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Greve –
Uma análise dos princípios da Organização Internacional do Trabalho sobre os limites de
seu exercício pelos trabalhadores.
Por
Homero Batista Mateus da Silva
1. Introdução.
Para fins deste estudo, vale lembrar, apenas, que o direito de greve é em sua
essência um direito individual do trabalhador, mas de exercício necessariamente coletivo.
Sem que o grupo de trabalhadores decida o exercer em conjunto, de greve não se tratará.
Aliás, a ferramenta mais eficaz encontrada pela OIT para fazer aprovar suas
Convenções nos últimos anos tem sido justamente a redação aberta e de certa forma
ambígua de cada uma das cláusulas, de tal sorte que dois países podem simultaneamente
ratificar o mesmo texto, cada qual acreditando haver aderido a uma posição diferente.
Conforme explica VALTICOS (1963), essa atitude da OIT busca trazer para seu ambiente o
maior número possível de países e de idéias, num primeiro momento, para, depois, obter
um consenso via interpretação ponderada e estudada das cláusulas. O autor aponta como
única interpretação autêntica as Convenção Internacional aquela que for sedimentada pela
Corte Internacional da Justiça, na forma do tratado de constituição da OIT. Contudo, diante
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Assim também se passa com a noção de serviços públicos em sentido estrito. Cada
país tem sua própria definição de serviço público. Dentro do país e do ordenamento
também tendem a surgir divergências quanto à precisão terminológica, bastando que se cite
o Brasil como exemplo, quando se evocam as discussões em torno de Administração
Pública Direta ou Indireta, ou quando se controverte sobre a natureza jurídica das
fundações criadas ou mantidas pelos poderes públicos. Admite a OIT que se vede o acesso
à greve para o servidor público, mas, para tanto, exige que se tome a expressão serviço
público em seu sentido mais restrito, qual seja, o que envolva “função de autoridade em
nome do Estado”, como os ministérios e a administração da justiça. A impossibilidade de
solução de continuidade e o exercício da soberania do país fundamentam a exclusão desses
trabalhadores do movimento de paralisação. Estão fora da definição, por exemplo, as
sociedades de economia mista, as empresas públicas, bem como os serviços educacionais,
transportes, bancos e monopólios como na exploração de sal, petróleo ou tabaco.
Por fim, também se concebe, no âmbito da OIT, que os serviços essenciais sejam
banidos das greves, mais uma vez sendo necessária a interpretação restritiva. Por essencial,
a OIT entende apenas aquelas atividades cuja cessação afete “diretamente a vida, segurança
e saúde da comunidade”. Não satisfeita em apontar os três elementos definidores dos
serviços essenciais (vida – segurança – saúde), a OIT houve por bem indicar quais são os
locais em que essa essencialidade aparece. Surgiu, assim, um rol com tão somente cinco
atividades “essenciais”: hospitais, manejo de água, geração e distribuição de eletricidade,
telefonia e controle de tráfego aéreo. A lista pode parecer demasiadamente enxuta, quando
se lembra do serviço funerário ou da coleta de lixo, mas essa foi a forma que a OIT
encontrou para se opor aos abusos dos legisladores que a tudo consideravam “essencial”, de
maneira a inviabilizar o direito de greve. Isso não significa, contudo, que a organização não
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acabou por apresentar péssima solução: no lugar de afastar a greve para o serviço público e
o serviço essencial, ambos em sentido estrito, e lhes oferecer formas criativas e eficazes de
solução de controvérsia, a todos franqueou a greve, como pode ser observado no art. 9o da
Constituição Federal de 1988 e 9o e 13 da Lei 7783/1989, mas nem a todos franqueou a
negociação coletiva. A solução não poderia ser pior.
Convive o servidor público, por exemplo, com o direito de greve, previsto no art.
37, VII, da Constituição Federal de 1988, no aguardo de uma lei que o detalhe, mas desde
logo banido da negociação coletiva, desprovido de salvaguardas e sem um fórum
apropriado para apresentar suas reivindicações. Daí a sociedade brasileira assistir greves
terríveis, de grande desgaste para todos os envolvidos e de pequena conseqüência prática.
Por sua vez, ao trabalhador em atividade essencial, em sentido estrito, admite-se a greve
sem maior esclarecimento na Constituição Federal de 1988 ou na Lei 7783/1989, jogando
partes e coletividade numa perigosa situação de risco para a vida, a segurança e a saúde. E
não é tudo.
O art. 10o da Lei de Greve elaborou um rol muito extenso do que considera serviço
essencial, mas com o único fito de lhes exigir um aviso prévio maior, conforme leitura do
art. 13 que será concluída abaixo. Afinal, se todos podem fazer greve (essenciais e não
essenciais), por que se preocupar em definir os essenciais? De qualquer forma, saliente-se
que hospitais, água, luz, telefones e controle aéreo têm assento no art. 10o, mas convivem
com outros itens estranhos ao sentido estrito da essencialidade (gás, combustível,
comercialização de medicamentos e alimentos, funerários, transporte coletivo, captação e
tratamento de esgoto e lixo, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e
materiais nucleares, processamento de dados ligados a serviços essenciais e compensação
bancária). Deve-se ter cuidado para não se voltar à época em que, por motivos escusos, a lei
brasileira alargou tanto a noção de essencialidade, que motivou o comentário irônico de
Evaristo de Morais Filho, citado por SILVA (1993), no sentido de que, em breve, somente
“manicures, cabeleireiros e butiques” estariam fora da lista dos serviços essenciais. Resta,
por fim, entender o que significa a conhecida expressão serviços mínimos, que não se
confundem com os serviços essenciais.
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Se a greve eclodir numa atividade que lide com os serviços essenciais (que poderia
ser proibida) ou se transcorrer de maneira duradoura numa atividade de serviços de
importância transcendental, é razoável que o legislador exija dos trabalhadores a
manutenção de serviços mínimos, a fim de não pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde
da comunidade. Todavia, a noção de serviço mínimo não é a mesma no art. 9 o da Lei
7783/1989 e na interpretação da OIT.
Além das restrições impostas a esses três grupos de trabalhadores, localizados nas
forças armadas, nos serviços públicos em sentido estrito e nos serviços essenciais em
sentido estrito, a assim chamada jurisprudência de decisões da Comissão de Peritos e do
Comitê de Liberdade Sindical vê razoabilidade na fixação, pelo ordenamento jurídico, dos
seguintes procedimentos para a deflagração da greve: (a) fixação de um aviso prévio aos
trabalhadores; (b) exigência de submissão da demanda a tentativas de composição
preventivas; (c) fixação de um quórum para a deliberação; (d) uso de escrutínio secreto para
a decisão dos trabalhadores; e (e) manutenção do respeito às normas de segurança e
prevenção de acidentes. Justificam-se os procedimentos.
Na fixação do aviso prévio, leis e normas coletivas devem se pautar pelo princípio
da razoabilidade, por óbvio. Exigir dos trabalhadores que comuniquem sua intenção um
mês antes de cruzarem os braços equivale a esvaziar o movimento. Nem ao menos se sabe
como será o mês seguinte numa relação de emprego. Tanto pode haver um mês calmo
seguido de um mês tumultuado, como pode acontecer o contrário: um mês agitado, com
uma greve latente, acaba seguido por um tempo de pacificação social naquela unidade.
Sendo assim, aceitam-se prazos razoáveis de um a cinco dias. Para a Lei 7783/1989, bastam
dois dias de comunicação prévia (art. 3o), elevados para três dias apenas nos casos das
atividades essenciais (art. 13). Para as atividades essenciais, o aviso prévio tem dupla
natureza: deve ser dirigido tanto ao empregador, para que ele tente apresentar as propostas
de sua parte, quanto para a comunidade, para que ela se prepare para incômodos inerentes
ao movimento, o que também está em consonância com a jurisprudência internacional.
NASCIMENTO (1989) ensina que o aviso prévio é contado preferencialmente por dias
úteis, com exclusão do dia da comunicação. Essa é a forma que mais se harmoniza com a
finalidade negocial da norma.
pela qual as partes passarão, ainda que contra a vontade simultaneamente de ambas. Pelo
art. 114 da Constituição Federal de 1988, o Brasil adota a arbitragem obrigatória
indiscriminadamente para todas as situações de conflito coletivo, seja ele em atividade
essenciais ou não, tenham as partes a solicitado ou não. A arbitragem obrigatória é levada a
efeito pela Justiça do Trabalho, o que também pode ser conferido no art. 8 o da Lei de Greve
vigente, 7783/1989. Para o Comitê de Liberdade Sindical, a imposição do mecanismo
mitiga demasiadamente a autonomia privada coletiva, pois é sabido que uma decisão
externa os espera e pouco ou nenhum esforço é exigido dos interessados. Deveria ser
reservada a arbitragem obrigatória para casos extremos, como para evitar uma greve em
atividades essenciais ou um períodos de crise nacional aguda, abaixo referidos.
policial.
Existe, ainda, um outro período durante o qual a greve não será apropriada,
chamado pelo Comitê de Liberdade Sindical de crise nacional aguda. Não são todas as
crises nacionais que permitem o cerceio ao direito de greve. Novamente, cuidado especial
deve ser dispensado na definição do que seja uma crise nacional, optando a Organização
Internacional do Trabalho pela interpretação restritiva. Ora, as crises econômicas e as crises
políticas, de troca de gabinete ministerial ou de cassação de mandatos políticos, de alguma
forma se incorporam ao cotidiano de uma nação organizada e passam a fazer parte do
panorama, ainda que imprevistas inicialmente. A idéia de crise nacional aguda deve se ater
aos conflitos graves, insurreições internas e catástrofes naturais, como o terremoto. Com a
conflagração do país, franqueia-se às autoridades locais a possibilidade de restringir,
temporariamente, o exercício do direito de greve. Do contrário, o movimento grevista
poderia terminar por esfacelar a ordem pública, ainda que em atividade não essencial, e
sofreria enorme frustração, por se imaginar mais difícil o atendimento de uma pauta de
reivindicações pelo empregador envolvido na catástrofe.
6. Outras restrições.
As atitudes dos grevistas devem ser toleradas em nome da liberdade sindical, como
forma de divulgação do movimento e exortação para que trabalhadores e comunidade o
entendam e o apóiem. Também são salutares os piquetes de convencimento exercido sobre
os trabalhadores não grevistas e a arrecadação de fundos de greve para suportar um período
mais longo de paralisação. Contudo, essas atitudes ficam sempre a um passo do
enquadramento em tipos penais conhecidos, quando feitas de maneira exaltada e
desmedida. Essa a preocupação sutilmente registrada no parágrafo segundo do art. 9o da
Constituição Federal de 1988, ao afirmar que, na greve, “os abusos cometidos sujeitam os
responsáveis às penas da lei”. Os abusos podem surgir em piquetes abusivos ou atos de
vandalismo contra o patrimônio do empregador, de clientes ou de fornecedores. O
consagrado direito de greve jamais pode servir de escudo ou de salvaguarda para a prática
do ilícito penal, aduza-se. O uso da força policial para prevenir ou remediar os ataques e
também para proporcionar o direito de locomoção dos proprietários da empresa e dos
trabalhadores não grevistas mostra-se como medida lícita para os poderes públicos.
A Lei 4330/1964 continha regra no sentido de que, uma vez atendida uma
reivindicação sequer do movimento, o empregador estava obrigado a pagar aos grevistas
todos os salários do período de cessação, assunto esse que não poderia ser objeto de
negociação. Isso repugna ao espírito da negociação coletiva, conclui a Organização
Internacional do Trabalho. Outras normas são conhecidas que vedam o pagamentos de
salário aos grevistas, levando a situação para o outro extremo. Hoje, pode-se dizer que o
ordenamento brasileiro está em consonância com as deliberações dor órgãos da
Organização Internacional do Trabalho, haja vista haver deixado a questão totalmente a
critério da negociação das partes, como pode ser observado no art. 7o da Lei 7783/1989 (“as
relações obrigacionais durante o período devem ser regidas pelo acordo, convenção, laudo
arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho”).
Contudo, basta que se citem um ou dois pontos de divergência entre a lei brasileira e
a liberdade sindical para que se perceba o descompasso do direito brasileiro no âmbito
internacional. O primeiro ponto é a previsão de uma arbitragem obrigatória e
indiscriminada, a cargo da Justiça do Trabalho, para todo movimento grevista,
independente de sua extensão, relevância, duração e, tanto pior, independente da vontade
das partes em submeter a questão ao Tribunal. O segundo ponto é a situação ambígua e
aflitiva da greve nos serviços essenciais e nos serviços públicos em sentido estrito. A
ambos se faculta a greve e em nenhum dos casos se detalhou a existência dos serviços
mínimos. O art. 9o da Lei 7783/1989 se concentra mais no serviço mínimo para a
manutenção das máquinas e dos equipamentos do que para a garantia de condições de vida,
segurança e saúde da comunidade. Assiste-se a greves de largas proporções e profundas
conseqüências na vida da sociedade sem que ninguém assuma as conseqüências nefastas.
Fosse pouco, ao serviço público em sentido estrito se faculta a greve, mas se nega a
negociação coletiva, como se uma pudesse viver sem a outra. Bastaria a ratificação da
Convenção Internacional 87 da Organização Internacional do Trabalho, sobre a liberdade
sindical, para que grande parte das questões ficasse resolvida. Na verdade, restam poucos
países alheios à Convenção da Liberdade Sindical. Dos 38 que ainda recusam a Convenção
87, há somente quatro industrializados (Brasil, Chile, Estados Unidos e Nova Zelândia).
Mas a Convenção pressupõe, dentre outros itens, a pluralidade sindical e a não imposição
legal das fontes de custeio do aparelho sindical, o que se choca com a essência do vigente
modelo sindical brasileiro, da Constituição Federal de 1988 e da Consolidação das Leis do
Trabalho de 1943.
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9. Bibliografia
BELTRAN, Ari Possidonio. A Autotutela nas Relações de Trabalho. São Paulo : LTr,
1996.
GERNIGON, Bernard et alli. Principios de la OIT sobre el derecho de huelga. In: Revista
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VIANNA, José de Segadas. Greve – Direito ou Violência? São Paulo : Freitas Bastos,
1959.
VIDAL NETO, Pedro. O direito de greve : evolução histórica. In: Estudos em Homenagem
ao Professor Arion Sayão Romita. São Paulo : LTr, 1998. p. 302-310.