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A arte de sobreviver da Arte

É possível viver da arte em Portugal?

Começo este texto com uma pergunta, onde tentarei chegar ao fim com uma resposta.

Falo neste caso concreto da área da música, na qual me insiro, e, portanto, aquela onde estou
mais à vontade para dialogar.

O panorama profissional da música em Portugal atravessa mais do que nunca um período em


que a procura é superior à oferta. Será? Seria se nos encontrássemos num sistema justo e
organizado, onde as oportunidades são realmente iguais para todos.

A arte musical em Portugal cresceu exponencialmente desde os anos 90. Assistimos à criação
de escolas de música em grande escala, e a procura acompanhou esse crescimento. Se antes
necessitávamos do mesmo professor em várias escolas, para solucionar o problema de falta de
docentes, hoje em dia assistimos a uma oferta mais do que suficiente.

Quando isto acontece, têm de ser selecionados com base no seu currículo e experiência. Mas
aqui encontramos vários problemas a meu ver, os quais passo a enumerar:

1- A experiência ou falta dela não define a qualidade do docente. Se existe um prodígio,


por exemplo, que necessita de entrar para o mercado, mas é completamente barrado
pela falta de experiência, não estamos a perder um potencial transmissor de grande
conhecimento, em detrimento do que tem experiência, mas não a sapiência?
2- Se vamos lecionar uma disciplina prática, no ensino instrumental, não deveríamos
fazer uma prova prática? Tal não existe. A avaliação prende-se apenas e
exclusivamente pela experiência pedagógica e todos os elementos associados a isso.
3- O estabelecimento de ensino no qual nos formamos não tem peso absolutamente
nenhum, caso não tenhamos experiência. Podemos estudar na melhor escola de
música mundial, mas se chegamos a este país e concorremos com alguém que estudou
cá e tem experiência, ficamos pelo caminho automaticamente.

Estes 3 pontos, são alguns exemplos da barreira que tem existido na inserção de novos
professores (novas ideias) no mercado do ensino em Portugal.

Existe ainda um fator bastante importante, que é o açambarcamento de escolas por parte do
mesmo professor. Em contas rápidas, que fiz há uns tempos, tenho 6 colegas de profissão que
ocupam, vejam bem, 15 escolas. Sim, 15. Trata-se de 9 vagas que tanto eu como outros
colegas poderíamos ocupar e assim dar início ao nosso caminho profissional da docência.

Não existe uma legislação que proíba este tipo de acontecimento. Existe ainda professores
universitários que ocupam 2 universidades, mais umas escolas e ainda contam com convites
em Orquestras.

Torna-se uma luta bastante difícil quando temos açambarcadores implacáveis desta forma.

Mas então porque temos de ser todos professores? Ora bem, não devíamos. Tanto que nem
todos temos apetência para tal. Mas que saída nos resta? Carreira a solo? Não temos
oportunidades por parte das entidades municipais e musicais para nos mantermos vivos
apenas com esse estilo de vida.

Muita das vezes até são os menos bons que têm as oportunidades. Assisto a muitos artistas
nacionais e internacionais a terem uma atividade artística frequente em que a qualidade
musical deixa muito a desejar. Mas sabem vender o produto.

Quando não há abertura por parte das entidades em realmente dar valor à nossa Arte, de
pagar, de valorizar a transmissão de conhecimento, de ir sempre pelo caminho mais fácil, leva
a que o mercado esteja nesta mesma situação.

Claro que estes pontos são apenas o mote para uma discussão mais aberta. Mas teria todo o
gosto em tê-la.

Vejo com grande distância que o clima musical português irá entrar numa disputa nos anos
vindouros. A frase do “cada um por si” tornar-se-á mais frequente, sendo que já começa a
existir.

Este clima é provocado por injustiças no momento da valorização da arte que fazemos, o
critério rigoroso do ser bom ou mau, de transmitir bom ou mau conhecimento, o de transmitir
boa ou má música.

Podemos viver da música? Neste momento em Portugal são raros os casos disso. Digo viver, e
não sobreviver.

Com horários de 3, 4 horas por vezes, dá um total de 150€ no final do mês, pergunto-me quem
consegue sobreviver com esse valor? Não consegue.

E digo também sem ter 3/4 funções. Apenas com 1 posto de trabalho, é impossível. Exceto
como professor catedrático.

Em suma, é urgente aplicar medidas que protejam os músicos em Portugal, que são das classes
mais precárias no mundo do trabalho. Uma estruturação do máximo de cargos que podemos
desempenhar. Traria não só um escoamento dos desempregados, bem como um ganho no
desempenho dos profissionais, que se focam apenas em 1 função.

A abertura para que os artistas tenham um espaço onde se possam apresentar sem ter 30
anos de carreira é também necessário. Principalmente por parte dos municípios em ajudar os
músicos do seu concelho a ter visibilidade que merece, na terra onde nasceu, ou cresceu, ou se
estabeleceu.

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