilidade de ordenha 0,18 ± 0,05
No Quadro 2, são apresentadas estatís- tante para a melhoria de aspectos repro-
Comprimento de tetas 0,49 ± 0,06 ticas descritivas de algumas características dutivos nos diversos rebanhos.
Diâmetro de tetas 0,29 ± 0,05 produtivas e reprodutivas de animais das Na raça Sindi, os dados usados são de
Largura entre íleos 0,34 ± 0,05 raças Gir, Guzerá, Nelore e Sindi, de sele- apenas dois rebanhos, ambos localizados
ção leiteira (Martinez et al., 2000). Os dados na Região Nordeste, sendo um da Empresa
Largura entre ísquios 0,29 ± 0,05
usados para cálculo das estatísticas foram Estadual de Pesquisa Agropecuária da Pa-
Ângulo de casco 0,08 ± 0,03
extraídos da base de dados armazenada na raíba (Emepa) e outro do produtor Manoel

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Gado de Leite 25

Dantas Vilar Filho. As estatísticas obtidas QUADRO 2 - Estatísticas descritivas para algumas características de produção e de reprodução em
rebanhos das raças Gir, Guzerá, Nelore e Sindi
para essa raça, embora advindas de peque-
na amostra, são realmente animadoras. Pelo Desvio- Valor Valor
Característica Número Média
padrão mínimo máximo
pequeno porte dos animais, é baixa a neces-
sidade de mantença, que, reunida com a Gir
capacidade de adaptação, pode ser reco- Produção de leite de até 305 dias (kg)(1) 29.101 2.653 1.051 208 14.633
(1)
mendada como uma boa raça para regiões Produção total de leite (kg) 29.101 2.884 1.254 208 16.902
adversas, com baixa disponibilidade de Duração da lactação (dias) 29.101 290 65 90 630
alimentos e em condições de climas adver- Intervalo de parto (meses) 15.572 16,2 3,3 9,9 24,0
sos. Idade ao primeiro parto (meses) 7.749 45,7 7,5 22,7 65,7

Guzerá
QUALIDADE DO LEITE
Produção de leite de até 305 dias (kg)(1) 3.019 2.263 911 82 7.234
No Quadro 3 são apresentadas estatís- Produção total de leite (kg)(1) 3.019 2.347 990 134 7.329
ticas descritivas para o percentual de gor- Duração da lactação (dias) 3.019 280 64 25 554
dura, de proteína e de lactose e para a conta- Intervalo de parto (meses) 1.335 15,1 3,0 10,0 24,0
gem de células somáticas em rebanhos das Idade ao primeiro parto (meses) 882 43,9 8,0 27 65,6
raças Gir, Guzerá e Sindi. Até o momento,
não se dispõem dessas informações para Nelore
animais da raça Nelore. Assim, também na Produção de leite de até 305 dias (kg)(1) 1.977 1.573 626 110 4.396
raça Sindi ainda não foi iniciado o proces- Produção total de leite (kg)(1) 1.978 1.621 665 110 4.917
so de coleta de amostra de leite para aná- Duração da lactação (dias) 1.978 241 65 50 558
lise dos teores de gordura, de proteína, de Intervalo de parto (meses) 916 14 3,1 9,9 24,0
lactose, de sólidos totais e da contagem de Idade ao primeiro parto (meses) 507 38,9 6,0 22,1 64,5
células somáticas pelo processo centesimal
por infravermelho, usando-se o equipamen- Sindi

to Bentley 2.300. Dispõem-se, apenas, dos Produção de leite de até 305 dias (kg)(1) 461 2.276 698 506 6.589
(1)
dados de percentual de gordura. As esta- Produção total de leite (kg) 461 2.319 743 506 7.326
tísticas são mais consistentes para amostra Duração da lactação (dias) 461 273 59 83 457
na raça Gir pelo maior volume de dados Intervalo de parto (meses) 265 15 2,4 10,6 23,8
coletados. Nota-se que o leite de animais Idade ao primeiro parto (meses) 151 37,6 6,5 27 60
zebuínos contém alto teor de sólidos, gor- (1) Ajustada à idade adulta.
dura, proteína e lactose, apresentando tam-
bém contagem de célula somática (CCS)
relativamente baixa, cerca de 471 mil, em QUADRO 3 - Estatísticas descritivas de algumas características indicadoras de qualidade do leite medi-
das em vacas das raças Gir, Guzerá e Sindi
3.803 amostras de leite de vacas da raça Gir.
Na raça Guzerá, a CCS média foi muito baixa, Desvio- Valor Valor
Característica Número Média
mas advinda de apenas 594 amostras, não padrão mínimo máximo
representando, portanto, uma boa amostra- Gir
gem que permita maiores conclusões. No- Porcentagem de gordura 142.936 4,52 0,64 3,0 8,05
vas informações serão agregadas ao longo Porcentagem de proteína 4.724 3,44 0,41 2,0 6,6
do tempo, para que em futuro próximo pos- Porcentagem de lactose 4.086 4,72 0,34 2,2 5,6
sam ser realizadas avaliações mais porme- Contagem de células somáticas (x 1000) 3.802 471 744 1 4.999
norizadas do assunto.
Guzerá
Porcentagem de gordura 9.072 4,72 0,90 3,0 7,37
MEDIDAS DE CONFORMAÇÃO
Porcentagem de proteína 641 3,68 0,46 2,4 6,6
E DE MANEJO - AVALIAÇÃO
Porcentagem de lactose 630 4,81 0,29 2,7 5,4
LINEAR
Contagem de células somáticas (x 1000) 594 167 439 1 4.417
São avaliadas em cada animal 26 me-
didas lineares. Nos Quadros 1 e 4, são apre- Sindi

sentadas, por questões práticas, informa- Porcentagem de gordura 2.456 4,9 0,5 3,1 6,5

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26 Gado de Leite

ções de apenas 11 das principais caracte- progresso genético pode ser obtido para salamentos, envolvendo a característica
rísticas do sistema linear. Os resultados das as características de maior herdabilida- altura do que a de ângulo de casco.
medidas são apresentados sob a forma de de. É muito difícil de obter progresso gené- Os resultados da avaliação genética de
unidades padronizadas (STAs), para fa- tico por meio de seleção e planejamento de touros gir leiteiro, publicados em 1999, 2000
cilitar as comparações. No Quadro 4, são acasalamentos para características com e 2001 pela Embrapa Gado de Leite e ABCGIL
apresentados os valores de STAs e os va- herdabilidade menor que 0,10. No Qua- (Martinez et al., 1999 e Verneque et al. 2000,
lores médios correspondentes para as 11 dro 1, são apresentadas características de 2001b), tornam disponíveis informações so-
principais características avaliadas. Tam- conformação, as quais diferem muito nos bre o sistema linear dos touros avaliados
bém, no Quadro 1, apresentam-se as esti- valores das herdabilidades. Por exemplo, com base no desempenho das progênies.
mativas de herdabilidade para as mesmas altura de garupa (h2 = 0,66) tem herdabi- Os resultados permitem que os produtores
características. O grau em que um touro ou lidade muito maior do que ângulo do casco possam decidir pela aquisição de sêmen ou
uma vaca é capaz de influenciar genetica- (h2 = 0,08). Conseqüentemente, para uma de animais, com base não apenas nas ha-
mente as características em suas progênies mesma intensidade de seleção, espera-se bilidades previstas de transmissões (PTAs)
é medido pela herdabilidade. Assim, maior um progresso genético muito maior em aca- para leite e gordura, mas também nas STAs
do sistema linear. Naturalmente, a priorida-
de seria dada a características de produção,
QUADRO 4 - Valores médios das medidas das progênies correspondentes à STA dos touros, quando mas o sistema linear poderá fornecer infor-
acasalados com vacas da média do rebanho mações complementares para direcionar os
STA acasalamentos com vistas a fazer alguma
Característica
correção em característica de conformação
-2,5 -2 -1 0 +1 +2 +2,5
ou de manejo. Na Figura 1, é apresentado
Altura da garupa (cm) _ 132,6 132,9 134,9 136,8 137,5 138,0 um modelo de avaliação linear de um touro
Perímetro torácico (cm) 163,7 170,6 171,4 172,0 175,0 179,3 180,7 hipotético, publicado no sumário de 2001
Comprimento corporal (cm) 97,8 98,1 99,2 100,7 102,9 104,1 104,8 (Verneque et al., 2001b). Nota-se, claramen-
te que a apresentação do resultado na for-
Comprimento da garupa (cm) _ 37,7 38,4 39,3 39,9 40,1 _
ma de figura facilita a avaliação do animal.
Largura entre íleos (cm) _ 44,2 44,6 46,3 47,6 49,8 _
A barra horizontal na frente da característi-
Largura entre ísquios (cm) _ 17,0 17,2 17,5 18,2 19,1 19,2 ca representa o ponto médio e o seu desvio-
Ângulo de casco (graus) _ 42,0 42,7 43,6 44,2 45,0 45,1 padrão, ambos expressos em STA. Assim,
Comprimento de tetas (cm) _ 6,2 6,6 7,2 7,7 8,6 8,9 pela Figura 1, conclui-se que, ao usar sêmen
do touro representado, espera-se, em mé-
Diâmetro de tetas (cm) _ 3,1 3,2 3,3 3,5 3,7 3,8
(1)
dia, aumento de altura da garupa nas filhas
Temperamento _ 2,4 2,5 2,6 2,7 3,1 3,3
da ordem de 0,7 unidade de STA. Isto signi-
(1)
Facilidade de ordenha _ 2,3 2,4 2,7 2,8 3,0 3,2 fica uma altura média de 136,23cm das ga-
NOTA: STA – Unidades padronizadas. rupas nas filhas, com base nos dados do
(1) Avaliado em escores de 1 a 5 (1 = muito mansa ou muito fácil, 5 = muito brava ou muito dura). Quadro 4. Portanto, o sistema linear foi

Figura 1 - Modelo de apresentação das STAs para características de conformação - raça Gir

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Gado de Leite 27

introduzido no programa para lhe agregar


valores, esperando auxiliar os produtores
na tomada de decisão, quando da compra
de animais e de sêmen.

EVOLUÇÃO DOS
ÍNDICES PRODUTIVOS E
VALORES GENÉTICOS
No Gráfico 1, são apresentadas as varia-
ções ao longo dos anos de nascimento das
vacas nas médias da produção de leite de
até 305 dias de lactação e do valor genético
(VG), com base nos dados de produção de
leite de vacas das raças Gir, Guzerá, Nelore
e Sindi. Nas raças Gir e Guzerá, são apresen-
tadas as médias, com base nos dados de
produção das filhas de touros em teste
(T305-Teste) e de vacas filhas de outros
touros (T305). Da mesma forma, são apre-
sentadas as médias dos valores genéti-
cos (kg), das filhas de touros em teste (VG-
Teste) e das filhas de outros touros (VG).
Para as raças Nelore e Sindi, que não par-
ticipam do Programa Delineado de Melho-
ramento Genético, são apresentadas ape-
nas as médias de produção de leite de até
305 dias (T305) e VG, com base nos dados
de todas as vacas.
A evolução na produção média de leite,
de até 305 dias e VGs médios, nas raças Gir
e Guzerá, é inquestionável. Sobretudo na
raça Gir, com Programa de Melhoramento
Genético iniciado há 15 anos, nota-se nítida
evolução tanto nos desempenhos médios
em termos de produção de leite, como em
VGs preditos. Observa-se, na raça Gir, que
até 1993, ano em que foi publicado o resul-
tado do primeiro grupo de touros em teste,
a evolução nas médias de produção de leite
e de VG foi constante, mas bastante suave,
inclusive com decréscimo de 1990 a 1993
(Verneque et al., 2001a). A partir de então,
houve grande crescimento nas médias, tan-
to em T305, passando de 2.405kg, em 1991,
para 3.154kg, em 1996, como em VG, que
passou, no mesmo período, de 8,8 para
214kg entre filhas de touros que não se
Gráfico 1 - Produção média de leite até 305 dias de lactação (T305 e T305-Teste) e
encontram em teste e, de 180kg para 324kg, valores genéticos médios (VG e VG-Teste) para vacas das raças Gir, Guzerá,
para filhas de touros em teste. Observa- Nelore e Sindi ao longo dos anos de seus nascimentos
se, ainda, que as médias de T305 e de VG NOTA: Teste refere-se a dados das filhas de touros em teste. Sem esse complemento
para vacas filhas de touros testados ou em significa dados para filhas de touros não-participantes do teste.

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28 Gado de Leite

teste sempre foram superiores às médias e ampliados. Uma vez que trata-se de um to del Gyr-lechero - producción de leche y
das filhas dos demais touros não-partici- grupamento racial, com aptidão leiteira e carne en el Trópico Cálido: una realidad
pantes do teste. Isto indica, efetivamente, boas alternativas econômica e ambiental eficiente en el año 2001. Bogotá: Libro Criar-
que o Programa está sendo bem conduzi- para o Brasil. Portanto, é necessário conti- Viendo, 2001a. 208p.
do, selecionando os touros potencialmente nuar, de forma persistente, com os traba- _______; MARTINEZ, M.L.; TEODORO, R.L.
melhores para serem incluídos em teste. lhos atuais, para que o Brasil possa-se tor- Programa Nacional de Melhoramento Ge-
Esta é uma premissa básica do teste de nar, cada vez mais, fornecedor de animais nético do Gir Leiteiro: resultado do teste de
progênie: selecionar bem os touros jovens de genética superior para os países de cli- progênie - 8o grupo. Juiz de Fora, MG: Embrapa
que participarão do teste. mas tropical e subtropical. Gado de Leite, 2000. 27p. (Embrapa Gado de Leite.
Nas raças Nelore e Sindi, as médias, Documentos, 75).
tanto de T305 quanto de VG, estão marca- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
_______; _______; _______. Programa Nacio-
das por altos e baixos, com grande osci- MARTINEZ, M.L.; VERNEQUE, R.S.; TEO- nal de Melhoramento Genético do Gir
lação ao longo do tempo, portanto sem DORO, R.L. O zebu na peduçaria leiteira nacional. Leiteiro: resultado do teste de progênie – 9o gru-
evoluções efetivas ao longo dos anos de In: SIMPÓSIO NACIONAL DA SOCIEDADE po. Juiz de Fora, MG: Embrapa Gado de Leite,
nascimentos. Há, portanto, necessidade de BRASILEIRA DE MELHORAMENTO ANI- 2001b. 28p. (Embrapa Gado de Leite. Docu-
instalar um programa delineado para me- MAL, 3., 2000, Belo Horizonte, MG. Anais..., mentos, 79).
lhoramento genético dos rebanhos dessas Belo Horizonte: Sociedade Brasileira de Melho-
_______; TEODORO, R.L.; MARTINEZ, M.L.
raças. ramento Animal, 2000. p.226-231.
Melhoramento genético das raças Gir e Gu-
_______; _______; _______. Programa Nacio- zerá pelo teste de progênie. Juiz de Fora, MG:
CONCLUSÃO nal de Melhoramento Genético do Gir EMBRAPA-CNPGL, 1998. 28p. (EMBRAPA-
Leiteiro: resultado do teste de progênie - 7o gru- CNPGL. Documentos, 70).
Os resultados animadores obtidos ao po. Juiz de Fora, MG: Embrapa Gado de Leite,
TEODORO, R. L.; VERNEQUE, R. da S.;
longo dos anos com a execução dos Pro- 1999. 26p. (Embrapa Gado de Leite. Documen-
PENNA, V.M.; MARTINEZ, M.L. Programa
tos, 72).
gramas Nacionais de Melhoramento das Nacional de Melhoramento do Guzerá para
Raças Gir e Guzerá indicam que trabalhos VERNEQUE, R. da S.; LEDIC, I.L.; MARTINEZ, Leite – Avaliação Genética de Touros. Juiz
de seleção com animais de raças Zebuínas M.L.; TEODORO, R.L.; PAULA. L.R.O.; CRUZ, de Fora, MG: Embrapa Gado de Leite, 2001. Fol-
precisam ser continuados, intensificados M.; CAMPOS, J.P. Programa de mejoramien- der.

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30 Gado de Leite

Produção de leite em pastagem de capim-elefante


manejado em pastejo rotativo
Fermino Deresz 1
Antônio Carlos Cóser 2

Resumo - O capim-elefante é uma gramínea perene de alto potencial de produção, des-de


que manejada adequadamente. Adapta-se às condições climáticas predominantes em
quase todo o Brasil. A Embrapa Gado de Leite recomenda dividir a pastagem em 11
piquetes de área semelhantes, de forma que permita um período de ocupação do piquete
de três dias, com descanso de 30 dias. A entrada dos animais nos piquetes deve ocorrer,
quando o capim-elefante apresentar entre 1,60m e 1,80m de altura e, a saída, quando o
resíduo pós-pastejo estiver entre 0,80m e 1,00m. A pastagem deve ser adubada com
200kg/ha/ano de N e de K2O, parcelados em três aplicações, no início, meio e final da
época chuvosa. Os trabalhos relacionados com o manejo da pastagem de capim-elefante
visam avaliar a influência de diferentes períodos de ocupação e de descanso dos piquetes,
bem como as diferentes taxas de lotação sobre a produção de leite de vacas mestiças
holandesas x zebuínas. Os resultados mostraram não haver efeito dos diferentes períodos
de ocupação do piquete (um, três e cinco dias) sobre a produção de leite. Pesquisas
avaliando períodos de descanso (30, 36 e 45 dias) indicaram maior produção de leite no
tratamento com 30 dias. Os trabalhos que avaliaram taxas de lotação (cinco, seis e sete
vacas/ha) mostraram que é possível manter de cinco a seis vacas/ha, durante a época
chuvosa, quando se utilizam 200kg de N e de K2O/ha/ano, com produções médias de
leite de 12kg/vaca/dia, sem o uso de concentrado. A análise econômica mostrou que a
produção de leite de uma vaca (3.500kg por lactação) paga, no primeiro ano, todos os
custos de implantação e manutenção da pastagem, considerando uma taxa de lotação de
cinco vacas/ha e 10kg de leite/vaca/dia.
Palavras-chave: Adubação; Período de descanso; Período de ocupação; Taxa de lotação.

INTRODUÇÃO nalidade de produção de forragem é atri- diárias de leite de 12 a 14kg/vaca, em pas-


O capim-elefante (Pennisetum purpureum, buída às baixas precipitações e tempera- tagem de capim-elefante manejado com sis-
Schum.) é uma gramínea perene de alto po- turas que ocorrem no período de inverno. tema rotativo e adubado com 200kg de N
tencial de produção, desde que tenha con- Durante a época das chuvas, Deresz e de K2O/ha/ano, foram observadas por
dições adequadas para manejo, fertilização (1999) encontrou taxas diárias de acúmu- Deresz et al. (1994). Esses níveis de produ-
e irrigação. Adapta-se às condições climáti- lo de matéria seca de capim-elefante de até ção de leite em pastagem com forrageiras
cas predominantes em quase todo o Brasil. 100kg/ha sob condições de pastejo. Pro- tropicais parecem estar próximos do limi-
Entretanto, em condições normais, sem irri- duções de leite de 15.000kg/ha/180 dias du- te máximo de produção, obtido com vacas
gação, aproximadamente 70% a 80% da sua rante a época das chuvas foram relatadas mestiças de bom potencial genético e pro-
produção concentra-se na época das chu- por Deresz & Mozzer (1994), usando vacas duções por lactação em torno de 4.500kg.
vas (novembro a abril nas Regiões Sudeste, mestiças holandesas x zebuínas em paste- Cowan et al. (1993), Alvim et al. (1996) e
Centro-Oeste, Norte e Sul). Esta estacio- jo rotativo de capim-elefante. Produções Vilela et al. (1996), trabalhando com vacas

1
Zootecnista, Ph.D. Nutrição Animal, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-
MG. Correio Eletrônico: deresz@cnpgl.embrapa.br
2
Engo Agro, D.Sc., Bolsista CNPq, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-MG.
Correio Eletrônico: acoser@cnpgl.embrapa.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.30-37, jul./ago. 2001


Gado de Leite 31

da raça Holandesa, estimaram produções com manejos distintos (Hillesheim, 1987, ta mecanizável, de preferência próxima ao
médias diárias bem próximas de 12kg a 14kg Valle et al., 1986 e Caro-Costas & Vicente- curral de manejo, pois essa gramínea é
por dia, quando se descartou o efeito da Chandler, 1974). sensível ao encharcamento do solo. Em
suplementação do concentrado. A altura do resíduo pós-pastejo em seguida, deve-se proceder à análise do so-
Atualmente, nota-se uma tendência pa- capim-elefante e seu efeito na produção de lo, a uma profundidade de 0-20cm. Os re-
ra a produção de leite a partir de pastagens, forragem são pouco estudados na litera- sultados da análise de solo permitirão
visando diminuir os custos de produção, tura. Werner et al. (1965/1966) observaram recomendar quantidades corretas de calcá-
devido, principalmente, ao elevado preço do maior produção de matéria seca em capim- rio e fertilizantes. No caso de haver neces-
concentrado. Na Nova Zelândia, Holmes elefante, cultivar Napier, quando cortado a sidade de calagem, o calcário deverá ser
(1996) afirma que a produção de leite a pasto cada quatro semanas, na altura de 70-80cm, distribuído e incorporado por meio de gra-
é o sistema mais econômico de se produzir em comparação a 30-40cm. Resultado se- dagem com no mínimo 60 dias de antece-
leite. Ultimamente, existe uma grande melhante foi encontrado por Santana et al. dência ao plantio. O próximo passo é o
demanda por informações sobre o uso do (1989), quando o capim foi cortado a cada plantio, que deve ser feito em sulcos espa-
capim-elefante e outras gramíneas tropicais quatro semanas nas alturas de corte de ze- çados de 50-70cm, a uma profundidade de
manejadas em sistema de pastejo rotativo, ro, 15 e 30cm do solo. Veiga (1990) também 20-30cm. Devem-se colocar, sempre que
para produção de leite e carne, visando, observou maior produção de matéria seca possível, duas fileiras de colmos e cobrir
principalmente, à diminuição dos custos de em capim-elefante anão, quando a altura com uma camada de 10-15cm de terra. Com
produção. do resíduo era maior, independentemente relação à adubação de plantio, recomenda-
O período de descanso é um fator im- do período de descanso estudado. Entre- se que o adubo fosfatado seja aplicado de
portante no sistema de pastejo rotativo de tanto, nenhum desses trabalhos avaliou a uma só vez, de preferência no fundo do
capim-elefante e de outras forrageiras, pois resposta em termos de produção de leite. sulco ou na área toda. Se o plantio não for
determina o valor nutritivo da forragem e Boas pastagens eliminam ou reduzem a em sulco, aplica-se uma quantidade de
o número de piquetes necessários ao seu necessidade de suplementação concentra- acordo com o resultado da análise do solo.
manejo. O período de descanso afeta tam- da para os animais, principalmente duran- O nitrogênio (N) e o potássio (K) serão
bém a composição química da forragem te a época das chuvas. O uso de pastagens aplicados em cobertura após o pastejo de
e, conseqüentemente, a produção de leite de boa qualidade é econômico, não só pela uniformização ou, se for preciso, quando a
(Deresz, 1999 e Deresz et al., 1994). Em redução na compra de concentrados, mas planta atingir 60cm de altura. Outro fator
trabalho com capim-elefante anão, Veiga também pela diminuição da mão-de-obra, importante a ser considerado é a qualida-
(1990) concluiu que a qualidade da forra- uma vez que o próprio animal colhe sua de da muda, a qual deve estar madura, bem
gem consumida era melhor nos períodos forragem, evitando, portanto, a necessida- desenvolvida e ter acima de 120 dias de
de descanso mais curtos, que nos mais de de gastos com essa operação. Além idade, o que deverá gerar plantas vigoro-
longos, numa faixa que varia de 14 a 56 disso, o animal em pastejo devolve à pasta- sas. Deve-se ressaltar que, com um hectare
dias. Não há trabalhos na literatura que gem boa parte dos nutrientes consumidos de mudas, em geral, é possível formar 5 ha
comparam o efeito do período de descanso na forma de fezes, urina e resíduo de mate- de pasto, quando se usa o espaçamento
sobre a produção de leite em pastagem de rial morto (resíduo pós-pastejo ou perdas entrelinhas de 0,5-0,7m.
capim-elefante de porte alto, a não ser aque- de forragem), permitindo sua reciclagem, o A área de pastagem a ser formada é fun-
les realizados por Deresz (1999) e Deresz et que, de certa forma, contribui para a susten- ção do número de animais e da taxa de lota-
al. (1994), os quais compararam o efeito do tabilidade do sistema. ção recomendada. No entanto, para que
período de descanso, em pastagem de ca- essa pastagem continue produtiva e per-
pim-elefante de 30, 37,5 e 45 dias. As in- FORMAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE sistente, é necessário observar cuidados
formações dos estudos sobre o período de PASTAGEM DE CAPIM-ELEFANTE no seu manejo, incluindo adubações anuais
descanso em pastagem de capim-elefan- de manutenção ao longo de sua vida útil.
te para a produção de leite de vacas mesti- Para que o capim-elefante tenha eleva- Por se tratar de espécie de crescimento
ças holandesas x zebuínas, realizados pela da produção de matéria seca, são necessá- ereto, deve-se usar o sistema de pastejo
Embrapa Gado de Leite, mostram maior rios cuidados por ocasião de sua formação. rotativo. Nesse sentido, a Embrapa Gado
produção individual de leite, para os tra- Portanto, para que haja um bom estabele- de Leite recomenda dividir a pastagem em
tamentos com período de descanso de 30 cimento da pastagem, alguns aspectos de- 11 piquetes de área semelhante, de forma
dias, em relação ao de 45 dias. As outras vem ser considerados. A escolha da área a que permita um período de ocupação do
informações da literatura sobre o período ser cultivada constitui um dos principais piquete de três dias, com descanso de 30
de descanso em pastagem de capim-ele- pontos de sucesso, devendo ser usadas dias. As cercas de contorno devem ser fei-
fante referem-se a sistemas de produção áreas planas bem drenadas ou meia-encos- tas de arame farpado, enquanto as divisões

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32 Gado de Leite

internas podem ser de arame liso, com um A produção de leite não foi afetada holandesas x zebuínas, recém-paridas, a
só fio na altura de um metro, com suportes (P> 0,05) pelos diferentes períodos de ocu- cada ano de duração do experimento.
distanciados de 10 a 15m dependendo da pação dos piquetes, nos três anos de ava- No Quadro 2, são apresentados os re-
topografia, ou com cerca fixa. Caso haja liação do experimento (Quadro 1). As maio- sultados da produção média de leite duran-
necessidade de corredor, este deve ter uma res produções de leite verificadas nos dois te a época seca do ano, quando as vacas
largura em torno de 4m, com cerca fixa. Os últimos anos estão, provavelmente, rela- recebiam individualmente, além da suple-
animais devem entrar no piquete, quando cionadas com a utilização de vacas de maior mentação à vontade de cana-de-açúcar,
o capim-elefante apresentar entre 1,60m e potencial de produção de leite nessas esta- 2kg de concentrado/vaca/dia, contendo
1,80m de altura e o resíduo remanescente ções de pastejo. 20% de proteína bruta e 70% de NDT.
pós-pastejo entre 0,80m e 1,00m. Caso haja O fato de o capim-elefante apresentar Observa-se que não houve diferença
sobra de capim ou de rebrota com folhas, produção tipicamente estacional, indica a (P>0,05) em produção de leite entre os tra-
após os três dias de pastejo, recomenda- necessidade de suplementação do rebanho tamentos, visto que esta dependeu qua-
se fazer repasse, usando vacas ou novi- na época seca do ano. Neste experimento, se que exclusivamente do consumo de
lhas. as vacas foram suplementadas à vontade cana-de-açúcar + 1% de uréia, acrescido
durante a época seca (maio a outubro) com de 2kg de concentrado/vaca/dia. A produ-
RESULTADOS DE PESQUISAS cana-de-açúcar picada, misturada com 1% ção de leite por hectare também não diferiu
DA EMBRAPA GADO DE LEITE de uréia, fornecida no cocho, entre o inter- (P> 0,05) entre os tratamentos. Usando-se
A partir de 1991, a Embrapa Gado de valo da ordenha da manhã e da tarde. Após os dados de produção de leite da época das
Leite vem desenvolvendo pesquisas rela- a ordenha da tarde, as vacas retornavam chuvas e da época seca do ano foram obti-
cionadas com o manejo da pastagem de aos piquetes, onde permaneciam até a dos 14.568, 14.448 e 14.352kg/ha/ano para
capim-elefante. Neste sentido, Cóser et al. ordenha da manhã do dia seguinte, sempre um, três e cinco dias de ocupação dos pi-
(1999) conduziram um trabalho que visa respeitando o período de ocupação dos quetes, respectivamente. Essa produção de
determinar a influência de diferentes dias piquetes. Quando iniciou a época seca do leite é, aproximadamente, 15 vezes maior
de ocupação dos piquetes em pastagem ano, houve troca de vacas por mestiças que a média brasileira, que é inferior a 1.000
de capim-elefante sobre a produção de lei-
te de vacas mestiças holandesas x zebuí- QUADRO 1 - Produções médias diárias de leite (kg/vaca) e por área (kg/ha), em pastagens de capim-
nas. Foram testados um, três e cinco dias elefante, cv. Napier, submetidas a diferentes períodos de ocupação dos piquetes, durante
de ocupação do piquete, com 30 dias de a época das chuvas de 1991/1992, 1992/1993 e 1993/1994
descanso. O número de piquetes em cada Produção de leite(1)
tratamento era de 31, 11 e 7, respectivamen- Período de ocupação
te, para os tratamentos com um, três e cinco kg/vaca/dia
(dia) kg/ha(2)
dias de ocupação dos piquetes. A pas- 1992 1993 1994
tagem foi adubada com 200kg de N e de
1 9,6 11,3 11,6 7.800
K2O/ha/ano , em parcelas de três aplicações
iguais de um terço cada uma, no início, meio 3 9,5 11,4 11,4 7.752
e final da época chuvosa, o que compreen-
5 9,5 11,3 11,4 7.728
deu, usualmente, os meses de novembro a
(1) Corrigida para 4% de gordura. (2) Média de três anos.
maio de cada ano. As vacas que fizeram
parte deste experimento tinham as suas pa-
rições concentradas para coincidir com o QUADRO 2 - Produções médias diárias de leite por animal (kg/vaca) e por hectare (kg/ha) de vacas
início da época das chuvas. Cada tratamen- suplementadas com cana-de-açúcar mais 1% de uréia, em pastagem de capim-elefante,
submetida a diferentes períodos de ocupação dos piquetes, durante as épocas secas de
to tinha duas repetições de área com os
1992, 1993 e 1994
respectivos números de piquetes e qua-
tro vacas por repetição de tratamento. As Produção de leite(1)
produções médias diárias de leite das va- Período de ocupação
kg/vaca/dia
cas, observadas nos três anos de duração (dia) kg/ha(2)
do experimento, estão apresentadas no 1992 1993 1994
Quadro 1. Além do pasto, todas as vacas 1 9,5 9,8 9,5 6.912
recebiam individualmente 1kg de concen-
3 9,4 10,1 9,4 6.936
trado/dia, contendo 20% de proteína bru-
ta e 70% de nutrientes digestíveis totais 5 9,4 9,8 9,1 6.792
(NDT). (1) Corrigida para 4% de gordura. (2) Média de três anos.

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Gado de Leite 33

kg/ha. É interessante ressaltar que, na épo- do piquete influencia no número de pique- 8.535kg/ha, para T70 e T100, respectiva-
ca seca, em torno de 80% a 90% da maté- tes necessários para o manejo da pastagem mente.
ria seca é proveniente da suplementação em sistema rotativo. Quando se utiliza o Deresz & Mozzer (1994) estudaram o
da cana-de-açúcar e dos 2kg de concentra- período de ocupação de um dia por pique- efeito de diferentes taxas de lotação sobre
do/vaca/dia. Apenas 10% a 20% da matéria te e 30 dias de descanso da pastagem, são a produção de leite de vacas mestiças ho-
seca disponível durante a época seca do ano necessários 31 piquetes, ao passo que, landesas x zebuínas de diferentes graus
foi proveniente do capim-elefante. Re- quando se utilizam três dias de ocupação de sangue, em pastagem de capim-elefante.
sultados semelhantes a este, em termos de do piquete e 30 dias de descanso são ne- A pastagem foi manejada em pastejo rota-
disponibilidade de matéria seca por hecta- cessários apenas 11 piquetes, o que exige tivo com 30 dias de período de descanso
re, em pastagem de capim-elefante foram menores investimentos. No sistema com e três dias de ocupação por piquete, com
observados por Soares et al. (1999). cinco dias de ocupação por piquete, neces- cinco vacas por repetição de área. A pas-
Quando os animais utilizam a forragem sita-se de sete piquetes, o que é uma redu- tagem foi adubada com 200kg de N e de
de um piquete de capim-elefante durante ção pequena, quando comparada àquela K2O/ha/ano, dividida em três aplicações
vários dias, a qualidade da forragem inge- com três dias de ocupação. Diante disso, iguais de um terço cada, nos meses de no-
rida usualmente é mais alta nos primeiros recomenda-se a utilização de 11 piquetes vembro, janeiro e março. Além do pasto,
dias de pastejo e mais baixa no último, em com três dias de ocupação/piquete e 30 todas as vacas, independente do tratamen-
especial, quando a disponibilidade de forra- dias de descanso, em pastagens de capim- to, receberam individualmente 2kg de con-
gem não atende às necessidades de consu- elefante e, provavelmente, para a maioria centrado/vaca/dia, contendo 20% de pro-
mo dos animais durante todo o período de das forrageiras tropicais existentes no mer- teína bruta e 70% de NDT.
ocupação do piquete, Entretanto, quando cado. Os dados de produção média diária de
a disponibilidade de forragem não é limi- O efeito de duas alturas de resíduo pós- leite (kg/vaca/dia) e produção média por área
tante, a qualidade da forragem seleciona- pastejo em pastagem de capim-elefante (kg/ha) estão apresentados no Quadro 3.
da pelo animal pode não ser influenciada. (de 70-100cm e de 100-130cm), respectiva- Observa-se que a produção média de lei-
No presente estudo, a produção de leite por mente, T70 e T100, durante a época das chu- te por área (kg/ha) aumentou, à medida que
vaca e por área não foi afetada (P> 0,05) vas sobre a produção de leite, foi estuda- aumentava a taxa de lotação da pastagem,
pelos diferentes dias de ocupação dos pi- do por Cóser et al. (2001). Estes autores embora a produção por animal (kg/vaca/dia)
quetes. Por outro lado, Blaser et al. (1986) não encontraram diferenças (P> 0,05) entre tenha decrescido com o aumento na taxa
observaram oscilações na produção de lei- os tratamentos, sendo as produções mé- de lotação. Esse resultado sugere que a
te com o aumento do período de ocupação dias diárias de leite de 11,2 e 10,9kg/vaca qualidade e a disponibilidade de forragem
do piquete e relacionou-as com a seletivi- e produções de leite por área de 7.738 e na taxa de lotação de sete vacas/ha tenham
dade dos animais em pastejo. Entretanto,
isto pode estar relacionado com a taxa de
QUADRO 3 - Produção média de leite (kg/vaca/dia) e por área (kg/ha) em pastagem de capim-elefante
lotação utilizada e com a disponibilidade
manejado com três dias de ocupação/piquete e 30 dias de descanso, durante a estação das
de forragem. Assim, quanto maior a taxa de
chuvas de 1990/1991
lotação, menor será a seletividade exercida
Taxa de lotação
pelos animais em pastejo e menor o consu-
(vacas/ha)
mo de forragem. Dessa maneira, o período
Mês
de ocupação do piquete pode ou não afetar 5 6 7
a produção de leite, dependendo da taxa kg/vaca/dia kg/ha kg/vaca/dia kg/ha kg/vaca/dia kg/ha
de lotação e da disponibilidade de forragem
Dez. 13,9 2.085 14,3 2.574 13,5 2.835
contidas nele. Em trabalho semelhante,
Fonseca et al. (1998) não observaram efei- Jan. 13,1 1.965 13,0 2.340 12,6 2.646
to do período de ocupação do piquete em Fev. 11,8 1.770 12,1 2.178 11,7 2.457
pastagem de capim-elefante, quando com-
Mar. 11,9 1.785 11,8 2.124 11,7 2.457
pararam três, cinco e sete dias de ocupação
do piquete, sobre a produção de leite. Os Abr. 11,4 1.710 10,8 1.944 10,8 2.226
resultados deste trabalho confirmam os re- Maio 9,8 1.470 9,5 1.710 9,2 1.932
sultados observados por Cóser et al. (1999),
embora os períodos de ocupação dos pi- Média 12,0 _ 12,0 _ 11,6 _
quetes tenham sido de um, três e cinco dias.
Total _ 10.785 _ 12.870 _ 14.553
Salienta-se que o período de ocupação
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.30-37, jul./ago. 2001
34 Gado de Leite

sido insuficientes para manter a produção 1kg de concentrado fornecido. Respostas Caro-Costas & Vicente-Chandler (1969),
de leite durante a estação das chuvas, e que semelhantes a essa foram observadas por usando pastejo em capim-elefante em Porto
a produção média de leite (kg/vaca/dia) era Valle et al. (1986) em vacas mestiças ho- Rico.
menor na taxa de lotação de sete vacas/ha, landesas x zebuínas em pastagem de capim- A produção de leite por área seguiu o
já no primeiro mês do estudo (dezembro), elefante durante a época das chuvas, visto mesmo comportamento da produção por
mantendo-se essa tendência até o mês de que, teoricamente, cada 1kg de concentra- vaca (Quadro 4). Ressalta-se que a princi-
maio. É bom frisar que há um decréscimo do continha nutrientes suficientes para 2kg pal diferença ocorreu, quando se passou
na produção de leite das vacas do início de leite. Isso sugere a necessidade de uma do tratamento de 30 dias de período de
do experimento (dezembro) até o fim (maio), análise criteriosa, quando do uso de con- descanso sem suplementação com con-
devido ao avanço do estádio da lactação centrado para vacas em lactação, mantidas centrado para o tratamento com o mesmo
e, em adição, é esperado decréscimo na em pastagens de boa qualidade. Cabe des- período de descanso, porém recebendo
disponibilidade de forragem, especialmen- tacar a produção de leite das vacas do trata- 2kg/vaca/dia de concentrado. O incremen-
te, de abril em diante, devido ao efeito do mento sem suplementação de concentra- to observado na produção de leite foi de
fotoperíodo e escassez de chuvas. Segun- do, ou seja, apenas pasto de capim-elefante 891kg/ha/180 dias, quando se passou do
do Deresz & Mozzer (1994), a taxa de lota- durante a época das chuvas com produ- tratamento 30 SC, para o de 30 CC, impli-
ção de seis vacas/ha foi a mais indicada, ções médias, até os 180 dias de lactação cando consumo de 1.800kg de ração no
visto que a produção de leite por vaca foi sempre acima de 12kg por vaca por dia e período, o que resultou em resposta ao con-
maior do que na taxa de lotação de sete va- numa taxa de lotação de cinco vacas/ha. centrado de apenas 0,5kg de leite para ca-
cas/ha, mesmo considerando que a produ- Esses dados evidenciam o potencial de pro- da 1kg de concentrado fornecido. Alvim
ção por hectare tenha sido maior na lota- dução desta gramínea, bem como o seu ele- et al. (1996), trabalhando com vacas da raça
ção de sete vacas. Nesta taxa de lotação, o vado valor nutritivo. Holandesa e em pastagem de coast-cross,
resíduo pós-pastejo foi menor, não per- As vacas do tratamento 45 CC apresen- obtiveram resposta em produção de leite
mitindo boa recuperação da pastagem, o taram a menor produção média diária de maior que aquela obtida neste trabalho, em
que poderia comprometer a persistência da leite, o que pode ser atribuído à menor qua- torno de 1kg de leite para cada 1kg de con-
pastagem. lidade da forragem nesse tratamento, espe- centrado fornecido, durante a época das
Deresz & Matos (1996) avaliaram o efei- cialmente quanto ao teor de proteína bru- chuvas. Considerando esses níveis de res-
to de diferentes períodos de descanso em ta e digestibilidade in vitro da matéria seca. posta em leite, em relação ao concentra-
pastagem de capim-elefante, cultivar Na- É lógico que a qualidade de forragem do do fornecido, é preciso avaliar se o preço
pier, sobre a produção de leite de vacas capim-elefante com 45 dias de idade é pior de 1kg de concentrado é maior ou menor
mestiças holandesas x zebuínas, durante a do que a forragem com 30 dias de idade, a do que a resposta em leite, para se avaliar a
época chuvosa. Os tratamentos consisti- qual foi determinada pelo período de des- viabilidade de utilização da suplementação
ram de três períodos de descanso (30, 37,5 canso. As produções médias diárias de leite concentrada, especialmente quando se tem
e 45 dias) e uma taxa de lotação de cinco por vaca, obtidas neste experimento, são forragem de boa qualidade e boa disponi-
vacas/ha. Todos os animais recebiam dia- levemente superiores às encontradas por bilidade.
riamente, além de pasto e mistura mineral,
mais 2kg/vaca/dia de concentrado com 20% QUADRO 4 - Produção média diária de leite (kg/vaca/dia) durante seis meses, em pastagens de capim-
de proteína bruta e 70% de NDT. Foi incluí- elefante, manejadas com períodos de descanso de 30, 37,5 ou 45 dias, sem concentrado
do um tratamento adicional, com período (SC) ou recebendo 2kg de concentrado/vaca/dia (CC)
de descanso de 30 dias, porém as vacas Tratamentos
não recebiam suplementação concentra- Dias de
experimento 30 SC 30 CC 37,5 CC 45 CC
da. A produção média diária de leite por
vaca, no início do experimento, variou de 01 16,0 15,5 15,7 15,4
15,4kg a 16,0kg (Quadro 4), decrescendo
30 14,1 15,1 14,8 14,2
com o avanço do período de lactação das
60 13,8 15,0 14,4 13,7
vacas. Ao se comparar o tratamento 30 dias
90 13,3 14,6 13,7 13,1
de descanso sem concentrado (30 SC), com
aquele com concentrado (30 CC), observa- 120 12,9 14,3 13,2 12,7

se que as produções médias de leite no 150 12,6 13,9 12,8 12,4


período foram de 13,5 e 14,6kg/vaca/dia, 180 12,1 13,5 12,5 12,0
respectivamente, indicando um incremento
Média 13,5 14,6 13,9 13,4
médio de apenas 0,55kg de leite para cada
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Gado de Leite 35

A disponibilidade de forragem por área nos outros meses. Observa-se que a dispo- QUADRO 6 - Estimativa de disponibilidade mé-
é uma variável muito importante para se fa- nibilidade de forragem por hectare tende a dia de matéria seca (kg/vaca/dia)
zer um manejo mais técnico da pastagem. diminuir, à medida que os dias ficam mais em pastagem de capim-elefante,
nos diferentes períodos de descan-
Ela permite que o produtor avalie a quan- curtos. Os menores valores foram observa-
so em 1993 e 1994
tidade de forragem disponível com o con- dos nos meses de maio e junho, quando,
Períodos de descanso
sumo diário esperado dos animais a serem além dos dias curtos, normalmente come-
Mês (dias)
alimentados no piquete ou no pasto. Uma ça a faltar chuva e inicia-se a estação seca
das maneiras de fazer isto é avaliar a quan- do ano. Por essa razão, nas condições bra- 30 36 45
tidade de forragem um dia antes da entrada sileiras, geralmente, a partir do mês de maio, Nov. 12,5±1,9 a 12,7±0,5 a 10,8±0,3 a
dos animais no piquete, coletar amostras há necessidade de suplementação volumo-
Dez. 10,5±1,0 a 9,9±1,3 a 11,7±1,3 a
da pastagem potencialmente consumível, sa da pastagem. Observa-se que no trata-
respeitando a altura de resíduo do pasto mento com 30 dias de descanso o maior Jan. 12,7±1,2 a 11,6±1,7 a 13,0±2,3 a
pastejado no último ciclo de pastejo, pe- valor de disponibilidade de forragem por Mar. 16,0±0,9 a 15,2±0,7 a 9,2±0,2 b
sando as amostras colhidas em uma área hectare encontrado foi no mês de março Abr. 12,4±1,0 a 10,6±1,0 a 9,0±1,6 a
conhecida e fazendo uma média das amos- (2.369kg/ha) e o menor valor (721kg/ha) no
Maio 8,4±1,3 a 8,6±1,0 a 7,5±0,3 a
tras colhidas naquele piquete ou pasto. O mês de junho. No tratamento com 36 dias
resultado pode ser expresso em matéria na- de descanso, o maior valor encontrado Jun. 4,9±0,8 a 4,4±0,8 a 4,5±0,3 a
tural ou na base da matéria seca, quando foi também no mês de março (2.666kg/ha) e NOTA: Médias seguidas de letras iguais na linha
se determina o teor de matéria seca na amos- o menor valor (775kg/ha) no mês de junho. não diferem entre si (P>0,05).
tra. Os dados sobre disponibilidade de for- Entretanto, no tratamento com 45 dias de
ragem de capim-elefante por hectare foram descanso, o maior valor encontrado foi no
coletados em amostra simulando o paste- mês de janeiro (2.810kg/ha) e o menor valor ponibilidade de forragem por hectare, di-
jo (respeitando a altura do resíduo da pas- (962kg/ha) foi também no mês de junho. vidida pelo número de piquetes (11, 13 ou
tagem) e são apresentados no Quadro 5. Soares et al. (1999) encontraram valores 16, dependendo do tratamento), o resultado
Nota-se que houve diferença (P<0,05) entre para disponibilidade de forragem de capim- dividido pela taxa de lotação (4,5 vacas/ha)
tratamentos na disponibilidade de forragem elefante bastante semelhantes a estes, du- e novamente dividido por três, que foi o
por hectare no mês de março. O tratamento rante os diferentes meses do ano. período de ocupação dos piquetes. Por
com 45 dias de descanso foi o que apresen- No Quadro 6, observa-se a disponibi- exemplo: 1.850kg de matéria seca/ha do tra-
tou o menor valor (1.979kg/ha de MS). Não lidade média de matéria seca por vaca por tamento de 30 dias de descanso de acordo
houve diferença (P>0,05) entre tratamentos dia. Para obter esses valores, usou-se a dis- com os cálculos a seguir:

1.850 168,18 ,
= = = 12,45 kg/vaca/dia
11 4,5
QUADRO 5 - Estimativa da disponibilidade média de matéria seca (kg/ha) em pastagem de capim-
elefante submetido a diferentes períodos de descanso nos anos de 1993 /1994 Não houve diferença (P> 0,05) entre os
Períodos de descanso
tratamentos na disponibilidade média de
(dias) matéria seca por vaca por dia nos diferen-
Mês tes meses do ano, com exceção do mês de
CV
30 36 45 (%)
março, quando o tratamento com 45 dias
de descanso apresentou o menor valor
Nov. 1.850 a 2.229 a 2.336 a 16,7
(9,2 kg/vaca/dia de MS). Isso é reflexo da
Dez. 1.555 a 1.732 a 2.532 a 25,8 menor disponibilidade de forragem por
Jan. 1.881 a 2.039 a 2.810 a 32,8 hectare observada nesse tratamento (Qua-
dro 6).
Mar. 2.369 a 2.666 a 1.979 b 8,9
Observa-se que, com o ajuste para o pe-
Abr. 1.835 a 1.848 a 1.948 a 25,9 ríodo de descanso, há uma tendência da
Maio 1.249 a 1.514 a 1.623 a 22,1 disponibilidade de matéria seca por vaca
Jun. 721 a 775 a 962 a 27,8 por dia ser maior nos tratamentos com 30 e
36 dias de descanso, nos diferentes meses
Total 11.460 12.803 14.190 do ano, com exceção dos meses de dezem-
NOTA: Médias seguidas de letras iguais na linha não diferem entre si (P>0,05). bro e janeiro, quando a disponibilidade é
CV - Coeficiente de variação. maior no tratamento com 45 dias de des-
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.30-37, jul./ago. 2001
36 Gado de Leite

canso (Quadro 6). Isso acontece, porque é mar o total dos custos operacionais (Qua- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
preciso ajustar a disponibilidade de matéria dro 8).
ALVIM, M.J.; VILELA, D.; CÓSER, A.C.; LOPES,
seca com o período de descanso, para se É interessante observar que a produ-
R.S. Efeitos de dois níveis de concentrado sobre
fazer uma avaliação mais precisa, pois no ção de leite de uma vaca (3.500 L) durante
a produção de leite de vacas da raça Holandesa em
período de descanso de 30 dias, as vacas o ano é suficiente para pagar, logo no pri- pastagem de coast-cross. In: REUNIÃO ANUAL
passam 12 vezes por ano no piquete e, no meiro ano, todo o custo de estabelecimen- DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTEC-
período de descanso de 45 dias, elas pas- to de um hectare da pastagem. Pelos re- NIA, 33., 1996. Fortaleza. Anais... Fortaleza:
sam apenas oito vezes por ano no mesmo sultados observados, pode-se verificar a Sociedade Brasileira de Zootecnia, 1996. p.172-
piquete. Isto precisa ser corrigido para uma grande viabilidade econômica da utilização 173.
avaliação mais correta da disponibilidade de pastagens de capim-elefante manejadas
de forragem por área. intensivamente. BLASER, R. E.; HAMMES JUNIOR, R. C.;

Avaliações econômicas da produção de FONTENOT, J. P.; BRYANT, H.T.; POLAN, C.


E.; WOLF, D. E.; MCCLAUGHERTY, F. S.;
leite em pastagens de capim-elefante foram QUADRO 8 - Custos de formação e receita do
KLINE, R. G.; MOORE, J. S. Forage-animal
realizadas por Rezende (1992), que estimou pasto de capim-elefante, cultivar
management systems. Virginia: Virginia Poli-
o custo de formação e manutenção dessa Napier, em L/ha/ano
thecnic Institute and State University, 1986.
pastagem, com uma vida útil de dez anos. Custos operacionais L/ha/ano
90p.
Foi considerada também a utilização de uma
Custo médio anual da pastagem 1.285
quantidade média de 3.000kg/ha de calcá- CARO-COSTAS, R.; VICENTE-CHANDLER, J.
Mão-de-obra para manejo 1.853
rio dolomítico e de 100kg/ha de P2O5, na Milk production of young Holstein cows fed only
implantação da pastagem. Foram conside- Concentrados 2.550 on grass pasture over three sucessive lactations.
radas adubações de manutenção (200kg Minerais e medicamentos 400 The Journal of Agriculture of the University
de N e de K2O/ha/ano), a partir do segundo Cana-de-açúcar + uréia 1.005 of Puerto Rico, Río Piedras, v.58,n.1, p.18-25,
ano após o estabelecimento. Considerou- 1974.
Total dos custos operacionais 7.093
se uma taxa de lotação de cinco vacas em
Receita 18.250 _______; _______. Milk production with all-grass
lactação/ha/ano, com uma produção mé-
Saldo (Receita - Custo total) 11.157 rations from steep, intensively, managed tropical
dia de 10kg/vaca/dia. As vacas receberam pastures. The Journal of Agriculture of the
diariamente 2kg de concentrado e, na época University of Puerto Rico, Río Piedras, v.53,
seca do ano, uma suplementação volumosa CONCLUSÃO n.4, p.251-258, Oct. 1969.
de 25kg/dia de cana-de-açúcar picada, com
1% de uréia. Os custos de implantação e O capim-elefante manejado em paste- CÓSER, A.C.; MARTINS, C.E.; CARDOSO,
de manutenção foram transformados em jo rotativo e adubado com 200kg de N e de F.P.N. Produção de leite em pastagem de capim-
litros de leite por hectare, cujos resultados K2O/ha, durante a época das chuvas, po- elefante submetida a duas alturas de resíduo pós-
são apresentados no Quadro 7. de suportar taxas de lotação de cinco a seis pastejo. Ciência e Agrotecnologia, Lavras,
vacas/ha fornecer nutrientes para man- v.25, n.2, p.417-423, mar./abr. 2001.
tença das vacas em torno de 12 a 14kg de
QUADRO 7 - Custos de formação e manuten- _______; _______; FONSECA, D.M. da; SALGA-
leite/vaca/dia sem suplementação com con-
ção e custo médio anual de uma DO, L.T.; ALVIM, M.J.; TEIXEIRA, F.V. Efeito
centrado, desde que haja disponibilidade
pastagem de capim-elefante, cul- de diferentes períodos de ocupação da pastagem
tivar Napier, em L/ha
de forragem à vontade para os animais.
de capim-elefante sobre a produção de leite. Pes-
O período de descanso de 30 dias foi
Custo quisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v.34,
Atividade melhor do que o de 45 dias para produção
(L/ha) n.5, p.861-866, maio 1999.
de leite, devido à melhor qualidade de for-
Formação 3.473 COWAN, R.T.; MOSS, R.J.; KERR, D.V. Northern
ragem em termos de proteína bruta, diges-
Manutenção 922 tibilidade da matéria seca e menor teor de dairy feedbase 2001 - 2: summer feeding systems.
fibra em detergente neutro. Tropical Grasslands, v.27, p.150-161, 1993.
Custo médio por ano 1.285
A análise econômica mostrou que a DERESZ, F. Capim-elefante manejado em siste-
produção de leite de uma vaca (3.500kg por ma rotativo para produção de leite e carne. In:
O custo médio por ano (1.285 L/ha) é lactação) paga, no primeiro ano, todos os PASSOS, L.P.; CARVALHO, L. de A.; MARTINS,
calculado somando-se ao custo de manu- custos de implantação e manutenção da C. E.; BRESSAN, M.; PEREIRA, A. V. (Ed.).
tenção (922 L/ha) parte do custo de implan- pastagem, considerando uma taxa de lo- Biologia e manejo do capim-elefante. Juiz de
tação da pastagem. Este custo médio por tação de cinco vacas/ha e 10kg de leite/va- Fora, MG: Embrapa Gado de Leite, 1999. p.131-
ano, aliado aos outros custos, permite esti- ca/dia. 160.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.30-37, jul./ago. 2001


Gado de Leite 37

_______; CÓSER, A. C.; MARTINS, C. E.; HILLESHEIM, A. Fatores que afetam o con- VALLE, L. da C.S.; MOZZER, O.L.; LOBATO
BOTREL, M. de A.; AROEIRA, L.J.M.; sumo e perdas de capim-elefante (Pennisetum NETO,J.; VILLAÇA, H. de A.; DUSI, G.A.;
VASQUEZ, H.M.; MATOS, L.L.de. Utilização do purpureum Schum.) sob pastejo. 1987. 94f. Tese VERNEQUE, R. da S. Níveis de concentrados para
capim-elefante (Pennisetum purpureum, Schum.) (Mestrado) - Escola Superior de Agricultura “Luiz vacas em lactação em pastagem de capim-ele-
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REZENDE, J. C. Leite no elefante compensa.
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38 Gado de Leite

Produção de leite em pastagem de alfafa


Duarte Vilela 1

Resumo - A produção de leite em pastagem de alfafa demonstrou ser um sistema viá-


vel, também quando fornecido como alimento exclusivo. Apresenta potencial para su-
portar até 3,0 vacas/ha e proporcionar produção média de leite de 20kg/vaca/dia. Pode
atingir, no início da lactação, até 24,7kg/vaca/dia, sem comprometer o peso vivo e a
eficiência reprodutiva dos animais. A produção média de leite por área, em 294 dias de
pastejo com alfafa, na Região Sudeste do Brasil, foi de 54kg/ha/dia. A qualidade média
do pasto, no período de janeiro a dezembro, expressa em termos de teor de proteína
bruta e digestibilidade in vitro da matéria seca foi de 25,9% e 69,9%, respectivamente.
Palavras-chave: Gado de leite; Pastejo; Potencial; Medicago sativa.

INTRODUÇÃO produção de matéria seca, alto teor de pro- PRODUÇÃO DE LEITE A


teína, minerais e vitaminas com grande PASTO DE ALFAFA
Nas principais bacias leiteiras do Brasil
aceitabilidade pelos animais. Daí, ser o fe- Existem poucos trabalhos quanto à
existem consideráveis áreas de relevo le-
vemente ondulado, as quais, na maioria dos no de alfafa o volumoso mais popularmen- avaliação da produção de leite de vacas
sistemas de produção de leite existentes, te utilizado na alimentação de vacas de alta em pasto de alfafa, principalmente na con-
são subutilizadas. Essas áreas, além de po- capacidade produtiva. dição de clima tropical. Vilela et al. (1994)
tencialmente férteis, permitem a irrigação, A alfafa como verde picado e como si- avaliaram dois sistemas de manejo de va-
o que constitui fatores fundamentais para lagem pré-secada, ainda que no passado cas de alto potencial de produção de leite.
o crescimento das forrageiras. A intensifi- tenha sido pouco utilizada, com a intensi- Um, tendo o pasto de alfafa como único
cação dessas áreas, usando forrageiras de ficação dos sistemas de produção de leite, alimento para os animais e, outro, em que
elevado potencial, pode ser uma importan- tem sido mais procurada. Contudo, poucos os animais foram mantidos em confina-
te estratégia para melhorar a eficiência da são os resultados de pesquisas disponíveis mento total recebendo silagem de milho e
atividade leiteira no país. nas condições de climas tropicais e sub- ração concentrada (Quadro1).
Existem várias forrageiras tropicais com tropicais. Vilela et al. (1994) concluíram que o pas-
potencial para fornecer alimentos de alto No Brasil, são escassos os estudos que to de alfafa como alimento exclusivo para
valor nutritivo e que podem constituir o procuram solucionar as dificuldades que vacas em lactação demonstrou ser viá-
principal componente da dieta dos rumi- limitam a produção de leite de vacas man- vel, por apresentar potencial para suportar
nantes, resultando na redução do custo da tidas a pasto de alfafa. O ajuste do manejo 3,0 vacas/ha e proporcionar produção mé-
produção de leite, principalmente pela re- de uma pastagem requer conhecimentos dia de leite de 20,0kg/vaca/dia, atingindo
dução dos gastos com alimentos concen- prévios sobre os níveis de produção por no início da lactação 23,6kg/vaca/dia, sem
trados (Hoffman et al., 1993 e Vilela et al., animal e por área, possíveis de serem obti- comprometer o peso vivo e a eficiência re-
1996). dos, e sobre os fatores limitantes da pro- produtiva dos animais. A utilização da alfafa,
De todas as forrageiras consideradas dução. A Embrapa Gado de Leite, situada sob pastejo, tem sido o método que apre-
de alto valor nutritivo, a alfafa (Medicago em Coronel Pacheco, Zona da Mata de Mi- senta a maior produção de leite por área,
sativa, L.) é uma das mais utilizadas em nas Gerais, desenvolveu pesquisas com o sendo o mais econômico. Por outro lado,
países de pecuária leiteira, desenvolvida objetivo de avaliar o potencial do pasto de há inúmeras críticas quanto ao uso da alfa-
sob a forma de feno, pastejo, verde pica- alfafa para produção de leite de vacas ho- fa sob pastejo, devido a problemas na per-
do ou silagem pré-secada. Sob a forma de landesas com produção acima de 4.500kg sistência da planta (Southwood & Robards,
feno, a alfafa combina características de alta de leite/lactação. 1975), ou mesmo em razão do risco de timpa-

1
Engo Agro, D.Sc., Bolsista CNPq, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 360038-330 Juiz de Fora-MG.
Correio eletrônico: vilela@cnpgl.embrapa.br

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Gado de Leite 39

QUADRO 1 - Produções de leite de vacas em pastagem de alfafa ou em confinamento recebendo nismo (Mace, 1980, 1982). Segundo Mace
silagem de milho e concentrado em três épocas de avaliação e no período total (35 se- (1982), são poucos os casos graves de tim-
manas), porcentagem de gordura do leite, custo operacional, receita e margem bruta dos panismo verificados na Nova Zelândia e,
sistemas avaliados
normalmente, ocorrem em animais suscep-
Sistema tíveis, podendo ser controlado. Após um
Variável
Pastagem Confinamento período de adaptação de três semanas e o
acesso de vacas em lactação ao pasto de
Produção de leite (kg/vaca/dia)
alfafa, como único alimento desses animais
Semana 1 - 10 23,6 ± 0,5 25,1 ± 0,2 durante 42 semanas, Vilela et al. (1994) não
Semana 11 - 23 23,2 ± 0,6 21,4 ± 0,3 observaram nenhum caso de timpanismo.
Semana 24 - 35 16,7 ± 0,6 16,7 ± 0,4
A composição química desse pasto pode
ser observada no Quadro 2.
Total (1 - 35) 20,0 ± 0,2 20,9 ± 0,1
Castillo et al. (1992, 1993) afirmaram que
Teor de gordura (%) 3,5 ± 0,3 4,1 ± 0,1 produções diárias de leite de 18 a 24kg/va-
ca/dia têm sido obtidas com alimentação
Produção de leite 4% MG (kg/vaca/dia) exclusiva de alfafa sob pastejo. Gallardo et
Semana 1 - 10 21,3 ± 0,9 25,5 ± 0,1 al. (1992) obtiveram produções diárias de
Semana 11 - 23 19,0 ± 1,2 21,6 ± 0,7
leite de 24,7kg/vaca, no terço inicial da lac-
tação. Afirmaram que acima deste nível é
Semana 24 - 35 16,2 ± 1,6 17,3 ± 0,9
necessário utilizar concentrados. A suple-
Total (1 - 35) 18,6 ± 0,8 21,2 ± 0,4 mentação do pasto de alfafa com concen-
trado tem sido viável economicamente
Atividade financeira - (US$/vaca/294 dias)
(Conrad & Ribs, 1965, citados por Keuren
A - Custo operacional(1) 195.88 443.25
& Marten, 1988), sendo uma prática co-
B - Receita bruta 1,112.29 1,231.02 mum, quando fornecida a vacas de alta
Margem bruta (B-A) 916.41 787.77 produtividade, uma vez que as exigências
FONTE: Vilela et al. (1994). nutricionais de vacas no início da lactação,
(1) Custo operacional do pasto: implantação e manutenção. Custo operacional do confinamento: mão- produzindo diariamente acima de 25kg de
de-obra com distribuição dos alimentos, gastos médios com silagem de milho (9,8kg de MS/vaca/dia), leite, podem ser atendidas quando as pas-
concentrado (7,1kg de MS/vaca/dia) e depreciação das instalações com free-stall. tagens de alfafa são suplementadas com

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40 Gado de Leite

QUADRO 2 - Composição química do pasto de alfafa em três épocas de avaliação (abr./dez.) concentrados (Quadro 3). Isso estimula o
desenvolvimento de trabalhos com suple-
Período
Parâmetro Média mentação do pasto de alfafa com alimentos
Abr./Jun. Jul./Set. Out./Dez. concentrados, principalmente os de origem
Matéria seca (%) 16,6 20,1 17,4 18,1 protéica com baixos níveis de degradabi-
Proteína bruta (% MS) 26,1 26,8 24,4 25,9
lidade em nível de rúmen.
A suplementação da pastagem de alfa-
FDN (% MS) 39,8 35,5 45,0 40,1
fa é um tema complexo, uma vez que vários
DIVMS (% MS) 72,0 72,5 65,2 69,9 pontos interferem na sua eficiência, ou seja,
FONTE: Vilela et al. (1994).
a disponibilidade e a qualidade do pasto,
NOTA: MS - Matéria seca.
o tipo de suplemento, o potencial genético
do animal e o ambiente, principalmente em
QUADRO 3 - Produção de leite de vacas em pastagem de alfafa, com ou sem suplementação condições tropicais.
Pasto Há evidências de que, após a energia, a
Pasto + principal limitação para otimizar a produção
Fonte Característica do suplemento
(kg/vaca/dia) suplemento
de leite de vacas recebendo alimentação
(kg/vaca/dia)
volumosa de alfafa, principalmente em es-
Castillo et al. (1993) 19,1 26,6 Milho-fubá (6,0kg/vaca/dia) tádio inicial de floração (< 10% floração), é
uma fonte de proteína mais resistente à de-
Castillo et al. (1992) 21,0 23,1 Algodão-semente (2,0kg/vaca/dia)
gradação ruminal. Embora a alfafa apresente
_ 22,6 Sorgo-grão (3,5kg/vaca/dia) elevado teor de proteína bruta, estima-se
Gallardo et al.(1992) 24,7 28,3 Trigo-farelo (7,0kg/vaca/dia)
que 75% dessa proteína seja degradada no
rúmen (Combs, 1992 e Faldet & Satter, 1991).
Castro et al.(1993) 18,4 _ Sem suplemento Combs et al. (1991) encontraram teor mais
alto de gordura do leite, para vacas em sis-
Vilela et al.(1994) 23,6 _ Sem suplemento
temas de confinamento total, alimentadas
Combs et al.(1991) _ 35,0 Concentrado com 21,6% PB (14kg/vaca/dia) com silagem e concentrado, do que para
vacas em sistema a pasto de alfafa (3,7 vs.
Variação 18,4 a 24,7 22,6 a 35,0 3,2%). Isso evidencia a necessidade de su-
NOTA: Dados relativos ao primeiro terço da lactação e pastejo rotativo com um dia de ocupação em
plementar com fontes de fibra longa, quan-
cada piquete. do a dieta de vacas com produção de leite

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.38-43, jul./ago. 2001


Gado de Leite 41

superior a 25kg/dia for exclusivamente a disponível, para que o consumo e, conse- na produção anual de forragem, relativa a
pasto de alfafa. As produções de leite não qüentemente, a produção de leite não se- outras forrageiras tropicais, o que garante
corrigidas e corrigidas para 3,5% de gordu- jam afetados. uma produção de leite por área uniforme.
ra foram 33 versus 35kg/vaca/dia e 30 versus A suplementação do pasto de alfafa Na região Sudeste, a experiência de Vilela
31kg/vaca/dia, respectivamente. com alimentos volumosos com maior con- et al. (1994) indicou que vacas da raça Ho-
Considerando a composição química centração energética, como a silagem de landesa, mantidas 24h em pastagem de
do pasto de alfafa e as exigências em proteí- milho, traz maiores benefícios para produ- alfafa, interrompiam o pastejo nas horas
na e energia de vacas da raça Holandesa, a ção de leite, apresentando grandes pers- mais quentes do dia, compensando-o no
forragem consumida, normalmente, apre- pectivas para utilização nos futuros sis- final da tarde e durante parte da noite, tota-
senta desequilíbrio na relação energia pro- temas de produção, o que constitui uma lizando 8h/dia de pastejo. Concluíram que
teína ao longo do ano. Este desequilíbrio excelente fonte de energia e fibra para equi- este tempo foi suficiente para que as vacas
está relacionado com altas concentrações librar a dieta e permite aumentar a taxa de consumissem nutrientes para produzir até
de proteína fermentada no rúmen e com uma lotação da pastagem. 20kg/leite/vaca/dia, sem qualquer suple-
série de efeitos negativos daí decorrentes A suplementação com feno, ainda que mento.
sobre a produtividade dos animais. É ne- mais complexa, em conseqüência de sua Segundo Cowan (1996), quando a tem-
cessário neutralizar o excesso de nitrogê- qualidade, quando relacionada com a qua- peratura máxima ambiente excede 27°C, o
nio amoniacal (N-NH3) no rúmen, quando lidade do pasto de alfafa, é uma ferramenta consumo e, conseqüentemente, a produção
os animais utilizam o pasto de alfafa como estratégica para situações em que há baixa de leite podem ser limitados em decorrência
único alimento. As informações disponí- disponibilidade de pasto ou taxa de lotação do estresse térmico. Alternativas que po-
veis na literatura (Comeron et al., 1990, excessiva. dem amenizar este problema devem ser
Castillo et al., 1992, 1993 e Castillo & Gallar- Vilela et al. (1994) encontraram valores praticadas, para que as vacas tenham con-
do, 1995) indicam que uma concentração médios de disponibilidade de matéria se- forto térmico, como a criação de sombra
ótima de N-NH3 no rúmen pode variar de ca da alfafa, ao longo do ano, de 1.954 ± nas horas mais quentes do dia.
5 a 25mg/% de N-NH3, dependendo das 430 kg/ha e perdas de matéria seca do pas- A produção de leite por área, reflexo da
características da dieta. Segundo Castillo to de 385 ± 15,7kg/ha. taxa de lotação e da produção de leite indi-
et al. (1993), os valores obtidos com animais O consumo de matéria seca de alfafa vidual dos animais a pasto, permite que se
a pasto de alfafa, sempre se encontram aci- está diretamente relacionado com a dispo- afirme que essa forrageira apresenta exce-
ma dos níveis mencionados, indicando a nibilidade de forragem no pasto. Com uma lente potencial para produção de leite por
necessidade de utilizar suplemento ener- oferta média anual de, aproximadamente, animal e por área. Produções superiores a
gético durante todo o ano. Estes autores 50g de matéria seca/kg de PV, Vilela et al. 6.000kg/vaca/lactação ou mesmo 16.000
avaliaram a resposta da suplementação (1994) obtiveram resultados de consumo kg/ha/ano têm sido relatadas em pesqui-
energética sobre a produção de leite e o médio de, aproximadamente, 30g/kg de PV. sas conduzidas na Argentina (Castilho
ambiente no rúmen (Quadro 4). Tem-se Castillo & Gallardo (1995), na Argentina, & Gallardo, 1995) e nos Estados Unidos
verificado que a pastagem de alfafa, como obtiveram resultados semelhantes, com (Combs et al., 1991). No Brasil, os níveis
único alimento para vacas holandesas, su- disponibilidade de 50g MS/kg de PV e 55% mais altos de produção obtidos são os re-
porta produções de 5.500 a 6.000kg/lacta- de eficiência de pastejo. Uma outra carac- latados por Vilela et al. (1994), que, em 294
ção (Comeron et al., 1990 e Vilela et al., 1994), terística positiva da alfafa é a estabilidade dias de pastejo em alfafa, com taxa de lo-
sem qualquer suplementação ou com ape-
nas pequena suplementação (menos de QUADRO 4 - Suplementação do pasto de alfafa com diferentes níveis de grão de milho moído e seus
15% do total de forragem consumida). Es- efeitos sobre a produção e composição de leite e o ambiente ruminal
tas produções têm sido obtidas com dieta Níveis de milho moído
em torno de 67% de digestibilidade e 18% (kg/vaca/dia)
Parâmetros
de proteína bruta na matéria seca. A quali-
dade média da pastagem de alfafa tem sido 0 2,1 4,1 6,3

semelhante ou superior a esta ao longo do Produção de leite (kg/vaca/dia) 19,1 22,7 24,4 26,6
ano (Quadro 2). Se o objetivo for aumentar
Gordura do leite (%) 3,2 3,1 3,1 3,1
os índices de produtividade do sistema,
pelo aumento da taxa de lotação ou maior N-NH3 ruminal (mg %) 37,2 33,0 30,7 28,9
produção por vaca, deve-se recorrer à su- pH ruminal 6,3 6,2 6,1 6,0
plementação com concentrados e/ou for-
Uremia (mg%) 42,4 37,1 35,1 31,6
ragens conservadas, as quais devem ser
de qualidade igual ou superior a do pasto FONTE: Castillo at al. (1993).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.38-43, jul./ago. 2001


42 Gado de Leite

tação média de 3,0 vacas/ha, registraram ção de leite, tanto em corte como sob pas- protéico, de preferência com pro-
produção por área de 15.876kg/ha, corres- tejo. Segundo as conclusões do Workshop teína de baixa degradabilidade em
pondente a 54 kg/ha/dia, o que equivale, sobre o potencial forrageiro da alfafa, pro- nível de rúmen.
em termos de produção anual, à produção movido pela Embrapa Gado de Leite, em
O estresse térmico dos animais a pasto
de 19.710kg/ha de leite. Combs et al. (1991) 1994 (Vilela, 1994), as principais recomen-
também deve ser considerado. Neste sen-
encontraram taxa de lotação do pasto de dações para o pastejo são:
tido, recomenda-se o uso de sombras arti-
alfafa, suplementado com concentrado na a) controle da quantidade de forragem ficiais ou evita-se o acesso dos animais ao
proporção de 2,5kg de leite para cada kg de disponível por animal, ajustando-a pasto durante as horas mais quentes do
concentrado, de 3,4 vacas/ha, durante 98 ao pastejo rotativo em faixas, com dia, o que pode ser feito conciliando-o com
dias, registrando produção de 11.662kg/ha, um dia de ocupação; o momento das ordenhas. Oito horas de
o que corresponde a 119kg/ha/dia. Natural-
b) adaptação gradativa dos animais ao pastejo diário são suficientes para os ani-
mente, a suplementação com concentrados
pastejo evitando-se o risco do tim- mais ingerirem forragem em quantidade su-
pode elevar tanto a taxa de lotação, quanto
panismo; ficiente para produzir, em média, 20kg/dia
a produção individual de leite, com reflexos
c) controle do resíduo pós-pastejo, dei- de leite. A época de corte pode ser estabe-
positivos na produção por área, tornando-
xando o pasto com um mínimo de lecida no estádio de préfloração ou com no
se necessários estudos nesta direção.
10cm de altura; máximo 10% de floração. Contudo, a quali-
dade do suplemento volumoso, seja na
CONSIDERAÇÕES FINAIS d) início do pastejo no estádio de pré-
forma de feno, seja na forma de silagem ou
floração ou início de floração (10%);
A alfafa apresenta elevado potencial verde picado, determinará o nível de pro-
e) suplementação do pasto de acordo dução animal e o suplemento concentrado
forrageiro para a produção de leite, mesmo
com os níveis de produção, em que: deve ser em conseqüência da resposta que
quando fornecida como alimento exclusi-
vo, podendo alcançar produtividade de - até 18kg/dia de leite, é necessário se espera em produção por animal e o seu
20kg/vaca/dia ou de 18.000kg/ha/ano. Na apenas o fornecimento de misturas custo.
Argentina e no Chile, a alfafa é utilizada minerais;
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
para produção de leite por meio do sistema - de 18-24kg/dia de leite, é preciso
CASTILLO, A.A.; GALLARDO,M.R. Suple-
de pastejo, enquanto no Sul do Brasil tem fornecer misturas minerais e con-
mentación de vacas lecheras en pastoreo de alfal-
sido mais usada por meio do corte. Resul- centrado energético;
fa, concentrados y forrajes conservados. In:
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Gado de Leite 43

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44 Gado de Leite

Produção de leite em pastagem de coast-cross


Duarte Vilela 1
Maurílio José Alvim 2
João Cesar de Resende 3
Rodrigo da Costa Cardoso 4

Resumo - O coast-cross constitui boa opção para pastejo, visando à produção de leite de
vacas holandesas. Trabalhos conduzidos pela Embrapa Gado de Leite na Região Sudes-
te do Brasil, entre 1992 e 1997, têm indicado produções de leite a pasto irrigado e fertilizado
com 360kg de N/ha/ano, suplementado diariamente com 6kg de concentrado/vaca,
tendo uma produtividade de 19 a 20kg/vaca/dia. Quando se suplementou o pasto com
3kg de concentrado/vaca/dia, a produção média de leite foi de 17kg/vaca/dia. Com-
parando um sistema de produção de leite em confinamento total, com as vacas recebendo
dieta completa, à vontade, à base de silagem de milho e concentrado, apesar de a receita
bruta do sistema a pasto ter sido inferior, a sua margem bruta foi 34% superior à do
sistema em confinamento.

Palavras-chave: Forrageira; Potencial; Custo de produção; Taxa de lotação.

INTRODUÇÃO sões iniciais de capital, a produção de leite ram cargas relativamente baixas de animais
a pasto tem menor impacto negativo sobre (Ashwood et al., 1993).
As forrageiras do gênero Cynodon cons-
tituem boas opções para pastejo, visando o meio ambiente do que os sistemas con-
finados. Com as tentativas feitas no pas- POTENCIAL DE PRODUÇÃO DE
à produção de leite. São consideradas bem
sado de trabalhar em sistema de produção LEITE A PASTO NOS TRÓPICOS
adaptadas às regiões tropicais e subtropi-
cais, por serem exigentes em fertilidade e a pasto com baixos níveis de insumo, utili- A maioria das pastagens tropicais é
responderem muito bem à irrigação e à adu- zando forrageiras menos exigentes em ferti- constituída de gramíneas que, se fertili-
bação nitrogenada. No Brasil, são poucas lidade e adaptadas às condições de solos zadas com nitrogênio (N), podem quadru-
as informações técnicas sobre essas for- ácidos ou tolerantes à toxidez por alumínio, plicar a capacidade de suporte e a produção
rageiras e sobre como ocorreu sua intro- conseguiram-se apenas baixos níveis de de leite (Quadro 1).
dução. Muitos produtores já introduziram produtividade. Com tais níveis, o custo de A resposta das pastagens à irrigação tem
algumas delas em suas propriedades sem produção por quilograma de leite produ- sido controvertida, principalmente em fun-
nenhum conhecimento técnico. No entan- zido ficava sempre muito elevado em fun- ção da região, da espécie forrageira e do ní-
to, é preciso avaliá-las para que o produtor ção dos custos fixos. O mesmo pode ser vel de insumos empregados. Na Região Su-
possa ter informações seguras sobre o seu dito das tentativas de manter pastagens deste, trabalhos conduzidos pela Embrapa
potencial forrageiro. tropicais consorciadas com leguminosas, Gado de Leite (Aumento..., 1995) demons-
Do ponto de vista de alimentação do muito usadas nas décadas de 70 e 80, prin- traram que a irrigação das pastagens com as
rebanho, o pasto é o mais barato de todos cipalmente na Austrália. Estas pastagens, forrageiras do gênero Pennisetum, utilizan-
os alimentos. Além de constituir um siste- em associação com forrageiras de inver- do elevados níveis de N (>200kg/ha/ano),
ma de produção que requer menos inver- no, não se mostraram confiáveis e suporta- mostrou viabilidade econômica. Na região

1
Engo Agro, D.Sc., Bolsista CNPq, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-
MG. Correio eletrônico: vilela@cnpgl.embrapa.br
2
Zootecnista, M.S., Bolsista CNPq, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-
MG. Correio eletrônico: alvim@cnpgl.embrapa.br
3
Engo Agro, M.S., Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-MG. Correio
eletrônico: joaocesar@cnpgl.embrapa.br
4
Engo Agro, M.S., Doutorando, UFLA - Depto Zootecnia, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG.

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Gado de Leite 45

QUADRO 1 - Potencialidade da produção de leite a pasto nos trópicos, com diferentes níveis (10h/dia), necessitando, assim, usar o pasto
tecnológicos também nas horas mais quentes do dia
Tecnologia Taxa de lotação Produção de leite (Cowan, 1996). Na Região Sudeste, Vilela
adotada (vaca/ha) (kg/ha/ano) et al. (1994) verificaram em experimento que
vacas da raça Holandesa, mantidas 24h em
Sem fertilizante 0,5 - 1,5 1.000 - 2.000 pastagem de alfafa, interrompiam o pastejo
Consórcio (gramínea + leguminosa) 1,3 - 2,5 3.000 - 4.000 nas horas mais quentes do dia, compensan-
Com N + P, K e S 2,5 - 5,0 4.500 - 9.500 do no final da tarde e durante parte da noite,
totalizando assim 8h/dia de pastejo. Este
Com N + P, K e S + irrigação 6,0 - 9,9 5.000 - 22.000
tempo é suficiente para que elas consumam
FONTE: Stobbs ( 1976). nutrientes para produzir até 20kg de leite/
vaca/dia, sem nenhum suplemento.
Além da quantidade de N disponível
semi-árida do Norte de Minas Gerais, a irriga- sumo (Cowan, 1996). Algumas forrageiras, no solo, a idade da planta é o que mais in-
ção do pasto de capim-elefante (Pennisetum como as do gênero Brachiaria, mesmo mane- terfere na produção e na qualidade das pas-
purpureum, Schum.), adubado com 300kg jadas intensivamente, não reúnem quali- tagens tropicais. Segundo Herrera (1983),
de N/ha/ano, possibilitou a produção de lei- dade suficiente para suportar produções quando o coast-cross foi submetido a um
te de 12,6kg/vaca/dia e a taxa de lotação de acima de 7 a 9kg/vaca/dia, evidenciando intervalo de corte de 15 semanas, a produ-
7 vacas/ha, correspondendo à produção de que a qualidade e a produtividade da forra- ção de forragem aumentou, mas a quali-
88,3kg de leite/ha/dia e à rentabilidade mé- gem assumem papéis importantes na inten- dade atingiu 4% de proteína bruta (PB) e
dia mensal de US$ 223,00/ha. sificação da produção de leite a pasto. 40% de digestibilidade in vitro da matéria
Se por um lado as pastagens tropicais Várias estratégias de manejo de pasta- seca (DIVMS), índices considerados bai-
podem suportar altas taxas de lotação du- gens tropicais falharam ao tentar aumentar xos. O N, disponível no solo, é o principal
rante as estações primavera/verão (5 a 6 va- a produção de leite acima de 15kg/vaca/dia nutriente capaz de maximizar a produção
cas/ha), a produção de leite/vaca/dia, com (Cowan et al., 1993). Outro importante fa- de uma forragem (Crespo et al., 1986). Para
vacas mestiças holandesas x zebuínas (HZ), tor a limitar o consumo de alimentos e, con- Minson (1981), sua aplicação pode modi-
não ultrapassa 15kg ou 4.500kg/vaca/lac- seqüentemente, a produção de leite duran- ficar a digestibilidade da forragem produ-
tação (Quadro 2). te o verão, em especial da raça Holandesa, zida. Assim é que o trabalho de Herrera &
As forrageiras tropicais limitam-se à pro- é o estresse térmico, particularmente quan- Ramos (1977) mostrou que a DIVMS do
dução de vacas com mais alto potencial do a temperatura máxima do ambiente exce- coast-cross é de 43,5% na ausência da adu-
de produção de leite, principalmente pelo de a 27oC. Isso faz com que as vacas, para bação nitrogenada e de 50,5%, quando se
grande conteúdo de fibra e pela baixa di- atenderem aos requerimentos nutricionais, aplicaram 100kg/ha de N.
gestibilidade, com reflexo negativo no con- permaneçam longos períodos em pastejo O pasto deve ser a principal fonte de

QUADRO 2 - Desempenho de vacas mestiças HZ em pastagens tropicais, no período da chuva (primavera/verão)

Gramínea Taxa de Produção de leite


+ lotação Fonte
dose de N (vaca/ha) kg/vaca/dia kg/ha/dia

Brachiaria mutica (Angola) + 125 kg N 1,8 9,7 17,4 Alvim et al. (1995)

Digitaria decumbens (Pangola) + 50 kg N 2,5 10,0 25,0 Aronovich et al. (1965)

Setaria sphacelata (Setária) + 100 kg N 2,7 10,4 28,0 Alvim et al. (1995)

Panicum maximum (Colonião) + 100 kg N 4,0 11,1 44,2 Leal (1995)

Cynodon dactylon (coast-cross) + 400 kg N 3,6 13,1 43,8 Martinez et al. (1980)

Pennisetum purpureum (Capim-elefante) + 100 kg N 4,7 11,7 55,0 Produção... (1986)

Pennisetum purpureum (Capim-elefante) + 200 kg N 5,0 13,5 60,1 Deresz et al. (1994)

Pennisetum purpureum (Capim-elefante) + 200 kg N 6,0 11,0 65,8 Deresz et al. (1990)

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46 Gado de Leite

nutrientes para o animal em pastejo. Con- antieconômica (Aronovich et al., 1965, as vacas foram mantidas em instalações do
tudo, é preciso que a pastagem seja cons- Lucci et al., 1969, Vilela, 1978 e Deresz, 1994). tipo free-stall, recebendo dieta completa, à
tituída por espécies de potencial forrageiro Davison (1990) afirma que o uso de vontade, à base de silagem de milho e con-
elevado e que seja bem manejada. Nessas concentrados como complemento ao uso centrado, variando a relação volumoso e
condições, é possível reduzir o forne- de pastagens deve estar relacionado com concentrado em função do estádio da lac-
cimento de concentrado aos animais em o seu custo, com a quantidade usada, com tação. No sistema a pasto, a pastagem foi
pastejo e obter elevadas produções de leite. a participação da forragem na dieta, com a manejada rotativamente e os piquetes di-
Dessa forma, ainda se garante a persis- margem líquida crescente e positiva, à medi- vididos por meio de cerca elétrica. O pastejo
tência das forrageiras na pastagem, aspecto da que for menor o preço do concentrado, era conduzido com um dia de ocupação de
de grande importância para se conseguir maior o preço pago pelo leite e maior a pro- cada piquete e em média 32 dias de des-
satisfatório desempenho animal por um dução de leite/vaca/dia. Posteriormente, canso no período seco (maio a agosto) e
período mais longo. Cowan (1996) indicou que a qualidade do de 25 dias no período chuvoso (setembro
Quanto ao método de pastejo, o uso concentrado também influi no custo de a abril). A pastagem foi adubada anual-
contínuo ou rotativo deste tem relativa- produção de leite, assim como o nível e o mente com 360kg/ha de N, 80kg/ha de P205
mente pouco efeito sobre a produção, por tipo de proteína, que também são críticos e 280kg/ha de K20, distribuídos em dez
hectare, de leite e de carne, quando a pro- para influenciá-lo, precisando de pesquisas aplicações, realizadas a lanço, após cada
dução de forragem é suficiente para manter nesse sentido. pastejo. No período da seca (junho a outu-
os requerimentos dos animais (Hodgson, Alimentos suplementares, consumidos bro), a pastagem era irrigada com objetivo
1990 e Holmes, 1996). Contudo, nos siste- por bovinos em pastejo, quase sempre de veicular os nutrientes da adubação e,
mas intensivos de exploração de pasta- causam um decréscimo no consumo de for- conseqüentemente, promover maior cres-
gens, como em Nova Zelândia, onde as ragem do pasto, fenômeno este conhecido cimento das forrageiras nesse período do
vacas utilizam o pasto o ano todo, é neces- como efeito de substituição (Grainger & ano. As vacas somente saíam da pastagem
sário limitar diariamente a área da pastagem, Mathews, 1989). Portanto, o efeito imediato para ser ordenhadas às 7h e às 15h30min,
e isso só pode ser feito com maior facilida- do alimento extra é menor do que teria sido quando tinham acesso à água e recebiam,
de pelo sistema de pastejo rotativo, que fa- previsto, se a pastagem não consumida, diariamente, 3kg do mesmo concentrado
vorece o manejo racional do pasto. ou economizada, pudesse ser simplesmen- fornecido na dieta completa para os animais
Os métodos mais recentes de manejo te desperdiçada, o que seria antieconô- estabulados. Este era constituído de fubá
de pastagens tropicais, visando o aumento mico. O efeito de substituição deve ser de milho (48%), farelo de soja (35%), fare-
da produção de leite/vaca/dia, focalizam o considerado nos planos para inclusão de lo de trigo (15%), calcário calcítico (1%),
uso máximo de folhas dessas pastagens, alimentos suplementares num sistema mistura mineral (1%) e, no primeiro terço da
além de, naturalmente, considerar o poten- intensivo de produção de leite a partir de lactação, bicarbonato de sódio (1%). Na pas-
cial genético de produção de leite dos ani- pastagens. tagem, as vacas também tinham livre acesso
mais. à sombra artificial, proporcionada por som-
A participação do concentrado na dieta POTENCIAL DE PRODUÇÃO brite. A qualidade dos alimentos emprega-
de vacas em lactação assume maior ou me- DE LEITE EM PASTAGEM dos nos diferentes períodos de avaliação
nor importância em razão também do poten- DE COAST-CROSS: RESULTADOS pode ser observada no Quadro 3.
cial de produção de leite do animal. Mar- DE PESQUISA DA EMBRAPA Os resultados obtidos (Quadro 4) mos-
tinez et al. (1980) e Cowan (1996) afirmam GADO DE LEITE tram que a produção de leite de vacas manti-
que o limite de produção de leite de vacas das em pastagem de coast-cross, adubada e
em pastagens tropicais, sem recorrerem ao Na Embrapa Gado de Leite, a partir de irrigada estrategicamente, quando suplemen-
uso de alimentos concentrados, não excede 1992, foram conduzidos os primeiros traba- tada diariamente com 3kg de concentrado,
a 4.500kg/vaca/lactação, com a qualidade lhos de pesquisa que objetivaram encontrar foi de 20,8kg/dia, em média, nas primeiras 12
e a digestibilidade do pasto determinando a melhor forma de manejar a pastagem de semanas de avaliação, e de 16,6kg/dia, na
esse limite. Em sistemas em que o nível de coast-cross, para maximizar a produção de média de todo o período avaliado.
produtividade for superior a esse, é fun- leite, utilizando vacas da raça Holandesa, com A taxa de lotação média da pastagem
damental que se recorra à suplementação potencial entre 5.000 e 7.500kg/lactação. foi de 5,8 vacas/ha, com a produção média
com concentrados. No Brasil, em vários No período de abril de 1992 a janeiro de diária de leite por área de 96,3kg/ha/dia. A
trabalhos foi avaliada a economicidade da 1993, foram comparados dois sistemas de produção média de leite das vacas manti-
suplementação concentrada de pastagens, produção de leite. Um sistema visava pro- das em confinamento foi, durante 40 sema-
disponível para vacas com potencial de duzir leite a pasto de coast-cross, manejado nas, 20,6kg/vaca/dia, com teor de gordura
produção de leite até 4.500kg/lactação, intensivamente, e outro, em confinamento de 3,7%, semelhante ao teor do leite prove-
durante o período das águas, e, em todos total, semelhante ao utilizado na Embrapa niente das vacas a pasto.
eles, concluiu-se ser esta suplementação Gado de Leite. No sistema em confinamento, No Quadro 5 são apresentados os cus-

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Gado de Leite 47

tos que diferenciam os dois sistemas e no valores confirmam mais uma vez que o sis- parados com sistemas em confinamento
Quadro 6, a composição do custo de im- tema de pastejo em coast-cross, para vacas (Quadro 6).
plantação e do custo anual de utilização da com potencial de produção de 6.000kg/ Em 1993/1994, deu-se continuidade aos
pastagem de coast-cross. lactação, constitui-se numa alternativa viá- trabalhos de pesquisa em pastagens de
Conforme o Quadro 5, apesar de a recei- vel para a intensificação da produção de coast-cross, utilizando vacas com produção
ta bruta do sistema a pasto ter sido inferior, leite na Região Sudeste do Brasil. de leite em torno de 6.000kg/lactação. Os
sua margem bruta foi 34% superior à do Faria & Silva (1996) e Matos (1997) ava- tratamentos consistiram em fornecer 3 e
sistema em confinamento. Os custos uni- liaram o potencial das pastagens tropicais 6kg/vaca/dia de concentrado a dois grupos
tários que diferenciam os dois sistemas para produção de leite e concluíram que de vacas, ambos mantidos em pastagem
avaliados foram de US$ 0,05/kg, no sistema sistemas de produção a pasto são os mais de coast-cross, o ano todo. O manejo da
a pasto, e de US$ 0,08/kg no confinamen- competitivos em termos de produção, ten- pastagem e o concentrado utilizado foram
to, ou seja, o sistema a pasto teve custos do em vista os baixos investimentos em semelhantes aos do experimento iniciado
37% inferiores ao sistema confinado. Estes instalações e equipamentos, quando com- em 1992. A qualidade do pasto no período
chuvoso e no seco pode ser observada no
Quadro 7.
QUADRO 3 - Composição química das dietas utilizadas nos dois sistemas de produção avaliados Os resultados indicaram, para vacas
e a relação silagem de milho/concentrado(1) utilizada nas três fases de avaliação com peso vivo de 576kg, uma taxa de lota-
Fases (semanas) ção média de 8 e 4,2 UA/ha, respectivamen-
Dieta te nos períodos chuvoso e seco. As vacas
1-12 13-26 27-40 que receberam 3 e 6kg de concentrado pro-
Dieta completa duziram, em média, 16,9 e 20,0kg de leite
MS (%) 61,5 57,0 38,2 durante 365 dias de avaliação, respecti-
PB (% na MS) 17,7 15,7 12,0 vamente (Quadro 8).
O fornecimento de 6kg de concentrado/
FDN (% na MS) 42,2 44,2 52,2
vaca/dia resultou no aumento médio de
DIVMS (% na MS) 74,2 65,1 68,4
1,0kg de leite/kg extra de concentrado for-
Relação SM:C 45:55 55:45 74:26
necido em relação a 3kg. Pelos custos rela-
Pasto de coast-cross tivos, essa substituição somente será viá-
MS (%) 22,7 23,6 24,1 vel economicamente, se o preço do leite
PB (% na MS) 17,0 16,4 17,2 for igual ou superior ao preço do concen-
trado. Fixando-se os custos operacionais
FDN (% na MS) 60,3 65,9 59,1
e tornando o preço do leite a US$ 0,14/kg
DIVMS (% na MS) 63,4 66,2 61,7
(set./2001), a margem bruta, ou seja, a di-
FONTE: Vilela et al. (1996). ferença entre a receita obtida pela venda do
NOTA: MS - Matéria seca; PB - Proteína bruta; FDN - Fibra em detergente neutro; DIVMS - Digestibi-
lidade in vitro da matéria seca; SM:C - Silagem de milho/concentrado; NDT - Nutrientes diges-
leite e as despesas com os animais a pasto,
tíveis totais. recebendo 3 e 6kg/vaca/dia de concentra-
(1) Concentrado com 23,5% de PB e 80% de NDT, a um custo de US$ 0,14/kg, a preços corrigidos para do, foi de, respectivamente, US$ 598,80 e
set./2001. US$ 628,97/vaca/ano, provocando um in-
cremento de US$ 30,17/vaca/ano na margem
QUADRO 4 - Consumo de alimentos e produção de leite de vacas holandesas em dois sistemas de
bruta a favor do fornecimento de 6kg de
manejo (confinamento total ou em pastagens de coast-cross) concentrado.
Consumo de MS O pico de lactação observado aos 60
(kg/vaca/dia) Produção de leite dias pós-parto foi de 22,7 e 20,6 para as va-
Período (kg/vaca/dia) cas que receberam 6 e 3kg de concentrado,
de avaliação Confinamento Pastagem respectivamente. As vacas que receberam
(semanas) 3kg de concentrado apresentaram menor
Silagem Concentrado Coast-cross Concentrado Confinamento Pastagem persistência de lactação e queda mais in-
1 a 12 7,8 9,5 11,0 2,6 25,0 20,8 tensa da produção de leite ao longo da lac-
tação (Gráfico 1).
13 a 26 8,1 6,6 11,3 2,6 20,6 17,1
Em pesquisa realizada recentemente,
27 a 40 12,4 3,9 13,4 2,6 16,6 12,1 observou-se que o primeiro cio ocorreu em
Média (1 a 40) 9,4 6,7 11,9 2,6 20,6 16,6 média aos 122 e 99 dias pós-parto, para as
FONTE: Vilela et al. (1996). vacas que receberam de 6 e 3kg de concen-
NOTA: MS - Matéria seca. trado, respectivamente, o que indica atraso
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48 Gado de Leite

QUADRO 5 - Custos operacionais, receitas e margens brutas de dois sistemas de manejo de vacas no aparecimento do estro, podendo com-
holandesas em lactação (confinadas ou em pastagens de coast-cross)(1) prometer a sustentabilidade do sistema de
Sistema de produção de leite produção de leite. O problema foi ainda maior
(US$/vaca/40 semanas) ao analisar o número de inseminações por
Discriminação
vaca, que interfere diretamente no período
Confinamento Pastagem
de serviço e intervalo entre partos. Vacas
A - Custos Operacionais que receberam 6kg de concentrado neces-
Pastagem de coast-cross 0,00 99,05 sitaram de 1,33 e 1,75 inseminações por pre-
Silagem de milho 116,21 0,00 nhez, para as paridas no inverno e verão,
Concentrado 301,84 117,60 respectivamente, e as que receberam 3kg
Free-stall 24,45 0,00 de concentrado necessitaram de 1,78 e 2,75
Outros (2) 41,94 0,00 inseminações por prenhez (dados não con-
Total 484,43 216,65 cluídos).
O problema reprodutivo agravou-se nas
B - Receita bruta vacas paridas no verão. O clima (estresse
Leite vendido(3) 807,52 650,72 térmico) pode ter sido responsável pelo
C - Margem bruta maior número de repetições de cios nessas
B–A 323,09 434,07 vacas. O baixo escore corporal dos animais,
que recebiam 3kg de concentrado, também
(1)Valores de set./2001. (2) Custos relativos à distribuição dos alimentos, mão-de-obra e taxas, levan-
tados no mês de abr./1994 e atualizados para as condições de preços de set./2001. Na análise, seguiu-se pode ter prejudicado o desempenho repro-
o pressuposto de que os demais itens de custo dos dois sistemas são semelhantes. (3) Preço do leite pago dutivo do sistema. Entretanto, é cedo pa-
ao produtor na região de Juiz de Fora - MG, US$ 0,24/kg, em abr./1994 e US$ 0,14/kg, em set./2001. ra tirar maiores conclusões em relação ao
comportamento reprodutivo, uma vez que
a pesquisa será conduzida por mais duas
QUADRO 6 - Composição do custo de implantação e custo anual de utilização da pastagem de lactações.
coast-cross na Embrapa Gado de Leite(1) Dando continuidade às pesquisas an-
%
teriores, em 1994/1995, iniciou-se outro ex-
Discriminação US$/ha
perimento, no qual se comparou o forne-
Custo de implantação cimento de 1.620kg/vaca de concentrado,
Plantio e estabelecimento 352,13 100 distribuídos de duas maneiras: uma quan-
Custo de utilização tidade fixa de 6kg diários, durante 270 dias
Fertilizantes 385,35 61,5 da lactação, e, na outra, a distribuição da
Irrigação 120,11 19,2 quantidade total de forma decrescente, em
Cercas 66,31 10,6 9; 6 e 3kg/vaca/dia, nos períodos de 0 a 90
Outros (2) 54,96 8,7 dias; 91 a 180 dias e de 181 a 270 dias de
Custo médio de utilização da pastagem 626,73 100 lactação, respectivamente.
FONTE: Resende & Resende (1996). Nos primeiros 90 dias de avaliação, a
(1) Dados atualizados para as relações de preços de set./2001. (2) Refere-se à depreciação do capital, aos produção de leite das vacas que receberam
juros de formação do pasto e aos juros sobre as despesas de utilização do pasto. diariamente quantidade fixa de 6kg de con-
centrado foi de 21,5kg/vaca/dia, e as que
receberam quantidade variada de concentra-
QUADRO 7 - Teores médios de matéria seca, proteína bruta, fibra em detergente neutro e diges- do, ou seja, 9kg/vaca/dia no período, a pro-
tibilidade in vitro da matéria seca do pasto de coast-cross, expressos na matéria dução de leite foi de 25,3kg/vaca/dia. Nos
seca, durante o período de outono/inverno (seco) e primavera/verão (chuvoso)
períodos subseqüentes, as produções de
Composição química leite foram de 19,8 e 20,6; 14,2 e 13,4kg/va-
Época do ano (%) ca/dia, respectivamente, para os períodos
MS PB FDN DIVMS de 91 a 180 e 181 a 270 dias, com as vacas
recebendo concentrados em quantidade
Outono/Inverno 27,5 15,6 60,7 64,6 fixa e decrescente. No total dos 270 dias de
Primavera/Verão 25,2 19,9 53,1 68,3 avaliação, a média de produção de leite foi
FONTE: Alvim et al. (1997).
de 18,5 e 19,8kg/vaca/dia, respectivamente,
NOTA: MS - Matéria seca; PB - Proteína bruta; FDN - Fibra em detergente neutro; DIVMS - Di- indicando, para as condições em que foi
gestibilidade in vitro da matéria seca. desenvolvido esse trabalho, um incremento

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Gado de Leite 49

da ordem de US$ 54,08/vaca na margem fornecimento de concentrado pode ser e mostra ser viável ao compará-la com os
bruta, quando se forneceu o concentrado recomendada, uma vez que não implica em resultados obtidos nos anos anteriores
de forma decrescente. Essa estratégia de aumento nos outros custos da atividade (Quadro 9).

QUADRO 8 - Produção média de leite e taxa de lotação de vacas holandesas a pasto de coast-cross recebendo 3 e 6kg/vaca/dia de concentrado, no
período chuvoso (01/10 a 14/04) e no período seco (15/04 a 30/09)

Suplemento Produção de leite Taxa de lotação


(kg/vaca/dia) (UA/ha)
concentrado
(kg/vaca/dia) Primavera/ Verão Outono/ inverno Média Primavera/ Verão Outono/ inverno Média

3 17,3 16,5 16,9 7,5 3,8 5,7

6 20,5 19,5 20,0 8,3 4,7 6,6


FONTE: Alvim et al. (1997).

Em 1996/1997, o objetivo do trabalho


foi avaliar o fornecimento de concentrado
com uma fonte comercial de energia prote-
gida para aumentar a densidade energética
da dieta no terço inicial da lactação de vacas
puras holandesas, mantidas em pastagens
de coast-cross. Um grupo de vacas rece-
bia concentrado nas quantidades de 9, 6 e
3kg/vaca/dia, durante os três períodos de
avaliação, ou seja, 0 a 90; 91 a 180 e 181 a
273 dias, respectivamente, e o outro grupo
recebia a mesma alimentação acrescida, no
primeiro período de avaliação, de 700g/va-
Gráfico 1 - Produção média de leite ao longo da lactação ca/dia da fonte extra de energia protegida.
O pasto foi adubado com NPK após os pas-
tejos e irrigado estrategicamente. As pro-
QUADRO 9 - Resultados dos experimentos com vacas em pastagem de coast-cross, na Embrapa duções de leite nos três períodos foram
Gado de Leite
de 24,5 e 21,3; 19,8 e 16,8; 15,7 e 14,9kg/va-
Dias Produção de leite ca/dia, respectivamente para os dois gru-
Concentrado Taxa de lotação de
Ano pos de vacas que recebiam o concentrado
(kg/vaca/dia) (UA/ha)(1) avaliação kg/vaca/dia kg/ha/dia
com ou sem fonte extra de energia. A aná-
1992/1993 3 5,8 280 16,6 74,0 lise de variância indicou aumento (P< 0,05)
na produção de leite com a fonte extra de
1993/1994 3 5,7 365 16,9 75,2
energia (independentemente do período de
6 6,6 365 20,0 101,0 avaliação); contudo, não foi viável econo-
1994/1995 6F 6,7 270 18,5 97,8 micamente. A taxa de lotação das pastagens
9-6-3 V 7,3 270 19,8 101,4 para os dois grupos de vacas foi de, aproxi-
madamente, 5,7 UA/ha, o que permitiu uma
1996/1997 9-6-3 N 5,7 273 17,7 72,4 produção média de leite por áreas de 80,7 e
9-6-3 E 5,8 273 20,0 80,7 72,4kg/ha/dia, respectivamente.
1997/1998 9 GV1 6,2 100 19,4 97,0 Em 1997/1998, o trabalho foi conduzido
9 GV2 6,2 100 22,1 110,5
com o objetivo de avaliar o efeito do forne-
cimento de soja integral tostada como parte
NOTA: F - Fixo ; V - Variável; N - Variável e energia normal; E - Variável e energia extra; GV1 - Con-
da dieta de vacas holandesas no primeiro
centrado com 22% PB e 75% NDT fornecido nos primeiros 100 dias de lactação; GV2 - Con-
centrado com 19% PB e 85% NDT, fornecido nos primeiros 100 dias de lactação; PB - Pro- terço de lactação, mantidas em pastagem
teína bruta; NDT - Nutrientes digestíveis totais. de coast-cross. Um grupo de vacas (GV1)
(1)Total: Consideram-se vacas experimentais e vacas extras. recebia concentrado comercial, o outro gru-
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50 Gado de Leite

po (GV2) recebia concentrado formulado para 3,5% de gordura nos primeiros 100 dias 29.211 e 30.146kg/ha/316 dias, respectiva-
com base na composição química do pasto. de lactação foram de 18,7 e 24,3kg/vaca/ha, mente. A produção de leite por área na dosa-
Este composto era de fubá de milho (62%), respectivamente para os grupos GV1 e GV2. gem de 100kg/ha/ano foi inferior (P< 0,05)
soja integral tostada (35%), mistura mine- Considerando os 280 dias de avaliação, as à de 250kg/ha/ano, que, por sua vez, não
ral e calcário calcítico (3%). As composi- produções médias de leite foram de 19,4 e diferiu da dosagem de 400 kg/ha/316 dias.
ções dos concentrados, em termos de PB e 22,1kg/vaca/dia, respectivamente. As análi- Neste período, Alvim et al. (no prelo),
nutrientes digestíveis totais (NDT), foram ses de variância indicaram aumento (P< 0,07) também avaliaram diferentes cultivares de
de, respectivamente, 22,0% e 75,0% para o na produção de leite, corrigida ou não pa- Cynodon do grupo das bermudas e das
GV1 e de 19,5% e 85,0% para o GV2. Foram ra 3,5% de gordura, com a utilização da so- estrelas sob condição de pastejo rotacio-
utilizadas seis vacas holandesas puras no ja integral tostada (GV2). A taxa de lotação nado, utilizando vacas secas como instru-
estado inicial de lactação, com peso vivo média foi de 6,2 vacas/ha, o que permitiu mento de corte. As pastagens não eram ir-
médio de 576kg e produção de leite na produção de leite por área durante 100 dias rigadas. Concluíram, após dois anos de
lactação anterior não inferior a 6.000kg/
de, 12.152 e 13.764kg/ha para GV1 e GV2, estudo, que entre as bermudas, a cultivar
lactação, distribuídas inteiramente ao acaso
respectivamente. Conclui-se que, com o que apresentou melhor cobertura do solo,
nos dois grupos. A quantidade de concen-
fornecimento de concentrado com soja in- vigor de rebrota, produção de MS e capa-
trado fornecida para as vacas nos primeiros
tegral tostada às vacas, aumentaram-se o cidade de suporte, foi a ‘Florakirk’, acom-
100 dias de lactação, em ambos os grupos,
teor de gordura, de 3,4% para 4,1%, e a panhada de perto pela ‘Florona’. Contudo,
foi de 9kg/vaca/dia, distribuídos em duas
produção de leite, o que proporcionou uma prosseguindo nos estudos por mais dois
porções iguais durante as ordenhas. O
margem bruta 38% superior. anos sob pastejo, percebeu-se que a ‘Flo-
pastejo foi rotacionado durante o período
De janeiro de 1998 a março de 1999, ava- rakirk’ não mantinha a mesma persistência
de novembro de 1997, a março de 1998,
liaram-se nas mesmas condições três doses dos primeiros dois anos, dando evidência
usando-se cerca elétrica, com um dia de
ocupação e 25 dias de descanso. O coast- de N aplicadas no pasto de coast-cross (100, que essa cultivar não tolera períodos lon-
cross foi adubado com NPK, após os pas- 250 e 400kg/ha/ano), sobre a qualidade do gos de uso sob pastejo, sendo mais indi-
tejos, e irrigado estrategicamente. A MS pasto e a produção de leite de vacas holan- cada para corte.
disponível e a MS residual do pasto durante desas. Os resultados médios não indicaram
diferenças no pasto entre os teores de PB CONSIDERAÇÕES FINAIS
o período de avaliação foram em média de
5.716 e 3.417kg/ha. Os teores médios de (15,2%; 15,6% e 15,8%) e da DIVMS (62,1%; Da seqüência de estudos desenvol-
MS, PB, FDN e DIVMS do pasto de coast- 63,4% e 62,9%), nem na produção de leite vidos pela Embrapa Gado de Leite, pode-
cross, durante o período em estudo, foram (17,4; 17,8 e 18,0kg/vaca/dia). A taxa de lo- se evidenciar o potencial do coast-cross
de 25,2%; 19,9%; 53,1% e 68,3%, respecti- tação foi de 4,6; 5,3 e 5,3 vacas/ha, o que para produção de leite a pasto. Contudo,
vamente. As produções de leite corrigidas permitiu uma produção por área de 25.292; certas questões ainda persistem, como

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Gado de Leite 51

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52 Gado de Leite

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Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.44-52, jul./ago. 2001


Gado de Leite 53

Produção orgânica de leite: um desafio atual


Luiz Januário Magalhães Aroeira 1
Elizabeth Nogueira Fernandes2

Resumo - São enfocados alguns aspectos sobre a produção orgânica de leite, no que diz res-
peito à tendência mundial do consumidor em exigir produtos “limpos”, isentos de agrotóxicos
e demais pesticidas considerados nocivos à saúde do ser humano e à preservação ambiental.
E também serão mostradas as vantagens para o produtor na venda de um produto
diferenciado com perspectivas atraentes de mercado, principalmente para o agricultor
familiar, os principais desafios dessa produção e as exigências das certificadoras. Além do
mais, apresenta-se um breve relato sobre a proposta da Embrapa Gado de Leite para
enfrentar os desafios de uma produção orgânica, economicamente viável.
Palavras-chave: Agricultura orgânica; Leite orgânico; Mercado orgânico; Certificação.

INTRODUÇÃO de do desenvolvimento das nações, a partir lidade para o produtor. É um modelo eco-
A agricultura mundial foi impulsiona- do comprometimento com a Agenda 21. nomicamente viável, socialmente justo e
da significativamente nos anos 60 e 70, com Os novos anseios que envolviam a pro- ambientalmente correto, que se fundamen-
a chamada Revolução Verde, quando as dução de alimentos despertaram o mundo ta no emprego de tecnologias limpas e sus-
práticas de mecanização, correção e fertili- para sistemas de produção mais conser- tentáveis, estabelecendo parcerias com a
zação do solo, assim como a utilização de vacionistas. E a palavra ecologia ganhou natureza (Vale, 2001).
agrotóxicos contra pragas e doenças, impe- significado especial. Surgem, então, os siste- Entretanto, a produção orgânica de leite
liram a produção mundial de alimentos para mas alternativos com propostas ambiciosas pode ser uma alternativa para alguns pro-
patamares nunca antes experimentados. para a produção de alimentos em harmonia dutores, mas, antes de tudo, é preciso estu-
A inserção dos animais aos sistemas com o meio ambiente. Em comum, todas apre- dar criteriosamente as condições necessá-
agrícolas, que antes era definida pela dispo- sentam forte preocupação com os destinos rias, o dispêndio de dinheiro até a completa
nibilidade de alimentos e pelo clima, passou, inseparáveis do homem e do meio ambi- conversão ao sistema. Além disso, é neces-
na produção intensiva, a ser feita a partir ente, sendo a agricultura orgânica a mais sário se ter bem claro, que, dadas as difi-
do manejo das instalações e o nicho ali- conhecida desse segmento (Neves, 2001). culdades encontradas, a produção orgâ-
mentar, substituído pela ração industrial- Segundo Comerón & Andreo (2000), nica possivelmente não seja a solução para
mente formulada (Khathounian, 1998 e entende-se como orgânico todo sistema de quem não é eficiente na produção conven-
Moura, 2000). produção sustentável que, mediante o ma- cional (Carvalho, 2001).
Ainda nos anos 70, reflexos negativos nejo racional dos recursos naturais e sem
destas práticas, como a erosão e a contami- utilização de produtos de sínteses quími- AGRICULTURA ORGÂNICA
nação de solos e mananciais, começaram a cas, proporcione alimentos saudáveis, man- COMO OPÇÃO PARA
ser notados e, já nos anos 80, práticas me- tendo o incremento da fertilidade do solo e O PEQUENO AGRICULTOR
nos agressivas ao ambiente passaram a ser a biodiversidade, e permita a identificação Segundo estimativas da Food and Agri-
experimentadas e adotadas (Neves, 2001). clara, por parte dos consumidores, de ca- culture Organization of the United Nations
A necessidade de mudar os paradig- racterísticas asseguradas a partir de um (FAO), em 1995 existiam, no Brasil, cerca
mas de desenvolvimento foi evidenciada sistema de certificação. de 5,8 milhões de estabelecimentos fami-
no evento Rio-92 (Conferência das Nações A pecuária orgânica é um modelo de liares, cuja área corresponde a, aproxima-
Unidas para o Meio Ambiente e Desenvol- produção que tem em sua essência a sim- damente, 23% dos estabelecimentos exis-
vimento), quando se reconheceu a impor- plicidade e a harmonia com a natureza, sem tentes, sendo 27% da produção de rebanho
tância de caminhar para a sustentabilida- deixar de lado a produtividade e a rentabi- bovino. Pelos números apresentados, fica

1
Médico Veterinário, D. Sc. Nutrição Animal, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 – Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz
de Fora-MG. Correio eletrônico: laroeira@cnpgl.embrapa.br
2
Enga Florestal, D. Sc. Ciência Florestal,Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 – Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de
Fora-MG. Correio eletrônico: nogueira@cnpgl.embrapa.br

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54 Gado de Leite

evidenciada a importância do pequeno na Inglaterra, onde surgiu a doença da va- nos últimos três anos. O crescimento do
produtor no contexto do desenvolvimento ca louca, esse mercado cresceu seis vezes, mercado nacional é superior ao dos países
socioeconômico do país (Cavalcante, 2001). desde 1990 (Simonete & Ramos, 2001). da União Européia e Estados Unidos, que
A agricultura orgânica apresenta-se Neste contexto, o mercado consumidor aumenta, em média, 20% a 30% ao ano
como um mercado inovador para o agricul- mundial de produtos orgânicos deve mo- (Darolt, 2001).
tor familiar, em decorrência da baixa depen- vimentar, este ano, pelo menos US$ 20 bi- As estatísticas mostram que existe um
dência por insumos externos, pelo aumento lhões na Europa Ocidental, Estados Uni- grande potencial de expansão da produção
de valor agregado ao produto com conse- dos e Japão, ou seja, quase o dobro de dois orgânica no Brasil. Aproximadamente, 70%
qüente aumento de renda, por propiciar a anos atrás. Este mercado representa uma, da produção brasileira encontra-se nos
conservação dos recursos naturais e contri- dentre as dez principais tendências de con- estados do Paraná, Rio Grande do Sul,
buir para a solução de vários graves proble- sumo no novo século, e deve passar do São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo.
mas sociais e urbanos (Cavalcante, 2001). atual índice de 1% a 2% de participação no Alguns setores, ainda pouco explorados,
Essas vantagens podem ser favorecidas na total de vendas de alimentos, para cerca de como a fruticultura, cereais, derivados de
agricultura orgânica pela exploração de po- 10%, até o ano 2005, nos mercados indus- leite e carne devem ser incrementados nos
licultivos. A viabilização desta estratégia trializados (Neves, 2001). próximos anos (Darolt, 2001).
apoia-se na instalação de sistemas diversi- Na Europa, embora o crescimento tenha Produtos como o açúcar, a banana, o
ficados de produção, pela manutenção de sido diferenciado de país para país, o apoio cacau e o café encabeçam a lista de expor-
policultivos anuais e perenes associados, do governo foi fundamental na construção tações que não pára de crescer. O leite e os
sempre que possível, com a produção ani- deste mercado, principalmente com a pro- seus derivados vêm surgindo, timidamente,
mal, ao contrário do manejo adotado nos mulgação da UE2.092/91, legislação que tra- neste contexto, com resultados atraentes
sistemas convencionais que enfatizaram a ta da produção e comercialização dos orgâ- para o produtor (Sato & Charão, 2001).
monocultura. nicos entre e com os países membros da Apesar de a maioria da produção orgâ-
Para promover a exportação de pro- União Européia, e da UE2.078/91, que trata nica ainda ser destinada ao mercado externo,
dutos orgânicos e naturais, oriundos da dos subsídios à agricultura orgânica. Para deve haver um aumento da demanda inter-
agricultura familiar e de assentados pela exemplificar, são citados os casos da Áus- na, impulsionada pelo crescente número
reforma agrária, o governo federal lançou tria e da Dinamarca (Fonseca, no prelo).
de consumidores que têm procurado pro-
como forma de incentivo, um programa de
dutos “limpos”. No mercado interno, os
R$ 16 milhões, com duração de quatro MERCADO ORGÂNICO maiores compradores ainda são as redes
anos. Os mercados europeu e americano NACIONAL de supermercados. Somente nas lojas Pão
são os alvos. A intenção é aumentar a renda
A estimativa é de que a produção bra- de Açúcar, a procura aumentou em 50% no
dos agricultores familiares e criar outros
sileira de itens agroecológicos movimente, ano passado (Darolt, 2001).
empregos.
por ano, US$ 200 milhões. As exportações Segundo Balde Branco (2000), a produ-
Conquanto existam no Brasil milhares
respondem por 70% desse valor. Embora o ção de leite orgânico não chegou a 15.000
de pequenos e médios produtores desca-
Brasil ocupe, atualmente, o 34o lugar no L/dia. O leite seguramente é um dos pro-
pitalizados, que poderiam ser beneficiários
ranking dos países exportadores de pro- dutos cuja versão orgânica ainda não des-
de tecnologias alternativas de produção
dutos orgânicos, nos últimos anos, o cres- lanchou, abrindo grande potencial para sua
agropecuária com bases científicas consis-
cimento das vendas chegou a 50% ao ano produção. É tal a escassez, que se chega a
tentes, observa-se que a pesquisa agro-
(Darolt, 2001). pagar até quatro vezes mais para o leite
pecuária ainda se tem mostrado tímida na
Os alimentos orgânicos correspondem orgânico.
sua capacidade de resposta às necessida-
a 2% da produção agrícola brasileira. En-
des do sistema orgânico de produção.
tretanto, o faturamento nacional é ainda SER OU NÃO SER ORGÂNICO?
considerado baixo, quando comparado a QUAIS AS VANTAGENS PARA O
MERCADO ORGÂNICO
outros países (Agricultura..., 2000). PRODUTOR?
Os mercados ecológicos têm sua origem Hoje, o Brasil encontra-se em 10o lugar
na crescente preocupação mundial com na classificação dos países produtores de O consumidor que escolhe produtos
uma série de questões relativas à saúde, alimentos orgânicos no mundo (Agricul- orgânicos está disposto a pagar mais, para
à degradação do meio ambiente e a hábi- tura..., 2000). Estima-se que já estão sendo adquirir um produto natural. Com isso, ape-
tos de consumo. Além disso, o espectro cultivados perto de 100 mil ha, em cerca de sar das dificuldades para produzir sem a
da transmissão de doenças letais aos huma- 4.500 unidades de produção orgânica. Con- maior parte das facilidades da tecnologia,
nos, pelo consumo de alguns produtos de tudo, estimativas indicam que o crescimen- a possibilidade de remuneração melhor de
origem animal, levou a uma exploração do to do mercado orgânico, que vinha aumen- fato existe, o que sem dúvida é importan-
consumo de produtos orgânicos na Europa tando no início da década de 90, cerca de te, considerando as históricas dificulda-
e nos Estados Unidos. Como exemplo, só 10% ao ano, chegou próximo a 50% ao ano, des em produzir gêneros agrícolas, cujos
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Gado de Leite 55

preços são sempre ditados pelo mercado a agricultura orgânica necessitar de mais no mundo inteiro, o mercado de leite orgâ-
(Carvalho, 2001) . espaço para produzir a mesma quantidade nico vem-se expandindo, pois o binômio
No caso do leite, neste ano, enquanto de vegetais, além de exigir mais mão-de- maior preço pago e grande demanda tem
produtores tradicionais dos Estados Uni- obra para gerenciar as pragas freqüentes e estimulado a produção. Contudo, quais
dos recebiam insuficientes US$ 0,25/litro, ter de lidar com perdas na colheita, devido seriam os principais entraves na cadeia de
produtores orgânicos tinham seu leite ven- à possibilidade de infestações. Se o mundo produção no Brasil? Este autor levanta, a
dido a US$ 0,37, com agradável tendência todo resolvesse adotar o método orgâni- seguir, algumas dúvidas:
de aumento pela frente (Carvalho, 2001). co seria necessário muito mais espaço para a) produção de forragem: é sabido que
Inegavelmente, existem bons motivos se conseguir o mesmo nível de produção as forrageiras tropicais são mais pro-
para se tornar um produtor orgânico. Atual- atual, o que levaria à necessidade de desma- dutivas do que as temperadas, porém
mente, o impacto que a agricultura conven- tamento (Orgânicos..., 2001). são mais pobres em qualidade. Se
cional tem exercido no meio ambiente é Além disso, existe ainda pouco conhe- não houver a possibilidade de uma
considerado o maior obstáculo para uma cimento sobre os cuidados sanitários a se- adubação conveniente, pode-se per-
agricultura sustentável, pois os insumos rem aplicados num rebanho de produção der a vantagem da alta produção de
químicos e as práticas que utilizam têm sido orgânica. Estudos na Inglaterra monito- matéria seca das forrageiras tropi-
responsáveis por uma degradação intensa raram diversos parâmetros relacionados cais. Para se tornar o sistema lucra-
dos recursos naturais. Empobrecimento do com a saúde da glândula mamária de re- tivo, haveria necessidade de áreas
solo pelo uso continuado de fertilizantes banhos produtores de leite orgânico. Os mais extensas. Uma alternativa para
químicos, erosão, contaminações das águas resultados apontam que a incidência de este problema seria o uso de adubos
e do solo pelo uso de agrotóxicos, resíduos casos clínicos de mastite não foi diferente orgânicos, que, entretanto, depende
tóxicos nos alimentos, são algumas das entre os rebanhos orgânicos e convencio- da movimentação de grandes quan-
conseqüências da agricultura moderna. nais durante a lactação. Entretanto, houve tidades de esterco;
Os prejuízos à saúde humana provo- uma maior incidência da mastite clínica
b) combate a ectoparasitos: carrapatos
cados pelo uso intenso de agrotóxicos têm durante o período seco, uma vez que não e bernes consomem uma boa parte
sido comprovados por inúmeras pesquisas era feito o tratamento de vaca seca no mo- da renda de fazendas produtoras de
médicas. Trabalhadores rurais e suas famí- mento da secagem. Além do mais, a conta- leite. A maioria dos produtos quími-
lias sentem de perto os efeitos da intoxi- gem média de células somáticas (CCS) dos cos encontrada no mercado é cara,
cação pelo uso de substâncias químicas rebanhos orgânicos foi significativamente de difícil aplicação e de eficácia duvi-
tóxicas. Os resíduos de pesticidas nos legu- maior que a encontrada nos rebanhos con- dosa. Uma alternativa possível para
mes, verduras e frutas, a presença de anti- vencionais, o que indica maior ocorrência combater o problema seria a utiliza-
bióticos e hormônios de crescimento nas de mastite subclínica e, principalmente, ção de raças mais resistentes aos
carnes e leite, em geral, e a imensa varie- maior prejuízo nesses rebanhos pela redu- ectoparasitos, o que, por parte de
dade de aditivos utilizada na produção de ção na produção de leite e maior incidên- muitas, pode implicar menor po-
alimentos têm sido motivo de preocupação cia de penalidades sobre o preço do leite. tencial produtivo;
por parte do consumidor, que anseia por Os rebanhos orgânicos apresentaram CCS
c) processamento do produto: não se
uma opção mais segura de alimentação média 46,7% maior do que aquela observa-
pode pensar em produção de leite
(Darolt, 2001). da em rebanhos convencionais. Há neces-
orgânico como produtor isolado, a
Nesse contexto, a agricultura orgânica sidade de novos conhecimentos sobre tra-
não ser que este disponha de capa-
torna-se uma solução muito mais saudável tamentos alternativos eficientes, uma vez
cidade de industrialização e distri-
na produção de alimentos. Ela não é ape- que a retirada completa dos antibióticos
buição do produto;
nas uma alternativa à prática agrícola con- da rotina das fazendas leiteiras ainda é bas-
vencional, mas um imperativo ecológico e tante difícil, sem que haja efeitos adversos d) órgãos certificadores: todas as re-
única forma de evitar os danos que a pro- sobre o bem-estar animal e a produtividade gras de produção devem estar devi-
dução agroquímica vem causando ao meio dos rebanhos orgânicos (Santos, 2001 ). damente sistematizadas e as proprie-
ambiente e à saúde humana (Darolt, 2001). Outro fator importante na produção dades fiscalizadas regularmente.
Entretanto, em muitos casos, falta pes- orgânica de leite é o problema logístico. Se
quisa para produzir consistentemente sem determinada propriedade desejar produzir CERTIFICAÇÃO DE PRODUTOS
todas as ferramentas tecnológicas desen- leite orgânico, terá de convencer seus vizi- ORGÂNICOS
volvidas nos últimos 50 anos e que permi- nhos a fazê-lo também, a não ser que o pro- O produtor não se pode tornar orgâni-
tiram o aumento da produtividade obtido cessamento e a embalagem sejam feitos na co de um dia para o outro. Há um rigoroso
pela chamada Revolução Verde. própria fazenda (Carvalho, 2001) . processo de certificação, que geralmente
Um dos problemas consiste no fato de Segundo Morais (2001), é inegável que, dura um ano, durante o qual o produtor
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não receberá nem um centavo a mais pelo sórcio de gramíneas e leguminosas na pas- fora da propriedade, limitada a 15%. Em
leite, embora os custos certamente serão tagem é recomendado e é exigida a diver- relação à adubação, foram solicitadas ações
mais elevados neste período (Carvalho, sificação de espécies vegetais. Sugere-se concernentes à busca de fontes alterna-
2001). a implantação de sistemas agroflorestais tivas (não-químicas). Quanto aos aspectos
Quando um produto orgânico é certifi- ou silvipastoris, nos quais as árvores e sanitários, desenvolveram-se ações de pes-
cado, o consumidor sabe que está levan- arbustos fixadores de nitrogênio (legumi- quisa que avaliem a relação custo/bene-
do para casa um produto limpo, isto é, sem nosas) possam associar-se a cultivos agrí- fício das estratégias alternativas de contro-
contaminações químicas, e que sua produ- colas, com pastagens, ou serem mantidos le de endo e ectoparasitos, e testes sobre
ção é proveniente de uma agricultura que alternadamente com pastejos e cultivos, a eficiência de produtos homeopáticos e
garante qualidade do ambiente, dos poten- assim como bancos de proteínas ou cercas fitoquímicos, na prevenção e tratamento de
ciais nutritivos e biológicos do alimento e vivas. Os suplementos devem ser isentos mastites.
da qualidade social, cultural e econômica de antibióticos, hormônios e vermífugos. Quanto à qualidade do leite, priorizou-
de quem produziu. São proibidos aditivos, promotores de se a obtenção/geração da informação rela-
Um sistema orgânico de produção não crescimento, estimulante de apetite, uréia tiva ao tempo de permanência de resíduos
é obtido somente na troca de insumos quí- etc. As características de comportamento químicos no leite dos animais tratados. Em
micos por insumos orgânicos/biológi- (etológicas) de cada espécie a ser explorada conseqüência do manejo alimentar e sanitá-
cos/ecológicos. O Ministério da Agricul- devem ser consideradas. Para preservar a rio dos animais nos sistemas orgânicos,
tura, Pecuária e Abastecimento estabelece saúde dos bovinos, as recomendações são são necessárias ações de pesquisa para
uma série de procedimentos para que o leite de que sejam utilizados os tratamentos ho- avaliar as propriedades organolépticas e
de uma propriedade seja considerado orgâ- meopáticos. Os produtores devem ainda de composição do leite. Quanto a socio-
nico. Estes procedimentos regulamentam estar atentos aos produtos utilizados para economia/transferência de tecnologia, fo-
a alimentação do rebanho, instalações e ma- lavagem e desinfecção dos utensílios usa- ram solicitados estudos, ou conhecimento
nejo, escolha de animais, sanidade e até o dos na produção (Almeida, 2000). dos atuais sistemas de produção orgânica
processamento e empacotamento do leite de leite, desenvolvidas ações capazes de
(Almeida, 2000). PROPOSTA DA EMBRAPA aumentar a absorção de mão-de-obra e das
Para atender a essa parte da população, GADO DE LEITE produtividades dos sistemas atuais; estra-
que já está preocupada com a qualidade tégias de organização do pequeno pro-
A Embrapa Gado de Leite, atendendo
do que se come, surge a necessidade de dutor, para viabilizar sua permanência na
aos apelos de uma produção sustentável e
criar mecanismos que possam dar garantias atividade; capacitação de técnicos para
preocupada com os anseios do consumidor
dessa qualidade. Com a ampliação do co- trabalhar por meio de programas institu-
por um produto de qualidade, isento de
mércio de produtos orgânicos, ultrapas- cionais de transferência de tecnologia e
agrotóxicos e resíduos químicos, sediou um
sando as fronteiras nacionais e interna- alternativas eficientes e rentáveis de comer-
workshop para discussão do tema produ-
cionais, reforçou-se a necessidade de uma cialização dos produtos orgânicos, de for-
ção orgânica de leite. Discutiu-se o estado
certificação mais complexa, que envolve, ma que se obtenha maior rendimento na
da arte da pecuária orgânica de leite no atividade.
entre outros aspectos, a harmonização de Brasil, as experiências de produção e as
normas e procedimentos adotados pelos potencialidades do mercado com este tipo
diversos grupos envolvidos com a produ- CONCLUSÃO
de produto.
ção orgânica (Dias, no prelo). Definiu-se que as principais demandas Reconhece-se que, nos últimos 50 anos,
Com base nas normas da International de pesquisa estão ligadas às áreas de Ma- todos os esforços de pesquisa foram ori-
Federation of Organic Agriculture Move- nejo e Alimentação, Sanidade do Rebanho, entados para desenvolver variedades de
ments (Infoan), a referência que se tinha, Qualidade do Leite e Socioeconomia. alto rendimento fortemente dependentes de
em nível mundial, foi produzida a primeira Sobre o aspecto legislação/certificação, grandes aportes de insumos e tecnologias
proposta, publicada como Portaria no 505 foram detectadas carências de estudos que orientadas, principalmente, para a maxi-
(Brasil, 1999). Essa Portaria entrou em con- dêem sustentação a algumas exigências mização da produtividade, sem maiores
sulta pública, quando recebeu diversas dessa legislação importada. Sobre o aspec- preocupações com os aspectos ecológi-
contribuições, inclusive do exterior, resul- to manejo/alimentação, foram solicitadas cos. Portanto, é de se esperar que um longo
tando então, após uma audiência pública ações relativas à utilização da vegetação caminho esteja por ser percorrido, visando
em Brasília, na Instrução Normativa 07, de nativa recorrente, como alternativa para desenvolver tecnologias produtivas orien-
maio de 1999 (Penteado, 2000), que está sombreamento das pastagens; estratégias tadas para alta eficiência no uso de insumos
atualmente em vigor. para o estabelecimento de leguminosas e apropriadas para a agricultura e pecuá-
No que diz respeito à alimentação do palatáveis em pastagem já instalada e con- ria orgânicas. Faz-se necessário, portanto,
rebanho, esta deve ser equilibrada e suprir siderações sobre a restrição da legislação cada vez mais propiciar condições para
todas as necessidades dos animais. O con- com relação à aquisição de matéria seca de instalação de sistemas de produção, que
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Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.53-57, jul./ago. 2001


58 Gado de Leite

25 anos de produção de leite a pasto


com gado mestiço
José Ladeira da Costa 1
Luciano Patto Novaes 2
João Bosco Neves Monteiro 3

Resumo - A Embrapa Gado de Leite instalou, em 1977, um “Modelo Físico de Sistema


de Produção de Leite, com Gado Mestiço, a Pasto” (SPL), no Campo Experimental de
Coronel Pacheco. Ao longo dos 25 anos de existência, o SPL foi intensamente visitado
por produtores, estudantes, técnicos e lideranças do setor leiteiro, que recebiam orien-
tações sobre as tecnologias ali empregadas. O crescente número de visitantes, de várias
regiões do Brasil, mostra ser o SPL um instrumento valioso para a transferência de
tecnologias intensivas para a produção de leite a pasto, com gado mestiço, integrando
pesquisa, extensão e produtores. Outra contribuição relevante desse modelo físico é a
sua importância como referencial tecnológico na produção de leite a pasto, com rebanho
mestiço holandês x zebu, e no emprego de tecnologias simples e de fácil adoção, espe-
cialmente para produtores da Região Sudeste. Evidencia-se, dessa forma, o alcance dos
objetivos e metas estabelecidos, quando da sua instalação, além de servir para o desen-
volvimento e valorização institucional.
Palavras-chave: Bovinos de leite; Sistemas de produção; Produção intensiva.

INTRODUÇÃO c) suplementação volumosa para as va- tiço holandês x zebu, além do emprego de
cas em lactação na época da seca; tecnologia simples e de fácil adoção pe-
A Embrapa Gado de Leite, desde sua cria-
d) rebanho mestiço, com padrão gené- los produtores, em consonância com seus
ção, envidou esforços para operacionalizar
tico, que varia de ½ a 7/8 holandês x objetivos gerais.
o enfoque de sistemas em suas atividades
de pesquisas. Com este objetivo, em 1977 zebu.
PASTAGENS E
foi instalado um “Modelo Físico de Siste- Este modelo reunia algumas técnicas já
CULTURAS FORRAGEIRAS
ma de Produção de Leite, com Gado Mesti- conhecidas, isoladamente, e visava ofere-
ço, a Pasto” (SPL), no Campo Experimental cer ao produtor de leite da Região Sudeste O SPL ocupa uma área de 107 ha, de
de Coronel Pacheco. do Brasil exemplos de uso de tecnologias relevo fortemente ondulado (Fig. 1), com
Na concepção do SPL (Embrapa, 1978), competitivas que garantissem o aumento 20% de baixadas e meia-encosta, e bem
procuraram-se manter as características bá- da produção, com melhorias da produtivi- servido por aguadas naturais. A precipi-
sicas dos sistemas predominantes na re- dade e da rentabilidade da atividade leiteira, tação na região é 1.535 mm/ano, alternan-
gião: em bases sustentáveis. do períodos seco (maio/out.) e chuvoso
Com características dinâmicas, o SPL (nov./abr.), com temperaturas médias de
a) topografia acidentada, com 20 a 30% 22ºC no verão e 16,8ºC no inverno. A evolu-
experimentou gradual processo de evolu-
de meia-encosta e baixada; ção na área total e ocupada com pastagens
ção tecnológica, preservando, porém, suas
b) pastagens de capim-gordura (Melinis características básicas - pasto como única e culturas forrageiras é mostrada no Qua-
minutiflora); fonte de volumoso no verão e rebanho mes- dro 1.

1
Engo Agro, D.Sc., Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-MG. Correio
eletrônico: ladeira@cnpgl.embrapa.br
2
Engo Agro, Ph.D., Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-MG. Correio
eletrônico: novaes@cnpgl.embrapa.br
3
Técn. Agrícola, Gerente Adm. Sistema de Produção de Leite - Embrapa Gado de Leite - Campo Experimental de Coronel Pacheco, Km 42
Rodovia MG 133, CEP 36155-000 Coronel Pacheco-MG. Correio eletrônico: jbosco@cnpgl.embrapa.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.58-65, jul./ago. 2001


Gado de Leite 59

Em 1977, predominavam pastagens gens (88 ha) fez-se, então, em função das em 7 piquetes), eram usadas em pastejo ro-
de capim-gordura (Melinis minutiflora) categorias animal, adotando-se o pastejo tativo por vacas em lactação, no inter-
com alguma consorciação natural com le- alternado, com períodos variáveis (30 a 60 valo entre ordenhas. Adotava-se, naquela
guminosas (Calopogonium mucunoides e dias) de ocupação e descanso. época, a altura do pasto como critério pa-
Centrosema pubescens) e pequena ocor- Já nos primeiros anos do SPL, pastagens ra entrada (1,20m a 1,50m) e saída (0,40m)
rência de capim-jaraguá (Hyparrhenia de capim-elefante (Pennisetum purpureum), dos animais dos piquetes (Souza & Lobato
rufa). A divisão e ocupação destas pasta- denominadas capineiras (5,5 ha divididos Neto, 1986). A adubação destas pastagens,
embora preconizada no início das águas,
nem sempre era realizada todos os anos.
A partir de 1985/1986, ocorreram mu-
danças significativas na ocupação e uso
da terra (Quadro 1). Investiu-se na forma-
ção de pastagens de:
a) capim-braquiária (Brachiaria
decumbens), de maior potencial
produtivo, em substituição a pas-
tagens naturalizadas e degradadas
de capim-gordura, nos morros;
b) capim-elefante, nas áreas de baixa-
da e meia-encosta;
c) capim-setária (Setaria sphacelata,
cv. Kazungula) e grama-estrela
(Cynodon nlefluensis), nas áreas de
baixadas com deficiências de dre-
nagem;

Figura 1 - Vista do SPL: baixadas e encostas, no período seco


d) incorporação de áreas de baixadas
com capim-angola (Brachiaria
mutica).
QUADRO 1 - Pastagens e culturas forrageiras: mudanças e produtividade
Período Duas medidas relevantes foram obser-
Terra e ocupação
vadas, então, a adequação das forragei-
(ha) 1977/1978 1985/1986 1991/1992 1994/1995 1999/2000
ras à capacidade de uso do solo e o manejo
Área total 97,6 103,0 103,0 107,0 105,0 destas pastagens em rodízio, com flexibili-
dade, visando melhor aproveitamento da
Área útil destinada ao rebanho 96,5 102,0 98,9 100,8 100,8
forragem disponível.
Capim-gordura 86,0 80,6 30,4 28,0 28,0
A partir de 1994/1995, promoveu-se
Capim-jaraguá 2,0 2,0 4,0 3,5 3,5 a intensificação da produção de leite em
Brachiaria decumbens _ 2,5 39,0 39,0 39,0 pastagens de capim-elefante, adubadas
(1.000 kg/ha/ano da fórmula 20-05-20) e em
Capim-elefante _ 5,8 13,5 14,5 14,5
pastejo rotativo (três dias de pastejo e 30
Estrela, Setária e Angola _ 3,5 3,5 3,5 2,5 dias de descanso, de cada piquete), em con-
Capineira de capim-elefante 6,0 1,0 1,0 0 0 sonância com os resultados de pesquisas
desenvolvidas na Embrapa Gado de Leite.
Cana-de-açúcar 0,5 1,5 3,0 1,0 1,0
Investiu-se, então, na formação (7 ha),
Milho para silagem 2,0 4,5 4,5 8,0 7,0 reforma (7 ha) e divisão (11 piquetes de 1,2
Benfeitorias, matas etc. 1,1 1,1 1,1 6,2 6,2 ha) de pastagens de capim-elefante. Nes-
Produtividade das pastagens tas pastagens são mantidas vacas de maior
produção (>8 kg/dia), exclusivamente a
Lotação (UA/ha) 0,8 0,7 1,5 1,5 1,7
pasto, no verão, com suplementação de
Produção de leite (L/ha/ano) 1.205 1.234 2.257 2.300 2.993 silagem de milho, no inverno. Pastagens
FONTE: Dados básicos: Souza & Lobato Neto (1986), Novaes (1993) e Costa (1999). de capim-braquiária (20 ha), adubadas (600
NOTA: UA – Unidade animal. kg/ha/ano) e em pastejo rotativo (uma se-

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.58-65, jul./ago. 2001


60 Gado de Leite

mana de ocupação e três semanas de des- rias nas práticas de manejo e alimentação, da ingestão de colostro nas primei-
canso) foram destinadas às vacas menos elevou-se o padrão genético do rebanho, ras quatro horas de vida;
produtivas (< 8 kg/dia) e novilhas de ano que passou a ser formado com fêmeas com d) aleitamento artificial, com desmana
(10 ha/4 piquetes). Embora preconizada, a graus de sangue, que variavam próximo a
aos 56 dias; criação em abrigos indi-
adubação destas pastagens nem sempre (ligeiramente inferior) 1/2 até 15/16 HPB x
viduais (Fig. 2), até os 70 dias de ida-
foi efetivada em sua totalidade. Cercas ele- Zebu – basicamente 1/2, 3/4, 7/8 15/16 HPB
de, a partir de 1985, como alternati-
trificadas foram introduzidas no SPL na x Zebu. Para isso, com a adoção da insemi-
va ao bezerreiro coletivo; recria das
subdivisão destas pastagens. nação artificial, as fêmeas até 7/8 HZ são
fêmeas a pasto, recebendo até 2kg
Quanto à produção e uso de forragem inseminadas com sêmen de touros HPB
de concentrado durante o primeiro
para a seca, as principais mudanças foram: e as fêmeas 15/16 H x Z inseminadas com
ano de idade; sistema de identifica-
Gir. Detalhes dos esquemas e estratégias
a) conversão das capineiras de capim- ção das crias, com número, indica-
de cruzamento praticados no SPL e desem-
elefante, usado nos primeiros anos tivo do ano e ordem de nascimento,
penho dos vários grupamentos obtidos
como verde picado, em pastagens; e nome, tendo a letra inicial comum
encontram-se em Lemos et al. (1997) e No-
a todas as fêmeas nascidas num mes-
b) incremento na produção de milho pa- vaes et al. (1998). A evolução no tamanho
mo ano;
ra silagem, com melhorias dos níveis do rebanho é mostrada no Quadro 2.
de adubação, em função da análi- As principais tecnologias e práticas de e) fornecimento de concentrado para
se de solo e da produção esperada manejo adotadas no SPL, algumas inova- vacas em lactação em função da pro-
(acima de 40 t/ha de forragem verde), doras à época, são destacadas a seguir: dução de leite e da época do ano,
irrigação (1995), duas safras por ano evoluindo-se do arraçoamento indi-
a) pasto como única fonte de volumoso
(verão e safrinha), a depender da ne- vidual durante a ordenha para o arra-
para o rebanho no período das chu-
cessidade de silagem, mecanização çoamento em grupos (cinco) após
vas;
do plantio à ensilagem em silos trin- as ordenhas (Fig. 3); fornecimento
b) separação das fêmeas em grupos, de maiores níveis de concentrado
cheiras;
em função da idade, peso, reprodu- para as vacas no primeiro mês de
c) cultivo de variedades de cana-de- ção e produção de leite, visando fa- lactação, independente da produ-
açúcar, ricas em açúcar, de ciclos de cilitar o manejo e a alimentação; ção, e para as vacas primíparas até o
maturação médio e tardio, com boas
c) vacas no oitavo mês de gestação terceiro mês; uso de cordas de dife-
práticas de manejo para assegurar
mantidas em pasto-maternidade, rentes cores amarradas ao pescoço
maior rendimento e forragem de
recebendo alimentação apropriada das vacas, de acordo com a produ-
melhor qualidade;
e cuidados ao parto, se necessá- ção, o que facilita a formação dos
d) fornecimento de silagem de milho rio; recém-nascido separado da mãe grupos e o fornecimento de concen-
para vacas em lactação com produ- após 12 horas, assegurando adequa- trado;
ção acima de 12 kg/dia;
e) fornecimento da mistura cana + 1%
QUADRO 2 - Composição do rebanho e produção de leite, no período 1978-2000
de uréia para as vacas de menor pro-
dução (< 12 kg/dia, opção adotada à Período
Categoria animal
época), fêmeas em crescimento, no- 1977/1982 1985/1986 1989/1990 1991/1994 1995/1998 1999/2000
vilhas em reprodução e, a depender
das condições das pastagens, para Vacas em lactação 36 35 57 64 68 75

vacas secas e novilhas gestantes. Vacas secas 6 9 14 17 24 25

Fêmeas de 2 a 3 anos 10 12 20 27 34 35
REBANHO E MANEJO
Fêmeas de 1 a 2 anos 15 13 22 29 32 36
O rebanho original do SPL (42 vacas)
possuía padrão genético que varia de 1/2 Fêmeas de 0 a 1 ano 17 20 28 34 40 40
a 7/8 holandês x zebu. Para manutenção Total de cabeças(1) 87 92 145 192 216 214
do gado mestiço, fêmeas até 3/4 HPB eram (1)
Total de UA 66 68 108 133,6 150,6 158
acasaladas com touro HPB e fêmeas 7/8
HPB com touro gir, em sistema de monta Produção de leite (L/dia) 316 335 312 632 752 840
controlada, buscando maior concentração FONTE: Embrapa Gado de Leite – Modelo Físico Sistema de Produção de Leite.
de partos na seca. NOTA: UA - Unidade animal.
A partir de 1989/1990, graças a melho- (1) Inclui três animais de serviço e um rufião / ano e, eventualmente, machos jovens.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.58-65, jul./ago. 2001


Gado de Leite 61

f) ordenha sem a presença do bezer-


ro:
- manual, em galpão para quatro va-
cas dispostas em frente a cochos
individuais onde recebiam concen-
trado (Fig. 4), com coleta de leite
em latões resfriado por imersão, e a
partir de 1985;
- mecânica, uso de ordenhadeira ti-
po espinha-de-peixe (2 x 4), de cir-
cuito fechado (Fig. 5), e tanque de
expansão para coleta do leite resfria-
do a granel; controle leiteiro a ca-
da dez dias, seguindo-se a reorga-
nização dos grupos para o forneci-
mento de concentrado e a secagem Figura 2 - Abrigos para bezerras
das vacas (< 3 kg/dia ou no séti-
mo mês de gestação); práticas de
ordenha, assegurando produção
de leite de qualidade e prevenção
da mastite;
g) programa sanitário, incluindo-se
prevenção de doenças e vacinações;
teste semestral para brucelose e
tuberculose; controle estratégico de
endo e ectoparasitos, e medidas ge-
rais de limpeza e higienização das
instalações e equipamentos;
h) descarte das fêmeas, segundo cri-
térios objetivos - crescimento, re-
produção, produção, sanidade e
excedentes; descarte dos machos na
primeira semana de vida;
Figura 3 - Curral de manejo e cocho para vacas em lactação
i) registro de dados zootécnicos e eco-
nômicos em formulários apropriados,
evoluindo-se para o emprego de pro-
gramas informatizados, com análises
mensais de eficiência técnica e finan-
ceira;
j) manejo do rebanho em instalações
simples e funcionais, formadas por
currais, cocho coberto para volumo-
sos, tronco para contenção, balança
e pedilúvio, sala de ordenha (Fig. 6).

INDICADORES DE TAMANHO
E EFICIÊNCIA TÉCNICA
Um indicador significativo da evolução
do SPL em seus 25 anos é a taxa de lotação
das pastagens, que dobrou (0,8 UA/ha, em
1977, para 1,6, em 2000), o que contribuiu Figura 4 - Instalação para ordenha manual

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.58-65, jul./ago. 2001


62 Gado de Leite

degradadas de capim-gordura; ampliação


da área e do número de piquetes com ca-
pim-elefante e maiores níveis de adubação),
apoiada na intensificação da produção de
silagem de milho e de cana-de-açúcar com
adoção de melhores níveis de suplemen-
tação alimentar (volumosos e concentra-
dos) do rebanho no período da seca. Além
do aumento no número de vacas em lac-
tação, a produtividade da terra passou de
1.230 L/ha/ano em 1986, para 2.190 em 1994,
alcançando cerca de 3.000 L/ha em 2000,
relativamente à área total do SPL (107ha).
A intensificação do manejo das pas-
tagens de capim-elefante nas áreas de
Figura 5 - Sala de ordenha mecânica
maior potencial forrageiro, a partir de 1994/
1995, concorreu para a manutenção de ta-
xas de lotação (TL) da ordem de quatro va-
cas/ha/ano. Ao se considerar exclusiva-
mente as pastagens para vacas em lactação
(14 ha de capim-elefante e 13 ha de capim-
braquiária), a produção de leite alcançou
11.310 L/ha/ano, em 1996/2000. Nesse pe-
ríodo, foi de 1,8 UA/ha/ano a TL das pas-
tagens de braquiária com novilhas de um
ano.
Estes resultados evidenciam que pro-
duções elevadas de leite podem ser obtidas
com a utilização intensiva de pastagens de
capim-elefante adubadas e em pastejo rota-
tivo, graças à maior disponibilidade e quali-
dade de forragem produzida. Mostram tam-
bém a necessidade do fornecimento 1 kg
de concentrado para 3 a 4 litros de leite
Figura 6 - Vista geral das instalações produzido, ao se trabalhar com vacas com
produção da ordem de 3.600 L/lactação.
Outra mudança relevante no SPL, a par-
para expressivo crescimento, da ordem de de lotação das pastagens manteve-se em tir dos dez primeiros anos, foi quanto à dis-
150%, do rebanho, do número de vacas, da torno de 0,8 UA/ha. Evidencia-se, assim, tribuição da produção de leite durante o
produção diária de leite e produtividade da que um bom desempenho zootécnico, sem ano, com elevações obtidas, geralmente,
terra. Esta evolução pode ser avaliada ao a correspondente melhoria das pastagens na época seca do ano (maio/out.). Esta mu-
se compararem os indicadores de tama- nos primeiros anos do SPL (Quadro 1), não dança pode ser atribuída à melhoria do pa-
nho e eficiência técnica do SPL obtidos em foi suficiente para determinar ganhos em drão alimentar do rebanho na época seca
1977/1978 e 1999/2000 (Quadro 3). termos de produção de leite e produtivida- do ano, graças ao uso da silagem de milho,
No período 1977/1986, o rebanho man- de da terra, mantidos em torno de 320 L/dia para as vacas mais produtivas, e da cana-
teve-se praticamente estável, com 36 vacas e 1.200 L/ha/ano. de-açúcar com adição de 1% de uréia, para
em lactação (Quadro 2), em média, apesar O crescimento do rebanho e da produ- as vacas de menor produção, vacas secas
dos bons índices zootécnicos obtidos - 86% ção de leite, com ganhos de produtivida- e fêmeas em crescimento. Este melhor re-
de natalidade; primeiro parto aos 34,1 me- de, a partir de 1986, é o resultado das mu- gime alimentar do rebanho favoreceu a ma-
ses; intervalo de partos de 395 dias; 1,6 danças tecnológicas inseridas ao longo do nutenção de níveis de produtividade por
serviço por concepção; e lactações de 307 tempo, destacando-se um processo de me- vaca em lactação, mais elevados nesta época,
dias, já no período 1977/1982 (Souza & lhorias das pastagens (introdução do ca- quando é maior a concentração de partos.
Lobato Neto, 1986). Neste período, a taxa pim-braquiária em substituição a pastagens A produção por vaca em lactação não
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.58-65, jul./ago. 2001
Gado de Leite 63

QUADRO 3 - Indicadores de tamanho e de eficiência técnica: evolução

Períodos Acréscimo
Unidade Indicador
1977/1978 1999/2000 (%)

Pastagens - taxa de lotação UA/ha 0,8 1,6 100


Rebanho (fêmeas) Cabeças 84 211 151

Vacas Cabeças 40 100 150

Produção de leite L/dia 315 802 155


(1) (2)
Produção vaca/lactação kg 2.942 3.657 24

Produtividade da terra L/ha/ano 1.205 2.993 148

Produtividade da mão-de-obra permanente L/dh 67 214 219


FONTE: Embrapa Gado de Leite – Modelo Físico Sistema de Produção de Leite.
NOTA: UA – Unidade animal; dh - dia homem.
(1)1977/1982. (2)1996/1999.

aumentou de forma significativa (24%) ao a fase de ajuste de manejo das pastagens


longo dos 25 anos. Contudo, deve-se res- de capim-elefante, em processo de refor-
saltar que a produção 3.657 kg de leite/lacta- ma e formação. Segue-se uma tendência de
ção, em 2000, é expressiva para um rebanho evolução crescente dos principais indica-
mestiço, sob condições de produção de lei- dores de produção com tendência de esta-
te a pasto com relevo montanhoso. Dentre bilização, a partir de 1999, uma opção ado-
outros, contribuíram para este crescimento: tada à época.
a) melhorias no padrão alimentar do re- É significativo que, em 1997/1999, os
banho; indicadores de natalidade (84%), primei-
ro parto (34,1 meses), intervalo de partos
b) melhoria no padrão genético do re-
(13,2 meses), serviços por concepção (1,7)
banho ao longo dos anos com o uso
e duração da lactação (207 dias) tenham-se
de sêmen de touros provados. mantido nos níveis de 1977/1982 (86%; 34,1;
A evolução mensal dos indicadores de 13,95; 1,6; e 306, respectivamente). Outros
produção diária de leite e suas relações com resultados obtidos em 1997/1999 foram:
vaca total, vaca em lactação, leite/ha de ter- mortalidade de animais até um ano, 3,3%;
ra e leite/concentrado, no período nov./1994 mortalidade de animais após um ano, 2,2%;
a abr./2001, é mostrada no Gráfico 1. Uma pesos da fêmeas aos 12 meses, 222kg; ida-
forte inflexão, em 1995/1996, coincide com de aos 330kg (reprodução) de 20,6 meses;

Gráfico 1 - Produção de leite e produtividade: variação mensal – nov./1994 a abr./2001

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.58-65, jul./ago. 2001


64 Gado de Leite

peso após primeiro parto, 444kg; produção períodos, é mostrada no Quadro 4.


anual de leite, 332 mil litros. A venda de leite contribui, em média,
A produtividade da mão-de-obra per- com 86% da renda bruta da atividade lei-
manente, um dos maiores componentes teira, cabendo à venda de animais 14%. É
do custo de produção de leite (Quadro 4), significativo o fato de que este percentual
melhorou de forma expressiva, evoluindo (14%) fique próximo ao total apropriado à
de 67 L/dh, em 1977, para 219 L/dh, em 2000. depreciação e remuneração do capital, su-
O aumento da escala de produção, com me- gerindo que a remuneração obtida com a
venda de animais não seja considerada uma
lhorias de produtividade, seguido da intro-
renda extra para o produtor de leite.
dução da ordenha mecânica contribuíram
Quanto ao custo operacional efetivo
para simplificar o manejo do rebanho e re-
(COE) do leite, os grandes componentes
duzir a mão-de-obra. de custo foram com a aquisição de concen-
trados e minerais (33,0%) e os gastos com
COMPONENTES DE CUSTOS
mão-de-obra (28,0%), além do expressivo
A composição percentual da renda e dispêndio com medicamentos (6,3%).
dos custos de produção de leite, em quatro A análise de componentes de custos

QUADRO 4 - Composição da renda e custos de produção de leite em quatro períodos(1)


Período
Especificação 1978/1982 1983/1987 1988/1995 1995/1999
(%) (%) (%) (%)
Renda bruta 100 100 100 100
Leite 85,4 88,8 82,9 86,6
Animais 14,6 11,2 17,1 13,4

Custos de produção
Custo operacional efetivo 100 100 100 100
Mão-de-obra 31,9 28,9 24,9 26,2
Pastagens (1) (1) (1) 3,2
Forrageiras (cana-de-açúcar, capim-elefante) (1) (1) (1) 1,4
Silagem (1) 3,8 15,4 8,8
Concentrados + sal mineral 31,0 31,7 35,9 33,6
Leite para bezerros (1) (1) (1) 3,8
Medicamentos 6,7 5,7 6,3 6,6
Material de ordenha (1) (1) (1) 2,5
Transporte do leite 8,9 9,3 8,7 (2)
Energia e combustível 2,8 2,8 3,0 2,9
Inseminação artificial _ 3,7 4,6 3,0
Impostos e taxas 3,9 3,9 3,9 5,8
Reparos de benfeitorias e máquinas 0,7 0,7 0,7 2,0
Outros gastos de custeio 13,0 6,4 6,9 0,1

Custo operacional total 100 100 100 100


Custo operacional efetivo 89,3 88,0 95,3 94,6
Depreciação 10,7 12,0 4,7 5,4

Custo total 100 100 100 100


Custo operacional total 89,0 87,7 86,5 85,9
Remuneração capital 11,0 12,3 13,5 14,1
FONTE: Dados básicos: Novaes et al. (2001).
(1) Incluído em outros gastos de custeio. (2) Coleta de leite a granel.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.58-65, jul./ago. 2001


Gado de Leite 65

indica a importância de dar prioridade às crescente número de visitantes, de várias TEODORO, R.L.; NOVAES, L.P.; GONÇALVES,
práticas de manejo que assegurem a ofer- regiões do Brasil, mostra ser o SPL um ins- T. de M.; MONTEIRO, J.B.N. Efeito da estratégia
de cruzamentos sobre características produtivas e
ta de forragem de melhor qualidade, co- trumento valioso para a transferência de
reprodutivas em vacas do Sistema Mestiço do
mo forma de reduzir o uso de concentrados, tecnologias intensivas para a produção de
CNPGL-EMBRAPA. Revista Brasileira de Zoo-
que é o componente de maior impacto no leite a pasto com gado mestiço, integrando tecnia, Viçosa, v.26, n.4, p.704-708, jul./ago. 1997
custo de produção, mesmo neste sistema a pesquisa, a extensão e os produtores.
de produção de leite a pasto. Outra indica- Outra contribuição relevante do mode- NOVAES, L.P. Produção de leite com gado mestiço
a pasto: um modelo físico. Informe Agropecuá-
ção, é a necessidade de buscar maior efi- lo físico de produção de leite instalado na
rio, Belo Horizonte, v.16, n.177, p.28-39, 1993.
ciência do uso da mão-de-obra, que no pe- Embrapa Gado de Leite é o importante re-
ríodo 1995/1999, foi de 26,2% do COE, ferencial tecnológico na produção de leite _______; COSTA, J.L.; SÁ; W.F.; STOCK, L. A.;
apesar dos expressivos ganhos obtidos no a pasto com rebanho mestiço holandês x TEIXEIRA, S.R.; BOTREL, M.A.; CAMPOS, A.
T.; MONTEIRO, J.B.N. Evolução e sustentabili-
SPL com a adoção da ordenha mecânica e zebu e o emprego de tecnologias simples e
dade de um modelo físico de sistema intensivo de
o aumento da escala de produção. de fácil adoção, especialmente para pro-
produção de leite a pasto com gado mestiço Holan-
O transporte do leite que representou, dutores da Região Sudeste. dês x Zebu. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIE-
em média, 9,0% do COE, no período 1977 a Evidencia-se, dessa forma, o alcance DADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 38.,
1995, quando se adotava a coleta em latão, dos objetivos e metas estabelecidos pelo 2001, Piracicaba. Anais... Brasília: Sociedade
deixou de incidir a partir de 1995 em função SPL, quando da sua implantação, além de Brasileira de Zootecnia, 2001. p.1488-1489.
da mudança da forma de coleta (resfriado a servir para o desenvolvimento e valoriza-
_______; TEODORO, R. L.; LEMOS, A. de M.;
granel) e comercialização (concorrência e ção institucional. VERNEQUE, R. da S.; MONTEIRO, J. B. N. De-
contrato de compra e venda) do leite ado- sempenho produtivo e reprodutivo de animais de
tada pela Embrapa Gado de Leite, cabendo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS vários graus de sangue no sistema de produção da
ao comprador o transporte. COSTA, J. L. da. Sistema intensivo de produção Embrapa - Gado de Leite. Cadernos Técnicos
de leite com gado mestiço Holandês x Zebu. da Escola de Veterinária da UFMG, Belo
Juiz de Fora: EMBRAPA-CNPGL, 1999. 235p. Horizonte, n.25, p.29-36, out. 1998.
TRANSFERÊNCIA DE
(EMBRAPA-CNPGL. Relatório Técnico, 7).
TECNOLOGIAS SOUZA, R.M. de.; LOBATO NETO, J. Sistema
EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Gado físico de produção de leite no CNP-Gado
Ao longo dos 25 anos de existência, o
de Leite. O sistema de produção de leite im- de Leite: análise qüinqüenal dos resultados zoo-
SPL foi intensamente visitado por produ- técnicos e econômicos referentes ao período de
plantado no CNP-Gado de Leite. Coronel Pa-
tores, estudantes, técnicos e lideranças novembro/77 a outubro/82. Coronel Pacheco:
checo, 1978. 55p.
do setor leiteiro, que recebiam orientações EMBRAPA-CNPGL, 1986. 33p. (EMBRAPA-
sobre as tecnologias ali empregadas. O LEMOS, A. de M.; VERNEQUE, R. da S.; CNPGL. Documentos, 28).

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66 Gado de Leite

Milho para silagem: alguns conceitos


para a escolha de cultivares
Jackson Silva e Oliveira 1

Resumo - Os híbridos de milho para silagem, além de boa produtividade, devem ter
conteúdo energético de fácil utilização pelos ruminantes e ser bem consumido pelos ani-
mais. O tipo de grão e a digestibilidade da parede celular são as características mais
relacionadas com o valor nutritivo da silagem. A vitrosidade do grão está inversamente
relacionada com a facilidade com que o amido é degradado no rúmen. Assim, grãos tipo
dentado, ou macios, liberam mais energia para os ruminantes do que os tipo flint, ou du-
ros. Quanto mais digestível a parede celular maior a quantidade de energia obtida a
partir da fibra consumida e maior o consumo do volumoso. O tipo de grão e a diges-
tibilidade da fibra são características que podem ser manejadas geneticamente no
desenvolvimento de híbridos específicos para silagem.
Palavras-chave: Grão; Tipo; Digestibilidade; Fibra.

INTRODUÇÃO A produtividade do milho é extrema- mente alto e com baixa produção de grãos.
mente importante, pois está diretamente re- Posteriormente, com o surgimento de
A silagem é um dos volumosos mais
lacionada com o custo da tonelada de ma- rebanhos mais especializados e o conse-
utilizados nos sistemas de produção de lei-
terial produzido na lavoura. Quanto maior qüente aumento do potencial das vacas
te. Nos sistemas que incluem o uso de pas-
a produtividade, menor será o custo da to- para produção de leite, verificou-se que a
tagem ela é consumida durante o período
nelada de forragem disponível na lavoura. presença do grão na silagem aumentava
seco do ano, época em que a disponibili- Resultados de avaliações de cultivares de sua densidade energética e o desempenho
dade e a qualidade de forragem são baixas; milho (Gomes et al., 2001) para silagem mos- dos animais. A partir desses fatos, os hí-
nessa situação, sem uma suplementação tram que existe interação entre genótipo e bridos de milho indicados para silagem
volumosa adequada, o desempenho animal ambiente para esse parâmetro. Assim, é im- passaram a ser aqueles não apenas com
e a produção de leite diminuem signifi- portante que o produtor, antes de escolher boa produtividade de MS por hectare, mas
cativamente. Nos sistemas de produção a cultivar de milho para silagem, verifique também com maior porcentagem de grãos.
confinados, a silagem é um alimento obri- se elas são as mais produtivas em sua re- Atualmente, entretanto, esse critério vem
gatório, uma vez que os animais não têm gião. sendo questionado.
acesso a qualquer tipo de pastagem. Nesse Até a década de 70, a produtividade Johnson Junior et al. (1985) compara-
sistema, aproximadamente, 60% de toda a era a única característica com a qual técni- ram dois híbridos de milho com diferentes
matéria seca (MS) consumida pelos ani- cos e produtores se preocupavam ao esco- porcentagens de grãos - Coker, com 40%,
mais vem de alimentos volumosos, a grande lher um híbrido para plantar e ensilar. Tal e Funks, com 51% - verificando que a di-
maioria silagem. critério é compreensível, uma vez que na- gestibilidade da planta total foi 76,2% e
O milho é a gramínea mais utilizada no quela época, em geral, os rebanhos não 73,9%, respectivamente. A justificativa pa-
Brasil para a produção de silagem. Isto se eram tão especializados e a média de produ- ra isso seria, segundo estes autores, o fato
deve à adaptação em diferentes condições ção por vaca era baixa. Naquelas condi- de a MS da parte não-grão do híbrido Coker
edafoclimáticas, facilidade de cultivo, alta ções, o importante era ter um milho de alta ser 7,9% maior que a da Funks. Allen et al.
produtividade de massa verde, alto teor de produção de MS, para poder conservar o (1997) afirmaram que a produção de grãos
carboidratos solúveis que permitem rápida máximo de silagem pelo menor custo. Como não é um bom critério para selecionar um
fermentação dentro do silo e grande acei- conseqüência, as cultivares de milho usa- híbrido de milho para silagem, essa caracte-
tação pelos animais. das para silagem eram de porte extrema- rística não está relacionada com a qualidade

1
Engo Agro, Ph.D., Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 – Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-MG. Correio
eletrônico: jackoliv@cnpgl.embrapa.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.66-68, jul./ago. 2001


Gado de Leite 67

do volumoso. Informações como estas e amido de milho tipo dentado (Zea mays tergente neutro (FDN) ou parede celular,
outras justificam a substituição do critério spp. indentata) é maior que a do milho tipo de lenta e incompleta digestibilidade. O res-
porcentagem de grãos por digestibilidade flint (Zea mays spp. indentura). Philippeau tante, conteúdo celular, contém uma va-
da MS ao se avaliar valor nutritivo de & Michalet-Doreau (1996) trabalharam com riável proporção de carboidratos solúveis
silagens de milho ou sorgo. grãos de dois genótipos de milho (tipo den- (CS) de rápida e completa digestibilidade.
Johnson Junior (19--) estimou que um tado e flint), em diferentes estádios de matu- Menor porcentagem de parede celular na
acréscimo de dois pontos percentuais na ração, e concluíram que a degradabilidade ração verde pode significar maior presença
digestibilidade da matéria orgânica da si- do amido varia significativamente com de conteúdo celular, principalmente os car-
lagem pode representar, para uma vaca com esses dois parâmetros. Segundo estes au- boidratos solúveis, que se transformarão
600kg de peso e produção diária de 25kg tores, tais variações estão relacionadas com em ácidos orgânicos na silagem e, poste-
de leite com 4% de gordura, um acréscimo a vitrosidade do grão e, conseqüentemente, riormente, em energia no rúmen. Oliveira et
de 596g de leite. com a textura do endosperma. Verbic et al. al. (1997) estudaram as plantas de 11 híbri-
Oliveira et al. (1997) incubaram amos- (1998) constataram que o amido de milho dos de milho colhidas para silagem e verifi-
tras de caule, folhas e grãos de 11 híbridos dentado foi 68,3% degradado no rúmen de caram que o caule representou, em mé-
de milho no rúmen de vacas fistuladas, du- carneiros, enquanto o de milho flint foi dia, 54% da MS total da fração verde. Por
rante 24 horas, e verificaram diferenças 55,4%. Philippeau & Michalet-Doreau (1998) esse motivo, os teores de fibra e a qualidade
significativas na degradabilidade da MS compararam, ainda os mesmos tipos de nutritiva do caule da planta de milho vêm
das diferentes partes das plantas. Como a grãos, usando a mesma técnica com bovi- sendo investigados com interesse por nutri-
digestibilidade da MS da silagem é o so- nos, e verificaram que a degradabilidade cionistas e melhoristas de planta. Oliveira
matório das digestibilidades das diferen- do amido nos grãos dentados foi 10,7% e et al. (1997), verificaram também diferenças
tes partes da planta, é necessário conhecer 11,6% maior do que os tipo flint, quando significativas entre os híbridos quanto à
as variações existentes nessas partes, prin- não ensilados e ensilados, respectivamen- degradabilidade da MS nas partes inferior
cipalmente no grão e na fração verde (não- te. Calestine et al. (1998) compararam a e superior do caule, após 24 horas de incu-
grão) da planta. degradabilidade da MS de grãos de milho bação no rúmen. Na primeira, a variação foi
com texturas macia e dura e sugerem que entre 32% e 45% e, na segunda, 37% e 48%.
GRÃO silagem feita com milho de textura macia Tovar-Gomez et al. (1997) verificaram em
pode resultar em menor perda fecal de ami- caules de oito híbridos de milho colhidos
O amido do milho difere dos outros
do e maior aporte de energia para o animal. para silagem, FDN variando entre 43,9% e
amidos na composição e no valor nu-
Os grânulos de amido presentes nos 73,4% e CS entre 7,7% e 29,1%. Samir et al.
tricional. Segundo Flachowisk (1994), sua
grãos de milho são protegidos por matrizes (1999) consideram o conteúdo de carboi-
degradação no rúmen é significativamen-
protéicas. Segundo Michalet-Doreau & dratos solúveis uma característica relevan-
te mais lenta, resultando em maior pH, o
Doreau (1999), as matrizes dos grãos den- te nos trabalhos de melhoramento de milho
que proporciona, nos animais com alto
tados possuem proteínas mais degradáveis para silagem.
consumo, melhores condições para de-
no rúmen, tornando seus grânulos de A parede celular, ou FDN, presente na
gradação da parede celular da dieta. A de-
amido mais acessíveis pelas enzimas mi- fração verde é a porção que ocupa o maior
gradação do amido de milho e a proporção
crobianas. A maior vitrosidade dos grãos volume de espaço no rúmen, quando a si-
de amido que passa do rúmen para o in-
tipo duro ou flint pode estar relacionada lagem é ingerida, e também a de digesti-
testino dependem, entre outros fatores, da
com as diferentes degradabilidades do ami- bilidade mais lenta e menos extensa. Por
cultivar.
do, tanto no rúmen como no trato digestivo essa razão, a porcentagem de FDN de uma
Em geral, quanto maior a presença de
total, verificadas em diferentes híbridos de dieta está diretamente relacionada com a
grãos na silagem, maior a presença de amido
milho (Bal et al., 2000ab). Philippeau et al.
e do conteúdo energético da silagem. Em- capacidade de consumo do animal. FDN
(1999) encontraram uma correlação de 0,89
bora a presença de grãos e de amido seja de maior digestibilidade é mais facilmente
entre vitrosidade e disponibilidade de ami-
alta em algumas silagens de milho ou sor- degradada e desocupa o rúmen mais rapi-
do no rúmen.
go, o aproveitamento desse amido e, con- damente. Além de aumentar a disponibi-
seqüentemente, o desempenho animal lidade de energia para os microorganismos
FRAÇÃO VERDE do rúmen, ela pode estimular maior con-
podem não ser os esperados. O local e a
extensão da digestão do amido podem va- Retirando os grãos da planta de milho sumo pelo animal (Allen et al., 1997). A
riar em função da proporção dos endos- que será ensilada, o material restante é a relação entre a digestibilidade da FDN e o
perma periférico e do córneo no milho fração verde formada pelo caule, folhas, desempenho de vacas em lactação foi ava-
(Michalet-Doreau & Champion, 1995). sabugos e palhas. Na maioria das silagens liada na revisão feita por Allen & Oba
Os resultados de vários trabalhos con- ela é responsável por 50-60% da MS e ca- (1996). Em vacas com menos de 100 dias da
firmam que a degradabilidade ruminal do racteriza-se pelo alto conteúdo de fibra de- lactação, ela foi positivamente relacionada
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.66-68, jul./ago. 2001
68 Gado de Leite

com o consumo de MS, produção de leite e em laboratórios. Assim, o melhor parâmetro de Melhoramento de Plantas, 2001. p.64-67.
variação de peso. Para esses animais, uma para avaliar a qualidade de uma cultivar de JOHNSON JUNIOR, J.C. Current concepts
unidade percentual de aumento na digesti- milho para silagem é a digestibilidade da useful in selecting corn varieties for making
bilidade da FDN representou +227g de MS MS, uma vez que combina essas três carac- silage. Tifton: University of Georgia, [19--].
consumida, resultando em um aumento de terísticas.
_______; MONSON, W.G.; PETTIGREW, W.T.
127g de leite corrigido para 3,5% de gordura
Variation in nutritive value of corn hybrids for
e 50g de ganho de peso, os quais poderiam REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
silage. Nutrition Reports International, v.32,
ser mobilizados e transformados em outras ALLEN, M.S.; OBA, M. Fiber digestibility of n.4, p. 953-958, 1985.
358g do mesmo tipo de leite. forages. In: MINNESOTA NUTRITION
Argillier et al. (1996) identificaram hí- MICHALET-DOREAU, B.; CHAMPION,
CONFERENCE AND PROTIVA TECH-
bridos de milho com alta e baixa digestibi- M. Influence of maize genotype on rate of
NICAL SYMPOSIUM, 57.,1996, Saint Paul.
ruminal starch degradation. Annales de Zoo-
lidade da parede celular e estudaram, em Proceedings... Saint Paul: University of
technie, Paris, v.44, n.1, p.191-192, 1995.
seus caules, a lignina e os ácidos p-cumá- Minnesota, 1996.
Supplement.
rico e ferúlico, encontrando variações ge- _______; _______; CHOI, B.R. Nutritionist’s
notípicas para todos esses componentes. _______; DOREAU, M. Maize genotype and
perspective on corn hybrids for silage. In:
Além disso, as mudanças na digestibilidade ruminant nutrition. Sciences des Aliments,
NORTH AMERICAN CONFERENCE SILA-
da parede celular mostraram-se associadas Paris, v.19, p.349-365, 1999.
GE: FIELD TO FEEDBUNK, 1997, Hershey.
com características dos componentes Proceedings... Hershey, 1997. p.25-36. OLIVEIRA, J.S.; BRAGA, R.A.N.; LOPES,
fenólicos. Segundo estes autores, a por- F.C.F.; VITTORI, A. RESENDE, H. Avaliação
ARGILLIER, O.; BARRIÈRE, Y.; LILA,
centagem de lignina com o conteúdo de da qualidade da planta de milho para silagem.
M.; JEANNETEAU, F.; GÉLINET, K.;
ácido ferúlico esterificado, tem uma forte In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE
MÉNANTEAU, V. Genotipic variation in
influência sobre a inibição da digestibi- BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 34., 1997,
phenolic components of cell-walls in relation
lidade da parede celular. Juiz de Fora. Anais... Juiz de Fora: Sociedade
to the digestibility of maize stalks. Agronomie,
Brasileira de Zootecnia, 1997. v.1, p.161-163.
v.16, p.123-130, 1996.
CONCLUSÃO PHILIPPEAU, C.; LE-DESCHAULT-DE-
BAL, M.A.; SHAVER, R.D.; AL-JOBEILE,
MOREDON, F.; MICHALET-DOREAU, B.
Os híbridos de milho para silagem, à H.; COORS, J.G. ;LAUER, J.G. Corn silage
Relationship between ruminal starch
semelhança daqueles destinados à produ- hybrids effects on intake, digestion, and milk
degradation and the physical characteristics of
ção de grãos, devem ter, dentre outras ca- production by dairy cows. Journal of Dairy
corn grain. Journal of Animal Science,
racterísticas, boa adaptabilidade, resistên- Science, Champaign, v. 83, p. 2849-2858,
Champaign, v.77, n.1, p.238-243, 1999.
cia a doenças e tombamentos, um sistema 2000a.
radicular mais desenvolvido para melhor _______; MICHALET-DOREAU, B. Influen-
_______; _______; JIROVEC, A.V.; SHINNERS,
ce of genotype and ensiling of corn grain on in
suportar os veranicos e boa produção de K.J; COORS, J.G. ; LAUER, J.G.; STRAUB,
situ degradation of starch in the rumen. Journal
grãos. A produtividade de MS deve ser R.J.; KOEGEL, R.G. Stage of maturity,
of Dairy Science, Champaign, v.81, n.8,
alta, os grãos devem ser do tipo dentado e processing and hybrids effects on ruminal and
p.2178-2184, 1998.
a FDN deve ser de melhor digestibilidade. in situ disappearance of whole-plant corn silage.
Embora o teor de proteína bruta (PB) Animal Feed Science and Technology, _______; _______. Influence of maturity stage
na silagem de milho seja importante para Amsterdam, v.86, p.83-94, 2000b. and genotype of corn on rate of ruminal starch
degradation. Journal of Dairy Science,
diminuir o fornecimento de concentrados CALESTINE, G. A.; PEREIRA, M. N.;
Champaign, v.79, n.1, p.138, 1996. Supplement.
protéicos, a variação entre híbridos pode PINHO, R.G. von; FONSECA, A.H. Mi-
chegar apenas a três e quatro unidades per- lho macio foi mais degradado no rúmen que mi- SAMIR, R.; FERIZ, R. NAGY, M. Variability,
centuais. As características mais asso- lho duro. In: CONGRESSO NACIONAL DE heritability and correlation of sugar content in
ciadas com o valor energético da silagem MILHO E SORGO, 22., 1998, Recife. Anais... the stalk of maize lines. Novenytermeles, v.48,
de milho são a porcentagem de grãos, o ti- Recife: IPA, 1998. p.309. n.2, p.133-141, 1999.
po de grão (endosperma) e a digestibilidade FLACHOWISK, G. Maize starch, ideal for TOVAR-GOMEZ, M.R.; EMILE, J.C.;
da FDN, as quais variam entre as cultivares, ruminants? Mais, v.4, p.136-139, 1994. MICHALET-DOREAU, B.; BARRIÈRE, Y.
afetam o custo da alimentação e devem ser In situ degradation kinetics of maize hybrids
GOMES, M.S.; PINHO, R.G. von; OLIVEIRA,
consideradas pelos técnicos e produtores stalks. Animal Feed Science and Technology,
J.S.; VIANA, A.C. Avaliação de cultivares de
na escolha do híbrido para o plantio. Embora Amsterdam, v.68, p.77-88, 1997.
milho para a produção de silagem: parâmetros
a presença de grãos dentados e a produção genéticos e interação genótipos por ambientes. VERBIC, J.; BABNIK, D.; ZNIDARSIC-
de grãos possam ser facilmente identi- In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PONGAC, V. The effect of maize grain type on
ficadas e avaliadas, a digestibilidade da MELHORAMENTO DE PLANTAS, 1., 2000, digestibility of starch in the rumen of sheep.
FDN só pode ser conhecida por análises Goiânia. Anais... Goiânia: Sociedade Brasileira Zbornik Biotehniske, v.72, p.51-56, 1998.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.66-68, jul./ago. 2001


Gado de Leite 69

Utilização da mistura
cana-de-açúcar com uréia
na alimentação de bovinos leiteiros
Rodolpho de Almeida Torres 1
José Ladeira da Costa 2
Humberto Resende 3

Resumo - A Embrapa Gado de Leite desenvolve, desde 1979, ações de pesquisa e trans-
ferência de tecnologias orientadas para a produção e uso da cana-de-açúcar, enriquecida
com uréia, na alimentação de bovinos, no período seco do ano. A opção pela cana-de-
açúcar levou em conta seu elevado rendimento de forragem rica em açúcar e bem
consumida pelo gado. A uréia, uma fonte de nitrogênio não protéico (NNP), de baixo
custo e fácil utilização, é adequada para corrigir o baixo conteúdo protéico da cana-de-
açúcar. Em razão destes atributos, a tecnologia cana + uréia constitui uma estratégia de
fácil implementação, capaz de assegurar maior oferta de forragem, de bom valor nutritivo
e de baixo custo, na maioria das fazendas produtoras de leite, sendo especialmente in-
dicada para produtores com baixa capacidade de investimento.
Palavras - chave: Alimentação na seca; Bovino; Produção de leite; Nutrição animal.

INTRODUÇÃO vados rendimentos de forragem rica em ou seja, antecipação da idade ao primeiro


açúcar e bem consumida pelo gado; dis- parto, redução do intervalo de partos, au-
O baixo ou nulo crescimento das pas-
pensa a conservação de forragem. Quanto mento da produção de leite e de animais
tagens durante o período seco do ano, nas
à uréia, por ser uma fonte de nitrogênio para venda e, sobretudo, aumento da renda
Regiões Sudeste e Centro-Oeste, determina
não protéica (NNP), de baixo custo e fácil dos produtores.
a necessidade de produzir e conservar for-
ragens para uso nesta época, visando asse- utilização, é adequada para corrigir o baixo
gurar níveis estáveis de produção de leite conteúdo protéico da forragem da cana. ESCOLHA DAS VARIEDADES
e de reprodução do rebanho. A seguir, serão mencionados trabalhos O conceito de qualidade de forragem
Tendo em vista estas questões, a que mostram que o emprego da tecnologia de cana-de-açúcar foi incorporado ao Pro-
Embrapa Gado de Leite desenvolve, desde cana + uréia é uma estratégia de fácil imple- grama de Desenvolvimento da Tecnologia
1979, ações de pesquisa e transferência de mentação e reduzido investimento, capaz Cana + Uréia da Embrapa Gado de Leite,
tecnologias orientadas para a produção e de assegurar uma maior oferta de forragem, em fins dos anos 80. Naquela época, em
uso da cana-de-açúcar, enriquecida com de bom valor nutritivo e de baixo custo, Unidades Demonstrativas (UDs), con-
uréia, na alimentação de bovinos no pe- aplicável na maioria das fazendas produ- duzidas com o propósito de intensificar a
ríodo da seca. A opção pela cana-de-açúcar toras de leite, no Brasil. O crescente número transferência dessa tecnologia, foram evi-
levou em conta atributos favoráveis, tais de produtores que passam a adotar esta denciadas diferenças no valor nutritivo
como: cultura permanente, que exige pou- tecnologia indica que foram alcançados os das variedades utilizadas e os seus efeitos
cos tratos; baixo custo de produção; ele- propósitos iniciais dos trabalhos de P&D, sobre o desempenho dos animais.

1
Engo Agro, Ph.D., Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora - MG. Correio
eletrônico: rotorres@cnpgl.embrapa.br
2
Engo Agro, D.Sc. Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora - MG. Correio
eletrônico: ladeira@cnpgl.embrapa.br
3
Engo Agro, Técn. Especializado Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora - MG.
Correio eletrônico: resende@cnpgl.embrapa.br

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70 Gado de Leite

Inicialmente, com os propósitos de viveiros para multiplicação e distribuição ferencialmente com ciclos de maturação
identificar e caracterizar as variedades de de mudas para produtores. Nos ensaios re- precoce, média e tardia, é indicado, visando
cana apropriadas para forragem, foram rea- gionais foram obtidas produções mé- assegurar longevidade e alta produtivida-
lizadas entrevistas com técnicos de usi- dias de 145 t/ha, sem irrigação, e cerca de de do canavial e, sobretudo, o fornecimento
nas de açúcar. Com base nas informações 250 t/ha/ano, com irrigação, em três cortes. de forragem rica em açúcar durante toda a
obtidas, foram relacionadas as variedades A irrigação, além do aumento da produção, estação seca (maio a novembro).
então recomendadas, os requerimentos em viabilizou o cultivo da cana em regiões de
fertilidade do solo e as épocas de colheita precipitação baixa ou errática. Isto tem si- LIMITAÇÕES NUTRICIONAIS E
(Quadro 1). do possível com o emprego de sistemas de CORREÇÃO
A partir destas informações, uma cole- irrigação de baixa pressão, simples, de fácil
ção, com algumas das principais variedades instalação e manejo e de baixo custo de im- A cana-de-açúcar integral é, notoria-
de cana-de-açúcar então cultivadas, foi plantação. mente, uma forragem rica em energia, tanto
instalada na Embrapa Gado de Leite, em Estas iniciativas possibilitaram o trei- maior quanto a riqueza de açúcar no caldo.
1992. As variedades eram avaliadas com namento de técnicos, principalmente em Sua principal limitação nutricional é o baixo
base na produção, na composição química, regiões distantes de usinas de açúcar ou conteúdo de proteína bruta (PB) 2% a 3%
Brix e na digestibilidade in vitro da matéria destilarias, e geraram indicações mais pre- na base da matéria seca (MS). Outras li-
seca (DIVMS) da forragem. Florescimento cisas no planejamento e recomendações mitações são os baixos conteúdos de enxo-
nulo ou reduzido, fácil despalha, pouca técnicas para a implantação de canaviais, fre (S), fósforo (P), zinco (Zn) e manganês
agressividade das folhas (reduzido joçal), visando à produção de forragem. A for- (Mn) e a baixa digestibilidade da fibra. O
rebrotação vigorosa, pouco tombamento mação de viveiros, além de constituir um conhecimento destas limitações e a forma
das plantas e persistência do canavial, eram valioso instrumento no processo de trans- de corrigi-las foram outros pontos enfa-
características desejáveis como critérios ferência da tecnologia cana + uréia, con- tizados no Programa de Difusão do Uso da
para recomendação das variedades. As pro- tribuiu também para resolver o problema Cana, indispensável para superar o ceti-
duções experimentais, em oito cortes, da da falta de mudas e diminuir o custo para a cismo de técnicos e produtores sobre a
coleção existente na Embrapa são mos- formação de canaviais. eficiência desta como forragem.
tradas no Quadro 2. Como resultado destas ações, os pro- O uso da uréia, visando suprir nitro-
A partir desta coleção foram condu- dutores são orientados a cultivar varie- gênio (N) aos microorganismos do rúmen,
zidos ensaios de competição de varieda- dades produtivas, ricas em açúcar e baixos capazes de converter NNP em proteína
des de cana-de-açúcar em diferentes re- teores de fibra, adaptadas às condições microbiana, é favorecido pelo alto conteú-
giões, clima e solo, em parceira com órgãos locais de fertilidade do solo, relevo e clima. do de sacarose, prontamente fermentável,
de extensão e assistência técnica, formados O cultivo de mais de uma variedade, pre- da cana-de-açúcar. Com a adição de 1kg de

QUADRO 1 - Variedades de cana-de-açúcar, exigências em fertilidade de solo e época de colheita

Época de colheita
Variedade Fertilidade
do solo
Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov.

RB 76-5418 Alta X X X
NA 56 79 Média X X X
RB 710-1143 Baixa X X X
SP 71-6163 Média X X X
RB 78-5148 Baixa X X X X
SP 79-1011 Média X X X X X
RB 73-9359 Média X X X X X
RB 73-9735 Média X X X X X
SP 71-1406 Média X X X X X
CB 45-3 Baixa X X X X
RB 72-454 Baixa X X X X
RB 80-5089 Baixa X X X

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Gado de Leite 71

QUADRO 2 - Produção de 13 variedades de cana-de-açúcar, período 1993-2000, na Embrapa Gado de Leite(1)

Produção
(t/ha)
Variedade
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Média

CB 45-3 169 264 234 244 181 196 218 128 204
CB 47 355 212 212 190 194 167 178 188 124 183
NA 56 79 216 178 210 212 165 229 195 138 193
SP 70 1143 150 184 201 207 177 202 204 163 186
SP 71 0799 193 196 190 153 128 197 163 101 165
SP 71 1406 147 253 209 181 152 210 225 157 192
SP 71 6163 175 244 220 185 121 199 184 115 180
RB 72 454 148 257 231 190 141 198 198 142 188
RB 73 9359 175 217 222 170 144 239 158 113 180
RB 73 9735 229 224 219 244 186 243 259 171 222
RB 76 5418 140 211 201 178 148 203 210 156 181
RB 78 5148 199 178 194 207 164 218 190 137 186
Co 419 269 257 230 239 170 213 189 160 216

Média 186,3 221,2 211,6 200,3 157,2 209,6 198,5 138,8 190

(1) Plantio realizado em 06/04/1992 e colheitas em 12/05/1993; 22/06/1994; 30/07/1995; 01/08/1996; 01/08/1997; 01/07/1998 e 18/06/1999.

uréia para cada 100kg de cana-de-açúcar QUADRO 3 - Consumo de cana-de-açúcar, conversão alimentar e ganho de peso de animais mestiços
(peso fresco), o teor de PB na forragem é holandês-zebu, em função de três níveis de adição de sulfato de cálcio a dietas à base de
aumentado de 2-3% para 10-12% na MS. A cana + uréia(1)
utilização inadequada de uréia, contudo, Tratamento
poderá levar à intoxicação e à perda de ani- Item
mais. Alguns casos ocorridos no passado, 1,0% Uréia-0% CaS04 0,9%Uréia-0,1% CaS04 0,8%Ur-éia-0,2% CaS04
principalmente na mistura com melaço,
foram responsáveis pelas restrições impos- Relação N : S 33:1 16:1 9:1
tas ao uso da uréia por fazendeiros e técni- Consumo (kg MS/animal/dia)
cos. O S é indispensável para a síntese dos
Ano 1 5,1 5,6 5,8
aminoácidos essenciais (metionina, cistina
Ano 2 4,1 4,5 4,8
e cisteína). A adição de uma fonte de S me-
Índice médio (%) (100) (110) (115)
lhora a síntese de proteína microbiana no
rúmen, levando a um melhor de-sempenho Conversão alimentar
animal. A suplementação com um sal mi- Ano 1 12,7 10,8 10,4
neral de boa qualidade é indispensável para Ano 2 8,3 7,1 6,9
dietas com base em cana-de-açúcar.
Índice médio (%) (100) (117) (121)
Experimentos conduzidos na Embrapa
Gado de Leite mostraram que a adição de Ganho peso (g/animal/dia)
S à dieta de cana-de-açúcar + uréia aumen- Ano 1 520 620 650
tou em 20% o ganho em peso de animais Ano 2 680 820 830
holandês-zebu em crescimento. Este ganho Índice médio (%) (100) (120) (123)
pode ser atribuído ao aumento do consu-
mo de forragem e melhoria da eficiência NOTA: CaS04 – Sulfato de cálcio; N - Nitrogênio; S - Enxofre; MS – Matéria seca.
alimentar (Quadro 3). Experimentalmente, (1) Oito animais H x Z/Tratamento/119 dias. Cada animal recebeu 1kg/dia de farelo de algodão, e sal
verificou-se que o sulfato de cálcio (gesso mineral à vontade. Peso inicial e sexo dos animais: 1o ano - 253kg - fêmeas; 2o ano - 194kg - machos.

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agrícola), abundante sub-produto da pro- QUADRO 4 - Composição de variedades de cana-de-açúcar, consumo de matéria seca e ganho de peso
dução do superfosfato, pode substituir o de novilhas alimentadas com a mistura cana+uréia(1)
sulfato de amônio como fonte de S nas die-
Cana
tas de cana + uréia. Os criadores podem Variedade +
CMS GP
MS Brix PB FDN
usar sulfato de amônio ou sulfato de cál- (% PV) (g/animal/dia)
1% uréia
cio (22% S) como fonte de S, dependendo
do preço e da disponibilidade. NA 56-79 31.1 21 1.85 9.1 50 2.2 780
O uso de variedades melhoradas de ca-
CB 45-3 29.6 20 2.4 9.5 51 2.3 690
na-de-açúcar, com altos teores de açúcar e
baixos teores de fibra, com adição de uréia,
RB 72-454 30.1 21 2.6 9.5 52 2.3 700
S e o uso de uma boa mistura mineral, pro-
porciona alto consumo do alimento e me-
RB 73-9735 29.7 19 2.1 9.4 46 2.3 750
lhor desenvolvimento do rebanho leiteiro.
NOTA: MS - Matéria seca; PB - Proteína bruta; FDN - Fibra em detergente neutro; CMS - Consumo de
Algumas informações sobre produção, com-
matéria seca; PV - Peso vivo; GP - Ganho de peso.
posição e consumo da forragem e ganho de
peso de novilhas alimentadas com algu- (1) Suplementação com 1,0 kg/novilha/dia de farelo de algodão.
mas variedades de cana-de-açúcar são apre-
sentadas no Quadro 4.

TECNOLOGIA CANA + URÉIA


A adoção da tecnologia cana-de-açú-
car + uréia é simples, envolve, basicamente,
os seguintes passos:
a) preparação da mistura uréia e fonte
de S: pode ser previamente prepa-
rada em quantidade suficiente para
alimentar o rebanho por vários dias.
A mistura recomendada é nove par-
tes de uréia e uma parte de sulfato
de amônio, ou oito partes de uréia e
duas partes de sulfato de cálcio. Com
estas proporções, obtém-se uma re-
Figura 1 - Dosagem para o período de adaptação
lação N:S da ordem de 9 a 16:1. Uma
NOTA: Para 100kg de cana picada adicionar 500g da mistura uréia + fonte de enxofre,
vez preparada, a mistura uréia + S
deve ser guardada em saco plástico, diluídas em 4L de água.
em local seco e fora do alcance dos
animais;
b) colheita da cana-de-açúcar: pode ser
efetuada a cada dois dias, utilizando
a planta inteira (colmo e folhas);
c) picagem da cana: é feita no momen-
to de ser fornecida aos animais, para
evitar fermentações indesejáveis, que
reduzem o consumo;
d) dosagem de uréia e fornecimento da
mistura cana + uréia:
- primeira semana (período de adap-
tação): usar 0,5% de uréia na cana-
de-açúcar (Fig.1);
- segunda semana em diante (período Figura 2 - Dosagem para o período de rotina
de rotina): usar 1% de uréia na cana- NOTA: Para 100kg de cana picada adicionar 1kg de uréia + fonte de enxofre, diluída
de-açúcar (Fig. 2). em 4L de água.

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Gado de Leite 73

A diluição de uréia em água é indi- - colheitadeira de forragem para a - usar uréia + fonte de S nas dosa-
cada para facilitar e assegurar a incor- colheita e picagem, bem como va- gens recomendadas;
poração uniforme de uréia à cana-de- gões simples ou misturadores, com - misturar uniformemente a uréia à
açúcar. descarga automática, para o trans-
cana picada, para evitar riscos de
Esta solução é distribuída sobre a porte, mistura da cana + uréia e
intoxicação;
cana picada e, em seguida (antes de distribuição;
fornecer aos animais), incorporada de - aguardar período de adaptação,
e) recomendações gerais para alimen-
forma que assegure uma mistura homo- observando os animais com regu-
tar os animais com cana + uréia:
gênea, evitando assim os riscos de in- laridade;
toxicação pela con-centração de uréia - usar variedades de cana-de-açú-car
- fornecer cana + uréia à vontade,
em alguma parte do cocho (Fig. 3). produtivas, com altos teores de açú-
depois do período de adaptação;
Para o arraçoamento de grandes re- car;
banhos, usam-se: - não estocar a cana, após a colheita, - usar cochos bem dimensionados,
por mais de dois dias; que permitam livre acesso dos ani-
- colheita manual e picagem com pi-
mais;
cadeira acoplada ao trator, sendo - efetuar a picagem da cana-de-açú-
a uréia adicionada seca na saída car no momento de fornecê-la aos - eliminar sobras de forragem do dia
da bica da picadeira (Fig. 4); animais; anterior;

Figura 3 - Preparo da solução para obter uma mistura homogênea

Figura 4 - Adição de uréia, sem diluir em água, à cana-de-açúcar

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74 Gado de Leite

- manter água e sal mineral à dis- QUADRO 5 - Ganho de peso animais mestiços holandês-zebu confinados, alimentados com cana +
posição dos animais; uréia na época da seca e suplementados com diferentes concentrados

- fornecer concentrado em função do Ganho de


Quantidade Peso inicial
Concentrado Sexo peso
nível de produção de leite ou ga- (kg/animal/dia) (kg)
(g/animal/dia)
nhos de peso desejado.
Farelo de arroz 0,5 130 F 344
RESULTADOS EXPERIMENTAIS
Farelo de arroz 1,0 130 F 483
Experimentos conduzidos pela Embrapa
Farelo de arroz 1,0 251 M 582
Gado de Leite com novilhos e ou novilhas
em pastejo suplementados com cana-de- Farelo de arroz 1,5 130 F 546
açúcar + uréia apresentaram ganho de peso
vivo (GPV) em torno de 300g/animal/dia. Mandioca (raiz seca) 1,0 238 F 415
Para maior ganho de peso, é necessário
Mandioca (raiz seca +
adicionar concentrado à dieta cana + uréia.
GPV da ordem de 800 g/animal/dia foi feno da parte aérea) 1,5 238 F 278
obtido, quando os animais recebendo a mis-
Espiga de milho desintegrada 1,0 250 M 320
tura cana + uréia foram suplementados com
1kg de farelo de algodão/animal/dia. GPV Farelo de trigo 1,0 250 M 535
superior a 500g/animal/dia pode ser alcan-
çado suplementando esta dieta com 1kg Farelo de algodão 1,0 251 F 654

de farelo de arroz/animal/dia (500g/ani- Farelo de algodão 1,0 197 M 833


mal/dia) ou 1kg de farelo de trigo/animal/
dia (530 g/animal/dia) (Quadro 5). Farelo de algodão 1,0 217 M 820
A suplementação com cana-de-açúcar
na seca é também recomendada para sis-
temas que se baseiam na produção in- nologia foi iniciado com a implantação de mistura cana-de-açúcar + uréia foram obti-
tensiva de leite a pasto, uma vez que esta UDs, inicialmente com bovinos em cres- das produções de leite de 6 a 8kg/vaca/dia,
cultura responde bem a práticas intensi- cimento e, a partir de 1987, com vacas em não considerando o leite mamado pelo
vas de produção e pode contribuir para a lactação. Nessas UDs eram comparados o bezerro, além de, ao final do período seco,
redução dos custos de produção de leite. sistema de alimentação usado na fazenda as vacas apresentarem condição corporal
Produtividade acima de 15.000kg de leite/ com a tecnologia proposta, ou seja, cana + e de fertilidade adequada. Vacas pro-
ha/ano foi obtida com vacas mestiças ho- uréia. Essas UDs foram implementadas e duzindo mais de 13kg de leite/dia precisam
landesas x zebuínas em pastagens de ca- conduzidas em parceria com a extensão de alimentação suplementar de cana-de-
pim-elefante com uma lotação de cinco va- rural, cooperativas e indústrias (Nestlé, Lei- açúcar + uréia à vontade, mais 3kg de con-
cas em lactação/ha, durante todo o ano, te Glória etc.) fornecendo suporte técnico centrado/dia.
sendo suplementadas com cana-de-açúcar aos fazendeiros. Como resultado dessas Nos últimos anos, estão sendo con-
+ uréia (1%) durante o período seco, mais parcerias, mais de120 UDs, 400 palestras e duzidas UDs com vacas de produção de
2kg/vaca/dia de concentrado (com 16% de 250 dias de campo foram realizados nas leite acima de 20kg de leite/vaca/dia,
PB). O consumo de cana-de-açúcar + uréia Regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordes- utilizando variedades industriais de cana-
foi superior a 23kg/vaca/dia fornecida entre te. A partir de 1996, foram iniciadas ações de-açúcar com suplementação na pro-
as ordenhas da manhã e da tarde. Com este nas Regiões Sul e Norte. porção de 1kg de concentrado para cada
manejo, vacas mestiças mantiveram uma Os resultados obtidos em UDs, con- 3kg de leite produzido (Gráfico 1). Algumas
produção diária de 12kg de leite, seme- duzidas em fazendas colaboradoras, foram destas UDs são realizadas durante expo-
lhante a suas produções durante o período similares aos resultados experimentais com sições agropecuárias, como exemplificado
chuvoso. animais em crescimento. Devido a estes no Gráfico 2.
bons resultados, os produtores passaram Com a adoção do sistema de alimen-
RESULTADOS EM REBANHOS a alimentar as vacas em lactação, com a tação cana + uréia, algumas fazendas ti-
COMERCIAIS E TRANSFERÊNCIA mistura cana+ uréia, durante o período seco veram a produção de leite aumentada em
DE TECNOLOGIA do ano. Nos sistemas extensivos de pro- 100% (Quadro 6), bem como a melhoria no
O processo de transferência desta tec- dução de leite, com o fornecimento da desempenho reprodutivo (Quadro 7).
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.69-76, jul./ago. 2001
Gado de Leite 75

CONCLUSÃO

A cultura da cana-de-açúcar deve ser


tecnicamente bem estabelecida e maneja-
da para obter altas produções. Com po-
tencial para produção de 120 t/ha/ano de
forragem, a cana-de-açúcar é um recurso
forrageiro incomparável, com grande po-
tencial para incrementar a indústria de gado
nos trópicos.
O sistema de alimentação cana-de-
açúcar enriquecida com uréia e S pode ser
usado para gado de leite ou corte, em con-
Gráfico 1 - Produção individual de leite (kg/dia) de vacas alimentadas com a mistura finamento ou a pasto, durante o período
cana+uréia e concentrado (1:3), em Carangola, MG seco do ano, com fornecimento de con-
NOTA: V - Vaca. centrado ou não, dependendo do nível de
produção de leite ou ganho de peso es-
perado. É uma tecnologia simples, de fácil
implementação, tornando-se especialmente
indicada para produtores com baixa ca-
pacidade de investimento.
A adoção desta tecnologia pode con-
tribuir para aumento e estabilização da
produção de leite aos níveis obtidos du-
rante o período das chuvas; redução da
idade ao primeiro parto; redução do inter-
valo de partos; manutenção das altas taxas
de lotação obtidas pela intensificação e ma-
nejo das pastagens, com retornos eco-
nômicos.
Gráfico 2 - Produção individual de leite (kg/dia) de 20 vacas de alta produção alimen- O Programa de Desenvolvimento e de
tadas com cana+uréia e concentrado Transferência de Tecnologia do Sistema de
NOTA: Unidade de demonstração (UD) realizada durante a Exposição Agropecuária de Alimentação com Cana-de-açúcar + Uréia,
Governador Valadares, MG, no ano de 2000. coordenado pela Embrapa Gado de Leite,

QUADRO 6 - Produção de leite em fazendas, antes e após a adoção do sistema de alimentação cana-de-açúcar+uréia(1)
Produção de leite
Produtor Município (kg/dia)

Inicial/ano Abr./1997 Abr./1998


Bráulio Braz Itaperuna, RJ 1.100 (95) 2.060 3.000
Marcos Kemp Itaperuna, RJ 1.050 (95) 1.400 2.500
J.B. Santana Itaperuna, RJ 200 (96) 500 1.000
José Inácio Governador Valadares, MG 30 (94) 290 350
Wangler Duarte Governador Valadares, MG 470 (93) 1.050 1.800
Geraldo Avelino Governador Valadares, MG 1.630 (94) 3.200 4.500
Leovegildo Matos Itapetinga, Ba 100 (95) 450 1.000
Delza Sampaio Itapetinga, Ba 150 (95) 400 1.000
Luíz M. Simões Itapetinga, Ba 130 (95) 450 1.000
Vitor Brito Itapetinga, Ba 180 (92) 900 1.000
(1) Parceria Embrapa Gado de Leite e Leite Glória.

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QUADRO 7 - Evolução da Fazenda Barra Alegre, Muriaé, MG, no período 1995 - 1999 bovinos. Revista dos Criadores, São Paulo, ano
65, n.790, p.10-13, nov. 1995.
Item 1995 1996 1997 1998 1999
_______; REZENDE, H. Como não podemos
Cana-de-açúcar fazer chover, vamos plantar cana-de-açúcar. In:
Área plantada (ha) 6 9 21 25 31 ENCONTRO DE RECICLAGEM TÉCNI- CA
Produção (t) 80 100 100 120 130 EM PECUÁRIA LEITEIRA, 1., 1995, Goiânia.
[Anais...] Goiânia: Emater-GO, 1995. p.35-37.
Produção leite (L)
_______; _______. Como não podemos fazer
Ano 682.980 797.650 846.510 1.102.000 1.402.000 chover, vamos plantar cana-de-açúcar. Revista
Período da seca 1.725 1.930 2.222 2.997 3.878 dos Criadores, São Paulo, ano 65, n.790, p.6-
9, nov. 1995.
Vacas gestantes
_______; _______. Os fundamentos da cultura
Ano 348 514 541 620 769
da cana. Leite B, São Paulo, ano 11, n.119, set.
Período da seca 178 210 267 374 367
1996. Caderno de tecnologia, p.406-409.
NOTA: Período da seca – maio a outubro.
_______; RODRIGUES, A. de A.; SILVEIRA, M.I.
da.; COMASTRI FILHO, J.A. Uréia e farelo-de-
com suporte financeiro da Petrobrás, vem sileira de Zootecnia, Viçosa, v. 23, n.4, p.585- algodão como fontes de nitrogênio para bovinos
sendo realizado num grande esforço con- 594, jul./ago. 1994. alimentados com cana-de-açúcar. In: REUNIÃO
ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE
junto de parcerias com serviços de exten- TORRES, R. de A. A dupla da seca: cana e uréia.
ZOOTECNIA, 25., 1988, Viçosa. Anais... Viçosa:
são e assistência técnica das cooperativas Leite B, São Paulo, ano 11, n.119, set. 1996.
Sociedade Brasileira de Zootecnia, 1988. p.96.
de leite e das indústrias de laticínios. Caderno de tecnologia, p.402-405.
_______; _______; _______; VERNEQUE, R.da
_______; COSTA, J.L. da. Cana-de-açúcar mais
S. Efeito do farelo-de-algodão como fonte de
BIBLIOGRAFIA uréia para bovinos. In: ENCONTRO DE
proteína para bovinos alimentados com cana-de-
RECICLAGEM TÉCNICA EM PECUÁRIA DE
RODRIGUES, A. de A.; TORRES, R. de A.; açúcar adicionada de uréia. In: REUNIÃO ANUAL
LEITE, 1., 1995, Goiânia. [Anais...] Goiânia:
CAMPOS, O.F.de; AROEIRA, L.J.M. Uréia e DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTEC-
Emater-GO, 1995. p.38-43.
sulfato de cálcio para bovinos alimentados com NIA, 25., 1988, Viçosa. Anais... Viçosa: Socie-
cana-de-açúcar. Revista da Sociedade Bra- _______; _______. Cana-de-açúcar + uréia para dade Brasileira de Zootecnia, 1988. p.98.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.69-76, jul./ago. 2001


Gado de Leite 77

Controle estratégico do carrapato


dos bovinos de leite
John Furlong 1

Resumo - Para um controle eficiente e econômico de carrapato dos bovinos de leite,


devem-se considerar, entre outros fatores, o uso de um produto eficaz para a população
a ser tratada e, estrategicamente, a época adequada para esse tratamento. Tendo como
base a biologia do parasito, a qual é afetada, principalmente, pela temperatura, foram de-
senvolvidas estratégias, visando atuar sobre a população, em períodos específicos do
ano, durante os quais alguns parâmetros biológicos do carrapato propiciam maior sucesso
para seu controle. Essas estratégias baseiam-se numa série de banhos ou tratamentos,
muito bem realizados e com produto eficiente, que atuam intensivamente sobre uma
determinada geração do parasito, e fazem com que ela praticamente desapareça da
pastagem, não dando origem às duas ou três subseqüentes. Esse controle, para ser eficaz
e econômico, pode ser realizado sobre a geração da primavera, setembro a novembro,
ou sobre a do verão, janeiro a março, em conveniência com o manejo da propriedade.
Peculiaridades como o clima e a altitude da região e considerações sobre a relação do
carrapato com os agentes da Tristeza Parasitária dos Bovinos, transmitidos por ele,
podem determinar alterações regionais da estratégia.
Palavras-chave: Bovino; Carrapato; Boophilus microplus.

INTRODUÇÃO vez nele, inicia-se a fase parasitária, onde 1959, Wharton et al., 1969 e Oliveira et al.,
O carrapato comum dos bovinos, num período médio de, aproximadamen- 1974).
Boophilus microplus, completa o seu ci- te, 22 dias, machos e fêmeas adultos aca- Por conceito, controle estratégico é a
clo de vida passando por duas fases, ou salam-se. interferência na população do parasito-
seja, não-parasitária e parasitária. A fase Enquanto no hospedeiro quase não alvo em momento crítico de seu ciclo bioló-
não-parasitária inicia-se, quando, após o ocorrem fatores climáticos capazes de cau- gico, o qual por estar em menor número ou
acasalamento, a fêmea ingurgitada des- sar alterações significativas favoráveis ou por ter alguns de seus parâmetros biológi-
prende-se do animal e, no solo, procura um desfavoráveis ao desenvolvimento e à so- cos favoráveis a uma atuação concentrada
lugar abrigado do sol. Metaboliza o sangue brevivência do carrapato, dada a disponi- de controle, propiciam uma maior chance
ingerido e com as proteínas obtidas inicia bilidade de alimento e de temperatura cons- de sucesso (George, 1990).
a oviposição de uma massa de ovos que tantes, na fase não-parasitária as alterações, A região do Brasil Central apresenta
pode conter em torno de três mil ovos. principalmente de umidade e temperatu- condições de temperatura e umidade que
Na dependência de fatores climáticos ra, influenciam a população do parasito. Es- permitem o desenvolvimento e a sobrevi-
regionais, dentro de, aproximadamente, 30 tudos ecológicos em diversos países de vência dos carrapatos durante todo o ano
a 40 dias, no período do verão, e até três climas tropical e temperado, incluindo o (Magalhães & Lima, 1992). Na Região Sul,
vezes esse tempo, quando, no inverno, Brasil, onde o carrapato ocorre, já se conhe- é diferente, por causa do período de frio
dos ovos, eclodem as larvas. Estas, após cem os efeitos desses dois parâmetros cli- mais intenso. Os carrapatos não conse-
o endurecimento da cutícula, sobem jun- máticos sobre as populações não-parasi- guem desenvolver-se no inverno e desapa-
tas ao primeiro talo de planta que encon- tárias, permitindo, assim, preconizar e testar recem nessa época (Alves-Branco et al.,
tram e ficam à espera do hospedeiro. Uma esquemas estratégicos de controle (Norris, 1989 e Martins et al., 1995). Durante o ano,

1
Médico Veterinário, D.Sc., Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 – Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-MG.
Correio eletrônico: john@cnpgl.embrapa.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.77-81, jul./ago. 2001


78 Gado de Leite

podem ocorrer de três a quatro gerações duas maneiras: a população de carrapatos gem e, conseqüentemente, nos animais.
de carrapatos. Sabendo-se que cada fêmea é a menor do ano, durante os meses mais Para interromper essa explosão da popula-
pode produzir cerca de três mil novos carra- quentes (Furlong, 1993), tanto na pastagem ção, é preconizado o tratamento estratégico
patos e que metade deles será de fêmeas, como nos animais, o que facilita seu com- também nesse período (Alves-Branco et al.,
com a mesma capacidade de multiplicação, bate; a geração de carrapatos existente nes- 1989, Magalhães & Lima, 1991, Araújo, 1994
é possível se ter uma idéia do grande po- sa época desenvolve-se mais rapidamente, e Martins et al., 1995).
tencial de infestação de carrapatos na pas- permitindo uma atuação estratégica, pelo Após a série de pulverizações ou trata-
tagem e nos animais (Gomes, 1998). Como uso de um menor número de pulverizações mentos realizados nas duas estratégias, os
a temperatura costuma ser alta durante o ou tratamentos, capaz de agir intensiva- animais terão poucos carrapatos por muitos
verão, muitas fêmeas ingurgitadas, ovos e mente sobre essa menor população. Assim, meses e não necessitarão de tratamento. É
larvas morrem dessecados na pastagem, essa estratégia será aplicada eficientemen- imprescindível o convívio dos animais com
o que diminui muito o número de larvas te por um período aproximado de três meses carrapatos, principalmente na fase de cria,
disponível para infestar os animais. Esse e, no final, haverá poucos indivíduos so- uma vez que as bezerras que nascerem a
conhecimento é muito importante para o breviventes, os quais, por sua vez, darão partir de março precisam ter esse contato
sucesso no controle dos carrapatos (Furlong, origem a poucos carrapatos nas próximas para ficarem resistentes aos parasitos da
1993). duas gerações subseqüentes no ano. É a Tristeza Parasitária, inoculados por esses
A maneira mais comumente usada de filosofia do sistema estratégico de controle aracnídeos (Martins et al., 1995). Como via
controlar os carrapatos nos bovinos de lei- (Alves-Branco et al., 1989, Magalhães & de regra, poucos animais no rebanho sem-
te é através da aplicação de carrapaticida, Lima, 1991 e Araújo, 1994). pre carregam a maioria dos carrapatos (ani-
quando o número de fêmeas ingurgitadas Esse sistema, na região do Brasil Cen- mais ditos de sangue doce). Apenas esses
é grande. Isso é feito várias vezes durante tral, pode ser realizado de duas maneiras. animais devem ser tratados, esporadica-
o ano, geralmente com pulverizador costal. Uma delas recomenda que seja feito duran- mente, caso se percebam neles, em média,
A troca do carrapaticida é freqüente e a te os meses mais quentes do ano (janeiro a populações de 25 ou mais fêmeas ingur-
maneira de sua aplicação é, na maioria das março ou abril), com uma série de cinco ou gitadas em um lado dos animais (George,
vezes, feita de forma incorreta, por uma seis pulverizações com carrapaticida, em 1990). No próximo ano, na época escolhi-
série de razões, ou seja, não cumprem o todos os animais do rebanho, com inter- da para o controle, estratégia da geração
seu objetivo específico que é o de controlar valos de 21 dias; ou três a quatro aplicações mais curta em janeiro, ou na da explosão da
os carrapatos e ainda permite que se tor- de carrapaticida pour on de contato, no fio população na primavera, o sistema estra-
nem mais rapidamente resistentes aos car- do lombo, com intervalo de 30 dias. Este tégico deve ser novamente realizado.
rapaticidas (Rocha, 1996). mesmo intervalo é aconselhável, quando
Conhecendo-se a vida dos carrapatos da utilização injetável ou pour on de aver- SISTEMA ESTRATÉGICO E
nos diversos meses do ano e cientes de mectinas, com o cuidado de não serem MANEJO DO REBANHO
que eles fazem parte de um contexto maior, aplicadas nos animais em lactação, devido A eficiência do sistema estratégico nas
composto pelo ambiente, pelo hospedeiro aos resíduos no leite. Essa estratégia visa propriedades varia muito, pois depende de
e pelos parasitos que transmitem (Radley combater a população menor e de ciclo mais diversos fatores, como número de carrapa-
et al., 1991), é possível melhorar a eficiên- rápido, decorrente das condições de tem- tos na pastagem, altura, tipo e lotação da
cia no seu controle, utilizando-se o chama- peratura e umidade no período (Furlong, pastagem, maior grau de sangue europeu
do sistema estratégico, que, integrado com 1993). do rebanho, pulverização correta ou não e,
outras práticas de manejo relacionadas com
Outra estratégia é a execução de uma principalmente, resistência dos carrapatos
os animais e a pastagem, possibilitará uma
série de tratamentos sobre a geração de aos carrapaticidas. Esse método estraté-
grande diminuição na população (Veríssi-
carrapatos do início da primavera (setem- gico de controle não dará bons resulta-
mo, 1993).
bro ou outubro), utilizando-se o mesmo dos, caso a pulverização ou o tratamento
esquema. O súbito aumento da favora- não sejam bem-feitos, ou se o carrapaticida
SISTEMA ESTRATÉGICO
bilidade de desenvolvimento dos ovos de- usado não mais estiver agindo contra os
As altas temperaturas nos meses de correntes do aumento da temperatura, no carrapatos. De qualquer forma, quando
primavera e verão no Brasil Central e no início da primavera, faz com que aumente bem-feito, será sempre mais eficiente que o
Sul auxiliam no controle dos carrapatos de o número de larvas disponíveis na pasta- método de combate tradicional, com base

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.77-81, jul./ago. 2001


Gado de Leite 79

apenas no número de carrapatos parasi- permitir que os carrapatos tornem-se resis- mo, o pulverizador costal, a bomba de pis-
tando os animais (Rocha, 1996). tentes aos carrapaticidas mais rapidamente. tão manual, os vários tipos de adaptação
A aparente desvantagem do sistema Os produtos carrapaticidas tradicionais de bombas d’água elétricas e a câmara ato-
estratégico de controle é que este é reali- atuam por contato, intoxicando os carra- mizadora, em que os animais passam pelo
zado em plena época de chuvas. Caso ocor- patos molhados pelo produto diluído na túnel para ser molhados. Mais recentemen-
ra chuva no dia marcado para o tratamento, água. A dosagem recomendada na bula é a te, têm surgido no mercado minibombas
pode-se esperar pelo dia seguinte, ou deixar mínima necessária para uma boa ação do elétricas (lava-jatos), perfeitamente utilizá-
os animais sob uma coberta, protegidos no produto e quando o preparo da solução veis para pulverizações, com jato em leque,
mínimo por duas horas após a pulveriza- para pulverização não é realizado correta- como recomendado, devendo-se ter o cui-
ção. Os produtos usados em pulverização mente, não se obterá uma mistura homo- dado de reduzir a pressão ao mínimo, para
matam os carrapatos por contato e o tempo gênea. não machucar os animais. Como regra ge-
de duas horas é suficiente para que eles se A boa técnica recomenda o preparo da ral, a escolha do tipo de equipamento a ser
intoxiquem e morram. No caso de produ- solução para pulverização com a medida utilizado depende do tamanho do rebanho.
tos aplicados no fio do lombo ou injetá- de carrapaticida indicada na bula, que é Independente do tipo de equipamento, o
veis, tal procedimento não é necessário. adicionada a uma pequena quantidade de seu uso deve seguir as recomendações des-
Após a intoxicação dos carrapatos, a so- água (calda). Somente depois de a calda critas, capazes de permitir uma pulverização
lução carrapaticida é lavada pela água da estar muito bem misturada, adiciona-se o correta.
chuva e desaparece dos pêlos e do couro volume de água necessário para comple-
do animal, antes do que ocorreria, caso não tar a quantidade total da solução a ser pre- INFLUÊNCIA DA PASTAGEM
tivesse chovido. Assim, as larvas começam parada. A solução final deve ser muito bem NO DESENVOLVIMENTO
a subir nos animais mais cedo do que o es- misturada, para que ela se torne homogê- DO CARRAPATO
perado, mas isso não impedirá que elas nea.
A aplicação do carrapaticida deve ser É na pastagem que as fêmeas fazem a
sejam mortas na próxima pulverização ou
feita individualmente, com o animal contido postura e incubam os ovos e, principal-
tratamento, o que acaba não interferindo
em brete de tábuas finas ou de cordoalha. mente, onde as larvas esperam pelos bo-
no sucesso do esquema estratégico. Com
O equipamento para aplicação deve ser prá- vinos. O sol é um aliado importante do pro-
chuva, os animais passarão o período entre
tico, confortável e capaz de possibilitar um dutor no controle de carrapatos, porque o
as pulverizações com mais carrapatos do
banho com pressão forte o suficiente para aumento da temperatura mata muitos car-
que era de se esperar, caso não houvesse
pulverizar a solução carrapaticida na forma rapatos em vários estádios de desenvol-
chovido logo após o banho ou tratamento
de uma nuvem de gotículas para que che- vimento. Com a intensificação dos sistemas
(Furlong, 1993). Também para fugir desse
guem até o couro do animal. O bico utilizado de produção, tem sido cada vez mais uti-
problema, é possível flexibilizar o esquema
no equipamento deve ser em forma de leque lizadas pastagens que produzem grande
estratégico fazendo a programação dos
e a aplicação de cima para baixo, no senti- quantidade de massa verde. Entretanto,
banhos ou tratamentos com 18 a 21 ou 27 a
do contrário aos pêlos, e sempre a favor do nessas pastagens, os carrapatos são me-
30 dias, respectivamente, fugindo assim do
vento, para proteção da pessoa que estiver nos atingidos pelos raios solares, ou por
esquema rígido de tratamento e da proba-
aplicando, a qual, desde o início do preparo temperaturas altas, pois ficam protegidos
bilidade de chuva no último dia previsto
da solução, deverá estar protegida com embaixo das folhas largas, onde se desen-
para o controle.
roupas, luvas e máscara, para evitar o con- volvem melhor. Além disso, nessas pasta-
tato com o produto químico. gens é colocado maior número de animais
APLICAÇÃO DO CARRAPATICIDA
Após a pulverização, o animal deve fi- por área, permitindo às larvas encontrá-los
Em estudo detalhado do manejo sani- car completamente molhado, pois os carra- com maior facilidade e alimentarem-se me-
tário realizado por produtores e de suas patos pequenos, localizados embaixo dos lhor, uma vez que é menor a competição
percepções sobre o problema, Rocha (1996), pêlos nas partes do corpo, onde não são entre elas por espaço nos bovinos (Evans,
concluiu que, para a maioria dos produ- vistos com facilidade, representam parce- 1992).
tores, a aplicação de carrapaticida é a úni- la importante da população que parasita o Ao formar um bom pasto, o produtor
ca forma de controlar os carrapatos no re- animal, e caso não sejam molhados, não deve estar conscientizado de que o proble-
banho. Entretanto, essa aplicação tem sido morrerão (Veríssimo, 1993). ma do carrapato aumentará muito, sendo
realizada de maneira incorreta, não alcan- São diversos os equipamentos utiliza- necessário um cuidado maior no controle,
çando os objetivos esperados, além de dos na aplicação de carrapaticida, tais co- para impedir o crescimento da população.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.77-81, jul./ago. 2001


80 Gado de Leite

Durante o período de vedação de pasto, rapatos ante os carrapaticidas, muitas ve- auxiliará em muito no retardo do desen-
muitas das larvas, que estavam esperando zes erroneamente manejados, tem levado volvimento da resistência.
os animais, morrem de fome ou dessecadas as populações de carrapatos a acostuma- A escolha do carrapaticida mais efi-
pelo sol e a pastagem, com certeza, ficará rem-se com o veneno, chegando ao ponto ciente para a população de carrapatos da
com menos carrapatos do que estava an- de algumas delas já não morrerem com os propriedade deve ser feita com base no re-
tes de ser vedada. Para que se tire proveito grupos de venenos disponíveis no merca- sultado do teste de sensibilidade, escolhen-
desse fato, é importante que, no retorno do para eliminá-las. É a chamada situação do-se o produto que melhor resultado
dos animais ao pasto vedado, eles estejam de resistência dos carrapatos aos carrapa- apresente. A chave para o sucesso no con-
sem carrapatos, para manter a pastagem ticidas (Leite et al., 1995). trole do carrapato dos bovinos e para o re-
limpa por mais tempo. Não se deve esque- tardamento do processo de resistência é a
cer que mesmo durante o verão, com tem- CARRAPATOS E A RESISTÊNCIA não-ocorrência de sobreviventes, após o
peraturas altas, são necessários cerca de AOS CARRAPATICIDAS tratamento. A Embrapa Gado de Leite, com
três meses de vedação, para que a pasta- uma rede nacional de instituições parcei-
Os carrapaticidas podem e devem ser
gem fique completamente livre de larvas, ras, realiza esse teste como rotina em seu
considerados como bens não-renováveis,
período esse significativamente maior do laboratório e oferece esse serviço aos pro-
à semelhança do petróleo, uma vez que,
que o realizado pelos produtores (Gaus & dutores.
perdidos por resistência dos carrapatos,
Furlong, no prelo).
isso é para sempre. Recomenda-se, então,
No dia-a-dia da fazenda, o produtor rea- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
muito bom senso e moderação no seu uso,
liza o banho ou tratamento carrapaticida
para que não se pague um preço cada vez ALVES-BRANCO, F. de P. J.; PINHEIRO, A. da
dos animais como mais uma atividade das
mais alto pelo descaso no manejo desses C.; SAPPER, M. de F. M. Controle do Boophilus
muitas que são necessárias para o bom
produtos. A troca indiscriminada de gru- microplus com esquemas de banhos estraté-
andamento da propriedade. Essa ativida- gicos em bovinos Hereford. Bagé: EMBRAPA-
de é a única realizada com o objetivo de po químico carrapaticida, com rotação de
CNPO, 1989. 29p. (EMBRAPA-CNPO. Circular
controlar os carrapatos dos animais, fi- produtos sem critério, acaba por permitir
Técnica, 4).
cando então todo o controle dependente aos carrapatos contato com todos os pou-
dessa atitude de manejo e calcada exclusi- cos grupos químicos disponíveis e fa- ARAÚJO, J. V. de. Controle estratégico experi-
vorecer a seleção de carrapatos resistentes mental do carrapato de bovinos Boophilus microplus
vamente na ação dos carrapaticidas (Rocha,
a todos os produtos (Sutherst & Comins, (Canestrini, 1887) (Acarina:Ixodidae) em bezer-
1996). A queda de uma fêmea ingurgita-
1979). Assim, não existe motivo para a troca ros do município de Viçosa, Zona da Mata de Mi-
da do carrapato dos bovinos ao chão per-
nas Gerais, Brasil. Revista da Faculdade de
mitirá a sua multiplicação e resultará em de um grupo químico, se este está matando
Medicina Veterinária e Zootecnia da Uni-
no mínimo 2.500 outros carrapatos. Des- a maioria da população tratada, de maneira
versidade de São Paulo, São Paulo, v.31, n.3/
sa maneira, entende-se facilmente que a econômica. A troca somente deverá ocor-
4, p.216-220, 1994.
qualquer momento, numa propriedade, a rer, quando, em determinado momento,
perceber-se que uma parcela significativa EVANS, D. E. Tick infestation of livestock
maior parte da população dos carrapatos
dos carrapatos tratados foi capaz de sobre- and tick control methods in Brazil: a situation
está na pastagem e não nos animais em
report. In: STATUS and recent advances in tick
que estamos aplicando o carrapaticida viver ao tratamento e fazer a postura de
management in Africa. Nairobi: ICIPE, 1992.
(Veríssimo, 1993). ovos férteis. Em geral, esse período não
A chance de insucesso no controle do deve ser inferior a dois anos. FURLONG, J. Controle do carrapato dos bovinos
carrapato dos bovinos será muito grande, A troca deverá ser feita utilizando-se na Região Sudeste do Brasil. Cadernos Técnicos
um produto comercial pertencente a um da Escola de Veterinária da UFMG, Belo Ho-
se não começarmos a combater esse para-
grupo químico com modo de ação diferen- rizonte, v.8, p.49-61, 1993.
sito também da pastagem. Para isso ser rea-
lizado, utiliza-se a tática do controle estra- te daquele em uso. A simples variação de GAUS, C. L. B. ; FURLONG, J. Comportamento
tégico e integrado, a qual se baseia fun- produto dentro do mesmo grupo químico de larvas infestantes de Boophilus microplus em
damentalmente na eficiência do carrapati- não possibilita melhora do quadro de infes- pastagem de Brachiaria decumbens. Ciência
cida, como arma principal desse combate. tação, uma vez que o princípio ativo que Rural, Santa Maria. No prelo.

Em conseqüência, o manejo correto do car- mata os carrapatos é semelhante nos dois GEORGE, J. E. Summing up of strategies for the
rapaticida é essencial, para que se consiga produtos (Nolan, 1990). A utilização estra- control of ticks in regions of the world other
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Gado de Leite 81

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82 Gado de Leite

Mastite em novilhas leiteiras


Vânia Maria de Oliveira Veiga 1

Resumo - Dificilmente os produtores dispõem de orientação específica para o diagnósti-


co, controle e tratamento de mastite em animais jovens antes do parto. Normalmente,
esses programas são direcionados para vacas adultas, sendo comum as novilhas que
estão entrando em produção ser consideradas livres dessa enfermidade. Portanto, pro-
fissionais da área preocupam-se com a ocorrência desta doença em novilhas e os estudos
comprovam que elas são afetadas, de forma grave, com impactos negativos sobre a
futura produção de leite do animal. Um estudo realizado em dois rebanhos, com 60 e 50
vacas em lactação e 15 e 10 novilhas, respectivamente, em que havia acúmulo de dejetos,
com grande quantidade de moscas próximo ao local onde permaneciam os animais,
identificaram-se seis novilhas doentes com ferimentos ulcerativos profundos na parte
lateral das tetas ou comprometimento interno da glândula mamária. O manejo ina-
dequado de esterco e sua conseqüente produção e proliferação de moscas nas pro-
ximidades dessas instalações comprovaram ser um fator predisponente da enfermidade.
Palavras-chave: Infecção; Glândula mamária; Bovinos de leite; Primíparas.

INTRODUÇÃO Até o animal atingir, aproximadamente, 90kg canal e, em seguida, penetram no interior
de peso vivo, desenvolvem-se o sistema cir- da glândula mamária. Por esta razão, no-
Mastite é a inflamação da glândula ma-
culatório da glândula mamária e o da matriz vilhas não-lactantes eram consideradas li-
mária. É um dos mais sérios problemas eco-
adiposa. Desta idade até os 250kg apro- vres de mastite, porém, Galphin Junior
nômicos e sanitários que acometem vacas
ximadamente, ocorre o aumento acelerado (1997) relata sobre a importância da in-
leiteiras e afetam a produção de leite. Esta
desta matriz e a proliferação de dutos neste fecção intramamária antes do primeiro parto.
enfermidade provém da correlação entre os
tecido. Na puberdade, inicia-se uma nova Programas convencionais de controle
animais, os fatores ambientais e os micror- fase no desenvolvimento do úbere, devido de mastite, geralmente, não dispõem de
ganismos que provocam mastite. à ação da progesterona. O tecido secretor medidas direcionadas para a prevenção da
Como as novilhas constituem animais cresce por causa da ação deste hormônio e doença em animais jovens, antes do pri-
de reposição, é normal que apresentem boa ocorre formação dos alvéolos que subs- meiro parto ( Laranja, 1997). Contudo, a pre-
saúde do úbere. Entretanto, diagnosticar e tituirão a gordura da matriz adiposa (Campos valência de mastite em novilhas constitui
prevenir a infecção nestes animais não é & Lizieire, 1998). um grave problema, uma vez que danifica
uma prática comumente utilizada, apesar de No interior do úbere formam-se as cis- as células secretoras dos tecidos mamários,
nos últimos anos, ter-se dado mais atenção ternas da glândula e das tetas. As paredes comprometendo a produtividade futura do
às infecções intramamárias em animais interiores destas cisternas são revestidas animal e a qualidade do leite (Aarestrup &
jovens (Waage et al., 1998). Segundo Calvi- de um tecido delgado (mucosa) muito sen- Jensen, 1997 e Galphin Junior, 1997).
nho et al. (2001), na América do Sul são sível, o qual pode sofrer danos, devido a O desenvolvimento máximo do tecido
escassas as informações sobre a prevalên- traumas físicos e químicos. No canal das que sintetiza o leite em novilhas ocorre du-
cia de infecções intramamárias em novilhas tetas existe o esfíncter e há a produção de rante a primeira gestação, devendo estes
prenhes. uma substância, a queratina, que veda as tecidos ser protegidos dos efeitos preju-
O crescimento e o desenvolvimento da tetas, dificultando a penetração de sujeiras diciais das bactérias causadoras de mastite
glândula mamária são afetados pela ali- e microrganismos durante e no intervalo (Nickerson, 1998 e Waage et al., 1998). Es-
mentação e por mudanças hormonais que das ordenhas. tudos demonstram que grande parte dos
ocorrem, desde o nascimento até a puber- A mastite, normalmente, ocorre, quando casos clínicos em novilhas em idade de
dade e gestação. A estrutura básica da glân- microrganismos penetram no orifício da cobertura ou gestantes é proveniente de
dula mamária é estabelecida ao nascimento. teta, colonizam a camada de queratina do infecção por Staphylococcus aureus, po-

1
Médica Veterinária, M.Sc. Medicina Veterinária, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco – CEP 36038-330
Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: oliveiga@cnpgl.embrapa.br

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Gado de Leite 83

dendo alcançar níveis de até 95% (Fox et proporcionalmente, com o número de lac- os que provocam a mastite de verão em
al., 1995 e Nickerson et al., 1995). Esse mi- tações. Em novilhas que nunca pariram ou vacas adultas.
crorganismo causa grandes perdas em que estão prenhes pela primeira vez, este Um estudo da Embrapa Gado de Leite
animais jovens, devido a sua natureza con- índice era considerado baixo. Porém, al- (Veiga et al., no prelo), realizado em pro-
tagiosa e aos efeitos danosos nos tecidos guns autores já constataram que este tipo priedades particulares, confirma esta se-
do úbere e, possivelmente, na futura pro- de infecção intramamária em novilhas melhança. Estudou-se, na época mais
dução de leite (Nickerson et al., 1995). ocorre com maior freqüência do que o espe- quente do ano, a ocorrência de mastite em
Aarestrup & Jensen (1997) consideram que rado (Oliver, 1992). Novilhas de rebanhos novilhas em dois rebanhos com 60 e 50
grande parte dos agentes isolados de com alta prevalência de mastite contagiosa, vacas em lactação e 15 e 10 novilhas, res-
úberes infectados de novilhas é patógeno podem-se infectar com microrganismos que pectivamente. Nestes rebanhos, havia acú-
secundário. provocam este tipo de infecção em vacas mulo de dejetos, com grande quantidade
Uma alta incidência de mastite em no- adultas. As provenientes de rebanhos in- de moscas, próximo ao local onde per-
vilhas pode também estar diretamente fectados por microrganismos do ambiente maneciam os animais. Nesses rebanhos
relacionada com o manejo e a época do ano. poderão desenvolver mastite ambiental identificaram-se seis novilhas doentes. Os
Neste caso, o microrganismo envolvido é (Oliver, 1992). sintomas foram: ferimentos ulcerativos
o Arcanobacterium pyogenes, que aco- Algumas bezerras têm o hábito de ma- profundos na parte lateral das tetas, com
mete mais freqüentemente as vacas secas, marem umas nas outras, muitas vezes acom- comprometimento do esfíncter, canal da
particularmente nos meses de verão (Phil- panhado de cabeçadas. Isto danifica os teta e da cisterna da glândula em três ani-
pot & Nickerson, 1992). Esta correlação tecidos internos do úbere, responsáveis mais. Nos outros três animais, as tetas en-
está associada às formas de transmissão pela produção e secreção de leite, causando contravam-se hipertrofiadas, com lesões
da doença, sendo as moscas um dos prin- danos irreversíveis na glândula mamária, superficiais de onde provinha uma secre-
cipais vetores, justificado pela maior pre- como alterações anatômicas e redução da ção amarelada. As bactérias isoladas e
valência desta doença no verão e pelo fato capacidade produtiva do animal. Por ou- identificadas no referido estudo estão rela-
de que o controle desses insetos reduz a tro lado, investigações sobre populações cionadas no Quadro 1.
ocorrência da doença nos rebanhos (Aares- bacterianas nos canais das tetas de no-
trup & Jensen, 1997). Ambientes úmidos e vilhas têm demonstrado grande prevalência
secos (Aarestrup & Jensen, 1997), assim QUADRO 1 - Bactérias isoladas das amostras
de microrganismos que causam mastite de secreção de úberes das novi-
como lesões de tetas de diferentes origens contagiosa nas tetas. Essas infecções po- lhas
(Laranja, 1997 e Nickerson et al., 1995), pre- dem destruir parcial ou totalmente os quar-
dispõem os animais a infecções da glândula tos mamários, ou persistir e chegar à idade Animal Microrganismos
mamária. infectado isolados
adulta e converter-se em mastite clínica na
Para prevenir novas infecções em no- primeira lactação.
vilhas, a adoção de práticas de manejo, tais 01 Arcanobacterium pyogenes
O leite contaminado por microrganis-
como, controle de moscas, uso de casinhas mos que provocam mastite, especialmente 02 Arcanobacterium pyogenes
individuais para bezerros, a fim de evitar por Staphilococcus aureus e Streptococcus 03 Arcanobacterium pyogenes
contato entre animais, a separação de no- agalactiae, quando destinado à alimen- 04 Corynebacterium sp.
vilhas gestantes das vacas secas e a manu- tação de bezerras, pode servir de reserva-
tenção das novilhas em ambiente limpo e 05 Corynebacterium sp.
tório para infecções da glândula mamária
seco são medidas valiosas (Nickerson, em desenvolvimento. Isto ocorre, princi- 06 Staphylococcus coagulase negativa
1998). Preocupados com o aumento da palmente, quando as bezerras são agru- FONTE: Veiga et al. (no prelo).
incidência de mastite nesta categoria animal,
padas em galpões.
Byrne & Waever (1995) verificaram as pos-
Laranja (1997) relaciona casos simila-
síveis causas de casos agudos de mastite
res de mastite de verão com o de mastite O manejo inadequado de esterco e sua
em novilhas recém-adquiridas de outros
em novilhas. Normalmente, estas infecções conseqüente produção e proliferação de
rebanhos. Waage et al. (1998) estudaram
ocorrem em ambientes onde há grande moscas nas proximidades das instalações
os principais fatores de risco associados
infestação de insetos voadores, que pos- comprovaram ser um fator predisponente
com a presença de mastite em 4.256 no-
sivelmente são os transmissores de mi- da mastite por A. pyogenes em novilhas
vilhas com essa doença em 67.072 sob con-
crorganismos como o Arcanobacterium não-lactantes. Nas propriedades estuda-
trole, durante dois anos.
pyogenes (Galphin Junior, 1997), um dos das, os locais onde eram depositados o
principais agentes envolvido neste tipo de esterco recolhido das instalações pro-
FATORES PREDISPONENTES
infecção. Por isso, a introdução nas tetas piciavam uma intensa população de moscas
A incidência de infecções intrama- de microrganismos que causam mastite em e eram também os locais utilizados para
márias aumenta com a idade das vacas ou, novilhas, tem uma estreita correlação com descanso dos animais.
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84 Gado de Leite

Tem sido relatada maior ocorrência de novilhas, é necessário adotar me- ção e reduzir novas infecções que ocorrem
mastite de verão, causada por A. pyogenes, didas gerais, normalmente empre- durante este período e ao parto. Este pro-
em locais onde as condições de manejo gadas para controlar esta enfer- cedimento envolve a infusão intramamária
favorecem a proliferação destes insetos midade em animais adultos; de um antibiótico comercial, específico para
(Laranja, 1997 e Blood et al., 1988). Matéria c) abrigos individuais para bezerras, a vacas secas, até 60 dias antes do parto. O
orgânica sem tratamento e em boas con- fim de evitar que umas mamem nas outro método utiliza um antibiótico co-
dições ambientais e anaeróbias produz outras ou dêem cabeçadas na glân- mercial para vacas em lactação sete dias
gases malcheirosos e favorece o desen- dula mamária em desenvolvimento; antes do parto. Em termos de benefícios
volvimento e a proliferação de moscas técnicos e econômicos, os resultados dos
d) evitar o fornecimento de leite pro-
(Campos, 1997). Waage et al. (1998) des- dois métodos apresentam retornos si-
veniente de vacas com mastite, para
creveram a presença desta infecção em milares.
bezerras, cujo sistema criatório em
rebanhos estudados e associaram sua
galpões ou estábulos permite que
ocorrência a diversos fatores relacionados Tratamento curativo de
permaneçam agrupadas. Quando
ou não com o manejo, como, composição mastite em novilhas
este tipo de leite é administrado a
da dieta, produção, época do ano, idade ao No estudo realizado pela Embrapa Ga-
animais criados em abrigos indi-
primeiro parto, entre outros. do de Leite sobre mastite em novilhas (Veiga
viduais, não se registram problemas
Apesar de muitos trabalhos citarem et al., no prelo), trataram-se todos os ani-
de contaminação das tetas;
moscas e outros insetos voadores como mais com Penicilina (injetável)+ cefope-
os principais vetores mecânicos e bioló- e) separação das novilhas gestantes
razona (intramamária), durante três dias
gicos deste tipo de infecção, Galphin Junior das vacas secas;
seguidos. Nos três animais com infecção
(1997) acredita que seja necessário ocorrer f) manutenção de um ambiente seco e aguda ocorreu perda total do quarto ma-
algum tipo de traumatismo na ponta das limpo para as novilhas. A terra e o mário infectado e, nos outros três, cuja
tetas, para que bactérias que colonizam este esterco aderidos às tetas são fontes doença encontrava-se na fase inicial, ape-
local possam invadir o esfíncter da teta. de contaminação e predispõem os sar da estrutura anatômica do quarto ma-
animais a infecções bacterianas. mário doente ter sido alterada, a infecção
MÉTODOS DE CONTROLE DE foi sanada, sem casos de recidivas.
MASTITE EM NOVILHAS TRATAMENTO DE MASTITE EM Os antibióticos empregados foram
NOVILHAS eleitos para tratamento, por serem de fácil
As recomendações técnicas para se
aquisição no comércio local. Duas semanas
obter o controle de mastite em novilhas Tratamento intramamário
após o término do tratamento, nos três
baseiam-se principalmente em medidas com antibiótico em novilhas
animais, cuja infecção foi identificada em
gerais de manejo e tratamento preventivo antes do parto
estádio avançado, não havia mais secreção
com antibiótico nas novilhas de rebanhos A antibioticoterapia pré-parto em no- nos quartos mamários afetados. Porém, foi
com alta prevalência desta doença. Este vilhas tem sido considerada uma técnica detectada perda total destes quartos. Nas
último, também deve ser empregado em
eficiente de controle da doença nessa ca- outras três novilhas, em que a doença en-
novilhas infectadas, porém, para se obter
tegoria animal (Laranja, 1997). Porém, contrava-se na fase inicial, houve cura dos
um bom resultado, deve ser utilizado na
alguns profissionais têm restrições em animais sem recidivas e sem alterações na
fase inicial do processo inflamatório.
relação a este procedimento, pela difi- parte interna do úbere, apesar de a estrutura
culdade em introduzir a cânula no orifício anatômica das tetas afetadas ter sido par-
Medidas gerais de manejo
da teta e por deixarem resíduos de an- cialmente comprometida (Quadro 2).
a) controle de moscas e de outros in- tibiótico no leite, após o parto. Para Jaenick A resposta obtida com o tratamento
setos voadores é uma das princi- et al. (1999), o tratamento com antibiótico mostrou ser eficaz, quando realizado na
pais formas de reduzir este tipo de em novilhas no período pré-parto foi um fase inicial da doença, evitando-se a perda
infecção. Devem-se empregar mos- procedimento simples e efetivo, que eli- dos quartos mamários. Houve, portanto,
quicidas ou inseticidas, armadilhas, minou muitas infecções intramamárias maior correlação com o estádio da infecção
assim como realizar o tratamento, o durante a gestação, reduziu sua prevalên- do que com o próprio microrganismo
manejo e a reciclagem do esterco cia durante a primeira lactação e em lacta- isolado (Quadros 1 e 2). Este fato reforça a
nas propriedades, para o controle ções posteriores. preocupação de pesquisadores, para a im-
desses insetos; Dois métodos de tratamento têm apre- portância de introduzir nos rebanhos medi-
b) em rebanhos com alta prevalência sentado resultados positivos. O mais em- das de manejo direcionadas à prevenção
de mastite contagiosa ou ambiental, pregado é similar ao recomendado para de mastite em novilhas (Aarestrup &
em que os agentes infecciosos com- vacas secas, que tem por objetivo eliminar Jensen, 1997). Nickerson et al.(1995) também
prometem a glândula mamária das infecções desenvolvidas durante a lacta- acreditam que o tratamento desses animais
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.82-85, jul./ago. 2001
Gado de Leite 85

QUADRO 2 - Resultado do tratamento para controle de mastite das novilhas infectadas et al. Elimination of from Irish dairy herd.
Veterinary Record, London, v.142, n. 19,
Novilha Estágio da
Resposta ao tratamento p.516 – 517, 1995.
infectada infecção
GALPHIN JUNIOR, S.P. Reducing in-
01 Adiantado Sem secreção purulenta, mas com perda total do quarto infectado. trammamary infection in heifers utilizing tail
tags. In: ANNUAL MEETING NATIONAL
02 Adiantado Sem secreção purulenta, mas com perda total do quarto infectado. MASTITIS COUNCIL, 36., 1997, Albuquer-
que. Madison: NMC, 1997. p.145-151.
03 Inicial Ausência de secreção, cura da infecção sem recidivas.
JAENICKE, E. C.; ROBERTS, R. K.;
DOWLEN, H. H.; OLIVER, S. P. Economic
04 Adiantado Sem secreção purulenta, mas com perda total do quarto infectado.
benefit associated with antibiotic treatment of
heifers before calving. In: ANNUAL MEETING
05 Inicial Ausência de secreção, cura da infecção sem recidivas.
NATIONAL MASTITIS COUNCIL, 38.,
1999, Arlington. Madison: NMC, 1999. p.229-
06 Inicial Ausência de secreção, cura da infecção sem recidivas.
230.
Fonte: Veiga et al.( no prelo). LARANJA, J.F. Mastite em novilhas: preva-
lência, riscos e controle. O Produtor de Leite,
Rio de Janeiro, v.26, n.165, p.48, 1997.
na fase inicial da doença mostra-se mais and duration of intramammary infection in
NICKERSON, S.C. Estratégias para contro-
eficaz, além de evitar a perda dos quartos Danish heifers during the peripartum period.
lar a mastite bovina. In: SIMPÓSIO INTER-
mamários e, de reduzir futuros prejuízos na Journal of Dairy Science, Champaign, v.80,
NACIONAL SOBRE QUALIDADE DO
produção. n.2, p.307-312, 1997.
LEITE, 1998, Curitiba. Anais... Curitiba:
Formulações para vacas secas com ba- BLOOD, D.C.; HENDERSON, J.A.; UFPR, 1998. p.20-27.
se em cefalosporina ou a combinação pe- RADOSTITIS, O.M. Medicina veterinária.
_______. Mastitis and its control in heifers and
nicilina/estreptomicina têm sido usadas Rio de Janeiro:Guanabara Koogan, 1988. v. 5,
dry cows. In: INTERNATIONAL SYM-
para tratar quartos infectados de vacas se- 1300 p.
POSIUM ON BOVINE MASTITIS, 1990,
cas. Este tratamento deve ser administra-
BYRNE, J.W.; WEAVER, L.D. Suvery of Indianápolis. Proceedings... Indianópolis:
do num prazo não inferior a 45 dias antes
intramamary infections in dairy heifers at National Mastitis Council, 1990. p.82-91.
da data prevista do parto, para evitar re-
breeding age and first parturition. Journal of
síduos de antibióticos no leite após o parto _______; OWENS, W. E.; BODDIE R.L. Mas-
Dairy Science, Champaign, v.78, n.7, p.1619-
(Nickerson, 1990). titis in dairy heifers: initial studies en preva-
1928, 1995.
Conclui-se que, nos rebanhos em que lence and control. Journal of Dairy Science,
CALVINHO, L.F.; CANAVESIO, V.R.; Champaign, v.78, n.7, p.1607-1618, 1995.
as novilhas apresentem mastite, deve-se
IGUZQUIZA, I.A.; PURICELLE, F.G.;
realizar uma averiguação completa do ma- OLIVER, S. P. Controlling heifer mastitis.
AUBAGNA, M.D.; ZIMMERMANN, G.A.
nejo dispensado a esta categoria, indepen- In: ANNUAL MEETING NATIONAL MAS-
Intramammary infections during the peri-
dentemente de estarem ou não em lactação. TITIS COUNCIL, 31., 1992, Arlington. Ma-
parturient period in dairy heifers in Argentina.
Após identificação dos fatores de risco, dison: NMC, 1992. p.15-25.
In: ANNUAL MEETING NATIONAL
estes deverão ser corrigidos rapidamente. PHILPOT,W.N.; NICKERSON ,S.C. Masti-
MASTITIS COUNCIL, 40., 2001, Reno.
A aplicação de antibiótico como medida Madison: NMC, 2001. p.199-200. tis: el contrataque. Napeville: Babson, 1992.
preventiva poderá promover uma redução 149p.
desta enfermidade em rebanhos problemas. CAMPOS, A.T. de. Análise da viabilidade
da reciclagem de dejetos de bovinos com tra- VEIGA, V.M.O.; RIBEIRO, M.T.; BRITO,
Já em novilhas paridas com mastite clínica,
tamento biológico, em sistema intensivo de M.A.V.P.; CAMPOS, T.de. Ocorrência de mas-
recomenda-se, antes do tratamento, a co- tite em novilhas associada ao manejo inade-
produção de leite. 1997. 141f. Tese (Doutora-
leta de amostras de secreção ou de leite, quado de dejetos: relato de casos. Revista Bra-
do em Agronomia/Energia na Agricultura) - Fa-
para cultivo em laboratório. Porém, toda e sileira de Medicina Veterinária, Rio de
culdade de Ciências Agronômicas, Universi-
qualquer medida a ser adotada deverá ter a Janeiro. No prelo.
dade Estadual Paulista, Botucatu.
orientação de profissionais da área com
WAAGE, S.; SVILAND, S.; ODEGAARD,
experiência no assunto. CAMPOS, O .F. de; LIZIEIRE, R.S. As novi-
S.A. Identification of risk factors for clinical
lhas merecem atenção. Glória Rural, Rio de
mastitis in dairy heifers. Journal of Dairy
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Janeiro, v.1, n.10, p. 28-34,1998.
Science, Champaign, v.81, p.1275–1284,
AARESTRUP, F.M.; JENSEN, N.E. Prevalence FOX, L.K.; CHESTER, S.T.; HALLBERG, J.W. 1998.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.82-85, jul./ago. 2001


86 Gado de Leite

A granelização no sistema
do agronegócio do leite no Brasil
José Alberto Bastos Portugal 1
José Renaldi Feitosa Brito 2
Maria Aparecida Vasconcelos de Paiva e Brito 3

Resumo - O resfriamento do leite na propriedade e a coleta a granel constituem um mar-


co na história da cadeia produtiva do leite no Brasil, iniciado no final da década de 90.
O objetivo maior desse processo de granelização é manter a qualidade do leite, desde a
propriedade até o processamento final pela indústria, tendo como beneficiários: o pro-
dutor, enquadrado dentro dos programas de pagamento por qualidade estabelecidos
pela indústria; a indústria, que pode processar uma matéria-prima de qualidade, per-
mitindo a oferta de produtos seguros e com maior self-life; o consumidor, que terá à sua
disposição produtos lácteos com qualidade assegurada. Esse processo é reforçado pela
demanda da segurança alimentar e vem somar-se a políticas de governo, de normatização
de programas de Boas Práticas de Fabricação (BPF), Boas Práticas Agropecuárias (BPA) e
Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), e o Programa Nacional de
Melhoria da Qualidade do Leite (PNMQL), além da revisão do Regulamento da Inspeção
Industrial e Sanitária dos Produtos de Origem Animal (RIISPOA) e a expectativa de
publicação da Portaria no 56 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que
regulamenta, em caráter obrigatório, a adoção da granelização em todo o território
nacional.
Palavras-chave: Qualidade; Refrigeração; Resfriamento.

INTRODUÇÃO (APPCC). Essas transformações, muitas de lácteos.


A cadeia do leite no Brasil continua em delas antecipadas pela indústria antes de Esse novo cenário sugere a consoli-
pleno processo de transformação e moder- serem exigidas por regulamentação oficial, dação do princípio de qualidade para se ter
nização, destacando-se nesses últimos conduziram à revisão do Regulamento da vantagem competitiva no processo e, para
cinco anos o Programa Nacional de Melho- Inspeção Industrial e Sanitária dos Produ- isso, os agentes envolvidos no sistema do
ria da Qualidade do Leite (PNMQL), que tos de Origem Animal (RIISPOA) e a pu- agronegócio do leite têm que estar prepa-
incluiu a necessidade de uma refrigeração blicação da Portaria no 56 do Ministério rados para romper paradigmas, como forma
na propriedade e no transporte até a in- da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, de adequar as exigências técnicas, políticas
dústria (granelização). Outros fatores são que esteve em consulta pública e deverá e econômicas que se delineiam.
as exigências com relação à segurança ali- ser implementada em breve. Essas trans- Dentre essas transformações, merecem
mentar, definida pela implantação das ferra- formações são motivadas pela mudança do destaque a refrigeração do leite na proprie-
mentas de qualidade, como as Boas Práti- perfil do consumidor, especialmente como dade e o sistema de coleta a granel, inicia-
cas de Fabricação (BDF), para a indústria, resultado da abertura do mercado, que lhe dos timidamente no final de 1996 e que hoje
e Boas Práticas Agropecuárias (BPA), para permitiu médio acesso aos produtos lác- já é uma realidade, atingindo grande parte
o setor primário, além do sistema Análise teos importados, e a possibilidade de aber- da produção nacional. O sistema de coleta
de Perigos e Pontos Críticos de Controle tura do mercado externo para a exportação a granel, quando bem aplicado, sem dúvida

1
Biólogo, M.Sc., Pesq. EPAMIG – CT/ILCT, Rua Tenente de Freitas, 116, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. Correio eletrônico: ilct@ips.com.br
2
Médico Veterinário, Ph.D., Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 – Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-MG. Correio
eletrônico: jrfbrito@cnpgl.embrapa.br
3
Farmacêutica-Bioquímica, Ph.D., Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 – Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-MG.
Correio eletrônico mavpaiva@cnpgl.embrapa.br

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Gado de Leite 87

é uma ferramenta que agrega valor ao setor, relevantes, que trazem como conseqüên- (Quadro 1) e características físico-químicas
sobretudo quanto à manutenção da quali- cias perdas econômicas e riscos à saúde (Quadro 2), microbiológicas (Quadro 3)
dade microbiológica do leite. do consumidor. Dentre estes problemas e sensoriais (Quadro 4), citados em Silva
Conforme dados publicados na Gazeta tecnológicos, podem-se citar o baixo rendi- et al. (1999) para leite de vaca.
Mercantil (Círculo ..., 2001), somente no ano mento na fabricação de derivados, a dimi- Com isso, o que se espera com a refrige-
2000 a pecuária leiteira foi responsável pe- nuição da vida útil dos produtos no merca- ração do leite na propriedade e coleta a gra-
la abertura de mais de quatro mil novos do, as alterações nas características origi- nel é a manutenção da qualidade inerente
postos de trabalho. Não se pode ignorar o nais do leite e dos derivados, dentre outros. ao produto leite, desde que respeitados to-
suporte dado pelas indústrias de produtos Neste contexto, espera-se que a grane- dos os procedimentos higiênico-sanitários
lácteos ao avanço da cadeia produtiva. Os lização seja um agente que venha agregar e de manejo, que envolvem a ordenha e
laticínios estão substituindo os antiqua- valores à produção e ao processamento do estocagem do leite.
dos latões de leite, que ficavam expostos leite, sob o ponto de vista de manutenção
ao sol, na porta das fazendas à espera do da sua qualidade intrínseca e da melhoria Relação tempo x temperatura
caminhão “da linha”, por modernos tan- socioeconômica para sua cadeia produtiva. de resfriamento
ques refrigerados, instalados na proprie- Um ponto crítico no processo de res-
dade rural ou em centros de coleta. Nos Qualidade do leite friamento do leite na propriedade e que
últimos cinco anos, as empresas do setor O leite apresenta uma qualidade intrín- pode interferir diretamente na qualidade
investiram perto de US$ 500 milhões no seca, sob o ponto de vista de composição microbiológica e bioquímica da matéria-
chamado processo de granelização, que
assegura um produto final de qualidade
QUADRO 1 - Composição média do leite de vaca e respectivos intervalos de variação
superior e confere maior flexibilidade à
produção industrial. Teores Variações
Constituintes
(g/kg) (g/kg)

ASPECTOS TECNOLÓGICOS Água 873 855-887


RELACIONADOS COM A
Extrato seco desengordurado 88 79-100
GRANELIZAÇÃO
Gordura 39 24-55
A importância da ciência e da tecnolo-
gia de alimentos na melhoria da qualidade Lactose 46 38-53
de vida do homem é ressaltada pela vital Proteínas 32,5 23-44
necessidade de ter alimentos com alto valor Substâncias minerais 6,5 5,3-8,0
nutricional, disponíveis e acessíveis à po-
Ácidos orgânicos 1,8 1,3-2,2
pulação. Desde o nascimento, o leite apre-
senta-se quase indissociável da alimen- Outros 1,4 _

tação humana, e os avanços conquistados FONTE: Dados básicos: Walstra & Jenness (1984), citados por Silva (1997).
favorecem a produção, o processamento,
a distribuição e o consumo, em particular,
do leite de origem bovina. Essas etapas, QUADRO 2 - Características físico-químicas do leite de vaca

porém, induzem a alterações bioquímicas, Propriedades


Variações
físico-químicas, microbiológicas, nutricio- (unidades)
nais, sensoriais e reológicas, que podem Acidez (g/ácido lático/100mL) 0,13 – 0,17
comprometer a qualidade do produto final.
pH 6,6 – 6,8
A química do leite tornou-se um dos pila-
res a sustentar a garantia de qualidade e o Densidade (g/mL) 1,023 - 1,040 (15ºC)
desenvolvimento de produtos em laticínios. Ponto de congelamento (ºC) -0,531ºC
É evidente e motivador que o estudo da
Ponto de ebulição (ºC) 100 - 101ºC
química do leite demande especialistas em
diversas áreas, em razão da complexidade Calor específico (kJK-1kg-1) 3,93 (15ºC)
das interações entre os constituintes do Tensão superficial (mN/m) 55,3
leite e os tratamentos tecnológicos empre-
Viscosidade (mPa s) 1,631 (20ºC)
gados (Silva, 1997).
A utilização de leite de baixa qualidade Condutividade elétrica (mS/cm) 4,61 - 4,92

pela indústria tem implicações tecnológicas FONTE: Silva (1997).

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prima, diz respeito ao controle do binômio QUADRO 3 - Características microbiológicas do leite de vaca, considerando-se uma baixa contagem
tempo versus temperatura de resfriamen- microbiana
to. Grupo Incidência
Para o PNMQL, aguardando publica-
Micrococos 30 - 90%
ção oficial pela Portaria no 56 do Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Estreptococos 0 - 50%
prevê-se que a temperatura ideal para o res- Asporogenos gram-positivos (bastonetes) < 10%
friamento do leite será no máximo 4ºC, até Bastonetes de gram-negativos, incluindo coliformes < 10%
3 horas após a ordenha, e o tempo de esto-
Bacilos (esporos) < 10%
cagem da matéria-prima na propriedade
deverá ser no máximo de 48 horas. A tem- Diversos (incluindo estreptomicetos) < 10%
peratura de recepção na indústria, deverá FONTE: Robinson (1990).
ser no máximo de 7ºC.
Este procedimento, associado ao ma-
nejo adequado do rebanho, à implantação QUADRO 4 - Características sensoriais do leite de vaca
e à aplicação das boas práticas de produ-
Características Qualificações
ção, e a manutenção correta dos tanques
resfriadores por expansão direta permitem Aspecto e cor Líquido branco, opalescente e homogêneo
garantir a qualidade microbiológica do pro-
duto. Sabor e odor Característicos, isento de sabores e odores estranhos

Neste contexto, a qualidade microbio- FONTE: Oliveria et al. (2000), citado por Castro & Portugal (2000).
lógica pode ser alterada, por exemplo, pelo
aumento da contagem global de bactérias
do leite (Quadro 5) e pelo crescimento de QUADRO 5 - Relação entre a temperatura de armazenamento e o crescimento bacteriano no leite cru,
microrganismos psicrotróficos. considerando três intervalos de horas após ordenha
Os psicrotróficos pertencem aos gru- Contagem bacteriana Tempo após Temperatura Contagem bacteriana
pos das bactérias gram-negativas (Aero- inicial ordenha de armazenamento total
monas, Pseudomonas, Chromobacterium,
9.000 ufc/mL 3h 4ºC 9.000
Yersinia e Alcaligenes) e gram-positivas
(Arthrobacter, Bacillus, Clostridium, Cory- 15ºC 10.000
nebacterium, Lactobacillus, Listeria, Micro- 25ºC 18.000
bacterium, Micrococcus, Sarcina, Staphy- 35ºC 30.000
lococcus e Streptococcus) (Champagne et
al., 1994 e Prabha et al., 1996). 9.000 ufc/mL 9h 4ºC 9.000
Estes microrganismos caracterizam-se 15ºC 46.000
pela capacidade de crescimento a 7ºC, ou 25ºC 1.000.000
menos, e vêm substituindo a flora de bac-
35ºC 35.000.000
térias deteriorantes mesofílicas produto-
ras de ácido lático (Almeida & Furtado Fi- 9.000 ufc/mL 24h 4ºC 10.000
lho, 1993 e Almeida, 1998).
15ºC 5.000.000
As implicações tecnológicas decorren-
tes da presença dessa flora psicrotrófica 25ºC 57.000.000
no leite estão basicamente relacionadas 35ºC 800.000.000
com a produção de enzimas termorresisten- FONTE: Dados Básicos: Johnson & Reto (1996), citados por Pereira et al. (1999).
tes extracelulares, resistentes aos tratamen- NOTA: ufc/mL - Unidades formadoras de colônia por mililitro.
tos térmicos, aos quais o leite é submeti-
do na indústria, provocando, por exemplo
(Almeida, 1998): b) no leite UHT: as enzimas lipolíticas e c) na manteiga: a produção de enzi-
a) no leite em pó: mudanças nas ca- proteolíticas termorresistentes po- mas lipolíticas causa danos no pro-
racterísticas físico-químicas do pro- dem provocar o processo de geleifi- cessamento e estocagem, aumentan-
duto e alterações nas propriedades cação do produto, reduzindo a vida do, principalmente, o caráter ranço-
funcionais e sensoriais do pó; útil na prateleira; so do produto;

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Gado de Leite 89

d) no leite: as enzimas proteolíticas pro- conseqüentemente, maior competitividade b) fortalecimento dos programas de
duzidas por espécies de Pseudomonas, de mercado. extensão rural e de assistência téc-
podem ocasionar a hidrólise da k e nica ao produtor;
β-caseína. ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS
c) melhoria na interação produtor/in-
RELACIONADOS COM A
O resfriamento e a conservação do leite dústria;
GRANELIZAÇÃO
pelo frio podem ocasionar também alte- d) fortalecimento dos elos da cadeia do
rações bioquímicas, que afetam a transfor- A indústria de laticínios nacional, em
leite;
mação em derivados pela indústria. Sob face do processo sistematizado de coleta a
esse aspecto, destaca-se a solubilização de granel, vem implantando os programas de e) implantação de programas de edu-
fosfato de cálcio coloidal e de β-caseína, pagamento de leite pela qualidade, sendo cação sanitária;
que migra para fora das micelas de caseína, o diferencial aos sistemas tradicionais de f) implantação definitiva dos progra-
por diminuição das forças de atração e das remuneração com base, muitas vezes, ape- mas de eletrificação rural;
interações hidrofóbicas em baixas tempe- nas em volume.
g) aporte de verbas públicas para a re-
raturas. O leite, se empregado na fabricação Nesse processo, os desafios estão na
cuperação das vias de escoamento
de queijos, poderá sofrer diminuição da revitalização da produção primária, que
da produção de leite até as indústrias
coagulabilidade e da tensão do coágulo for- demanda, por exemplo, investimentos em
e postos de resfriamento;
mado, prejudicando a sinérese e podendo infra-estrutura, controle higiênico-sanitário
acarretar maior retenção de umidade, de e zootécnico do rebanho e no estabeleci- h) implantação de programas para trei-
lactose e de coagulante, menor pH, pro- mento dos parâmetros de qualidade e no namento especializado de transpor-
teólise mais intensa e menor durabilidade tempo de implantação do programa de pa- tadores, visando à coleta, à análise
(Silva et al., 1999). gamento diferenciado, esses dois últimos e ao transporte de amostras de leite,
Dessa forma, os cuidados com o pro- tendo que ser definidos pela indústria. da produção até a indústria.
cessamento do leite e os estudos para adap- Para concretizar essas ações, algumas Todo esse processo trará benefícios
tação de tecnologias na fabricação de quei- restrições e gargalos tecnológicos que im- para o sistema do agronegócio do leite no
jos e outros derivados, empregando-se pedem a evolução da cadeia do leite preci- Brasil, benefícios estes refletidos para a
leite resfriado, passam a ser fundamentais, sam ser resolvidos, destacando-se: indústria, para o produtor e para o siste-
como forma de garantir a qualidade do a) necessidade de redefinição das polí- ma de captação do leite, como citados em
produto final, maior tempo de prateleira e, ticas de incentivo à produção; Castro & Portugal (2000) e listados a seguir:

a) Setor industrial

Benefícios Melhorias em relação ao sistema de latões

. Melhoria da qualidade da matéria-prima . Recepção do leite previamente resfriado


. Melhor performance quanto à higienização dos tanques a granel comparado aos latões

. Ampliação do horário de recepção de . Recepção por um período de até 24 horas (unidades industriais)
leite . Ordenha e coleta do leite em horários mais cômodos para o produtor e transportador

. Redução dos custos operacionais de . Economia de energia, água, vapor, insumos, fretes 2o percurso etc.
recepção

. Redução da mão-de-obra . Redução no quadro funcional


. Aumento de produtividade/colaborador

. Agilidade na descarga do leite . Sistema de resfriamento rápido com capacidade superior


. Não há formação de filas para descarregamento

. Redução do frete 2o percurso . Economia de frete das unidades de resfriamento para as unidades industriais

. Redução dos custos de manutenção com . Eliminação de esteiras, máquinas de lavar latões, manuseio de latões etc.
equipamentos . Redução no tempo de trabalho das caldeiras, compressores, condensadores evaporativos etc.

. Redução do número de unidades de . Economia de mão-de-obra


resfriamento . Enxugamento da estrutura de recepção
. Redução de custos industriais

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90 Gado de Leite

b) Sistema de captação de leite


Benefícios Melhorias em relação ao sistema de latões

. Aumento da capacidade de transporte e re- . Racionalização das rotas de leite


dução do número de viagens

. Redução da mão-de-obra . Diminuição do número de transportadores, considerando-se duas viagens

. Ganhos gerais . Redução no tempo para recolhimento do leite;


. Menor esforço físico
. Menor distância percorrida por litro de leite recolhido;

c) Produtor
Benefícios Melhorias em relação ao sistema de latões

. Melhoria da qualidade da matéria-prima . Leite resfriado


. Redução das perdas com condenação (leite ácido)
. Maior possibilidade de ganhos com a bonificação

. Redução de valor do frete . Com a redução do número de veículos e aumento do volume de leite transportado/veículo, poderá
haver uma redução no custo com o frete

. Flexibilidade nos horários de ordenha e . Coleta de leite no período da manhã/tarde/noite.


coleta na propriedade

. Profissionalização da produção . Capacitação da mão-de-obra.


. Incentivo à fixação da mão-de-obra no campo
. Estímulo ao aumento de produção e renda

. Organização da produção . Formação de associações e cooperativas em sistemas de tanques comunitários


. Agregação de valor na venda do produto e na compra de insumos em sistemas de parceria
. Ganho de produtividade, qualidade e regularidade de oferta

CONCLUSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Mercantil, São Paulo, 29 ago. 2001. Editorial, p.3.

A revisão do Regulamento da Inspeção ALMEIDA, A.A.P. Microrganismos psicrotró- PEREIRA, C.C.; FONSECA, L.F.L. da. Qualidade
Industrial e Sanitária dos Produtos de Ori- ficos em leite e derivados. Revista do Instituto microbiológica do leite. In: WORKSHOP SOBRE
de Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, SÍNDROME DO LEITE ANORMAL, 1., 1999,
gem Animal e a vigência da Portaria no 56
v.53, n.304, p.40-43, jul./ago.1998. Anais do XV São Paulo. Anais... São Paulo:USP, 1999.
do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Congresso Nacional de Laticínios.
Abastecimento definirão novos rumos pa- PRABHA, R.; KRISHNA, R.; SHANKAR, P.
ra o agronegócio do leite no Brasil, forta- _______; FURTADO FILHO, J. Microrganismos A. Identification of gram-negative rod shaped
psicrotróficos em leite. Revista do Instituto de psychrotrophic bacteria of dairy origin. Indian
lecendo este importante segmento pro-
Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v.48, Journal of Dairy Science, New Delhi, v. 8,
dutivo.
n. 287, p.36-40, jul./set., 1993. n.49, p. 517-524, 1996.
A qualidade e a competitividade espe-
radas com o advento da granelização do CASTRO, M.C.D. e; PORTUGAL, J.A.B. (Ed.). ROBINSON, R.K. Dairy microbiology. London:
leite, somente serão alcançadas com a so- Perspectivas e avanços em laticínios. Juiz de Elsevier Applied Science, 1990. v.1, 301p.
Fora: EPAMIG - ILCT, 2000. 278p.
ma de esforços e de normas implantadas SILVA, P.H.F.da. Leite: aspectos de composição e
de forma sistematizada, em prazos exeqüí- CHAMPAGNE, C.P.; LAING, R.R.; ROY, D. et al. propriedades. Revista Química Nova, São Pau-
veis, previamente definidos para o ano 2002, Psychrotrophic in dairy products, their effects and lo, n.6, p.3-5, nov. 1997.
estabelecendo-se assim, um novo marco their control. Critical Review in Food Science
_______; PORTUGAL, J.A.B.; CASTRO, M.C.D.e.
para a pecuária e a indústria de laticínios and Nutrition, v. 1, n. 34, p. 1-30, 1994.
Qualidade e competitividade em laticínios.
brasileiras. CÍRCULO virtuoso da pecuária leiteira. Gazeta Juiz de Fora: EPAMIG-ILCT, 1999. 118p.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.86-90, jul./ago. 2001


Gado de Leite 91

Produção higiênica de leite


José Renaldi Feitosa Brito 1
Maria Aparecida Vasconcelos Paiva e Brito 2

Resumo - As transformações ocorridas nos últimos anos na cadeia agroalimentar exigem


dos produtores mudanças em relação à produção, à obtenção e ao armazenamento do
leite na propriedade. Espera-se que a matéria-prima (leite) chegue à indústria em condições
ótimas de processamento. Essas condições devem atender às demandas do consumidor
por produtos saudáveis, seguros para sua saúde e baratos. Além disso, espera-se que tais
produtos tenham maior vida de prateleira, o que implica em ganhos para a indústria co-
mo um todo. Exige-se do produtor rural mudanças de atitude que estão, basicamente,
relacionadas com a maneira como ele encara a sua atividade. Ou seja, passar a ser um
produtor de alimentos em vez de, simplesmente, cuidar e alimentar o rebanho. Proce-
dimentos e meios para enfrentar esses desafios são conhecidos e aplicados em grande
número de rebanhos leiteiros em todas as regiões produtoras do mundo, incluindo o
Brasil. São revistos os procedimentos reconhecidos como eficientes, para a obtenção de
leite de alta qualidade higiênica, o que inclui a prevenção da contaminação microbiana, a
de controle da mastite e a de resíduos de antimicrobianos no leite.
Palavras-chave: Qualidade do leite; Segurança alimentar; Mastite; Contaminação
microbiana; Resíduos de antibióticos.

INTRODUÇÃO integração das boas práticas de produção, (1996), baixo número de microrganismos
na fazenda, com princípios científicos e de saprofíticos ou deterioradores, ausência ou
A sociedade demanda o fornecimento
gestão. Para isso, o produtor deve tomar pequeno número de microrganismos pato-
de alimentos seguros, pois isso contribui
decisões efetivas e válidas cientificamente gênicos (incluindo os patógenos causado-
para a melhoria da saúde humana e reduz
com respeito à prevenção, eliminação ou res da mastite) e ausência ou níveis abaixo
os custos relacionados aos gastos com a dos limites máximos permitidos de resíduos
redução principalmente de perigos quími-
saúde e a disseminação de potenciais patóge- cos (resíduos de antibióticos, pesticidas, de substâncias como antibióticos e outros
nos. A garantia da produção de alimentos vermífugos, desinfetantes e qualquer pro- químicos.
seguros, desde a fazenda, é parte integral duto químicos que possa entrar em contato
da estratégia para atingir esses objetivos e com o alimento) e microbiológicos (micror- QUALIDADE BACTERIOLÓGICA DO
responder às necessidades e às expecta- ganismos patogênicos ou que contribuem LEITE: BACTÉRIAS SAPROFÍTICAS
tivas da sociedade. Com efeito, o primeiro para deteriorar o alimento). (DETERIORADORAS)
ponto ao longo da cadeia alimentar é a fa- A qualidade do leite é determinada por Devido à sua riqueza nutricional, o lei-
zenda ou a unidade de produção, onde as aspectos de composição e higiene. As exi- te é um excelente meio para a multiplica-
decisões do produtor e os procedimentos gências higiênicas de qualidade a serem ção de bactérias deterioradoras que, em-
adotados podem influenciar todos os de- alcançadas pelo leite cru variam entre pos- bora não tenham importância primária do
mais pontos dessa cadeia. No caso do leite, tulados categóricos de proteção da saúde ponto de vista da saúde do consumidor,
esse aspecto é particularmente importante, humana e propriedades desejáveis que são, são indicadoras das condições higiênicas
porque ele é um dos alimentos mais suscep- do ponto de vista nutricional, impulsiona- de produção, acondicionamento e trans-
tíveis à contaminação microbiana e sua qua- dores do aumento do consumo, necessário porte, ou seja, desde o momento da orde-
lidade não é melhorada com o processamen- para a ampliação do mercado. Os principais nha até o consumo (Heeschen, 1996). Es-
to industrial (Homan & Wattiaux, 1995). critérios a serem alcançados pelo leite cru sas bactérias podem ser divididas em três
A produção de alimentos seguros é uma de qualidade são, de acordo com Heeschen grupos, de acordo com os pontos de ata-

1
Médico Veterinário, Ph.D., Pesq. Embrapa Gado de Leite - Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-MG.
Correio eletrônico: jrfbrito@cnpgl.embrapa.br
2
Farmacêutica-Bioquímica, Ph.D., Pesq. Embrapa Gado de Leite - Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-
MG. Correio eletrônico: mavpaiva@cnpgl.embrapa.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.91-93, jul./ago. 2001


92 Gado de Leite

que aos principais elementos constituintes doença de Cronh em humanos. A paratu- ordenhado apresenta algumas vantagens,
do leite (carboidratos, proteínas e gor- berculose é uma doença amplamente dis- como maior produção e maior velocidade
duras). Microrganismos dos grupos dos seminada em várias regiões do mundo, de ordenha (pela promoção da descida do
estreptococos e lactobacilos geralmente tendo alta prevalência nos rebanhos ameri- leite), além da melhoria da qualidade do lei-
degradam carboidratos, alguns deles trans- canos e acometendo todas as espécies de te e da saúde dos animais (Rasmussen,
formando a lactose em ácido láctico, sendo ruminantes domésticos e silvestres e algu- 2000). O manejo dos animais, desde a sua
responsáveis por elevadas perdas decor- mas espécies de roedores (Hammer, 2000). condução para o local, e o início da ordenha
rentes da acidificação do leite. Outros gru- Um outro aspecto relativo à paratuberculose são importantes para se garantir a ordenha
pos de microrganismos, como Pseudomonas, é a dificuldade do seu controle e tratamento, completa e rápida. As vacas devem estar
enterobactérias e várias espécies de bacilos além da sua reconhecida resistência aos calmas e limpas antes da ordenha. Ao mes-
formadores de esporos, degradam as pro- processos tradicionais de pasteurização mo tempo, a natureza da interação entre o
teínas, através de enzimas proteolíticas, (Collins, 1997 e Hammer, 2000). Esses fatos homem e o animal influencia tanto a pro-
causando diversas alterações indesejáveis justificam a necessidade de enfatizar a im- dução quanto o bem-estar animal (Sea-
nos derivados lácteos. Um terceiro grupo plantação e o aperfeiçoamento dos procedi- brook, 1994). A manutenção da rotina de
de bactérias (Pseudomonas, micrococos, mentos higiênicos adotados na produção ordenha e das demais atividades relacio-
aeromonas, corinebactérias etc.) degradam de leite na fazenda e os cuidados com a saúde nadas tem sido avaliada. Rasmussen &
os lipídios e são responsáveis por defeitos dos rebanhos. Frimer (1990), por exemplo, documentaram
como a rancificação de derivados lácteos. um aumento de 5,5% na produção de leite,
As principais conseqüências da atuação quando a ordenha seguiu uma rotina, ao
FONTES DE CONTAMINAÇÃO
dessas bactérias são, além das perdas qua- ser comparada ao emprego de procedi-
DO LEITE CRU
litativas, a redução da vida de prateleira de mentos variados de ordenha.
praticamente todos os produtos lácteos (io- A contaminação do leite na fazenda A preparação das tetas para a ordenha
gurtes, leites fluido e longa vida, manteiga, tem origem em quatro fontes principais: o consiste do exame e descarte dos primei-
queijos etc.). úbere infectado, a superfície do úbere e ros jatos de leite e de algum tipo de limpeza
tetas, as mãos do ordenhador ou toalhas delas. O exame dos primeiros jatos de leite
QUALIDADE BACTERIOLÓGICA de pano ou outros meios usados para lavar da vaca antes da ordenha tem como objeti-
DO LEITE: BACTÉRIAS e secar as tetas ou o úbere e equipamentos vos identificar vacas com mastite clínica
PATOGÊNICAS de ordenha ou de armazenamento do leite (impedir a mistura do leite da vaca doente
não higienizados corretamente (Homan & com o das vacas sadias) e reduzir a conta-
A lista de microrganismos patogêni-
Wattiaux, 1995). Numerosos estudos têm minação do leite do rebanho (Rasmussen,
cos que podem ser transmitidos ao homem
mostrado a importância dos procedimentos 2000). Esse procedimento também ajuda a
através do leite é extensa e inclui os gêne-
de higiene e manejo para evitar a conta- promover a descida do leite.
ros e espécies de bactérias Salmonella,
minação do leite, como evidenciado pelas revi- Homan & Wattiaux (1995) recomendam
Campylobacter jejuni, Escherichia coli,
Yersinia enterocolitica, Brucella abortus, sões de Heeschen (1996) e Slaghuis (1996). a seguinte seqüência de preparação para a
Listeria monocytogenes, Staphylococcus ordenha: exame manual do úbere, obtenção
PROCEDIMENTOS HIGIÊNICOS e exame dos primeiros jatos de leite, lava-
aureus e várias espécies de Mycobaterium,
PARA A PRODUÇÃO DE LEITE gem e secagem das tetas. Vários estudos
incluindo M. paratuberculosis (Sanaa et
DE QUALIDADE conduzidos nos últimos 25 anos têm com-
al., 1993, Heeschen, 1996 e Collins, 1997).
Outros microrganismos incluem vírus, ri- A produção de leite de alta qualidade provado a necessidade de ordenhar tetas
quetsias e protozoários (Heeschen, 1996). higiênica depende de atenção a três áreas: limpas e secas, ao mesmo tempo que se
É necessário considerar que existem ainda a rotina de ordenha, as vacas e seu ambien- recomenda evitar a ordenha de tetas sujas
lacunas no conhecimento científico a res- te, e os equipamentos de ordenha (John- ou molhadas. Ao mesmo tempo, enfatiza-
peito da ligação entre a presença de de- son, 2000). Essas três áreas podem incluir se a necessidade de uso de toalhas indi-
terminados microrganismos no ambien- um número variável de atividades, de- viduais em detrimento às toalhas coletivas,
te da fazenda ou no leite e a ocorrência de pendendo das condições de cada rebanho. usadas em vários animais (Galton et al.,
doença em humanos. Com o uso dissemi- Algumas dessas atividades são comuns à 1986). O procedimento de lavar as tetas com
nado dos processos de pasteurização do maioria dos rebanhos e devem ser imple- água e secar com papel toalha reduz signi-
leite, a possibilidade de transmissão dos mentadas, porque têm sido reiteradamente ficativamente o número de bactérias na pele
microrganismos patogênicos como o baci- comprovadas como eficazes sob as mais das tetas, entretanto, a redução é significa-
lo da tuberculose, S. aureus ou E. coli, é diversas condições de produção, em gran- tivamente mais alta com o emprego de um
praticamente nula. Recentemente, entre- de número de países. desinfetante antes da ordenha. A mamada
tanto, tem-se investigado a possibilidade do bezerro antes da ordenha contribui para
de o mesmo agente da doença de Johne Preparação das vacas antes aumentar a contaminação microbiana da su-
ou paratuberculose (Mycobacterium da ordenha perfície das tetas em mais de dez vezes, em
paratuberculosis) ser o responsável pela A correta preparação do animal para ser média (Pankey et al., 1987 e Brito et al., 2000).
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.91-93, jul./ago. 2001
Gado de Leite 93

Ordenha guir são mencionados os passos para se COLLINS, M. T. Mycobacterium paratuberculosis:


Uma vez preparado o úbere, a ordenha ter um sistema de produção de leite com a potential food-borne pathogen? Journal of Dairy
deve ser iniciada imediatamente, com a co- qualidade: Science, Champaign, v.80, p.3445-3448, 1997.
locação das teteiras, no caso de ordenha a) identificar e tratar prontamente os GALTON, D. M.; PETERSSON, L. G.; MERRILL,
mecânica, ou da ordenha manual. Em qual- casos clínicos; W. G. Effects of premilking udder preparation
quer caso, é importante a higiene do orde- practices on bacterial counts in milk and on teats.
b) descartar animais com infecções crô- Journal of Dairy Science, Champaign, v.69,
nhador e os cuidados relativos à manu-
nicas; p.260-266, 1986.
tenção e à higienização dos equipamentos
de ordenha. Nesse aspecto, deve ser men- c) adotar procedimentos adequados de HAMMER, P. Mycobacterium paratuberculosis
cionada a necessidade de dispor de água ordenha; in cattle and food hygiene. Bulletin of the
corrente no local de ordenha e de observar d) manter em ordem e em condições International Dairy Federation, Bruxelle,
as recomendações dos fabricantes de equi- n.345, p.19-22, 2000.
adequadas de higiene os equipa-
pamentos com relação à temperatura da mentos de ordenha; HEESCHEN, W. H. Bacteriological quality of raw
água usada, o esquema de limpeza, especial- milk: legal requirements and payment systems:
e) desinfetar tetas imediatamente após
mente quanto à adequação dos produtos situation in the EU and IDF member countries.
a ordenha, com solução desinfe- In: SYMPOSIUM ON BACTERIOLOGICAL
empregados e da freqüência de operação.
tante apropriada; QUALITY OF RAW MILK, 1996, Wolfpassing,
Pós-ordenha f) tratar todos os quartos mamários de Austria. Proceedings... Wolfpassing: IDF, 1996.
Imediatamente após a ordenha, as tetas todas as vacas no início do período p.1-18.
devem ser cobertas (por imersão ou por seco, com antibiótico apropriado. HOMAN, E. J.; WATTIAUX, M. A. Lactation
spray) em solução desinfetante apropriada. O uso de antibióticos no tratamento da and milking. Madison: The Babcock Institute,
Essa solução deve cobrir toda a superfície mastite tem sido a principal causa de apa- 1995. 94p.
da teta e, aparentemente, a imersão dela em recimento de resíduos no leite. A presença JOHNSON, A. A proper milking routine: the key to
um recipiente com desinfetante cumpre de resíduos de antibióticos ou outras dro- quality milk. In: NATIONAL MASTITIS COUNCIL
melhor essa exigência. O desinfetante deve gas veterinárias no leite é motivo de preo- ANNUAL MEETING, 39., 2000, Atlanta.
ser preparado diariamente, evitando-se sua cupação, tanto por parte da saúde pública Proceedings... Atlanta: NMC, 2000. p.123-126.
reutilização (Homan & Wattiaux, 1995). As como por parte da indústria. Além disso PANKEY, J.W.; WILDMAN, P.A.; DRECHSLER,
soluções usadas incluem clorexidina (0,5%), apresenta alta taxa de rejeição pelo mercado P. A.; HOGAN, J. S. Field trial evaluation of pre-
iodo (0,5 a 1,0%) e hipoclorito (4%), de- consumidor, que considera o leite um pro- milking teat disinfection. Journal of Dairy
vendo-se evitar preparações caseiras ou duto de alto valor nutritivo, puro e saudá- Science, Champaign, v.70, p.867-872, 1987.
produtos de procedência duvidosa. Ao vel, isto é, livre de adulteração e contami- RASMUSSEN, M. D. A review of milking prepa-
sair da sala de ordenha, deve-se assegurar nação. A melhor forma de evitar resíduos ration?: the science. In: NATIONAL MASTITIS
que os animais permaneçam de pé por um de antibióticos no leite é seguir estritamente COUNCIL ANNUAL MEETING, 39., 2000,
mínimo de 30min (o ideal é por até 120min). as recomendações do fabricante, dar aten- Atlanta. Proceedings... Atlanta: NMC, 2000.
Muitos produtores conseguem isso ao for- ção especial à dosagem, via de adminis- p.104-110.
necer ração ou alimento fresco aos animais tração e período de carência do medica- _______; FRIMER, E. S. The advantage in milking
para estimular esse comportamento. mento (Brito, 2000). Antibióticos adminis- cows with a standardized milking routine. Journal
A manutenção da qualidade microbio- trados para tratamento ou prevenção de of Dairy Science, Champaign, v.73, p.3473-
lógica do leite após a ordenha depende de infecções uterinas, aplicações musculares, 3480, 1990.
seu rápido resfriamento de, aproximada- sob a pele ou na alimentação, podem re- SANAA, M.; POUTREL, B.; MENARD, J. L.;
mente, 39oC para menos de 4oC, em recipien- sultar em resíduos no leite. SERIEYS, F. Risk factors associated with contami-
te limpo e abrigado de insetos e roedores.
nantion of raw milk by Listeria monocytogenes.
Antes disso, é imprescindível a coadura
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Journal of Dairy Science, Champaign, v.76,
do leite (deve-se usar filtro que permita ser p.2891-2898, 1993.
limpo e desinfetado adequadamente). BRITO, J.R.F.; BRITO, M.A.V.P. e; VERNEQUE,
R. da S. Contagem bacteriana da superfície de SEABROOK, M. F. Psychological interaction
QUALIDADE HIGIÊNICA DO tetas de vacas submetidas a diferentes processos between the milker and the dairy cow. In: NATIO-
NAL MASTITIS COUNCIL ANNUAL MEETING,
LEITE E MASTITE de higienização, incluindo a ordenha manual com
33., 1994, Orlando. Proceedings... Arligton:
participação do bezerro para estimular a descida
Estratégias para controle da mastite NMC, 1994. p.163-172.
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bovina incluem cuidados higiênicos adota-
p.847-850, set./out. 2000. SLAGHUIS, B. Sources and significance of conta-
dos antes, durante e após a ordenha. Essas
minants on different levels of raw milk production.
estratégias foram divulgadas inicialmente BRITO, M.A.V. P. e. Resíduos de antimicro- In: SYMPOSIUM ON BACTERIOLOGICAL
como o plano dos cinco pontos, mas ao bianos no leite. Juiz de Fora, MG: Embrapa Ga- QUALITY OF RAW MILK, 1996, Wolfpassing,
longo dos anos, esse plano vem sendo do de Leite, 2000. 28p. (Embrapa Gado de Leite. Austria.Proceedings... Wolfpassing: IDF, 1996.
aprimorado, incluindo novos itens. A se- Circular Técnica, 60). p.19-27.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.91-93, jul./ago. 2001


94 Gado de Leite

Retorno dos investimentos na Embrapa Gado de Leite


João Cesar de Resende 1

Resumo - O trabalho de uma instituição como a Embrapa materializa-se na geração e


adaptação de novas tecnologias, nos produtos e serviços e também na tarefa de levar essas
inovações aos produtores rurais, seus principais usuários finais. Estes, ao adotarem essas
inovações, terão como resultado imediato um impacto positivo na produtividade dos
fatores de produção e, conseqüentemente, na renda e na sua qualidade de vida. Indire-
tamente, todos os agentes da cadeia produtiva ganham com a modernização, à medida
que os produtores tornam-se mais eficientes, e colocam à disposição produtos de melhor
qualidade e mais baratos no mercado. Os resultados da pesquisa da Embrapa Gado de
Leite têm influenciado no comportamento da produção brasileira de leite, nos últimos 25
anos. Uma análise feita em 1992 aponta excelente retorno para os investimentos em
pesquisas na Unidade, sendo o fato comprovado em 2000 por balanço social de 12, dos 50
itens do portfólio tecnológico da Empresa. Além disso, evidências de um deslocamento
para a direita da oferta de leite no Brasil indicam que, sem essas pesquisas, os custos de
produção no campo e na indústria seriam mais elevados, os produtores estariam em
situação econômica pior e os consumidores finais estariam pagando preços mais elevados
pelo leite e seus derivados. Provavelmente, o país seria hoje um grande importador de
derivados lácteos, com custos sociais inesperados para toda a sociedade brasileira.
Palavras-chave: Preço do leite; Taxa interna de retorno; Pecuária leiteira; Tecnologia; Custo;
Benefício.

INTRODUÇÃO b) triangulações e importações clandes- Podem ser todos argumentos econômi-


tinas de derivados lácteos; cos, políticos ou sociais falsos (ou suspei-
Em 2001, a produção anual de leite no
tos). Pode, no entanto, ser cada um par-
Brasil, em valores arredondados, está na c) queda no poder aquisitivo dos con-
cialmente verdadeiro. A crise seria uma
casa dos 21 bilhões de litros. Numa rápi- sumidores e conseqüente crise in-
decorrência da conjunção de parcelas de
da análise da situação neste ano percebe- terna na demanda geral por produtos
verdades de variados tamanhos de cada
se, no entanto, que o negócio do leite, pelo lácteos;
um deles.
menos no que diz respeito ao setor da pro-
d) pequena margem de lucro da indús- Existe ainda a hipótese da ocorrência
dução primária, atravessa uma inexplicá-
tria, devido a elevados custos, prin- de excesso de produção no setor primá-
vel degeneração de preços, que se mantêm
cipalmente da embalagem do longa rio. Nos últimos cinco anos, ou seja, de 1996
até mesmo em plena época de entressafra
vida; a 2001, a produção cresceu um total de
da produção. Em decorrência, notadamente
12,4%, enquanto a população cresceu ape-
os pequenos e médios produtores estão e) lucros excessivos dos supermerca-
nas 6,8%. Se a produção vem crescendo
passando por situação econômica no míni- dos;
acima do esperado (ou do necessário), com
mo complicada. As explicações para o fenô-
f) cartelização da indústria processa- certeza fatos novos vêm contribuindo pa-
meno são muitas e os argumentos variam
dora; ra que isto aconteça. Incentivos de preços
de acordo com a origem dos analistas. Os
para os produtores não foram, porque des-
mais freqüentes são: g) oligopsônio das grandes empresas
de 1975 os preços reais vêm caindo siste-
do agronegócio;
a) abertura dos mercados internacio- maticamente ao longo dos anos. Para se
nais aliada a generosos subsídios h) desorganização do mercado, envol- ter uma referência, os preços pagos aos
públicos aos produtores dos países vendo os produtores, a indústria e o produtores em 1975, ano de fundação da
ricos; comércio. Embrapa Gado de Leite, se corrigidos para

1
Engo Agro/Economista, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora - MG.
Correio eletrônico: joaocsar@cnpgl.embrapa.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.94-97, jul./ago. 2001


Gado de Leite 95

a moeda atual, estariam acima de R$ 1,00 aplicados em uma instituição de pesqui- Neste trabalho, a avaliação restringe-
por litro. A globalização dos mercados, por sa pode ser avaliado seguindo este modelo. se à Embrapa Gado de Leite, Unidade encar-
motivos óbvios, impôs a necessidade da Compara-se o valor dos recursos aplicados regada das pesquisas tecnológicas direcio-
modernização dos produtores, o que real- na instituição com o valor dos bens produ- nadas ao setor leiteiro.
mente ocorreu. Os produtores se viram na zidos ao longo de certo período. Para este
encruzilhada: ou modernizar ou mudar de caso, de maneira geral, a literatura especia- RESULTADOS
atividade. Felizmente, boa parte seguiu o lizada considera o orçamento total anual
A cesta ou portfólio de TSPs da Embrapa
primeiro caminho. A parcela dos excluídos da instituição como sendo o investimento
Gado de Leite pode ser dividida em cinco
não foi tão grande quanto se esperava. Os total, ou despesas totais. Por outro lado, o
grupos. O grupo 1 refere-se ao material ge-
últimos dados oficiais disponíveis indi- total de receitas é representado pelo valor
nético de maior potencial desenvolvido
cam que o número de proprietários que se dos benefícios produzidos, que, no caso
pela pesquisa; o grupo 2, às técnicas dire-
identificaram como produtores de leite, da análise do retorno de uma instituição de
cionadas para a redução dos custos de pro-
aumentou em 19%, de 1975 para 1985, e, em pesquisas agrícolas, é dado pelo incremen-
dução; o grupo 3 refere-se às tecnologias
6%, nos dez anos seguintes. Os efeitos da to total líquido nas receitas dos produtores,
que induzem aumentos de produção sem,
globalização sobre a modernização da ati- devido à adoção parcial ou total do pacote
necessariamente, modificar a estrutura dos
vidade foram muito fortes na década de 90 de tecnologias, serviços e produtos (TSPs)
custos; o grupo 4 refere-se aos novos pro-
e boa parte do crescimento verificado po- gerados. Para o caso da pesquisa em gado
dutos ou insumos mais eficientes desen-
de ser creditado a este fato. Mas, na década de leite, devido à dificuldade de identificar
volvidos, e o grupo 5 refere-se ao conjunto
anterior, a produção já havia crescido 30%, dados globais de investimentos em todas
de serviços, em suas diversas modalidades,
quase 10% acima do crescimento popula- as entidades de pesquisas do país, serão
prestados direta ou indiretamente aos pro-
cional daquele período. Se não existiram analisados os investimentos realizados na
dutores, técnicos e demais agentes vincu-
fatos políticos ou econômicos expressivos Embrapa.
lados ao agronegócio do leite. A seguir,
na época, que pudessem explicar este cres- A preocupação em se auto-avaliar, em
são citadas algumas TSPs da Unidade, per-
cimento, resta concordar que existiu uma termos de retornos para a sociedade brasi-
tencentes a cada um desses grupos:
componente tecnológica muito forte para leira, tem sido uma constante na Empresa
viabilizar tal evolução. desde o início da década de 80. Em conse- Grupo 1: melhoramento genético de reba-
Sem dúvida, a disponibilidade de novas qüência, nestes últimos 20 anos, variadas nhos; disponibilidade de touri-
e modernas tecnologias foi, e continua sen- metodologias foram testadas e muitas ava- nhos holandeses puros; cultiva-
do, o fator decisivo para explicar e viabili- liações foram produzidas, tanto por pro- res de forrageiras de maior po-
zar este crescimento. Neste ponto levanta- fissionais da própria Empresa, como por tencial produtivo;
se a questão: sem investimentos em pesqui- especialistas externos, sempre na tentativa Grupo 2: uso da uréia em volumosos como
sas neste setor as tecnologias estariam dis- de aprimorar a precisão e fidelidade dos cana-de-açúcar; uso da uréia em
poníveis? E ainda: como estaria a pecuária resultados obtidos. As avaliações levam concentrados; fontes alternati-
leiteira do país nos dias atuais? Há de se em conta principalmente, os recursos con- vas de enxofre e fósforo; doses
concordar que os investimentos públicos em sumidos e os efeitos econômicos e sociais econômicas de calcário para for-
pesquisas nas universidades, nas institui- diretos e indiretos produzidos para os mação de pastagens; uso correto
ções estaduais e na própria Embrapa, tive- produtores e para a sociedade de maneira das diversas bases químicas de
ram papel decisivo nesta modernização e geral. carrapaticidas; esquema estraté-
têm sustentado o crescimento da produção. Na estimativa dos benefícios econômi- gico para controle de carrapatos
cos, a Embrapa tem adotado, atualmente, e e verminoses dos bovinos; pro-
METODOLOGIA E ANTECEDENTES tentado padronizar a teoria do excedente pagação do capim-elefante por
econômico gerado pela adoção da inova- meio de sementes;
Em um modelo simplificado, o proces- ção tecnológica. Os benefícios da adoção
so de avaliação do retorno de um projeto, Grupo 3: alimentação estratégica para re-
das tecnologias têm sido medidos em ter-
empreendimento ou investimento envolve dução do intervalo entre partos;
mos de:
basicamente a mensuração de duas compo- alimentação estratégica para an-
a) aumentos de produtividade, devido tecipação da idade de primeira
nentes de valores monetários: a quantidade
à adoção de técnicas mais produ- parição de novilhas; uso de forra-
de recursos utilizados no processo de pro-
tivas; geiras de inverno (aveia, azevém
dução (despesas) e o valor agregado dos
bens produzidos (receitas). O retorno do b) redução no uso de insumos e custos e alfafa) sob pastejo; produção
empreendimento é avaliado comparando- de produção; de leite em pastagens de coast-
se, por meio de critérios econômicos espe- c) expansão das áreas de produção; cross; pastejo rotativo em capim-
cíficos, os valores dos recursos consumi- d) agregação de valor aos produtos, elefante;
dos pelo empreendimento com o valor dos devido a novas técnicas de proces- Grupo 4: Softwares para gerenciamento
bens produzidos. O retorno dos recursos samento industrial. de rebanhos leiteiros; touros gir
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.94-97, jul./ago. 2001
96 Gado de Leite

melhorados direcionados para já haviam sido aplicados na Embrapa Gado milhões, em 2000. Nesse mesmo ano, foi
a produção de leite; e pomada de Leite cerca de US$ 85 milhões. A produ- aplicado na Embrapa Gado de Leite um to-
PapilomaX® para o controle da ção leiteira do país naquele ano era de 15,8 tal de US$ 8,86 milhões, computando os
Papilomatose; bilhões de litros, que representava um va- recursos do tesouro, convênios, receitas
Grupo 5: planilhas de custos de produção; lor global primário de US$ 3,3 bilhões, con- próprias e, ainda, os recursos externos cap-
treinamentos, cursos, palestras siderando o preço pago aos produtores na tados por meio de contratos de parcerias.
e dias de campo; assessorias di- época (US$ 0,21/litro). Se for creditado um Isto quer dizer que um incremento de 0,3%
versas; atendimento individua- adicional de 5% deste valor, como sendo na produção leiteira do ano já seria sufi-
lizado a produtores via sistema devido ao efeito proporcionado pela ado- ciente para ressarcir à sociedade os valores
de atendimento ao cliente; parce- ção dos resultados das novas pesquisas, aplicados nas pesquisa com gado de leite,
rias com empresas privadas para isto representaria um valor global adicio- na Embrapa. As evidências indicam, no en-
teste de novos produtos. nal de US$ 166 milhões injetados na eco- tanto, que uma parcela bastante superior
nomia nacional naquele ano, significativa- desta produção deve-se às inovações tec-
Nestes agrupamentos, não existe rigi-
mente superior ao custo de US$ 10 milhões nológicas disponíveis para o setor. Con-
dez quanto à classificação apresentada. Por
da Unidade naquele ano. siderar, ainda, que o Quadro 1 trata dos
exemplo, a tecnologia “esquema estratégi-
benefícios diretos de somente 12 dos qua-
co para controle de carrapatos e vermino- Estimativa dos se 50 itens do pacote de TSPs da Unidade
ses dos bovinos” classificada no grupo 2 benefícios gerados pela em 2000. Não estão computados também
(redutora de custos de produção), pode-
Embrapa Gado de Leite em outros benefícios econômicos e sociais
ria estar também no grupo 3 (indutora de
2000 indiretos do uso das inovações tecnoló-
aumentos de produção).
O Quadro 1 apresenta os benefícios di- gicas e que, com certeza, atingem todos os
Primeira avaliação da retos gerados por um grupo de 12 dos 50 agentes do agronegócio do leite. Entre eles
Embrapa Gado de Leite itens do pacote atual de TSPs da Embrapa estão, as melhorias de qualidade do pro-
Gado de Leite para o ano de 2000, utilizan- duto e suas conseqüências positivas para
Na primeira avaliação feita em 1992, fo-
do o método do excedente econômico, con- a indústria e para os consumidores; a re-
ram identificados e estudados 23 itens do
forme recomendação e padronização da dução da parcela de produtores excluídos
pacote de TSPs da Unidade. Foram calcu-
Empresa. da atividade e seu reflexo positivo no nível
lados os excedentes econômicos indivi-
Os valores indicam que este grupo de de emprego rural; os aumentos da produção
duais e agregados do período de 1974 a
TSPs retornou para a sociedade US$ 260 e da arrecadação fiscal; redução das impor-
1992 e, a partir desses dados, determinou-
se a taxa de retorno dos investimentos fei-
tos na Unidade até então. Obteve-se um
fluxo de benefícios de 19 anos. Tomaram- QUADRO 1 - Benefícios estimados de doze TSPs da Embrapa Gado de Leite no ano 2000
se como custo da pesquisa o fluxo de in-
vestimentos totais anuais na Unidade no Benefícios
Tecnologia
período. A diferença entre os benefícios e (US$1,000)
os custos de cada ano forneceu o fluxo de Manejo integrado de forrageiras para produção de leite a pasto 161.00
benefícios líquidos. Aplicando o método
Produção intensiva de leite em pastagens de coast-cross 3,115.00
da Taxa Interna de Retorno (TIR), critério
bastante utilizado na literatura para avaliar Controle estratégico de carrapatos 2,527.00
a rentabilidade de um investimento e tam- Controle estratégico de verminoses 36,808.00
bém neste tipo de avaliação, chegaram-se Produção de leite sob pastejo rotativo 69,373.00
a valores que variaram de 18,11 a 21,81%.
Estabelecimento de capim-setária em áreas de várzeas 15,156.00
São indicadores que apontam uma exce-
lente rentabilidade para o empreendimen- Esquema de cruzamentos para bovinos de leite 1,621.00
to Embrapa Gado de Leite. Para se ter uma PapilomaX® 8,075.00
referência, os investimentos convencio- Esquema estratégico para tratamento de endometrites 5,493.00
nais, como exemplo um projeto industrial,
Cuidados na retenção de placenta 18,659.00
uma TIR de 5% já indica que o projeto é
economicamente rentável para os agentes Controle integrado da mastite 3,344.00
financiadores. Mistura de cana e outros volumosos com uréia 95,700.00
Na totalização dos recursos anuais in-
vestidos na Unidade, corrigidos pelas res- Total 260,032.00
pectivas taxas de câmbio da época de sua FONTE:Embrapa Gado de Leite (2001).
aplicação, estimou-se que entre 1974 e 1992 NOTA: Valores originais corrigidos para taxa de câmbio de R$ 1,835/US$.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.94-97, jul./ago. 2001


Gado de Leite 97

tações; redução dos preços finais para os uréia e produção intensiva de leite em hoje, um grande importador de leite e deri-
consumidores. coast-cross, tanto na fase de geração ou vados, com custos sociais elevados para
adaptação, como na fase de difusão, tive- toda a nação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS ram decisiva colaboração dos profissionais
da Embrapa Gado de Leite. Sem estas e REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
A pecuária leiteira nacional passa por
outras tecnologias, atualmente em uso, com EMBRAPA GADO DE LEITE. Balanço social
uma crise inédita de preços e de rentabili-
certeza a produção não estaria no mesmo da Embrapa Gado de Leite: ano 2000. Juiz de
dade nos dias atuais. O histórico dos últi-
patamar de hoje, também a qualidade do Fora - MG, 2001. Paginação irregular.
mos 25 anos mostra, claramente, que os
produto seria inferior e a produtividade das
preços pagos aos produtores vêm caindo BIBLIOGRAFIA
fazendas menor. Em conseqüência, os cus-
de forma sistematica, desde 1975 e atinge,
tos seriam maiores. Pressupõe-se também ÁVILA, A.F.D.; IRIAS, L.J.M.; VELOSO,R.F.
em 2001, o seu menor valor do período. A
que o número de produtores na atividade Avaliação dos impactos socioeconômicos do
produção, por outro lado, não tem acom-
seria menor. Alguns dos atuais ou estariam Projeto PROCENSUL I - EMBRAPA/BID. Bra-
panhado este comportamento dos preços.
em outra atividade, ou desempregados. sília: EMBRAPA - DEP, 1984. 58 p. (EMBRAPA-
Pelo contrário, teve uma evolução inversa.
Mesmo considerando o menor preço histó- DEP. Documentos,17).
Enquanto os preços relativos caíram, a pro-
rico pago aos produtores nos últimos 25
dução cresceu em proporções superiores BELLINI, J.L.;STOCK, L. Impactos econômi-
anos, US$ 0,14 por litro, o valor primário da
ao crescimento da população. Dados dispo- cos da pesquisa em gado de leite de 2000. In:
produção nacional de leite, em 2001, apro- EMBRAPA Gado de Leite: 25 anos de pesquisa.
níveis indicam que, nos últimos 22 anos, a
xima-se de US$ 3 bilhões. Relativamente a No prelo.
produção cresceu 86,5%, enquanto a po-
este montante, os recursos investidos nas
pulação brasileira aumentou em 41,4%. O EMBRAPA. Balanço social: pesquisa agro-
pesquisas da Embrapa Gado de Leite não
comportamento da produção é explicado pecuária brasileira 1999. Brasília, 2000. 133 p.
são elevados. Ao longo de 2001, estes in-
em parte pela abertura internacional dos
vestimentos estarão na casa dos US$ 7,4 EMBRAPA . Centro Nacional de Pesquisa de Ga-
mercados, mas o fato propulsor e decisivo
milhões, não chegando a 0,3% do valor glo- do de Leite. Avaliação do retorno dos investi-
mesmo foi a modernização dos produtores,
bal da produção primária. Voltando ao ano mentos do Governo em pesquisa com gado de
que adotaram novas e modernas tecnolo-
anterior e comparando 1999 e 2000, os da- leite. In:_______. Relatório técnico do Cen-
gias e tornaram-se mais produtivos e efi-
dos indicam um aumento de 3,3% de produ- tro Nacional de Pesquisa de Gado de Leite
cientes. Para isso, foi fundamental a polí-
tividade das vacas ordenhadas, represen- 1990-1994. Juiz de Fora, MG, 1997. p. 47-48.
tica de apoio e incentivo à pesquisa agro-
tando um incremento de US$ 107 milhões (EMBRAPA – CNPGL. Relatório Técnico, 6).
pecuária adotada pelo governo, notada-
no valor da produção primária de um ano
mente a partir de 1974, quando foi funda- _______. Retornos dos investimentos de pesqui-
para o outro. Boa parte deste valor pode
da a Embrapa. Neste período, já foram apli- sas. In:_______. Relatório técnico do Centro
ser creditada a um melhor e mais eficiente
cados em pesquisas com leite recursos da Nacional de Pesquisa de Gado de Leite 1986-
manejo dos recursos de produção, devido
ordem de US$ 184 milhões, com treinamen- 1990. Coronel Pacheco, MG, 1992. p. 123-128.
à adoção de novas tecnologias pelos pro-
tos, salários, investimentos e outros gastos. (EMBRAPA – CNPGL. Relatório Técnico, 5).
dutores. Este montante representou cerca
Estes recursos permitiram o treinamento
de 12 vezes os gastos com pesquisas em EMBRAPA GADO DE LEITE.Tecnologias, ser-
de especialistas e sua dedicação científica
leite na Embrapa, em 2000. Estas compa- viços e produtos. Juiz de Fora,MG, 2000. 15p.
exclusiva às pesquisas direcionadas aos
rações levam a crer que, investir na Insti-
diversos temas tecnológicos da produção GOMES, A. T. Banco de dados. Juiz de Fora,MG:
tuição, tem sido um grande negócio para a
de leite. Como resultado deste trabalho en- Embrapa Gado de Leite, 2001.
sociedade brasileira.
contra-se disponível um vasto pacote, com
VERNEQUE, R. da S.; MARTINEZ, M.L.;
cerca de 50 TSPs, para o setor produtivo, o TEODORO, R.L.; PAULA, L.R. de O. Progra-
CONCLUSÃO
que, com certeza, vem sustentando eco- ma Nacional de Melhoramento do Gir Lei-
nomicamente a atividade leiteira nacional. O trabalho da Embrapa Gado de Leite, teiro: resultado do teste de progênie – 9o grupo.
Independente da Embrapa, outras insti- apoiada por várias outras instituições na- Juiz de Fora, MG Embrapa Gado de Leite, 2001.
tuições de ciência e tecnologia estão inves- cionais e internacionais, acadêmicas ou 28p. (Embrapa Gado de Leite. Documentos, 79).
tindo e executando pesquisas em pecuária não, induziu um deslocamento para a direi-
leiteira e muitos destes itens estão igual- ta da oferta de leite no Brasil, o que significa, ZOCCAL, R. Número de informantes produ-
mente disponíveis, mas não com o mesmo em resumo que, sem estas pesquisas, os tores de leite no Brasil, conforme os censos
agropecuários do IBGE de 1975,1985 e 1996.
aprimoramento de hoje. Muitas técnicas custos de produção e os preços de merca-
Juiz de Fora, MG: Embrapa Gado de Leite, 2001.
largamente difundidas entre produtores, do seriam hoje significativamente mais ele-
como controle estratégico de carrapatos e vados, os produtores estariam em situação _______. Produção de leite por habitante no
de outros parasitos, produção intensiva de econômica desfavorável e os consumido- Brasil 1980-2001. Juiz de Fora, MG: Embrapa
leite em pastagens, melhoramento do gir res estariam pagando preços mais elevados Gado de Leite, 2001. Disponível em:<http://
leiteiro, mistura de cana-de-açúcar com pelo produto. Provavelmente, o país seria, www.cnpgl.embrapa.br>. Acesso em: 2001.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.94-97, jul./ago. 2001


98 Gado de Leite

Acelerando o melhoramento com o mapeamento


do genoma bovino
Marco Antonio Machado 1
Mário Luiz Martinez 2

Resumo - O melhoramento animal com base no mérito genético, obtido a partir de dados
fenotípicos e informações de pedigree, tem alcançado resultados satisfatórios, tanto para
gado de leite quanto para gado de corte. Com a incorporação da genética molecular, é
possível a seleção direta pelo genótipo por meio de marcadores de DNA ligados às
características de interesse. Desta maneira, ocorre um aumento na precisão da seleção
para estas características e o processo de seleção torna-se mais rápido e eficiente. Para
elucidar os componentes genéticos que constituem os diferentes fenótipos, os melhoristas
lançam mão de ferramentas da área genômica para identificação das regiões de
importância econômica (ETLs), no genoma animal. Para mapeamento dos ETLs, é
necessário genotipar com marcadores e avaliar fenotipicamente uma população
segregante. Delineamentos de F2, modelo de filhas e modelo de netas, podem ser utili-
zados junto a uma varredura do genoma com marcadores microssatélites. Uma vez
detectada uma região genômica, associada a uma característica econômica de interesse,
esta precisa passar por um processo de mapeamento fino, com a inclusão de marcadores
adicionais na região. Este procedimento é fundamental para reduzir a distância entre o
marcador e o ETL, possibilitando a aplicabilidade da seleção assistida por marcadores.
Uma vez mapeada uma região com detalhes, o próximo procedimento é tentar isolar os
genes que estão influenciando as características de interesse. Para isso, é fundamental a
utilização de mapeamento comparativo com os superdetalhados genomas de humanos
e camundongos, uma vez que existe uma grande homologia entre os mamíferos.
Palavras-chave: DNA; Genética molecular; Marcadores moleculares; Mapa genético.

INTRODUÇÃO em humanos, traz novos conceitos promis- econômico, poderão ser identificados no
O melhoramento genético em bovinos sores que certamente irão provocar um genoma bovino, possibilitanto selecionar
depende da performance das filhas nos grande impacto na área de melhoramento. animais mais eficientemente.
testes de progênie. Touros jovens, selecio- Até recentemente, poucos genes ha- O ganho genético, para características
nados com base no pedigree, são coloca- viam sido mapeados em bovinos, por exem- de difícil mensuração, baixa herdabilidade
dos em serviço limitado para determinar plo, coloração da pelagem, presença de e limitadas pelo sexo, poderá ser aumen-
como as filhas comportam-se em relação à chifre, proteínas do leite e algumas doen- tado com a utilização da seleção assistida
produção de leite e outras características. ças degenerativas, como a deficiência de por marcadores (MAS). Para que a MAS
Este sistema tem funcionado bem e alcan- adesão de leucócitos em bovinos (BLAD) possa ser aplicada comercialmente, é ne-
çado ganhos anuais da ordem de 1,5% pa- (Kehrli Junior, 1992). Com o desenvolvi- cessária a identificação e a caracterização
ra produção de leite. No entanto, novas mento de marcadores moleculares de DNA, de locos de importância econômica (ETLs),
tecnologias podem ser adotadas, visando que permitem o monitoramento da segre- no genoma, que estão significativamente
acelerar o melhoramento genético. A tecno- gação de seqüências de DNA transmitidas associadas a caracteres de interesse.
logia molecular, desenvolvida ultimamente de pai para filho, vários genes, de interesse A identificação individual em nível mo-

1
Engo Agro, D.Sc. Genética e Melhoramento, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de
Fora-MG. Correio eletrônico: machado@cnpgl.embrapa.br
2
Engo Agro, Ph.D. Bolsista CNPq, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-MG.
Correio eletrônico: martinez@cnpgl.embrapa.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.98-104, jul./ago. 2001


Gado de Leite 99

lecular irá certamente contribuir para uma duos com altos e com baixos valores de número de fêmeas e para manutenção de
melhor utilização dos recursos genéticos. produção, e, assim, sucessivamente, para toda a população.
Estas novas ferramentas moleculares, com diversas características. Esta população é Na impossibilidade de utilizar delinea-
base na tecnologia do DNA, possibilitarão chamada segregante, oriunda de progeni- mentos F2 ou retrocruzamentos, outras po-
entender a biologia dos genes envolvidos tores bastante divergentes entre si. Nor- pulações podem ser utilizadas. Dois deli-
nas características de interesse. malmente, os progenitores são indivíduos neamentos alternativos, visando à detec-
híbridos oriundos de cruzamento entre ra- ção de ETLs, foram desenvolvidos por
IDENTIFICAÇÃO DE ETLs ças puras, bastante divergentes genetica- Weller et al. (1990), delinamento das filhas
O desenvolvimento de sistemas comer- mente, como Bos taurus (gado europeu) e (Fig. 1A) e delineamento das netas (Fig.
cialmente viáveis, de seleção assistida com Bos indicus (gado zebu). Outro fator im- 1B). No delineamento de netas, um touro e
marcadores (MAS), começa com a identifi- portante é o tamanho da população segre- sua progênie testada são genotipados, e
cação de uma variação genética associada gante, que deve ser o maior possível para os dados fenotípicos são coletados das ne-
a ETLs segregantes. Para obter sucesso possibilitar a presença do maior número de tas do touro. A segregação de marcadores
na detecção de ETLs, são necessários: combinações genéticas possível. Por essa heterozigotos é acompanhada para os dois
razão, o conjunto de famílias utilizadas para alelos a partir do touro até cada uma das
a) populações segregantes com dados
o mapeamento do genoma bovino é consti- filhas. Se a média de um grupo, que herdou
fenotípicos obtidos com precisão
tuído por um grande número de famílias de um dos alelos do touro, diferir significa-
para as características de interesse;
irmãos completos, produzidas por múltiplas tivamente da média do outro grupo que
b) marcadores moleculares de DNA dis- ovulações com transferência de embriões herdou o outro alelo do touro, indica que
tribuídos por todo o genoma; (MOET) (Bishop et al., 1994 e Kappes et houve a detecção de um ETL ligado. O de-
c) algorítmos estatíscos para análise dos al., 1997). A maioria das populações segre- lineamento de filhas é similar ao delinea-
dados moleculares e fenotípicos. gantes, utilizadas para detectar ETLs, foi mento de netas, no entanto, as filhas do
desenvolvida segundo o delineamento de touro são genotipadas e fenotipadas. Os
Populações segregantes F2 ou retrocruzamento, utilizando proge- delineamentos de filhas e netas são bastan-
Para a detecção de ETLs, é necessário nitores que apresentam grandes diferenças te utilizados em rebanhos de gado de leite,
que exista uma população que apresente fenotípicas. O delineamento de F2 está devido às grandes famílias de meio-irmãos
uma variação para um grande número de sendo utilizado para identificar ETLs em geradas com o uso intensivo da insemi-
características fenotípicas. Isto é, dentro gado de leite em experimentos iniciados na nação artificial.
da população deverão existir indivíduos Nova Zelândia, França e Brasil. A geração
com alta resistência a uma determinada de populações F2 em bovinos é bastante Marcadores moleculares e
doença, e também indivíduos com baixa trabalhosa, devido ao grande intervalo de mapas genéticos
resistência a essa mesma doença, indiví- gerações e à despesa em gerar um grande O acesso direto à informação genética

A B

Figura 1 - Delineamento de filhas e netas


NOTA: Figura 1A - Delineamento de filhas: o touro (pai) é heterozigoto para o marcador. Os dois alelos (1,2) são rastreados até os
filhos; Figura 1B - Delineamento de netas: o touro (avô) é heterozigoto para o marcador. Os dois alelos (1,2) são rastreados
até os filhos.

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100 Gado de Leite

é feito por meio da manipulação molecular para a progênie. Pela genotipagem dos pais partir da distribuição dos marcadores entre
do DNA. Este encontra-se em todas as e da progênie de uma família, para um os indivíduos da progênie. Desta maneira,
células do animal e possui as informações determinado par de marcadores, é possível os marcadores são utilizados para determi-
necessárias para gerar um novo indivíduo. determinar se eles estão ligados num mes- nar se uma região do cromossomo é de ori-
O DNA é responsável pela transmissão das mo cromossomo, ou herdados independen- gem paterna ou materna. Os cromossomos
características hereditárias dos progeni- temente, em cromossomos diferentes. Se são quebrados e recombinados durante a
tores para sua progênie e é organizado em um dos progenitores é heterozigoto para meiose, originando uma mistura de segmen-
estruturas chamadas cromossomos. As ambos marcadores, a informação sobre tos paternos e maternos para formar os
subunidades que compõem o DNA são ligação e recombinação pode ser obtida a cromossomos da progênie (Fig. 3). Este
denominadas nucleotídeos e as ligações
entre eles constituem a seqüência do DNA.
Define-se como gene uma seqüência de
DNA que vai ser expressa numa proteína
que, por sua vez, vai influenciar na cons-
tituição de um determinado fenótipo. Um
mesmo gene pode apresentar diferentes
formas, pequenas variações na seqüência
do DNA, que são denominadas alelos. Um
animal selecionado possui “melhores”
alelos para uma determinada característica
se comparado a outros animais não-sele-
cionados. O marcador molecular de DNA é
uma técnica que permite detectar diferen-
ças na seqüência do DNA, possibilitando
a seleção indireta para genes de interesse
no melhoramento. Figura 2 - Esquema de um polimorfismo dentro da seqüência do gene do hormônio do
Para a detecção de ETLs, é necessário crescimento (GH) é revelado pela técnica de microssatélites.
que se tenha um mapa de ligação contendo NOTA: A região do gene, contendo o microssatélite, é amplificada pela técnica do PCR. O número
de repetições do microssatélite, que cada indivíduo possui, vai influenciar no tamanho do
um grande número de marcadores mo-
fragmento de DNA amplificado pela PCR. Essa diferença é detectada por meio de uma
leculares. Os marcadores moleculares mais
eletroforese em gel de alta resolução, revelando os diferentes alelos do gene estudado.
utilizados na área genômica são chamados
microssatélites, que são pequenas seqüên-
cias repetidas de DNA de 1a 5 pares de ba-
se. O polimorfismo é devido a um número
variável destas repetições que cada indiví-
duo possui (Fig. 2). Os microssatélites são
analisados pela reação em cadeia da poli-
merase (PCR) (Mullis & Fallona, 1987) e o
polimorfismo é detectado como diferenças
nos tamanhos dos produtos de amplifi-
cação numa eletroforese em gel (Primrose,
1995). Estes marcadores podem-se localizar
dentro ou próximo a um gene, mas a maioria
deles está localizada em segmentos isola-
dos de DNA.
Os mapas genéticos de ligação em bovi-
nos, atualmente apresentam cerca de 2.000
marcadores (Tassel et al., 2001), sendo a
grande maioria marcadores microssatélites.
Um mapa genético é construído pela aná- Figura 3 - Esquema da quebra dos cromossomos que ocorre durante a meiose
lise de segregação de uma família, ou seja, NOTA: Na progênie, vão ocorrer indivíduos parentais (MQ e mq) e também indivíduos recombinantes
a herança dos marcadores genéticos é tra- (Mq e mQ). O marcador M pode ser utilizado para detectar a presença do ETL (loco Q) na
çada a partir dos progenitores heterozigotos progênie.

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Gado de Leite 101

evento é denominado recombinação que é


avaliado usualmente em centimorgan (cM),
sendo que 1 cM ≈ uma recombinação em
100 eventos de meiose. A quantidade de
recombinação num genoma pode ser utili-
zada para determinar o tamanho de um ge-
noma, que em bovinos é de aproximada-
mente, 3.000 cM.
Durante a meiose, cada gameta recebe
n cromossomos resultantes de uma sepa-
ração aleatória de grandes segmentos, de-
vido ao crossing over. Portanto, se dois
locos estiverem próximos no cromossomo,
estes vão ser transmitidos juntos para o
gameta e, conseqüentemente, para a progê-
nie. A Figura 3 mostra dois locos ligados,
M e Q, presentes num indivíduo duplo he-
terozigoto MQ/mq. O número de progênie
parentais (MQ ou mq) é maior que o núme-
ro de progênies recombinantes (Mq ou mQ).
Embora o marcador M não esteja envolvido
diretamente na determinação genética da
característica, ele pode detectar o loco Q
(ETL), por meio de ligação genética.
Os marcadores microssatélites são os
mais indicados para a detecção de ETLs,
devido ao grande número existente, à po-
sição conhecida no mapa e ao elevado índi- Figura 4 - Grupo de ligação correspondente ao cromossomo 8 de bovinos
ce de heterozigosidade. Um experimento NOTA: À esquerda está representado o mapa citogenético e à direita o mapa de ligação. Dois
típico de varredura do genoma com mar- marcadores (IDGVA-11 e IDGVA-52) fazem a integração entre os dois mapas.
cadores microssatélites deve incluir mar- FONTE: USDA (2001).
cadores com cerca de 60% - 80%, espaça-
dos com intervalos de 20 cM ao longo dos de difícil manipulação e compreensão. Ca- simples para a detecção de ETLs, pois en-
3.000 cM do genoma bovino. O mapa mais racteres como produtividade, adaptabili- volvem a análise da distribuição dos valo-
completo e atualizado periodicamente3 , é dade e tolerância a condições de estresse res fenotípicos para cada marcador sepa-
mantido pelo Centro Nacional de Pequisa podem ser citados. Para a maioria dos carac- radamente. Quando apenas dois genóti-
de Carne do Departamento de Agricultura teres quantitativos, pouco é conhecido a pos são comparados, como em populações
dos Estados Unidos (Fig. 4). Acessando o respeito do número, localização e intera- de retrocruzamento, o teste de T pode ser
mapa, é possível escolher os marcadores ções de genes que controlam a sua expres- usado. No caso de populações F2, contendo
mais úteis para qualquer região de interresse são. O estudo dos locos que controlam três genótipos, são utilizados modelos li-
do genoma. características quantitativas possibilita a neares simples, tais como ANOVA e regres-
dissecação de caracteres complexos nos são linear (Lynch & Walsh, 1998). Esses
Metodologias estatísticas seus componentes genéticos individuais, métodos são de fácil execução, bastante
para detecção de ETLs que lidam com estes, com a eficácia de ca- flexíveis e não necessitam de mapas ge-
A maioria dos caracteres de importância racterísticas simples. A detecção de ETLs néticos. Por utilizarem apenas diferenças
econômica (ETLs) é controlada por vários pode ser feita por meio de dois procedi- entre as médias dos marcadores não é pos-
genes, sendo considerados poligênicos ou mentos principais: modelos simples e mo- sível estimar a magnitude do efeito do ETL
quantitativos. Estes caracteres são alta- delos múltiplos. e a sua posição no genoma.
mente influenciados pelo ambiente e são Os modelos lineares são a maneira mais Os modelos múltiplos levam em consi-

3
Está disponível na internet, através do site: http://sol.marc.usda.gov/genome/cattle

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deração diversos marcadores, permitindo quantitativas (QTLs) e a precisão das estima- nados na região do ETL, com a geração de
localizar precisamente o ETL e estimar o tivas de posição dos ETLs no cromossomo. novos genótipos, no entanto, este proce-
seu efeito. Duas metodologias podem ser Em cada experimento, um grande nú- dimento é limitado pela disponibilidade da
utilizadas para este fim: análise de regressão mero de testes para associação marcador/ existência de marcadores na região do ETL.
e verossimilhança. Ambos os métodos uti- fenótipo é realizado, dificultando o estabe- Novos marcadores podem ser desenvolvi-
lizam dados genotípicos de vários marca- lecimento de níveis de significância para dos para uma região específica por meio da
dores, visando estimar a posição do ETL os testes de hipótese estatística. lsto faz utilização de bibiliotecas genômicas (Taylor
em relação às posições conhecidas de mar- com que possam ocorrer ETLs falso po- et al., 1998) e também com a utilização de
cadores adjascentes no mesmo cromosso- sitivos. Uma metodologia robusta, desen- mapeamento comparativo (Sonstegard et
mo (Haley & Knott, 1992). volvida para a obtenção de níveis de sig- al., 1997).
Os métodos que utilizam a máxima ve- nificância geral, utiliza testes de permuta- O tamanho efetivo da população segre-
rossimilhança são mais complexos e reque- ção não paramétricos, que se baseiam na gante afeta a resolução do mapeamento de
rem programas específicos de computador. reamostragem dos dados originais (Doerge ETLs. Aumentando a quantidade de
Lander & Botstein (1989) desenvolveram & Churchill,1996). Os dados fenotípicos indivíduos genotipados aumenta a chance
o método de mapeamento por intervalo, que são aleatoriamente reamostrados, gerando de detecção de novas recombinações entre
se baseia nas informações da segregação uma amostra contendo os dados molecu- o marcador e o ETL, permitindo uma melhor
de pares de marcadores adjacentes como lares originais, mas com os dados fenotí- estimativa da freqüência alélica do ETL,
unidade de análise, estimando a freqüência picos aleatoriamente correlacionados aos além de contribuir na avaliação fenotípica.
de recombinação e a magnitude do efeito dados moleculares. O teste estatístico é O mapeamento comparativo possibilita
do ETL no intervalo entre dois marcadores então computado nesta amostra, e este pro- o mapeamento fino de ETLs detectados por
ligados no mesmo cromossomo. O resul- cedimento é repetido muitas vezes. Um ní- meio de varreduras de genoma. Os pro-
tado da análise é mostrado por um mapa de vel de significância de 1% requer no míni- gramas do genoma de humanos e camun-
verossimilhança das desigualdades (LOD mo 10 mil repetições. dongos vão ajudar no mapeamento de ETLs
scores) em função da posição do ETL no em bovinos, pois estes mapas possuem um
mapa (Gráfico 1). grande número de genes mapeados e existe
MAPEAMENTO FINO
Quando ocorrer a presença de vários E ISOLAMENTO DE GENES uma alta homologia entre os genomas de
picos num mapa de LOD scores para um mamíferos. Um grande número de genes
dado grupo de ligação, considera-se a ocor- Para a utilização da seleção assistida que estão sendo mapeados em humanos e
rência de vários ETLs. Quando dois ETLS por marcadores (MAS), é necessário que o camundongos, é resultante do mapeamento
estão próximos no mesmo cromossomo, intervalo em que se encontra o ETL seja o de Expressed Sequence Tags (ESTs), que
nem sempre os picos correspondem às po- menor possível, para evitar eventos de re- são pequenas seqüências do DNA de ge-
sições corretas dos ETLs, podendo ocor- combinação entre os marcadores e o ETL, nes oriundos de bibiliotecas de cDNA. Uma
rer “fantasmas”. Jansen (1993) desenvol- o que prejudica a eficiência da MAS. Por- vez identificado um ETL no genoma de
veu um modelo que adciona cofatores ao tanto, uma vez detectado um ETL, a região bovino, são selecionados genes de regiões
modelo original de mapeamento por inter- deve ser saturada com mais marcadores, homólogas nos mapas de camundongos e
valos, denominado mapeamento por in- visando aumentar a resolução da região. humanos, que são utilizados para identi-
tervalo composto, visando aumentar o po- Com a utilização dos mapas de referência, ficar clones homólogos no genoma de bovi-
der de detecção de locos de características marcadores adicionais podem ser selecio- nos. Esses clones são parcialmente seqüen-
ciados e mapeados no genoma de bovino.
Se esses genes de bovino mapearem na
região previamente identificada pelo ETL,
faz-se o seqüenciamento desses genes em
vários animais da população segregante,
visando encontrar mutações de ponto na
seqüência do DNA. A próxima etapa é ve-
rificar se a variação na seqüência do gene
está associada ao fenótipo de interesse.

SITUAÇÃO ATUAL DA PESQUISA


EM GENOMA BOVINO
Para a identificação de regiões genômi-
cas associadas às características de inte-
Gráfico 1 – Detecção de locos de interesse econômico (ETLs) resse econômico, duas estratégias mole-
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Gado de Leite 103

culares são rotineiramente utilizadas. Uma, PROGRAMA GENOMA que o gasto anual com os produtos quími-
chamada varredura do genoma, baseia-se FUNCIONAL DE BOVINOS DA cos para o combate aos parasitas seja da
na genotipagem de todo o genoma com mar- EMBRAPA GADO DE LEITE ordem de R$ 800 milhões.
cadores moleculares distribuídos ao lon- Existem, todavia, recursos naturais nas
Nas regiões tropicais, a infestação dos
go dos cromossomos e são estabelecidas regiões tropicais que, se adequadamente
animais por endo e ectoparasitas causa uma
associações entre alelos específicos do identificados, podem contribuir para a sus-
redução na produtividade daqueles suscep-
marcador e variação para a característica tentabilidade dos sistemas de produção
tíveis, levando em alguns casos a morte
fenotípica. A outra estratégia denominada animal. A variação genética existente entre
deles. Produtos químicos têm sido utiliza-
genes candidatos (Rothschild & Soller, as raças de Bos taurus e Bos indicus per-
dos, em grande quantidade, para comba-
1997), baseia-se no estudo da variação fe- mite a identificação de características asso-
ter estes parasitas, sem todavia conseguir
notípica para uma característica, em relação ciadas à resistência a estes parasitas, ao
eliminá-los totalmente. O uso destes pro-
ao nível de polimorfismo de DNA, na se- calor e à qualidade dos produtos. As atuais
dutos, além de representar um custo con-
qüência de genes previamente conhecidos, ferramentas da genética molecular possibi-
siderável aos produtores, causa efeitos co-
por estarem envolvidos na fisiologia e litam a prospecção e o isolamento de genes
laterais, pois estes produtos podem deixar
desenvolvimento da característica. associados à saúde animal e à qualidade
resíduos químicos que contaminam a carne,
Várias regiões genômicas, distribuídas de produtos.
o leite e o meio ambiente. Uma outra fonte
em todos os 30 cromossomos bovinos, já Em 1995, a Embrapa Gado de Leite deu
importante de perda econômica na pecuária
foram encontradas para várias caracterís- início a um projeto que visa identificar re-
leiteira em todo o mundo é o estresse térmi-
ticas de interesse econômico. No cromos- giões genômicas associadas às caracterís-
co que tem efeito adverso sobre a produção
somo 27 foi detectado um ETL, próximo ao ticas de resistência a endo e ectoparasitas
de leite, fisiologia de produção, repro-
marcador BM 203, para conformação de e ao estresse térmico em bovinos. Para isso,
úbere ( Ashwell et al., 1998). Estes autores dução, mortalidade de bezerros e saúde do vem sendo desenvolvida uma população
identificaram ainda um ETL influencian- úbere, o que provoca queda na produção F2, de 400 animais, proveniente do cruza-
do os aprumos, próximo ao marcador BM de leite, nas regiões quentes e úmidas. mento de gir X holandês, utilizando a técni-
4204, localizado no cromossomo 9. No cro- O uso indiscriminado de produtos quí- ca de Múltipla Ovulação com Transferência
mossomo 6, foram identificados ETLs para micos e a não observância, por parte dos de Embriões (MOET). Esta população será
produção de leite, porcentagem de proteína criadores, dos prazos para a utilização do utilizada como fonte de variabilidade gené-
e porcentagem de gordura (Georges et al., leite e da carne dos animais tratados afetam tica para as características a serem estuda-
1995 e Velmala et al., 1999) e também cor da diretamente a qualidade destes produtos e das. Cada animal, desta população, será
pelagem (Reinsch et al., 1999) e nanismo indiretamente contaminam o meio ambiente. avaliado para diversas características feno-
(Yoneda et al., 1999). No cromossomo 15, Além deste aspecto, a melhoria da qualidade típicas relacionadas com a resistência a
Keele et al. (1999) detectaram um ETL pa- nutricional constitui-se também em grande endo e ectoparasitas e ao estresse térmico.
ra maciez de carne, entre os marcadores importância para a sustentabilidade eco- Devido ao grande número de avaliações a
BMS1782 e JAB8. No cromossomo 20 foi nômica da atividade. ser realizado e que utiliza diferentes áreas
encontrada uma região que influencia a por- O Brasil possui o maior rebanho comer- do conhecimento, a Embrapa Gado de Lei-
centagem de proteína do leite, entre os mar- cial de bovinos do mundo, com cerca de te conta com diversos parceiros de outras
cadores BM5004 e AGLA29 (Arranz et al., 160 milhões de cabeças, sendo que 130 mi- instituições. Ao todo são 25 pesquisadores
1998). Um mesmo ETL foi mapeado para lhões são exploradas para a atividade de envolvidos no projeto, sem considerar o
porcentagem de gordura, no cromossomo corte e 30 milhões para a de leite. A ativi- grande número de bolsistas que também
14, por três grupos distintos (Riquet et al., dade agropecuária representa cerca de 50% integram a equipe. Além das avaliações
1999, Heyen et al., 1999 e Ron et al., 1998). do PIB agropecuário do Brasil, o que mostra fenotípicas, cada animal da F2 terá o seu
No cromossomo 23, um gene do complexo a grande relevância econômica e social para genoma investigado, com a genotipagem
histocompatibilidade bovina (BoLA) foi o país. As perdas provocadas pelos ecto e de cerca de 250 marcadores microssatéli-
encontrado por estar associado à contagem endoparasitas provocam reduções drás- tes. Estes marcadores foram escolhidos a
de células somáticas. No cromossomo 29, ticas nas produções de carne e leite. O país partir dos mapas existentes, visando cobrir
foi detectada uma variante alélica do gene deixa de produzir 26 milhões de arrobas de toda a extensão dos 30 cromossomos bovi-
da calpaína 1 que influencia a maciez da carne/ano (aproximadamente, R$1,04 bi- nos, espaçados regularmente a cada 20 cM.
carne (Smith et al., 2000). Smith et al. (1997) lhão) e 4 bilhões de litros de leite/ano (apro- Os dados referentes às avaliações feno-
ao utilizarem informações do genoma de ximadamente, R$1,2 bilhão). Além disso, as típicas serão integrados aos dados mole-
camundongos, conseguiram por meio de infestações por carrapatos e bernes con- culares, visando à identificação de regiões
um mapeamento comparativo isolar o gene tribuem significativamente para a perda da no genoma, associadas às características
da miostatina bovina, que causa o fenótipo qualidade do couro, sendo que apenas 8% de resistência. A etapa seguinte visa o ma-
da musculatura dupla, que é de bastante dele é comercializado como de primeira peamento fino das regiões genômicas de-
interesse para a pecuária de corte. qualidade. Além dessas perdas, estima-se tectadas e a validação dos resultados. Para
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.98-104, jul./ago. 2001
104 Gado de Leite

isso, serão analisados rebanhos comerciais JANSEN, R.C. Interval mapping of multiple WORLD CONGRESS ON GENETIC APPLIED
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Gado de Leite 105

Produção in vitro de embriões bovinos


Luiz Sérgio de Almeida Camargo 1
Ademir de Moraes Ferreira 2
Wanderlei Ferreira de Sá 3
João Henrique Moreira Viana 4

Resumo - A punção folicular e produção in vitro de embriões bovinos são técnicas que estão
em grande desenvolvimento e que contribuem para o ganho genético e multiplicação de ge-
nótipos superiores. O estádio atual da punção folicular e produção in vitro ainda não favorece
a sua aplicação comercial. Isto porque ainda existem barreiras a serem vencidas, a fim de
tornar essas técnicas mais eficientes e viáveis economicamente, o que deve ser atingido com
o avanço das pesquisas. A criação de parceria entre a Embrapa Gado de Leite e a Epamig é
uma tentativa de intensificar os trabalhos com essas técnicas, principalmente em gado da
raça Gir e seus mestiços, para que se possa, em breve, montar Laboratórios Regionais de
Produção In vitro de Embriões e, assim, contribuir para atender à demanda por animais de
genética superior.
Palavras-chave: Embrião; Fecundação in vitro; Biotecnologia.

INTRODUÇÃO rios, através de punção folicular orientada tencial de multiplicação, esta técnica tem
Um dos fatores limitantes para o incre- por ultra-som, e os embriões são produzi- papel importante na disseminação do ma-
mento do melhoramento bovino e a disse- dos pela maturação e fecundação in vitro terial genético para os rebanhos comerciais,
minação do material genético melhorado é dos oócitos e cultivo in vitro dos embriões principalmente a partir de uma relação cus-
a baixa eficiência reprodutiva. Apesar de até estádio de blastocistos, quando estão to-benefício eficiente.
possuir em torno de 70 mil oócitos ao nas- aptos a ser transferidos para as recep- Outro aspecto de interesse econômico
cimento (Hafez, 1993), a vaca tem capaci- toras. Pela PIV, uma vaca pode ter mais da PIV é sua utilização em animais de gran-
dade de gerar somente um filho por ano, de uma centena de filhos em sua vida útil de valor, que se tornaram inférteis, e em be-
não passando de uma dezena por toda sua (Cunningham, 1998). zerras ou novilhas impúberes, o que contri-
vida útil. Pode-se ter um maior aproveita- Assim, as biotecnologias reprodutivas, bui para reduzir o intervalo entre gerações
mento desses oócitos através da biotec- como a PIV, permitem aumentar o potencial e para avaliar o potencial de fecundação
nologia, como a transferência de embriões reprodutivo dos bovinos, o que resulta em de touros. Porém, da PIV depende também
(TE), quando uma vaca pode ter em média aumento da intensidade de seleção e menor o sucesso de outras biotecnologias, como
25 filhos em sua vida útil (Cunningham, intervalo entre gerações (Martinez et al., a clonagem e transgênese, além de propor-
1998). Entretanto, o aproveitamento dos 2000) e, conseqüentemente, aumento do ga- cionar o estudo da biologia do desenvolvi-
oócitos nos ovários da vaca pode ser ain- nho genético. A PIV também permite a utili- mento em animais de interesse econômi-
da maior, quando se utiliza a punção folicu- zação de esquemas fatoriais de cobertura, co (Soom & Kruif, 1996).
lar associada com a produção in vitro (PIV) em que as fêmeas podem ter filhos com A Embrapa Gado de Leite vem desen-
de embriões. Por meio destas técnicas, os vários touros, controlando a taxa de con- volvendo pesquisas em PIV com animais
oócitos são coletados diretamente nos ová- sangüinidade (Nicholas, 1996). Pelo seu po- da raça Gir e seus mestiços, visando à adap-

1
Médico Veterinário, M.Sc. Reprodução, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de
Fora-MG. Correio eletrônico: camargo@cnpgl.embrapa.br
2
Médico Veterinário, D.Sc. Reprodução, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de
Fora-MG. Correio eletrônico: ademirmf@cnpgl.embrapa.br
3
Médico Veterinário, D.Sc. Reprodução, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de
Fora-MG. Correio eletrônico: wandefsa@cnpgl.embrapa.br
4
Médico Veterinário, Doutorando UFMG, Bolsista CNPq, Av. Antônio Carlos, 6627, CEP 30123-970 Belo Horizonte-MG.Correio eletrônico:
jhmviana@cnpgl.embrapa.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.105-110, jul./ago. 2001


106 Gado de Leite

tação e à eficiência da técnica na raça, pro- mas não houve sucesso. Nesse período, que esse Laboratório seja incluído entre
curando torná-la viável economicamente e, oócitos de fêmeas bovinas impúberes fo- os mais bem estruturados e equipados do
assim, contribuir com programas de melho- ram colocados no trato genital de coelhas, país, devendo estimular a intensificação
ramento e disseminação do material gené- visando à maturação do oócito até a produ- das pesquisas nessa área. A Embrapa Ga-
tico. Para isso, tem procurado parcerias com ção de embriões. A partir de 1993, os traba- do de Leite também mantém convênios
outras Instituições, como a EPAMIG, inte- lhos de PIV começaram a ser intensifica- com universidades para o desenvolvimento
ressadas no desenvolvimento das pesqui- dos com a utilização de oócitos obtidos em de teses de mestrado e doutorado. Por essa
sas e na utilização da técnica em rebanhos ovários de vacas abatidas em matadouro. Unidade já passaram vários alunos de pós-
gir e girolando. Nessa época, o intercâmbio com algumas graduação.
universidades foi fator muito importante
HISTÓRICO para o desenvolvimento da técnica. ESTADO DA ARTE
Em 1997, com a mudança dos Labora-
Em 1982, foi reportado o primeiro nas- Os estudos iniciais com a PIV utiliza-
tórios e da Sede da Embrapa Gado de Leite
cimento de um bezerro através da fecun- vam, como fonte de oócitos para as pes-
de Coronel Pacheco para Juiz de Fora, MG,
dação in vitro (FIV) de oócitos maturados quisas, ovários recuperados em matadou-
o Laboratório de Embriologia começou a
in vivo, recuperados de oviduto ou de fo- ros de animais sem valor genético, o que
funcionar também nesta cidade. Vários pro-
lículos pré-ovulatórios de vacas (Brackett limitava a aplicação comercial da produ-
jetos de pesquisas foram aprovados pela
et al., 1982). Porém, somente em 1986 é que ção de embriões em laboratório. Com o
Fapemig, entre 1997 e 2000, com liberação
nasceram bezerros oriundos de oócitos desenvolvimento da técnica de punção
de recursos para aquisição de modernos
maturados e fecundados in vitro. Uma das folicular orientada por ultra-sonografia
equipamentos, como um ultra-som com kit
características dos experimentos era o cul- (Pieterse et al., 1988), criou-se uma nova
de punção folicular adquirido em setembro
tivo dos embriões em oviduto de ovelhas perspectiva para a PIV de embriões bovi-
de 1999. Com a chegada desse equipamento
ou de coelhas, de onde eram recuperados tornou-se possível a obtenção de oócitos nos, permitindo a recuperação de oócitos
após seis a sete dias e transferidos para as na doadora viva, em lugar daqueles obti- de doadoras vivas, repetidas vezes ao lon-
receptoras. Em 1987, foi comunicado o pri- dos de ovários coletados em matadouro, go da vida reprodutiva, e com um mínimo
meiro nascimento de um bezerro oriundo de cujas doadoras tinham valor genético des- de trauma para os animais coletados (Boni
um embrião produzido totalmente in vitro, conhecido. Teve início então uma nova fa- et al., 1997).
desde a maturação até o cultivo do embrião se do programa, em que se pode produzir A técnica de punção folicular consiste
(Gordon, 1994). A partir dessa época, novos embriões a partir de oócitos obtidos de na aspiração do conteúdo folicular por meio
conhecimentos foram incorporados ao pro- doadoras geneticamente superiores. Com de uma agulha conectada a um sistema
cesso de maturação, fecundação e cultivo isso, em 05/07/2000 nasceu a Carol, da ra- de vácuo, cujo direcionamento é feito por
do embrião, tornando possível realizar com ça Holandesa (Viana et al., no prelo), e em meio da imagem ultra-sonográfica do ová-
maior eficiência todo o processo de pro- setembro de 2000 a Fapê, da raça Gir, as rio. Podem ser puncionados todos os folí-
dução in vitro do embrião, incluindo seu duas primeiras bezerras de proveta das res- culos ovarianos com diâmetro acima do
cultivo, dispensando o uso de hospedeiros pectivas raças, totalmente produzidas em limite de resolução dos aparelhos de ultra-
intermediários. Minas Gerais (desde a coleta do oócito na sonografia, que varia de 2 a 4mm. A eficiên-
No Brasil, as pesquisas com a PIV co- doadora viva, até a inovulação na recepto- cia do uso da punção folicular depende,
meçaram em 1990, na Universidade Esta- ra e posterior parto) e por uma equipe de contudo, do número e qualidade dos oóci-
dual Paulista (Unesp), em Jaboticabal, e reprodução do Estado. Posteriormente, tos recuperados. Diversos avanços foram
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecno- nasceram inúmeras outras bezerras da raça obtidos no controle dos fatores mecânicos
logia, sendo as primeiras gestações con- Gir, sendo estabelecido um protocolo de que limitavam a eficiência da técnica, porém
firmadas em 1993 (Oliveira et al., 1994). Po- PIV para a referida raça. As pesquisas con- os fatores biológicos que interferem nos
rém, em 1994 é que nasceram os primeiros tinuam, visando melhorar a eficiência nas resultados da associação entre a punção
bezerros de embriões produzidos in vitro diversas etapas do processo, especifica- folicular e a produção in vitro de embriões
da raça Nelore, sendo os primeiros Bos mente voltadas para a multiplicação de são menos conhecidos, particularmente
indicus gerados pela técnica (Rumpf et animais da raça Gir e seus mestiços. nas raças Zebuínas, largamente utilizadas
al., 1995). Em junho de 2001, chegaram à Embrapa na pecuária nacional para a produção de
Gado de Leite novos e modernos equipa- carne e leite.
A PIV na Embrapa Gado de mentos, adquiridos por intermédio do Pro- A dinâmica do crescimento folicular nos
Leite grama de Desenvolvimento de Bovino- bovinos determina flutuações periódicas
Nos anos 80, com a chegada de vários cultura de Leite (Projeto Brasil-Hungria), no número e qualidade dos folículos dis-
equipamentos do Canadá, tentativas da do Ministério da Agricultura, Pecuária e poníveis para a punção, sendo uma fonte
utilização da técnica da PIV foram feitas, Abastecimento, que certamente farão com de variação nos resultados da técnica de

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punção folicular. Para superar esta defi- in vitro, pois oócitos obtidos de folícu- excelentes condições para o cultivo do em-
ciência, foram iniciadas pesquisas na los em estádio atrésico adiantado são me- brião, sendo desnecessária a co-cultura
Embrapa Gado de Leite sobre o uso da pun- nos competentes (Hendriksen et al., 2000). (Bavister, 1995). Em experimentos condu-
ção folicular em vacas das raças Gir e Ho- Oócitos com diâmetro abaixo de 110 mm zidos na Embrapa Gado de Leite verificou-
landesa, avaliando-se o efeito de diferentes também têm sido considerados menos com- se que o sistema de cultivo com meio qui-
sistemas de coleta, visando estabelecer um petentes para completar a maturação meió- micamente definido possui o mesmo po-
melhor protocolo de punção. Nessas pes- tica, o que deve ser levado em consideração tencial para desenvolver o embrião até o
quisas já foram recuperados mais de 4.000 no momento da avaliação do gameta (Hytell estádio de blastocisto que o sistema em
oócitos nos diferentes experimentos realiz- et al., 1997). co-cultura, porém o desenvolvimento pos-
ados com vacas da raça Gir. O número médio O papel das células do cumulus na ma- terior, avaliado pela taxa de eclosão, foi me-
de oócitos coletados por grupo de doado- turação é bem conhecido (Soom & Kruif, nor (Camargo et al., 2001). Entretanto, para
ras variou de 6,22 a 12,50, dependendo do 1996) e com base na presença dessas célu- um melhor resultado, a utilização do siste-
protocolo utilizado, com taxas de recupe- las aderidas ao oócito e na aparência do ma quimicamente definido parece requerer
ração entre 58,74% e 78,43%, e produção citoplasma do gameta, podem-se selecionar um nível de O2 menor do que o utilizado em
de embriões por vaca por sessão de punção os oócitos com maior capacidade de desen- sistemas de co-cultura, como também sofre
entre 1,82 e 4,10. Os resultados demonstram volvimento. influência dos meios de cultura utilizados
que a população de folículos em crescimen- Para a fecundação in vitro (FIV), seme- (Bavister, 1995).
to é rapidamente restabelecida após a pun- lhante ao que ocorre in vivo, o espermato- A adição de soro no meio de cultivo
ção, o que permite a realização de coletas zóide precisa estar capacitado para que embrionário geralmente produz maior nú-
em intervalos curtos como três a quatro ocorra a penetração na zona pelúcida, o mero de embriões do que na ausência de
dias. Sistemas de punção mais intensivos que é induzido pela heparina (Parrish et al., soro (Khurana & Niemann, 2000). Entre-
resultaram na recuperação de oócitos com 1988). Em experimentos na Embrapa Gado tanto, a utilização de soro tem sido associa-
maior potencial de desenvolvimento in de Leite verificou-se que, para sêmen de da a uma expressão gênica diferenciada
vitro. O controle da atividade ovariana pe- touros da raça Gir, avaliados pela indução (Wrenzycki et al., 1999) e a um desenvolvi-
la utilização de progestágenos exógenos e da reação acrossômica, concentrações de mento embrionário e crescimento fetal anor-
o uso de tratamentos pré-estimulatórios, heparina acima de 10 mg/ml do meio de fe- mal (Sinclair et al., 1999), além de interferir
com base na administração de hormônio cundação promovem uma melhor taxa de em estudos sobre a fisiologia embrionária,
folículo estimulante (FSH), apresentaram capacitação (Lopes et al., 1999). justamente por possuir uma constituição
efeitos benéficos sobre a qualidade dos Durante a FIV, a concentração espermá- indefinida (Bavister, 1995). A substituição
oócitos recuperados, sendo alternativas tica utilizada e o tempo de duração são fa- do soro por outras fontes de macromolé-
viáveis para aumentar a eficiência da téc- tores importantes para o sucesso da técni- culas, como álcool polivinil, a utilização de
nica. ca (Long et al., 1994). Utilizando sêmen de meios seqüenciais e a de meios semi-defini-
Após a aspiração, os oócitos são iden- touros gir, observou-se que a concentra- dos, com concentrações reduzidas de albu-
tificados, classificados e levados para os ção espermática de 4 x 106/ml aumenta a mina sérica bovina, tem sido estudada, com
laboratórios, onde vão ser maturados in taxa de polispermia, quando comparado resultados promissores para a produção de
vitro. Nessa etapa, o desafio é proporcio- com concentrações menores. A elevação embriões (Krisher et al., 1999 e Thompson,
nar ao oócito, além da maturação nuclear, da concentração associada a um período 1999).
melhor maturação citoplasmática. Diversos de fecundação mais longo também não O embrião produzido in vitro possui
fatores influenciam a maturação, como o aumenta a produção de blastocistos, ape- algumas diferenças daqueles obtidos in
tamanho e status do folículo, no qual se sar de apresentar maior taxa de clivagem vivo, como maior incidência de alterações
encontrava o oócito antes da punção, pre- (Camargo et al., 2000). cromossômicas e ultraestruturais, aspecto
sença das células do cumulus e diâmetro Após a FIV, os zigotos são cultivados mais escurecido, menor número de célu-
do oócito imaturo. Oócitos de folículos por sete a oito dias, até atingirem estádio las, além de possuir um metabolismo di-
com 2 a 8mm de diâmetro são mais com- de blastocisto, quando então estão prontos ferenciado (Holm & Callensen, 1998). As
petentes para ser fecundados e desenvol- para ser transferidos para as receptoras. condições de cultivo desde o oócito até o
verem blastocistos, do que oócitos de folí- Entre os sistemas de cultivo in vitro do embrião possuem um efeito sobre essas
culos abaixo de 2mm de diâmetro (Yang et embrião, o mais utilizado é aquele realizado alterações, e a melhora dessas condições,
al., 1998). Na prática, os oócitos são aspira- com meios em co-cultura com células so- por intermédio de mais estudos, devem
dos de folículos com diâmetro acima de máticas (Marquant-Leguienne & Humblot, reduzir essas diferenças. Em virtude das
3mm. Entretanto, o status do folículo du- 1998). Entretanto, tem sido mostrado que alterações celulares e metabólicas, os em-
rante a dinâmica folicular parece também meios de cultivo quimicamente definidos briões produzidos in vitro possuem me-
ser importante para a produção do embrião podem ser usados, desde que se tenham nor congelabilidade do que aqueles obti-

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dos in vivo, o que tem resultado em me- (Young et al., 1998 e Kruip et al., 2000), bem seus rebanhos com fêmeas F1, estudando-
nor viabilidade pós-descongelamento e como pode sofrer efeito de uma possível se a viabilidade zootécnica e econômica
taxa de gestação (Enright et al., 2000). Entre- interação embrião-touro (Thompson et al., desse tipo de sistema de produção, foi pro-
tanto, estudos com crioprotetores e novos 1998). posta uma parceria Embrapa Gado de Lei-
métodos de criopreservação têm trazido te/EPAMIG, visando à formação de uma
boas perspectivas de aumentar a sobre- PARCERIA EMBRAPA GADO equipe interinstitucional de Pesquisas em
vivência embrionária pós-descongelação DE LEITE/EPAMIG Reprodução, com a finalidade de somar es-
(Vajta et al., 1998). forços em busca de um objetivo comum.
Os resultados promissores alcançados
A taxa de gestação obtida após a trans- O convênio Embrapa Gado de Leite/
pela Embrapa Gado de Leite nas pesquisas
ferência dos embriões produzidos in vitro EPAMIG foi assinado em 26/05/2001 e nele
com TE e PIV, em animais da raça Gir, têm
tem apresentado uma variação de 28 a 54%, a EPAMIG dispõe-se a alocar dois Médi-
estimulado os pesquisadores a concentrar
dependendo da qualidade do embrião, do cos Veterinários (doutores) para integrarem
esforços nessas atividades, levando-os a
técnico e do meio de cultivo em que o em- à atual equipe da Embrapa Gado de Leite,
elaborar não só projetos de pesquisa que
brião foi produzido (Thompson et al., 1998 que, por sua vez, deverá contratar mais um
permitam calcular o real custo dessa biotec-
e Farin et al., 1999), porém, quando compa- pesquisador para fazer parte dessa mesma
nologia, quando usada de maneira mais
rados com os embriões produzidos in vivo, intensiva, mas também verificar a taxa de equipe. Um maior número de pesquisado-
a taxa de gestação é menor (Kruip & Den nascimento de machos, tamanho dos be- res deverá propiciar maior intensificação
Daas, 1997 e Farin et al., 2001). Em alguns zerros e taxa de partos distócicos em ges- das pesquisas na área de TE e PIV, agili-
trabalhos observou-se que houve maior tações obtidas de embriões produzidos in zando a obtenção de resultados capazes
incidência de embriões machos na PIV e vitro, na raça Gir, parâmetros citados na de tornar disponíveis mais rapidamente
que estes possuem um desenvolvimento literatura como maiores para a raça Holan- essas biotecnologias para uma parcela
mais acelerado (Gutierrez-Adan et al., 1996), desa. expressiva de produtores, contribuindo de-
fazendo com que se encontrem em estádio Experimentos na Embrapa Gado de Leite cisivamente para a melhoria da atividade
mais avançado (Carbonneau et al., 1999), tem mostrado a possibilidade de produzir leiteira no Estado.
o que pode induzir à seleção desses em- uma gestação por semana, permitindo vis- O objetivo da equipe interinstitucional
briões no momento de serem transferidos, lumbrar um grande potencial a ser explo- é concentrar esforços em pesquisas que
gerando mais nascimentos de machos. En- rado, visto que uma gestação por semana visem melhorar, principalmente, a eficiência
tretanto, a maior proporção de embriões representa um aproveitamento de apenas do protocolo de PIV para raças Zebuínas
machos não é observada em todos os tra- 10% dos oócitos obtidos (10 a 14 por sema- (inicialmente o Gir) e seus mestiços, linha
balhos (Chrenek et al., 2001). Essas dife- na), sugerindo a necessidade de maiores de pesquisa em andamento na Unidade.
renças entre trabalhos pode ser devida às pesquisas para aumentar a eficiência do Obtida a eficiência desejada, que permita o
diferentes condições de ambiente em que protocolo de PIV, com maior aproveitamen- uso dessa biotecnologia em escala comer-
o embrião é produzido (Grisart et al., 1995 e to dos oócitos. cial (custo reduzido), é pretensão dessa
Galli et al., 2001). A Embrapa Gado de Leite dispõe atual- equipe assessorar a instalação de Labora-
Uma alteração no bezerro recém-nasci- mente de um Laboratório de Embriologia tórios Regionais de PIV, capazes de abaste-
do que tem sido associada à técnica de PIV que conta com uma ótima infra-estrutu- cer o estado de Minas Gerais com embriões
é o peso ao nascimento acima da média, ra, em termos de instalações, dispondo de F1, grau de sangue de procura crescente.
quando comparado com aqueles obtidos equipamentos modernos, que permitem Trata-se de uma demanda já existente, con-
por TE ou inseminação artificial (Kruip & inclusive a condução de experimentos com forme interesse demonstrado por coope-
Den Daas, 1997), gerando a Síndrome do clonagem. Entretanto, a equipe de repro- rativas de grande porte e secretarias muni-
Bezerro Grande. Geralmente, um aumento dução que já contou com oito pesquisa- cipais de agricultura, que têm solicitado a
de mortalidade perinatal, de hidropsias e dores, possui atualmente apenas três. Há instalação de um desses laboratórios em
de abortos também tem sido associado a carência de recursos humanos em relação seus municípios, tão logo a técnica este-
esta síndrome (Farin et al., 2001), sendo que à estrutura existente, o que inviabiliza uma ja viável economicamente para ser utili-
em trabalhos realizados no Brasil, a taxa de maior intensificação de pesquisas nessa zada.
aborto ficou entre 3% e 15,4% (Dayan et área, como seria desejado. Estes Laboratórios, verdadeiros pólos
al., 2000 e Rodrigues & Garcia, 2000). Parece Ciente da existência na EPAMIG de um regionais de produção de embriões, não
que esta Síndrome pode estar relacionada projeto de grande impacto e importância só produzirão embriões F1 em grande esca-
com o ambiente em que o oócito e o embrião científica, capaz de gerar informações até la, mas também poderão produzir embriões
são cultivados, principalmente nos culti- então não disponíveis na literatura, no qual de raças puras (Holandês, Zebuínos...),
vos em co-cultura e/ou com adição de soro várias fazendas da Empresa deverão manter a partir de oócitos coletados dessas fê-

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Gado de Leite 109

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Gado de Leite 111

Parceria Esalq/Embrapa no estudo do


ácido linoléico conjugado (CLA)
Marco Antônio Sundfeld da Gama 1
Sérgio Raposo de Medeiros 2
Dante Pazzanese Duarte Lanna 3
Luiz Januário Magalhães Aroeira 4

Resumo - Trabalhos conduzidos nos Campos Experimentais da Embrapa Gado de Leite,


por estudantes da USP-Esalq, avaliaram os efeitos da suplementação de ácido linoléico
conjugado (CLA), em 30 vacas mestiças H x Z, em pastejo rotativo de Cynodon nlenfuensis.
A suplementação com CLA aumentou significativamente a produção de leite, e o teor de
gordura do leite foi deprimido em 26%. Estes efeitos foram observados na primeira
semana de tratamento, quando as vacas tinham menos de 30 dias em lactação. No se-
gundo experimento, foram avaliados os efeitos da administração do CLA, em 48 vacas,
com, aproximadamente, 30 dias de lactação e produção de 25kg/dia, recebendo dietas
com diferentes suprimentos de proteína. A depressão da gordura do leite, embora
estatisticamente significativa, foi bastante inferior às respostas observadas na literatura.
Os animais alimentados com dieta de alta proteína produziram cerca de 2kg de leite a
mais do que os animais que receberam a dieta-controle. Concluiu-se que, a administração
do CLA a vacas em início de lactação pode ter várias aplicações práticas, inclusive permitir
produções mais estáveis de leite, equivalentes a lactações mais persistentes, e o uso de
dietas energeticamente menos densas que podem reduzir o custo da atividade.
Palavras-chave: Vacas em lactação; Consumo de energia; Composição do leite.

INTRODUÇÃO cis-9 trans-11 é encontrado principalmen- gética para a sua síntese, aumentando a
O interesse pelo ácido linoléico conju- te nos produtos de ruminantes, sendo for- eficiência produtiva dos animais.
gado (CLA) surgiu com a descoberta de uma mado no rúmen pela incompleta biohidro- Estudos com diferentes modelos ani-
substância anticarcinogênica presente na genação do ácidos graxos poliinsaturados mais têm demonstrado ainda outros efeitos
gordura da carne bovina. Esta substância presentes na dieta, ou, ainda, em sua maior favoráveis à saúde, incluindo redução na
foi posteriormente identificada como o áci- parte, na própria glândula mamária. aterosclerose, diabetes e efeitos imuno-esti-
do graxo C18 cis-9 trans-11, pertencente a Paralelamente, pesquisas recentes mulatórios. O papel de cada um desses isô-
uma classe de gorduras denominada ácidos (Baumgard et al., 2000, Medeiros et al., 2000 meros nestes efeitos permanece em aberto,
linoléicos conjugados, os quais compreen- e Loor & Herbein, 1998) têm demonstrado sendo intensamente pesquisado. Porém, é
dem uma série de isômeros geométricos e que outro isômero, o trans-10, cis-12, tem a provável que ambos os isômeros sejam
de posição do ácido linoléico (C18:2 9,12), capacidade de reduzir a síntese de novo de atuantes. Como os alimentos oriundos de
com duplas ligações conjugadas, isto é, gordura na glândula mamária, resultando ruminantes são a principal fonte de CLA
separadas por uma ligação simples entre na produção de um leite com baixos teores na dieta humana, isto pode ajudar a mudar
os carbonos com dupla ligação. O isômero de gordura. Isto reduziria a demanda ener- o comportamento refratário de nutricio-

1
Doutorando USP-ESALQ, Av. Pádua Dias, 11, Caixa Postal 9, CEP 13418-900 Piracicaba-SP. Correio eletrônico: masgama@carpa.ciagri.usp.br
2
Doutorando USP-ESALQ, Av. Pádua Dias, 11, Caixa Postal 9, CEP 13418-900 Piracicaba-SP. Correio eletrônico: srmedeir@carpa.ciagri.usp.br
3
Ph.D., Prof. USP-ESALQ, Av. Pádua Dias, 11, Caixa Postal 9, CEP 13418-900 Piracicaba-SP. Correio eletrônico: dplanna@esalq.usp.br
4
Médico Veterinário, D.Sc. Nutrição Animal, Pesq. Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz
de Fora-MG. Correio eletrônico: laroeira@cnpgl.embrapa.br

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112 Gado de Leite

nistas e médicos, quanto aos produtos de substituídos por concentrados convencio- se durante o experimento sem qualquer
origem animal. A suplementação da alimen- nais da 12a a 15a semana (84o ao 112o dias diferença em relação à higidez observada
tação de animais com CLA (c9,t11) pode de lactação). nos animais-controle, mostrando não haver
aumentar sua concentração no leite, para Foram coletados os dados de produção qualquer problema de saúde e bem-estar
produzir um alimento “nutracêutico” (ali- de leite diariamente. As amostras foram ao manter o animal sob o tratamento de
mento com propriedade medicinal) e com coletadas três vezes por semana e analisa- CLA por longo período.
maior valor de mercado. das por meio de um equipamento eletrônico A suplementação com CLA significa-
para gordura, proteína, lactose, sólidos tivamente aumentou a produção de leite. O
EFEITOS DA SUPLEMENTAÇÃO totais e contagem de células somáticas. Os teor de gordura foi deprimido em 26%, nos
DE CLA PARA VACAS LACTANTES animais foram pesados por três dias con- animais tratados com CLA. Este efeito foi
EM PASTEJO secutivos a cada semana, quando dois observado na primeira semana de trata-
observadores independentes avaliaram a mento, quando as vacas tinham menos de
O primeiro trabalho realizado dentro da
condição corporal. O teor de energia do 30 dias em lactação. Fato, provavelmente,
parceria entre Esalq/Embrapa, financiado
leite foi calculado pela equação proposta relacionado com a fonte de substratos (ace-
pela Fapesp, foi para estudar os efeitos da
por Perrin (1958), usando o conteúdo médio tato) para síntese de gordura na glândula
suplementação de vacas lactantes em pas-
de gordura, proteína e lactose para cada mamária (síntese de novo), exatamente um
tejo sobre a produção e composição do lei-
vaca. A secreção de energia foi calculada dos pontos, em que atuaria o CLA. Há maior
te. Neste experimento, foram utilizadas 30
pela média semanal de produção e pela importância para a síntese de novo em fun-
vacas mestiças holandesas x zebuínas em
concentração de energia do leite. ção do nível mais modesto de produção
pastejo rotativo de estrela-africana (Cynodon
Os resultados podem ser observados dessas vacas, em relação a vacas de mais
nlenfuensis var. nlenfuensis), em piquetes
no Quadro 1. alta produção, que, no início da lactação,
de 0,5 ha, com dois dias de ocupação e 28
Por ser o primeiro trabalho de longa du- dependem mais pesadamente de ácidos
dias de período de pastejo. Os animais fo-
ração com CLA em vacas lactantes em pas- graxos de cadeia média e longa proveni-
ram separados em dois grupos e receberam
tejo, houve uma grande preocupação em entes da mobilização de suas reservas cor-
da 4a a 11a semana (28o a 84o dias de lacta-
analisar as condições gerais de saúde dos porais. Inversamente, o teor de proteína do
ção) 150g de sais de cálcio de ácidos graxos
animais. Os animais tratados apresentaram- leite das vacas tratadas aumentou 12%.
(Megalac; Controle), ou 150g de sais de
cálcio de CLA-60. Esses ácidos graxos fo-
ram oferecidos como sais de cálcio, como
QUADRO 1 - Produção, composição, concentração energética do leite, secreção de energia, peso vivo
forma de protegê-los da fermentação rumi- e condição corporal afetados pelo tratamento com CLA, durante oito semanas (trata-
nal, evitando a biohidrogenação e, por- mento) e por duas semanas sem suplementação (residual)
tanto, a diminuição do teor de CLA. A com- Tratamento Tratamento Residual Residual CV
posição do CLA-60, no que diz respeito Composição
Megalac CLA Megalac CLA (%)
aos diferentes isômeros de CLA, era: 24% t
Produção de leite (kg/d) 15,15 16,30 12,25 13,54 7,79
9,11, 35% t 10,12, 15% t 8,10, 17% t 11,13 e
9% outros. Portanto, houve um consumo Teor de gordura (%) 2,89 2,14 3,23 2,78 7,23
equivalente a 70g de CLA. Teor de proteína (%) 2,79 3,12 2,81 3,09 2,40
Os animais receberam 4,0kg de um con- Teor de lactose (%) 4,56 4,45 4,47 4,38 2,36
centrado à base de milho, farelo de soja, Teor de sólidos totais (%) 10,98 10,50 11,19 11,13 2,27
farelo de trigo, farinha de peixe e núcleo
Gordura (kg/d) 0,436 0,348 0,391 0,383 8,79
vitamínico mineral. Esse concentrado foi
Proteína (kg/d) 0,422 0,504 0,343 0,417 7,64
especialmente formulado para fornecer
115% das exigências de proteína metaboli- Lactose (kg/d) 0,726 0,691 0,549 0,592 7,76
zável (PM), determinadas pelo sistema de Sólidos totais (kg/d) 1,661 1,716 1,369 1,502 7,67
formulação Cornell Net Carbohydrate and Densidade energética (MJ/kg) 2,498 2,272 2,594 2,494 5,78
Protein System (CNCPS 3.1).
Secreção energia (MJ/d) 37,78 36,89 31,87 33,99 7,39
Foi estudado também o efeito residual
Peso vivo (kg) 451 439 469 443 1,79
pós-tratamento. Assim, em seguida ao
período de tratamento descrito, a suple- Condição corporal(1) 3,9 4,1 3,7 4,0 22,11

mentação com os sais de cálcio (Megalac NOTA: CLA - Ácido linoléico conjugado; CV - Coeficiente de variação.
e CLA60) foi suspensa e os concentrados (1) Escala de 1 a 5.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.111-116, jul./ago. 2001


Gado de Leite 113

Associado ao resultado da maior produ- CLA permitiram a mesma secreção de ener- corporal, a ingestão estimada de energia
ção de leite das vacas tratadas, a diferença gia, mas com um leite contendo mais pro- (energia líquida ou energia metabolizável)
na produção de proteína (kg/dia) foi amplia- teína e menos gordura, nas vacas em um foi igual para ambos os grupos.
da para 19%. A quantidade de gordura pro- ambiente desafiador. Isto é, a energia inge- Os teores de nitrogênio como uréia do
duzida (kg/dia) foi reduzida em 20% pela rida fica abaixo do necessário para a máxi- leite (MUN) foram avaliados pela análise
suplementação com CLA. Esse aumento na ma expressão do seu potencial genético. A em amostras coletadas todas as semanas.
produção de proteína foi maior que o obser- produção de leite aumentou com a suple- Os resultados obtidos pelo MUN demons-
vado por Giesy et al. (1999). Essa diferen- mentação de CLA, provavelmente devido traram não haver diferença significativa
ça pode ser explicada, porque a dieta foi à redução das exigências de energia, uma entre os tratamentos. Quando foram com-
formulada com uma quantidade adicional vez que um leite menos calórico foi pro- parados o teor de MUN com a porcenta-
de PM, para fazer frente ao aumento de exi- duzido. gem de proteína do leite no dia seguinte,
gência em aminoácidos do tratamento com A depressão da gordura do leite deixou observou-se que os animais tratados com
CLA. O teor de lactose permaneceu inalte- de existir dentro de uma semana, após a CLA obtiveram uma maior concentração
rado e o aumento no teor de proteína, par- remoção do CLA da dieta. Durante o pe- de proteína, ao mesmo valor de MUN que
cialmente, compensou a diminuição do teor ríodo residual, as vacas tratadas com CLA os animais-controle, evidenciando que o
de gordura nas vacas tratadas com CLA, produziram 10,5% mais leite. Esta maior aumento da porcentagem de proteína no
mas, ainda assim, o teor dos sólidos totais produção, depois da retirada do CLA, pro- leite é devido à síntese de proteína verda-
foi maior para as vacas-controle. A concen- vavelmente tenha sido pelo maior pico de deira.
tração de energia (MJ/kg) do leite foi signi- produção de leite obtido pelas vacas tra- Foram avaliadas, também, algumas
ficativamente alterada pelo tratamento, com tadas com CLA. Foi significativamente variáveis sangüíneas (ácidos graxos livres,
as vacas tratadas com CLA produzindo lei- melhorada a persistência de lactação na colesterol total, triglicerídeos e glucose).
te com menos energia. A secreção total de duração do experimento. O teor da proteína O sangue foi coletado semanalmente. Esses
energia dos animais (MJ/dia) não foi signi- do leite das vacas tratadas com CLA perma- resultados ainda estão sendo analisados,
ficativamente alterada pelo tratamento, pois neceu maior do que o das vacas-controle, bem como os perfis de ácidos graxos. Re-
a menor densidade energética (MJ/kg) foi no período residual (P<0.01). Apesar de o sultados preliminares indicam que houve a
compensada pela maior secreção de leite CLA ter diminuído a densidade energética esperada diminuição da proporção de áci-
(kg/dia), com maior teor de proteína. do leite, a secreção de energia total deste dos graxos de cadeia curta no leite dos ani-
A variação do teor de gordura do leite foi mantida. Como as exigências de manu- mais que receberam CLA. Isso era esperado
ao longo dos períodos experimental e resi- tenção foram praticamente as mesmas e o pela redução da síntese de novo, respon-
dual pode ser observada no Gráfico 1. ganho de peso foi muito pequeno, não ha- sável pelos ácidos graxos com cadeia me-
Os dados mostram que os efeitos do vendo alteração na mudança de condição nor de 16 carbonos. Seria outra vantagem
do leite com CLA, pois estariam entre estes
ácidos graxos, aqueles relacionados com
aumento dos níveis de colesterol. Foi obser-
vado aumento na concentração dos valores
do isômero c9, t11.

EFEITOS DA
ADMINISTRAÇÃO DOS CLAs
SOBRE PARÂMETROS
PRODUTIVOS E METABÓLICOS
DE VACAS EM LACTAÇÃO
RECEBENDO DIETAS
COM DIFERENTES
SUPRIMENTOS DE PM

Este trabalho, também financiado pe-


la Fapesp e pela Purina, foi conduzido no
Gráfico 1 - Variação do teor de gordura ao longo do experimento Campo Experimental de Coronel Pacheco
NOTA: Cada três análises representam uma semana. A análise número 24 corresponde da Embrapa Gado de Leite, e teve como
a última semana com o tratamento. Da 27a a 36a, o efeito residual. objetivos principais:
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.111-116, jul./ago. 2001
114 Gado de Leite

a) estudar a importância do fornecimen- à suplementação dos animais com A composição das dietas controle e de
to de uma dieta de alta proteína (AP) CLA; AP encontram-se no Quadro 2.
metabolizável na obtenção de res- As dietas foram formuladas com base
c) os animais suplementados com CLA
posta ao CLA, no teor de proteína nas exigências estimadas pelo CNCPS, e
podem apresentar maior conteúdo
do leite; fornecidas duas vezes ao dia na forma de
do isômero cis-9, trans-11 no leite,
mistura completa.
b) avaliar os efeitos resultantes da admi- cujas propriedades “nutracêuticas”
nistração de CLA para vacas em iní- podem conferir maior qualidade ao
cio de lactação, com ênfase na com- produto. QUADRO 2 - Composição das dietas experimen-
posição do leite, perfil da gordura tais com base na MS
Para a realização desta pesquisa, fo-
do leite e consumo de matéria seca % da MS
ram utilizadas 48 vacas holandesas primí-
(MS). Ingredientes
paras e multíparas com, aproximadamen-
100% PM 115%PM
Foram consideradas previamente as se- te, 30 dias de lactação e produção média
de 25 L/dia. Os animais ficaram alojados Silagem de milho 50 45,4
guintes hipóteses:
em instalação para gado leiteiro do tipo Milho 24,8 23,7
a) redução da concentração de gordura free-stall, que conta com 48 calan gates, Soja 15,8 7,1
promovida pelo CLA permite ao ani- permitindo obter o consumo individual dos
mal ingerir dieta com menor densi- Glutenose _ 8,4
animais.
dade energética, mantendo o mesmo Os animais receberam os seguintes tra- Casca de soja 4,4 9,9
nível de produção, ou aumentar a tamentos: Fosfato bicálcico 0,5 0,9
produção com o mesmo nível de ener-
a) dieta controle (100% das exigências Calcário 0,8 0,6
gia ingerida, dependendo do seu po-
estimadas de PM) + 400g/dia de
tencial em relação à dieta, resultando, Sal 0,5 0,5
LAC100;
portanto, em menor custo por litro Uréia _ 0,2
de leite produzido; b) dieta controle + 400g/dia de CLA;
PVM 0,7 0,8
b) o fornecimento de uma dieta com AP c) dieta com AP (115% das exigências
LAC100/CLA 2,5 2,5
metabolizável pode ser determinan- estimadas de PM) + 400g/dia de
NOTA: MS - Matéria seca; PM - Proteína me-
te para a obtenção de aumentos no LAC100;
tabolizável; PVM e LAC100 - Compo-
teor de proteína láctea em resposta d) dieta com AP + 400g/dia de CLA. nentes da ração.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.211, p.111-116, jul./ago. 2001


Gado de Leite 115

As sobras das dietas foram pesadas QUADRO 3 - Efeitos da administração de CLA e de uma dieta de AP metabolizável sobre parâmetros
produtivos de vacas com cerca de 30 dias de lactação, durante um período experimental
diariamente antes da ordenha da manhã,
de seis semanas
permitindo a obtenção do consumo indi-
vidual dos animais. Tratamentos
Variáveis
O CLA foi misturado com 2kg de con- CV
CONT CLA AP AP + CLA
centrado das respectivas dietas (100% e (%)
115% PM, logo após a retirada e pesagem
Produção de leite (kg/dia) 22,91 23,67 25,36 25,43 22,87
das sobras. A dose utilizada (400g/dia), re-
Composição do leite (%)
lativamente alta, foi decidida em função de
Gordura 3,02 2,76 3,14 2,90 19,92
dados preliminares fornecidos pela Purina,
Proteína 2,91 2,89 2,89 2,85 8,39
quando foi sugerido um determinado grau
Lactose 4,75 4,69 4,77 4,78 4,69
de proteção ruminal do CLA. Para o trata-
Sólidos totais 11,53 11,25 11,77 11,46 6,91
mento-controle foi utilizado o LAC100, uma
Produção (kg/dia)
gordura protegida (basicamente saturada),
Gordura 0,70 0,66 0,78 0,75 29,56
utilizada como placebo.
Proteína 0,67 0,68 0,72 0,73 20,79
O experimento teve a duração de sete
Uréia no leite (mg/dl) 34,73 35,73 39,07 39,92 19,54
semanas, sendo a última utilizada para ava-
liar um possível efeito residual do CLA, Consumo
cujo fornecimento aos animais foi interrom- MS (kg/dia) 15,73 16,28 16,94 16,41 14,67
pido na sexta semana de tratamento. % PV 3,54 3,38 3,56 3,35 11,21

Os resultados parciais podem ser obser- Escore corporal (1-5) 3,13 3,19 3,20 3,14 15,38
vados nos Quadros 3 e 4. NOTA: CONT - Controle; CLA - Ácido linoléico conjugado; AP - Alta proteína; CV - Coeficiente de
A depressão da gordura do leite obser- variação; PV - Peso vivo.
vada em resposta ao CLA, embora estatis-
ticamente significativa (P<0,05), foi bastan-
QUADRO 4 - Efeitos residuais do CLA e de uma dieta de AP metabolizável sobre parâmetros produtivos
te inferior às respostas encontradas na lite-
de vacas lactantes, após a interrupção do fornecimento do CLA na 10a semana de
ratura e explica a tendência para um menor lactação
teor de sólidos totais no leite dos animais
Tratamentos
que receberam CLA. Esta pequena magni-
Variáveis
tude da resposta é, provavelmente, uma CV
CONT CLA AP AP + CLA
conseqüência da baixa concentração do (%)
isômero trans-10 cis-12 no produto utili- Produção de leite (kg/dia) 21,80 24,08 25,16 25,09 23,44
zado ou da inadequada proteção ruminal Composição do leite (%)
do CLA, o que levaria à sua biohidroge- Gordura 2,63 2,69 2,81 2,63 19,95
nação e perda de sua atividade biológi- Proteína 2,99 2,94 2,98 2,99 10,54
ca. Lactose 4,57 4,48 4,65 4,55 5,58
Esta pequena depressão do teor de gor- Sólidos totais 11,05 10,90 11,49 10,99 6,68
dura no leite, aliada ao ligeiro aumento Produção de componentes (kg/dia)
(P>0,1) na produção de leite dos animais Gordura 0,59 0,65 0,71 0,69 35,76
em resposta ao CLA, principalmente no Proteína 0,65 0,71 0,74 0,77 22,10
grupo que recebeu a dieta-controle, resul- Lactose 1,02 1,08 1,16 1,17 22,46
Sólidos totais 2,50 2,60 2,88 2,82 24,14
tou em produções de gordura semelhantes
em ambos os tratamentos (controle x CLA). CCS (Log CCS x 1000/ml) 3,46 4,33 5,61 4,31 51,98

A pequena alteração na secreção de gor- Uréia no leite (mg/dl) 31,93 34,93 39,12 37,81 19,96
dura não alterou o balanço energético dos Consumo
animais de forma significativa; portanto, MS (kg/dia) 16,54 16,36 16,77 16,06 15,56
não houve oportunidade de, efetivamente, % PV 3,57 3,36 3,46 3,27 11,46
testar as hipóteses deste Projeto. NOTA: CONT - Controle; CLA - Ácido linoléico conjugado; AP - Alta proteína; CV - Coeficiente de
A interrupção do fornecimento do CLA variação; CCS - Contagem de células somáticas; PV - Peso vivo.

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116 Gado de Leite

na sexta semana do experimento resultou ção animal com a disponibilidade de for- GOVERNO DO ESTADO DE
MINAS GERAIS
em um retorno do teor de gordura do leite ragem. Para vacas em pastagem, isto pode Governador: Itamar Franco
dos animais a valores próximos aos obser- representar a possibilidade de maior volu- SECRETARIA DE ESTADO DE
vados no grupo controle (LAC100), demons- me de leite e maior produção de proteína AGRICULTURA, PECUÁRIA E
trando que o efeito inibitório do CLA sobre por unidade de área, como demonstrado ABASTECIMENTO
Secretário: Raul Décio de Belém Miguel
a síntese de gordura do leite é rapidamente em trabalhos de laboratório. Na glândula
abolido após a suspensão do tratamento. mamária, o isômero t10, c12 inibe a síntese
Por outro lado, embora não tenha sido pos- de novo de ácidos graxos e assim diminui
sível detectar uma interação entre tratamen- a proporção de ácidos graxos de cadeia
tos (Dieta x CLA), os animais tratados com curta, exatamente aqueles ligados a maiores Empresa de Pesquisa Agropecuária de
CLA e alimentados com a dieta controle riscos de doenças cardiovasculares. Além Minas Gerais - EPAMIG
apresentaram maiores níveis de produção disso, a suplementação com CLA pode Presidência
Márcio Amaral
de leite (P>0,1) mesmo após a interrupção aumentar a concentração do isômero cis9,
Diretoria de Operações Técnicas
do tratamento, demostrando um possível trans11 no leite, cujo efeito anticarcinogê- Marcos Reis Araújo
efeito do CLA sobre esta variável. nico demonstrado em animais de laborató- Diretoria de Administração e Finanças
Marcelo Franco
Embora o CLA tenha aumentado nume- rio pode beneficiar o consumidor e permitir Gabinete da Presidência
ricamente o consumo de MS na dieta-con- ao produtor agregar valor ao seu produto. Wagner Sant'Anna
Assessoria de Marketing
trole e reduzido-o na dieta de AP, não foi Luthero Rios Alvarenga
possível detectar interação entre tratamen- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Assessoria de Planejamento e
Coordenação
tos. BAUMGARD, L.H.; CORL, B.A.; DWYER, D.A.; Sebastião Gonçalves de Oliveira
Os animais alimentados com dieta de SAEBO, A.; BAUMAN, D.E. Identification of the Assessoria Jurídica
Marcelo José Alves
AP produziram cerca de 2kg de leite a mais conjugated linoleic acid isomer that inhibits milk Assessoria de Informática
do que os animais que receberam a dieta- fat synthesis. American Journal of Physiology. Mauro Lima Baino
Regul Integr Comp Physiol, v. 278, n.1, p.179, Auditoria Interna
controle, mas este efeito não foi estatisti- Ronald Botelho de Oliveira
camente significativo. O fornecimento de 2000. Departamento de Pesquisa
Antônio Monteiro de Salles Andrade
uma dieta de AP aumentou o teor de uréia GIESY, J. G.; HANSON, T.W.; ROBINSON, M.; Departamento de Produção
no leite, o que, provavelmente, é um resul- HAFLIGER, S.; VISWANADHA, M. A.; José Braz Façanha
tado do excesso de proteína em relação às Departamento de Ações e Desenvolvimento
MCGUIRE, M.A.; SKARIE, C.H.; VINCI, A. Francisco Lopes Cançado Júnior
exigências dos animais para este nível de Effects of calcium salts os conjugated linoleic Departamento de Recursos Humanos
produção. acid on milk yield, fat and CLA content of milk Dalci de Castro
Departamento de Patrimônio e
Em resumo, o experimento demonstrou fat in Holstein cows early in lactation. Journal Administração Geral
of Animal Science, Champaign, v.77, n.1, Argemiro Pantuso
que o produto fornecido não apresentou o
1999. Departamento de Contabilidade e Finanças
efeito desejado, mesmo em altas concentra- Geraldo Dirceu de Resende
ções na dieta. LOOR, J.J.; HERBEIN, J.H. Exogenous conjugated Centro Tecnológico-Instituto de Laticínios
linoleic acid isomers reduce bovine milk fat Cândido Tostes
Geraldo Alvim Dusi
CONCLUSÃO concentration and yield by inhibiting de novo
Centro Tecnológico-Instituto Técnico de
fatty acids synthesis. Journal of Nutrition, Agropecuária e Cooperativismo
O efeito do CLA em reduzir o teor de Marco Antonio Lima Saldanha
Bethesda, v.128, p.2411-2419, 1998.
gordura do leite pode ter várias aplicações Centro Tecnológico do Sul de Minas
práticas, ou seja, permitir produções mais MEDEIROS, S.R.; OLIVEIRA, D.E.; AROEIRA, Adauto Ferreira Barcelos

estáveis de leite, equivalentes a lactações L.J.M.; MCGUIRE, M.; BAUMAN,D. Centro Tecnológico do Norte de Minas
Cláudio Egon Facion
mais persistentes e permitir o uso de dietas E.; LANNA, D.P.D. The effect of long-term
Centro Tecnológico da Zona da Mata
energeticamente menos densas que podem supplementation of conjugated linoleic acid Domingos Sávio Queiróz
reduzir o custo e o impacto ambiental da (CLA) to dairy cows grazing tropical pasture. Centro Tecnológico do Centro-Oeste
Journal of Animal Science, Champaign, v.78, Waldir Botelho (Interino)
atividade. Em períodos de desafio nutricio-
n.1, 2000. Centro Tecnológico do Triângulo e
nal, como no início da lactação com vacas Alto Paranaíba
João Osvaldo Veiga Rafael
de alta produção e baixa disponibilidade PERRIN, D. R. The calorific value of milk of
A EPAMIG integra o Sistema Nacional
de pasto em sistemas tropicais, o CLA pode different species. Journal of Dairy Research, de Pesquisa Agropecuária, coordenado
ser usado para ajudar a adequar a produ- Cambridge, v.25, p.215-220, 1958. pela EMBRAPA

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