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No ano do Senhor de 1570, no dia 28 do mês de março, relato a Vossa

Magnificência, mestre Nuno Gonçalo da Gama que, com a ajuda do Espírito Santo,
partimos do porto de Lisboa, nas margens do rio Tejo, com cinco naus de conserva
(navios). O vento soprava entre meio-dia (sul) e libecho (vento sudoeste), onde
passamos o largo das Ilhas Afortunadas, hoje chamada Canárias. Mantivemos a nossa
navegação rumo às terras austrais, em direção à costa do Brasil.
Antes de chegarmos a terras pertencentes ao El-Rei de Portugal, navegamos
tanto que chegamos aqui, a um cabo chamado Cabo Verde, que é o começo da província
da Etiópia (“sinônimo” de África) e está no meridiano das Ilhas Afortunadas. Magnífico
Mestre Gonçalo, tal Cabo tem a latitude de 14 graus da linha equinocial (linha do
Equador), onde encontramos outras naus de conservas que navegam em nome de El-Rei
(em busca do Reino de Prestes João, cujo achamento trará imensa glória ao El-Rei de
Portugal), vindas da vila de São Paulo da Assunção de Loanda, ao sul da costa da Mina.
Magnífico mestre Gonçalo da Gama, partimos de Cabo Verde com todas as
coisas necessárias, como água, lenha e outros suplementos necessários para nos
metermos, em nome do nosso Senhor, no Mar Oceano, em direção às terras de El-Rei de
Portugal.
Navegamos tanto por estes mares que ficamos tão longe da linha equinocial,
magnífico mestre, que atingimos a parte do austro (sul) e do Trópico de Capricórnio, de
modo que o pólo do meio-dia (pólo sul) estava 50 graus acima do meu horizonte; outro
tanto, caro Mestre Nuno, era a minha latitude que navegamos seis meses e treze dias e
não vimos mais o Pólo Ártico (Pólo Norte) nem a Ursa Maior e Menor (Constelações
que não são visíveis no Hemisfério Sul).
Pelo contrário, caro Mestre Gonçalo, da parte do meridiano (sul) me apareceram
infinitos corpos de estrelas muito claras e belas, as quais estão sempre ocultas àqueles
do setrentrião (norte). Ali, meu Mestre, observei o maravilhoso artifício de seus
movimentos e suas grandezas, obra do nosso Senhor, tomando o diâmetro de seus
círculos e desenhando-as com as figuras geométricas. Notei Mestre Nuno, muitos outros
movimentos dos céus, mas seria prolixo descrevê-los a Vossa Magnificência.

No ano do Senhor de 1501, no dia 10 do mês de Maio, relato ao meu Magnífico


Mestre, Nuno Gonçalo da Gama, que com a ajuda do Espírito Santo, partimos do Porto
de Lisboa, nas margens do Rio Tejo, com três naus de conserva, pertencentes ao
Capitão Gaspar de Lemos.
Como é do seu conhecimento, por influência do meu tio Duque de Braga, fui
apresentado ao Capitão Gaspar de Lemos, que me recomendou nesta viagem e a
Américo Vespúcio, cujas conversas aguçaram ainda mais a minha curiosidade, a
respeito destas terras.
Após algumas semanas de navegação, enfrentamos terríveis tempestades, e
tantas, que pensei não mais ver a terra. Alguns marinheiros viram, em meio às ondas,
enormes monstros marinhos, serpentes com duas cabeças, que engoliram os que caíram
no mar.
A alimentação era pouca e rapidamente se estragava a água potável, escassa,
entretanto a falta de higiene abundava e aliadas às péssimas condições físicas dos
tripulantes de baixa patente colaboravam para a propagação de doenças como: caxumba,
tétano, disenteria e escorbuto que são comuns nessas viagens.
Com a graça de nosso Senhor, as tempestades cessaram e alcançamos a terra,
dita de Santa Cruz, ao primeiro dia do mês de Novembro, dia de Todos os Santos.
Magnífico Mestre, a terra é formosíssima, de bons ares, muitas e excelentes águas,
árvores e ervas com tal fartura e variedade como nunca se viu.
Ela é habitada por gentes estranhas, que vivem nuas como no dia em que
nasceram – até as mulheres! Têm a pele avermelhada e os cabelos muito pretos, e
nenhum outro pelo no corpo o qual rapam e pintam com estranhas tintas. Têm o rosto
furado, assim como as orelhas e ornam esses furos enfiando neles lascas de paus e
ossos.
Essa gente de cá, apesar de viver sem vestimenta nem calçado não adoece e
banham-se, amiúde, e isto não parece fazer-lhes mal. Não conhecem pão, comem uma
raiz de casca escura e alva no interior, que ralam e cozem. Também se alimentam de
peixe, caças e frutos da terra. dizem que apreciam a carne humana e matam-se e
comem-se uns aos outros. Assim, o maior mérito de El-Rei, meu Mestre, será salvar
essas almas pela Cruz de Nosso Senhor.
Ilustre mestre, tenho visto muitas plantas, variadas e desconhecidas. Tenho
recolhido sementes, que com a graça de Nosso Senhor medrarão em nosso abençoado
solo para benefício de muitos, pois penso que as resinas que produzem algumas árvores
de cá tem o poder de curar enfermidades. São tantas cousas para ver e descobrir que me
estorva o por do sol, pois que a noite me força ao descanso. Sinto-me como da primeira
vez que vi um tratado sobre as propriedades médicas das plantas, olhando incrédulo
para o Líber Pandectarum Medicinae, de Matthaeus Salvaticus. Naquele dia soube onde
procurar a glória que alguns homens buscam nas armas, outros na riqueza, na corte ou
nas artes.
Meus dias, os despendo em conhecer o mais possível das plantas dessa terra e
tenho

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