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SUMÁRIO
p. 6 [vazia]
1 - Noam Chomsky
Democracia e mercados na nova ordem mundial
1. A "verdade duradoura"
1. O discurso da globalidade
2. O neoliberalismo e a reconversão
Depois de dez anos de neoliberalismo confirmaram-se as hipóteses que
previam nessa política os efeitos mais adversos para o Terceiro Mundo. É
verdade que alguns cientistas sociais garantem que há uma "curva" que
promete que tudo melhorará em longo prazo, depois de piorar em curto
prazo. Mas nem dão evidências a respeito, nem existe, do ponto de vista
lógico ou empírico, a mínima razão para pensar que o conjunto das medidas
neoliberais levará ao desenvolvimento da maioria da humanidade
e à solução dos problemas sociais do próprio mundo desenvolvido. Mais
ainda, quando alguns
p. 50
para o sul reverteu-se. A partir daí o sul passou a ter uma hemorragia
líquida de excedente: a relação de intercâmbio tornou-se cada vez mais
adversa, as taxas
de juros dispararam, os prazos dos créditos foram reduzidos, os capitais
fugiram,os serviços da dívida cresceram em relação ao valor e ao montante
das exportações,os pagamentos se tornaram mais difíceis devido às
desvalorizações que obrigam a pagar cada dólar com um maior número de
divisas locais. Alain DurMing escreve do World Watch Institute de
Washington: "Para (i s pobres da África, América Latina e parte da Ásia
os anos oitenta foram um tempo de cruéis derrotas..." E acrescenta: os
preços das nações pobres caíram vertiginosamente e a dívida internacional
canalizou uma parte crescente de sua renda em mãos dos financistas
estrangeiros. Ao mesmo tempo os pobres ganharam menos e conseqüentemente
comeram menos; mas pagaram mais, isso sim”6. A descrição de Durning é
exata, rigorosa. Baseia-se em números, em evidências inocultáveis. Em
fins dos anos oitenta e princípios dos noventa, a maioria dos indicadores
assinala que a pobreza aumentou dramaticamente na África Sul-saariana e
na América Latina, assim como em diferentes regiões da Ásia, submergindo
na miséria sobretudo os menores de quinze anos, muitos deles com danos
orgânicos e cerebrais por causa da desnutrição. O exemplo mais dramático
é o da África. Ali, a dívida subiu três vezes sobre o nível de 1980. Os
pagamentos atrasados passaram de l bilhão de dólares em 1980 para 11
bilhões de dólares cm 1990. Hoje, a dívida externa da África é mais alta
do que o lotai de sua produção 7.
p. 53
4. A alternativa
Do ponto de vista científico há um problema genuíno que realmente
temos que investigar. Por mais profunda e exata que seja a análise do que
acontece, a radicalização da análise por si só não resulta numa ação
política efetiva. Na hora de atuar é muito difícil estruturar uma
política alternativa. Nem os neoliberais arrependidos podem facilmente
fazê-lo, nem os reformistas ou os revolucionários, se por acaso tentam
agir. A falta de pontes entre o que poderíamos chamar de análise radical
e a ação política alternativa deixa a análise entregue a si mesma; deixa-
a como reflexão, como protesto ou como queixa; sem maior transcendência.
Acontece assim hoje, talvez mais do que nunca, essa rara ruptura
p. 60
Bibliografia complementar
NOTAS
______________
1. Brown, Lester R.(1991)The New World Order Washington, Worldwatch
Instituto,3.
p. 46
_____________
2. Kaufman, Michael T. (1989) Across a dividcd Europc - An idcology undci
sicgc (New York Times, 23/01: 1). In The Third World - The hegemony of
Marx takes many
shapes (Ibid, 24/01 1)
p. 47
_____________
3. C.f. Held, David (1989) Political Tlieon and the Modern State
Standford, Standford llnivcrsity Press, p 228s
p.49
_____________
4. Sobre este problema, v Casanova, Pablo G (1994) Colonialismo global et
democrátic In: État politique dans le tiers-monde Paris, L’Harmattan, p
11-73
p. 50
_____________
5. Hirshraan, Albcrt (1987) The Pohtical Economy ofLatm American
Devclopmcnt Scvcn Excrciscs m Retrospectivo Latiu American Reseaich
Re\ieH, 22/03 30s
p. 51
____________
6. Durming, Alan B (1989) Povcrty andthc Environmcnt-Rcvcrsmg The
DownwardSpi-
in l IVoi Idn atch Papeis 92 15, Washington.
7. African Debt- The Case of DebtRelief (1990) Nova Iorque, Umtcd Nations
p. 53
___________
8. Gorostiaga, Xabier (1993) El sistema mundial situación alternativas La
experiência y l a vision desde Ias victimas México, CHH-Unam [Exposição
feita no Seminário El mundo actual situación y alternativas.]
p. 54
____________
9. Taylor, Lance (1993) The Rocky Road to Rcform Tradc, Industrial,
Financial and Agricultural Strategics WorldDevelopment, 21(4) 577-590
10. Banuri, Tanq-Amadeo, Edward J (1992) Mundos dentro dcl tcrccr mundo
mstitucioncs dcl mercado de trabajo cn Ásia y America Latina El Trimestre
Econômico, vol LIX (4), n 236 657-723.
p. 56
__________
11. Cardoso, Fernando Henrique (1991). Lãs relaciones norte-sur en el
contexto actual una nueva dependência? El Socialismo del Futuro, 3: 138
p. 59
3 - Göran Therborn
Dimensões da globalização e a dinâmica das (des)igualdades
passaram a viver fora de seu estado natal (Unrisd, 1995: 62; Banco
Mundial, 1995: 65).
As conferências sobre o meio ambiente da ONU, realizadas em
Estocolmo (1974) e no Rio de Janeiro (em 1992), colocaram em foco a
globalização quanto aos riscos ambientais, tanto em relação ao clima do
planeta como à poluição transnacional.
As identificações individuais no mundo inteiro têm se expandido com
a comunicação global, com astros e estrelas da música e dos filmes, com
atores de novelas. Mas isso é diferente da abrangência das identidades
coletivas mundiais, que permanece muito mais limitada. Pode haver algum
embrião de identidade humana ecológica e de alguma identidade mundial
categórica, principalmente feminista. "Internacionalismo proletário" no
sentido marxista é notadamente tênue ou ausente. Mas se marchamos muito
mais adiante do que a campanha antiescravista do século XIX, é uma
questão em aberto. A ambição dos antiescravistas é bem exemplificada por
uma gravura utilizada pela Sociedade Britânica em sua propaganda da
abolição do tráfico de escravos. A gravura mostrava um africano
ajoelhado, com grilhões, indagando: "Não sou eu um homem e um irmão?"
(Blackburn, 1988: 139).
As ciências naturais e, mais recentemente, a ciência médica produzem
conhecimento universal. Nas ciências sociais e na área de humanidades,
isso é ainda somente uma tendência, no meio de diferenças nacionais e
regionais persistentes. Essas últimas são também concernentes, é claro,
ao "noticiário mundial" divulgado pela tevê via satélite. Um outro
aspecto da globalização cognitiva é o da produção de estatísticas
globais. O Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU, de 1996, por
exemplo, nos fornece grande riqueza de informações sobre 174 países.
p. 71
compra), era muito mais adiantado do que em 1965 para a África, a América
Latina e para os maiores exportadores de petróleo. Esse índice era um
tanto mais significativo para o Oriente Médio (excluindo os maiores
exportadores de petróleo) e para a Ásia como um todo (excetuadas as
economias industrializadas do Leste Asiático). Os países desenvolvidos cm
geral, excluindo-se somente os "tigres" do Leste Asiático, encararam o
mundo rico com praticamente a mesma distância de 1965, um pouquinho mais
próximos. Ganhos espetaculares foram alcançados pela Coréia, Taiwan,
Singapura c Hong-Kong e avanços substanciais foram atingidos pela China,
Malásia, Indonésia, Tailândia e Chile.
A melhoria nos negócios internacionais e do fluxo de capitais desde
meados de 1980, isto é, as mais recentes manifestações de globalização
econômica, não tem gerado qualquer mudança da diversidade dos
desenvolvimentos dos países.
Todos esses índices dizem respeito ao efeito da desigualdade entre
os seres humanos. Não podemos dizer apropriadamente até que ponto o mundo
do mercado tem contribuído para essa desigualdade, que pode derivar
também de estagnação interna, conflitos destrutivos ou falências. No
Leste Asiático, investimentos e esforço no sentido da melhoria da
educação constituíram as forças principais para o crescimento bem-
sucedido, mas a produtividade também tem gerado aumentos significativos,
especialmente no Japão, na Coréia, em Taiwan e na China (Banco Mundial,
1993: 46 s). A única evidência declarada é a de que a globalização do
mercado não revela nenhuma tendência de igualização econômica para a
humanidade como um todo.
Isso implica, naturalmente, que não há qualquer pressão para baixo
nos países ricos. Os países ricos da OECD eram responsáveis por três
quartos das exportações mundiais em 1965. A crise do petróleo de 1973-74
reduziu tal participação
p. 79
para dois terços, patamar onde tem permanecido desde então. Em 1995, a
Europa Ocidental, a América do Norte, a Oceania e o Japão contabilizaram
65% das exportações mundiais (FMI, 1988 e 1996). O aumento das cotas de
mercado das bem-sucedidas economias exportadoras do Leste Asiático tem
sido gerado completamente por outros países "em desenvolvimento", cuja
fatia do bolo encolheu.
O efeito sobre a desigualdade nos países mais ricos devido aos
recentes progressos das novas economias exportadoras do Leste Asiático
não é muito claro e o padrão empírico é muito irregular. Isso, afora o
fato evidente de que os efeitos contingentes têm sido menores.
A importação de produtos manufaturados de países com índices
salariais baixos é muito mais importante em termos de negócios setoriais
nos Estados Unidos e no Japão do que na Europa. Os preços relativos
daqueles setores de importação competitiva - tais como produtos têxteis e
aparelhos, borracha e plásticos, brinquedos - declinaram nos anos 80, mas
os salários relativos baixaram somente nos Estados Unidos, mas não no
Japão e nem na Europa. As diferenças de produtividade setorial são muito
mais importantes para o esclarecimento dos salários relativos do que os
diferenciais das tendências de preços do comércio (OECD, 1997: cap. 4;
FMI, 1997: 53s).
Conclusão
Bibliografia
BANCO MUNDIAL (1993). The East Asian Miracle Nova Iorque, OUP.
— (1995). World Development Report - Workers in an Integrating World.
Nova Iorque, OUP.
NOTAS
____________
1. Tenho abordado tais questões noutros contextos, mais recentemente num
artigo intitulado Modernities, and Globalization
p.64
_____________
2. Os índices utilizados aqui são: a proporção de partos não assistidos
por pessoal qualificado, a percentagem de crianças com menos de cinco
anos abaixo do peso normal; e o percentual de mulheres acima de quinze
anos c que são analfabetas.
p. 86
4 - Miriam Limoeiro-Cardoso
Ideologia da globalização e (des)caminhos da ciência social
A Florestan Fernandes,
cujo vigor e inteligência fazem tanta falta à sociologia e à luta em
favor de todos os oprimidos, excluídos e humilhados.
Na verdade, os paladinos da "neutralidade científica" não são neutros
senão na aparênc:J. Eles apenas deixam de evidenciar as polarizações
ideológicas subjacentes às suas análises e descrições da realidade. Na
medida em que se identificam com o status quo e com as ideologias nele
consagradas, nem sequer conseguem descrever e explicar a realidade como
ela é. (..) Portanto, o que tais paladinos renegam não é, propriamente
falando, o envolvimento intelectual - mas a independência do investigador
que se recuse a confundir a verdade e os critérios de verdade do
pensamento científico com o que parece "certo" e "necessário" em termos
dos interesses e dos valores sociais das classes dominantes e das elites
no poder ".¹
(Florestan Fernandes).
das teorias e das ciências. Primeiro, pela maneira como se propõe, porque
não há conhecimento científico, por mais completo e verdadeiro que
pretenda ser, que não admita questionamento e refutação. E a
desqualificação sistemática de qualquer argumento contrário é o próprio
oposto de qualquer procedimento científico, ou mesmo acadêmico. Segundo,
porque é indefensável hoje em dia qualquer pretensão de verdade absoluta
ou de pensamento único, bem como dum determinismo tal que qualquer
alternativa histórica esteja a priori eliminada. Terceiro, porque seus
argumentos não resistem ao confronto com outras linhas de argumentação e,
principalmente, com informações históricas concretas. Com essa concepção
de globalização estamos no campo próprio das ideologias que, acompanhando
uma força social que se toma dominante, visam produzir convencimento e
adesão às idéias que difundem, dando assim consistência ideológica à
dominação.
A acepção dominante de "globalização" é, pois, uma ideologia.
Expressa posições e interesses de forças econômicas extremamente
poderosas e vem comandando intensa luta ideológica -luta essa que passa
pela mídia e pela universidade - para tomar-se dominante mundo afora.
No entanto, é claro que se existe algo como uma globalização
enquanto fato real ou se a noção de globalização é uma referência a algum
processo significativo na realidade, tal existência acaba por tomar-se um
desafio para o conhecimento científico e para a ação. A difusão duma
ideologia da globalização já é indício claro de que está em curso
concretamente um processo atravessado por dificuldades e embates. De
fato, a produção científica não tarda a questionar as formulações
ideológicas acerca da globalização, apontando seu caráter ideológico e
apresentando outras percepções, outras interpretações e teorizações
novas. Vejamos:
p. 98
142). Estimativa para o Brasil urbano no mesmo ano aponta 22,52% dos
domicílios como pobres e 11,03% como indigentes (Singer, 1996: 80).
Discutindo a "teoria da pobreza", Celso Furtado vincula pobreza à
concentração da renda. Estatísticas oficiais mostram que o 1% mais rico
da população do Brasil, que detinha 11,9% da renda nacional em 1960,
passou a ter 16,9% em 1980. Se considerarmos os 5% mais ricos, sua
participação subiu de 28% para 37,9% no mesmo período, enquanto a dos 50%
mais pobres caiu de 17,4% para 12,6%. É um quadro que não faz senão
confirmar Hobsbawm quando identifica o Brasil como "o candidato a campeão
mundial de desigualdade econômica" (Hobsbawm, 1997: 397). E desigualdade
crescente significativamente, em que a concentração da renda se acelera
ao mesmo tempo em que o crescimento econômico e a industrialização.
Diante dessa relação, Furtado conclui: "Não é de surpreender, portanto,
que a especificação do subdesenvolvimento se haja reintroduzido pela
porta traseira da 'teoria da pobreza'" (Furtado, 1992: 15). Creio que
Furtado tem razão quando não se deixa cair na insidiosa substituição de
"subdesenvolvimento" por "pobreza". Só se enganaria se acreditasse
efetivamente que com tal substituição a especificação do
"subdesenvolvimento" estivesse de fato sendo reintroduzida. Pelo que eu
entendo, ele sabe que não é assim e trata de chamar a atenção para a
diferença, reintroduzindo, agora sim, ele mesmo, a questão omitida.
Tomando aquela substituição como um problema, veremos que ela produz
um apagamento e um deslocamento. É que os tempos são outros, as
perspectivas e os interesses do grande capital também são outros. Nas
décadas de 50 e 60, a expansão internacional do capital abria
possibilidades mais amplas e dinamicamente integradoras para o que então
passaram
p. 112
mais destacado, por meio dos quais organiza o campo intelectual, promove
os temas e os "autores" que patrocina, ou seja, detém para si influência
decisiva sobre as idéias que por sua interferência passam a dominar o
cenário intelectual e político num dado momento.
Se uma ideologia se espraia por uma sociedade e consegue impregnar
quase todos os espaços, ela passa a comandar os processos sociais e a se
exercer como um efetivo poder de direção. Quando uma sociedade está assim
submersa numa ideologia tão poderosamente dominante/dirigente, os campos
da percepção e do pensamento nesta sociedade também sofrem a influência
de tal ideologia. Por que supor que nossas problemáticas de cientistas
sociais estariam imunes a esse poder de direção intelectual, moral e
política da ideologia? Somente uma concepção muito abstrata e
cientificista de ciência assumiria o risco de uma tal suposição. Em
situações de forte dominação/direção ideológica, toda ciência social que
pretenda alcançar algum rigor precisa buscar situar-se nesse campo
ideológico que atravessa a sociedade inteira, e diferenciar-se dele.
Momentos como esse, no entanto, dão à sociologia uma oportunidade
singular de se construir como uma. ciência inserida no seu tempo/lugar e
desempenhar funções que cabem de fato e de direito à atividade
científica, mas que só se cumprem quando os cientistas se dispõem a ousar
o afrontamento com as ideologias dominantes.
"Trazer à consciência os mecanismos que tornam a vida dolorosa, e
mesmo invivível, não é neutralizá-los; expor as contradições não é
resolvê-las. Porém, por mais cético que se possa ser sobre a eficácia
social da mensagem sociológica, não se pode considerar como nulo o efeito
que ela pode exercer, permitindo àqueles que sofrem descobrir a
possibilidade
p. 124
de imputar seu sofrimento a causas sociais e de assim se sentir não-
culpados; e fazendo conhecer amplamente a origem social, coletivamente
ocultada, da infelicidade sob todas as suas formas, inclusive as mais
íntimas e mais secretas. Constatação que, apesar das aparências, não tem
nada de desesperante: o que o mundo social fez, o mundo social pode,
armado desse saber, desfazer" (Bourdieu, 1993: 944).
Nenhuma realidade social é imutável. É de sua natureza transformar-
se. A sociologia tem o que dizer sobre essa realidade, sobre o que ela
aparenta ser, sobre seus determinantes, seus conflitos, suas
contradições, suas transformações, sobre a representação da sociedade
"que aqueles que tiram proveito dela ser como está sendo tentam nos fazer
acreditar que ela seja". O conhecimento sociológico é possível, mas sua
produção não é indiferente, nem sem conseqüências; não interessa
igualmente a todos. Por isso, o poder e as ideologias fazem tantas vezes
sentir o seu peso sobre ela, sob formas mais e menos sutis, para orientá-
la por caminhos menos "inconvenientes" e, conforme sua resposta, para
enaltecê-la ou mesmo excluí-la.
Referências bibliográficas
GORZ, André (1990). Quem não tiver trabalho também terá o que
comer. Estudos Avançados, 4 (10), set./dez.
HOBSBAWM, Eric (1997). A era dos extremos - O breve século XX:. 1914-
1991. S. Paulo, Companhia das Letras.
NOTAS
_______________
1.Fernandes,F.(1968).Prefácio a Sociedade de classes e
subdesenvolvimento,p. 13s
p. 96
______________
2. "A espantosa desfaçatez das elites econômicas chega hoje ao cúmulo
(...) de querer impingir a falência social de seu sistema como lei
natural a ser aceita c a cuja bitola todos têm de se 'adaptar'" (Kurz,
1996: 47).
p. 97
_______________
3. Grifado no original. Todas as vezes em que uma citação contiver alguma
expressão sublinhada e não houver indicação em contrário, tal expressão
está grifada no original.
p. 101
_______________
4. "O adjetivo 'global' surgiu no começo dos anos 80, nas grandes escolas
americanas de Administração de Empresas, as célebres 'Business management
schools' de Harvard, Colúmbia, Stanford, etc. Foi popularizado nas obras
e artigos dos mais hábeis consultores de estratégia e marketing, formados
nessas escolas - o japonês K. Ohmae (1985 e 1990), o americano M.E.
Porter (1986) - ou em estreito contato com elas. Fez sua estréia em nível
mundial pelo viés da imprensa econômica e financeira de língua inglesa e
em pouquíssimo tempo invadiu o discurso político neoliberal" (Chesnais,
1996: 23). (Ohmae, K. (1985). Triad Power: The Coming Shape o/Global
Competitiol1. Nova Y ork, Free Press. - Ohmae, K. (1990). The Boderless
World. Londres, Colins. - Porter, M.E. (1986). Competition and global
industries; a conceptual framcwork. 111: Porter, M.E. (ed.) Competitiol1
il1 global il1dustries. Boston/Mass., Harvard Business School Prcss.)
p. 106
__________
5. Referência as poor laws aplicadas na Inglaterra no inicio do século
XIX, assegurando a todo habitante dum município rural um mínimo de
subsistência indexado sobre o preço do pão (v. Gorz, 1990: 2 I 5).
p. 115
____________
6. Nesse sentido, não me parece inteiramente correta a afirmação de que
"La sociologia latino-americana ha sido siempre una sociologia dei
desarrollo, hasta nuestros dias" (Mires, 1993: 8).
p. 119
___________
7. "For what they [The Chicago Reports] show is thc way in which
cxternally indueed modernization oeeurs and fonnally organized ideologies
are transferred: not as unilateral conspiraeies, nor as well-wovel1 plots
eonseiously eoneeived to brainwash and dominate, as some simplistie
descriptions of dependency would seem to imply, l1ar as inevitable,
unintentional, neutral processes of acculturatiol1, as the
seminalliterature 011 modernization and change intended" (Valdés, 1995:
128).
p. 122
2. Conceituando a globalização
hane, 1996; Cox, 1987; Gill, 1993). Este artigo está amplamente baseado
nessa literatura especializada que, como não poderia deixar de ser, chega
ao final do século XX profundamente interpelada pelo "estado de agitação
e confusão" do seu próprio objeto de estudo (Keohane, 1996: 462). Mas o
que interessa sublinhar aqui é que a idéia da globalização atraiu também
a atenção (e não poucas vezes o ceticismo ou a ira) das ciências sociais,
as quais, a partir de distintas áreas de conhecimento e apoiando-se com
freqüência nas teorias precursoras "clássicas", começaram a colocar no
centro das indagações os problemas multidimensionais decorrentes da
mudança de natureza da relação tempo-espaço associada a tal idéia.
Para Ronald Robertson (1992: 8), a globalização consiste na
"compressão do mundo e na intensificação da consciência do mundo como um
todo", levantando três questões importantes. Em primeiro lugar, a
globalização não é um estado completamente novo, mas um processo de longa
duração, cuja origem remonta às primeiras viagens dos exploradores
europeus, e que só se acelera e se aprofunda na era contemporânea
(portanto, isso não implica que ela seja automaticamente boa ou má, ou
que encarne o triunfo definitivo do liberalismo econômico e político à Ia
Fukuyama, ou que produza os mesmos efeitos em todo lugar). Em segundo
lugar, instituições sociais e povos sofrem os impactos da globalização
sem que necessariamente os padrões de pensamento e significação se
adaptem aos fatos, e, quando adaptados, eles podem gerar ou aprovação ou
rejeição; noutras palavras, essas instituições e povos podem não ser
conscientes da globalização e nem por isso são menos afetados por ela, e,
quando conscientes, não lhe respondem de maneira uniforme, mas
diferenciada. Em terceiro lugar, o espaço foi fundamentalmente
comprimido, o que implica que indivíduos, organiza-
p. 134
estes são, antes de mais nada, corpos, e corpos que sempre têm uma
localização espácio-temporal.
Por essas razões compreende-se a afirmação de alguns autores segundo
a qual a problemática das relações sociais estendidas através dum espaço-
tempo comprimido, atravessando fronteiras e modelando a vida social,
constitui-se no desafio fundamental das ciências sociais neste final de
século (Waters, 1995; lanni, 1995; Held, 1991b). Em concordância com essa
posição, o propósito das presentes notas é argumentar, a partir do
enfoque de algumas questões consideradas fundamentais - e que, sem
dúvida, exigiriam um tratamento mais amplo e aprofundado - , no sentido
de que os processos de globalização mudam radicalmente o contexto da
política contemporânea, transformam suas condições, conseqüências e
atores, expandem o horizonte da ação (sentidos, valores, constituição de
sujeitos e de identidades, alianças, antagonismos, etc.)
e interpelam as categorias com que habitualmente são pensados seus
principais problemas, dilemas e desafios. Mas, para avançar na direção
proposta é necessário que nos detenhamos previamente nas relações entre o
Estado-Nação - essa figura com a qual a política moderna terminou por se
identificar plenamente - e os principais desenvolvimentos da
globalização.
5. A globalização da cultura
Referências bibliográficas
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Paris, OCDE.
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MacMILLAN, J. - LINKLATER, A. (eds.). Boundaries in Question - New
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HELD, D. (eds.). Cosmopolitan Democracy. Cambridge, Polity Press.
p. 175
GADDIS, J.L. (1991). Towardthe Post-Cold War World. Foreign Affairs, 70.
—. (1995 b). Democracy and the New International Order. In: ARCHIBUGI, D.
-HELD, D. (eds.). CosmopolitanDemocracy -An Agenda for a New World Order.
Cambridge, Polity Press.
KEOHANE, R.O. (1996). International Relations, Old and New. In: GOODIN,
R.E. - ICLINGEMANN, H.D. (eds.). A NewHandbook ofPolitical Science.
Oxford, Oxford University Press.
6 Pierre Salama
Novas formas da pobreza da América Latina
Parece que o crescimento é, a priori, o remédio miraculoso à pobreza, por
duas razões: aumenta o emprego e cresce a produtividade e com ela os
salários (Edwards, 1995). Quando a distribuição da renda é estável, o
conjunto da renda aumenta no mesmo ritmo e, dessa forma, o crescimento
diminui o peso da pobreza num determinado prazo. Sua eficácia depende a
priori de dois parâmetros: da amplitude do crescimento e seu caráter
durável, dum lado, e, doutro lado, da importância da pobreza, do
afastamento da renda média dos pobres da linha de pobreza e da
distribuição da pobreza entre os pobres. Essa evolução pode ser
contrariada ou amplificada por dois fatores suplementares: o crescimento
não implica espontaneamente um crescimento homotético do conjunto da
renda, e uma política redistributiva da renda pode ser estabelecida.
favor das camadas mais pobres ou antes "esperar" que o crescimento opere
em favor dos menos favorecidos 3, beneficiando, através de medidas de
liberalização, seu desenvolvimento?
do Sul 7 para que o Banco Mundial se dignasse reconhecer que aquele pôde
ter sido eficaz, para acrescentar quase imediatamente que a atividade
econômica teria sido mais sustentável(?) e que os recursos produtivos
teriam sido melhor alocados se o Estado tivesse se limitado ao domínio da
saúde, da educação e das infra-estruturas. E será necessário esperar o
relatório do Banco Mundial de 1997 para reconhecer um papel mais positivo
à intervenção do Estado do que aquele até então reconhecido, com uma
precisão que vincula, entretanto, essa intervenção e sua eficácia à
existência de "certas condições sócio-históricas", o que é uma banalidade
aparentemente, mas que pode também significar que este ou aquele país,
não conhecendo sequer as condições específicas que tomaram eficaz a
intervenção do Estado na Coréia ou no Japão, deveria abster-se de usá-la
para sair do subdesenvolvimento e diminuir a pobreza 8.
que ele abaixe menos do que se a renda não tivesse sido indexada. A
indexação ao total da receita é eficaz se houver um forte crescimento.
não será somente uma troca de valor, mas também e sobretudo uma troca de
favor. Essa combinação "valor-favor", sublinhada por G. Mathias (1987),
dá lugar ao mesmo tempo, no nível político, a formas de dominação
caracterizadas pelo autoritarismo e o paternalismo; no nível econômico,
pela "modernização conservadora"; e em nível salarial, pela salariação
incompleta, isto é, por formas de empregos informais. É afirmar, por
conseguinte, que não se pode reduzir a informalidade à ilegalidade,
sobretudo quando ela repousa sobre mecanismos de legitimação, aliás, "não
comerciais" (Mathias - Salama, 1983), para opô-los à legitimação
comercial resultante do impulso das relações capitalistas, anônimas.
Média 1994 |Média 1995 | Média 1996 | Jan. 1997 |Fev. 1997 | Mar. 1997
| Abr. 1997
dos anos oitenta para alguns países, e no começo dos anos noventa para
outros. A abertura das fronteiras fez passar grande parte desses países
do estatuto de economia fechada ao de economias abertas. Como veremos, o
setor exposto à concorrência internacional não pode prosseguir a
valorização de seu capital, a não ser na condição de que os custos
unitários baixem, a fim de que os preços sejam inferiores aos dos
produtos importados. Essa nova coação - visto que é produzida pela
liberalização do comércio externo e pela retirada do apoio à produção -
traduz-se por um rápido aumento da produtividade do trabalho e por uma
desaceleração da alta dos salários nos empregos formais (Brasil), ou até
mesmo por um importante recuo após uma breve fase de progresso
(Argentina). Entretanto, nem todos os produtos estão sujeitos à
concorrência estrangeira. A globalização não é total, existindo setores
relativamente protegidos e outros expostos. Os primeiros não são mais
protegidos administrativamente e sofrem profundamente os efeitos da
concorrência internacional. Os segundos conhecem uma proteção de fato
ligada à natureza do produto, às suas características; seja quando é
fabricado, seja quando é vendido. Alguns produtos continuam, pois, a ser
produzidos localmente com uma produtividade relativamente fraca, uma
organização de trabalho simples e empregos informais. Outros, sejam eles
importa
dos ou produzidos localmente, são objeto de desenvolvimento do comércio
de rua e de incremento das atividades informais não industriais. Essa
dualidade dos setores, expostos e protegidos, cobre em parte a dos
empregos formais e informais e autoriza que uma deformação dos preços
relativos desses dois setores possa fazer-se em favor do setor protegido.
As atividades informais, menos sensíveis aos preços internacionais, têm
pois possibilidade de definir seus preços mais livremente do que os
outros. Seu grau de liberdade
p. 196
Média 1994 |Média 1995 | Média 1996 | Jan. 1997 |Fev. 1997 | Mar.
1997 | Abr. 1997
. Assalariado sem carteira 23,73 | 24,14 | 24,83 | 24,41 | 24,88 |
24,91 | 25,08
. Por "conta" própria 21,72 | 22,02 | 22,83 | 22,97 | 22,81 | 23,12 |
22,86
Fonte: Ipea. Mercado de trabalho, conjuntura e análise, n. 5, julho de
1997.
1994 | 1995 | 1996 | Jan. 1997 | Fev. 1997 | Mar. 1997 | Abr. 1997
Aberto 4,00 | 3,44 | 3,67 | 3,45 | 3,90 | 3,74 | 3,78
Total 14,18 | 13,24 | 15,03 | 14,20 | 15,00 | 15,90 | 16,00
Fonte: Ipea. Mercado de trabalho, conjuntura e análise, n. 5, julho de
1997.
Quando a maior parte dos pobres se encontra perto da linha de
pobreza, o indicador de pobreza cai rapidamente quando a inflação baixa
rapidamente, mas sobe fortemente quando o desemprego aberto 13 cresce,
como se pode ver no gráfico seguinte, que trata da Argentina. O
crescimento do desemprego aberto teve lugar até mesmo quando a Argentina
conhecia um crescimento elevado de seu Pib (7% ao ano, de 1992 a 1994) e
se acelerou quando a economia entrou em recessão em 1995.
p. 198
Mas a manutenção e mesmo a alta das taxas de juros, dum lado, tomam
mais vulneráveis os bancos, principalmente abaixando em parte o valor de
seus ativos, incitando-os a conceder maus créditos e aumentando o risco
de inadimplência dos devedores (Mishkin, 1995; Goldstein Weatherstone,
1997) 26; doutro lado, eleva consideravelmente
p. 212
Bibliografia
______
7. O Banco apresentava o crescimento da Coréia do Sul como um modelo de
liberalismo e subestimava profundamente o papel do Estado na atividade
econômica, tanto direto (empresas públicas) como indireto (política
industrial que se servia ao mesmo tempo do protecionismo, temporário e
seletivo, da ajuda à pesquisa e das condições de financiamento
particularmente eficazes).
8. V. Watanabe, S. (1997), onde é lembrado que, segundo as autoridades
japonesas, "o Banco deveria apresentar provas de pragmatismo: faria
melhor se incitasse os paises em desenvolvimento a limitar os riscos de
falência do poder público, em vez de desincentivar a execução de
políticas industriais" (p. 316). Sendo assim, é provável que, depois de
ter sido keynesiano, depois liberal, depois, enfim, liberal-pragmático, o
Banco Mundial mude de opinião sobre a necessidade duma política
industrial por causa do esgotamento da via liberal e em razão do jogo das
nomeações em sua direção.
p. 185
______
9. Não vamos analisar aqui as causas desses ímpetos hiperinflacionistas
(v. Salama - Valier, 1990). Basta notar apenas aqui a responsabilidade
das políticas de ajustamento estabelecidas, citando o relatório do PNUD
de 1996: "As políticas de ajustamento estabilizaram muitas vezes os
orçamentos desestabilizando a vida das pessoas" (p. 54).
p.187
______
10. É o que acontece quando são subscritos bônus do Tesouro indexados a
taxas que pretendem representar a inflação futura, como a taxa de câmbio
no mercado paralelo.
p. 189
______
11. Esses empregos formais e informais seriam o objeto dum desemprego
"keynesiano", visto que a flexibilidade se faria pelas quantidades,
enquanto que as empregadas domésticas, numa mesma situação de má
conjuntura, sofreriam um desemprego "clássico", porque a flexibilidade se
faria pelos preços. Notemos, entretanto, que a redução, às vezes
importante, da renda duma grande parte das camadas médias, acarretou uma
redução das horas de trabalho das empregadas domésticas e
conseqüentemente uma baixa de sua renda.
p. 192
______
12. O desemprego total se define como o desemprego aberto, ao qual se
acrescenta o desemprego chamado oculto, que vem da precariedade
(desempregos informais, isto é, os trabalhadores "sem carteira" e "os que
trabalham por conta própria", até um certo limiar de renda, que não
encontram emprego nessas atividades informais) e do desencorajamento.
13. Os economistas argentinos geralmente acrescentam a esse quadro as
demandas de empregos daqueles que, ainda que ocupados, não ganham o
suficiente e desejariam trabalhar mais horas. Em outubro de 1996, essas
demandas eram avaliadas em 22,3% contra 13,3 em outubro de 1990. Podemos
também acrescentar a demanda "não feita" pelos subocupados, avaliada
respectivamente nestas duas datas em 5,3% e 4,8% e, enfim, aqueles que
são "desocupados", mas que também desejam trabalhar mais, ou seja, 8,3% e
11,95%.
p. 198
______
14. Mais precisamente, quando o crescimento é elevado, a criação líquida
de empregos é o resultado de importantes destruições de empregos e de
criação em outros setores superiores a essas destruições. É dizer como,
de fato, a flexibilidade se acentua com o crescimento da mobilidade do
trabalho. Mas não são principalmente aqueles que perdem seu emprego os
que encontram um outro.
p. 200
______
15. Diversamente do período precedente, o emprego nas grandes indústrias
não encontra nas fases de expansão o nível atingido anteriormente. É mais
ou menos como se os períodos de recessão provocassem uma baixa do emprego
c que acontecesse um fenômeno de histerese por ocasião do retorno do
ciclo.
p. 202
______
16. É duplo o efeito dessas importações. Negativo, porque elas substituem
a produção local, que não é capaz de competir com o produto importado. As
demissões aumentam com pouca perspectiva de nova classificação. Positiva,
porque esses novos bens de equipamento, incorporando muitas vezes
tecnologia de ponta, aumentam sensivelmente a produtividade do trabalho e
participam na reestruturação do sistema produtivo, trazendo mais eficácia
econômica.
17. Colocando de lado os professores e os pesquisadores, as camadas
médias tiveram níveis de renda, de qualificação igual, semelhantes
àqueles das camadas correspondentes nos paises desenvolvidos. Com um Pib
per capita bem mais fraco, isto significa matematicamente que a
distribuição da renda, particularmente desigual, bem mais do que nos
paises desenvolvidos e nos países asiáticos. Nestes últimos, de
qualificação igual, os engenheiros tinham e têm renda bem inferior do que
na América Latina ou nos paises desenvolvidos.
p. 203
______
18. Ver nossa contribuição na obra publicada sob a direção de F. Chesnais
(1996).
p. 204
______
19. Quando a melhoria da produtividade do trabalho só acontece no setor
dos bens de consumo (progresso técnico de tipo capital using no sentido
de J. Robinson, o jogo é, em suma, nulo quando as taxas de crescimento da
produtividade do trabalho e da acumulação são iguais. Quando o progresso
técnico acontece no setor dos bens de produção (no assim chamado capital
saving), o valor dos bens de equipamento abaixa e o crescimento da taxa
de acumulação pode ser inferior à da produtividade do trabalho para que o
emprego seja mantido (para uma apresentação completa dessas relações, v.
Salama, P. - Tran Hai Hoc, 1993). O "catching up" das técnicas com o
impulso das importações de bens de equipamento e a valorização da moeda
permitem concluir que o progresso técnico dominante é hoje do tipo
capital saving. A taxa de acumulação continua, porém, insuficientemente
elevada para que o saldo líquido de criação de emprego seja positivo. É
menos negativo do que se o progresso técnico tivesse sido orientado
principalmente para o setor dos bens de consumo.
p. 205
______
20. Os empregos informais não são uma "esponja" que permite absorver o
excedente de mão-de-obra (Lautier, 1994), salvo no que diz respeito aos
empregos de estrita sobrevivência. Estes traduzem ao mesmo tempo a
impossibilidade de receber um abono-desemprego e de encontrar emprego.
Por conseguinte, eles são de alguma forma uma informalização do informal
e traduzem a escalada da pobreza.
p. 206
______
21. É na Argentina que a amplitude das flutuações foi particularmente
importante nos anos noventa. Provavelmente ela foi devida à instauração
duma moeda única (com o dólar), uma vez que essa medida neutralizou uma
série de instrumentos da política econômica, Paradoxalmente, a
experiência Argentina poderia prefigurar, então, o que poderia acontecer
depois na Europa, se fosse instaurada a moeda única, com um banco central
independente dos poderes políticos e uma ausência de coordenação das
políticas orçamentárias e industriais.
p. 208
______
22. O processo ainda não é nítido, salvo no Chile. Ele é um pouco menos
na Argentina, onde, porém, as exportações de produtos energéticos, de
cereais, de produtos da criação e agroindustriais tomaram um certo
impulso, mas ao mesmo tempo a exportação da indústria automobilística (um
dos raros setores em que foi preservada uma política industrial) se opõe
à idéia de reprimarização completa, da inserção internacional da
Argentina no comércio mundial.
23. Esta avaliação tem fundamentalmente duas causas: a primeira resulta
do próprio sucesso das políticas de estabilização dos preços. Com efeito,
um dos meios utilizados foi ancorar a taxa de câmbio nominal ao dólar,
liberalizando ao mesmo tempo as transações. A rápida baixa dos preços e a
manutenção dessa taxa de câmbio nominal traduziu-se então por uma
avaliação em termos reais dessa taxa. A segunda razão vem da afluência
maciça de capitais, que não só permitiu cobrir o conjunto dos déficits,
mas também um aumento das reservas internacionais dos bancos centrais.
p. 209
______
24. o exemplo do México é instrutivo. A liberalização financeira foi
particularmente importante e rápida: em dezembro de 1989, a parte dos
ativos detidos pelos estrangeiros na bolsa de valores era de 3,04%. Ela
passou a 9,07% um ano depois, a 18,23% em dezembro de 1991, 26,66% em
dezembro de 1992 e 27,3% em dezembro de 1993. Em dezembro de 1994, ela
era ainda de 26,49%, se bem que em valor absoluto baixou 33,7% em relação
ao mês de novembro do mesmo ano. A queda prosseguiu com o desenrolar da
crise, ao mesmo tempo em que a bolsa caía fortemente, mas a porcentagem
dos valores detidos pelo estrangeiro era sempre ligeiramente superior a
um quarto da capitalização da bolsa. Para maiores detalhes e análise
desta crise, v. Griffith-Jones (1996).
p. 210
______
25. Colocada de lado a exceção chilena, o comportamento dos empresários é
ainda muito rentista e a política industrial hoje muito embrionária e
desacreditada para esperar um progresso sensível nas exportações que
possa permitir cobrir o déficit comercial. Mas é verdade que a própria
dinâmica da integração mais importante na América Latina, o Mercosul, é
propícia a modificar o contexto macroeconômico e os comportamentos. Sem
entrar em detalhes, pois não é este o objeto de nosso estudo, observamos
que o progresso das transações comerciais foi muito mais rápido (um
triplo do valor das transações em cinco anos) do que a progressão das
exportações para o resto do mundo, e que o Brasil e a Argentina são hoje
muito mais dependentes um do outro do que eram há apenas cinco ou seis
anos. Essa nova solidariedade de interesses pode ajudar a consolidar o
Mercosul como mercado comum, muito mais do que como zona de livre câmbio,
e opor-se assim aos desejos da América do Norte, como já se pode observar
na conferência de Belo Horizonte (1997). Essa nova situação é favorável à
retomada duma política industrial e a um aumento da taxa de investimento
em seu conjunto.
p. 211
______
26. Limitando-se exclusivamente aos bens domésticos, observa-se que as
camadas médias fazem empréstimos tanto a taxas de juros elevadas com um
grande risco de não poder pagar, se as perspectivas quanto à evolução de
sua renda não se confirmarem, como a taxas de juros menores mas cujo
reembolso está indexado ao dólar, como foi o caso, por exemplo, no
México. O endividamento e o serviço dessa dívida aumentam fortemente,
tomando-se quase impossível honrar o compromisso, quando a moeda é
brutalmente desvalorizada.
p. 212
______
27. Existe uma outra possibilidade, mas reservada às grandes empresas e
aos bancos, que consiste em emprestar diretamente no mercado estrangeiro
a taxas menores, mas arcando com o risco do câmbio.
p. 213
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28. De 1990 a 1993, a parte dos investimentos em papéis de crédito,
compreendendo aqui a compra de ações mas também de notas e de bônus;
eleva-se a 67% do conjunto das entradas de capitais no México, 37% na
Argentina, 22% no Chile, mas só 6% na Tailândia. O investimento direto,
inclusive as privatizações, eleva-se a 21 % do total no México, 42% na
Argentina, 31 % no Chile, 20% na Tailândia. Os créditos concedidos, entre
os quais os dos bancos, não passam de 12% do conjunto das entradas de
capitais no México, 21% na Argentina, 47% no Chile e 75% na Tailândia (v.
Griffith-Jones, 1996: 6).
p. 214
______
30. Uma palavra para lembrar que, segundo essas análises, o avanço para a
modernidade não se faz por simples absorção das formas antigas ou até
arcaicas de trabalhar. Bem ao contrário, com muita freqüência as formas
antigas são o produto dum avanço dessas formas modernas. Pôde-se assim
mostrar que aquilo que aparece como feudal era o resultado duma
regressão, por razões históricas diversas, de formas de produção que
puderam dominar no passado. Noutras palavras, o "feudalismo" sucede às
formas mercantis do capitalismo e não o precede, como é o caso na Europa.
É este enfoque que permite compreender que o salariamento possa ser
incompleto por ocasião do impulso do capitalismo, e que ele seja ao mesmo
tempo o produto duma troca de valor e duma troca de favor (Mathias,
1986). Nessa combinação de trocas, a segunda continua tendo uma
importante força, se bem que vem declinando com a generalização das
relações mercantis, e se traduz pela manutenção persistente do
clientelismo nas transações comerciais.
p.216
______
31. Esta avaliação tem fundamentalmente duas causas. A primeira resulta
do próprio sucesso das políticas de estabilização dos preços. Com efeito,
um dos meios utilizados foi ancorar a taxa de câmbio nominal ao dólar,
liberalizando ao mesmo tempo as transações. A rápida baixa dos preços e a
manutenção dessa taxa de câmbio nominal traduziu-se então por uma
avaliação em termos reais dessa taxa de câmbio. A segunda razão vem da
entrada maciça de capitais que não só permitiu cobrir o conjunto dos
déficits, mas também levou ao aumento das reservas internacionais dos
bancos centrais.
p. 218
7 – Immanuel Waüerstein
A reestruturação capitalista e o sistema-mundo
contra quê? Contra os bandidos, é claro. Mas também, e por certo mais
importante, contra os governos. Não é tão óbvio assim de que modo
proteger-se contra os governos quando se é capitalista de nível
considerável, porque necessariamente um tal capitalista lida com
múltiplos governos. Poder-se-ia defender contra um governo fraco (onde se
localizam forças de trabalho baratas) por meio da renda (coletiva, isto
é, impostos; e individual, isto é, o suborno) e/ou pela forte influência
dos governos centrais sobre os governos fracos, mas por esta última os
capitalistas têm de pagar uma outra renda. Ou seja, a fim de reduzirem a
renda periférica, devem pagar uma certa renda central. Para proteger-se
contra o roubo dos governos, devem sustentar governos financeiramente.
Finalmente, para realizarem lucros maiores e não menores, os
capitalistas precisam de monopólios, pelo menos monopólios relativos, em
certos recantos da vida econômica,por algumas décadas. E como obter esses
monopólios? Claro que toda monopolização exige um papel fundamental dos
governos, seja legislando ou decretando, seja impedindo outros governos
de legislarem ou decretarem. Doutro lado, os capitalistas devem criar os
canais culturais que favoreçam tais redes monopolísticas, e para isso
necessitam do apoio dos criadores e sustentadores de padrões culturais.
Tudo isso resulta em custos adicionais para os capitalistas.
Apesar disso tudo - ou talvez por causa disso tudo - é possível lucrar
magnificamente, como se pode verificar estudando a história do sistema-
mundo capitalista desde seus primórdios. Entretanto, no século XIX surgia
uma ameaça a essa estruturação, que podia derrubar o sistema.Com uma
produção crescentemente centralizada, emergia a ameaça das "classes
perigosas", sobretudo na Europa Ocidental e na
p. 230
com lutas mais ou menos fáceis, foi com o consentimento talvez oculto e
até prudente, embora importante, dos Estados Unidos.
Quando digo que a estratégia liberal mundial foi um imenso sucesso,
penso em duas coisas. Primeira, entre 1945 e 1970, na grande maioria dos
países do mundo, os movimentos herdeiros dos temas da velha esquerda do
século XIX alcançaram o poder, utilizando diversos rótulos: comunista, em
torno da União Soviética; movimentos de libertação nacional, na África e
na Ásia;socialdemocrata, na Europa Ocidental; populista, na América
Latina. Segunda, o resultado do fato de tantos movimentos da velha
esquerda terem alcançado o poder estatal foi uma euforia enfraquecedora
e, ao mesmo tempo, também o ingresso de todos esses movimentos na máquina
do sistema histórico capitalista. Deixaram de ser anti-sistêmicos e
passaram a ser pilares do sistema sem deixar de gargarejar uma linguagem
esquerdista, desta vez com língua de madeira (langue de bois). Esse
sucesso, portanto, foi mais frágil do que pensavam os poderosos, e em
todo caso não foi tão relevante quanto a recuperação da classe operária
branca-ocidental. Houve duas diferenças fundamentais entre as situações
nacionais dos países do centro e do sistema-mundo globalmente. O custo
duma distribuição nacional ampliada da mais-valia aos operários
ocidentais não foi muito grande como porcentagem do total mundial e pôde
ser pago em grande parte pelas classes populares do Terceiro Mundo. Pelo
contrário, uma redistribuição significativa em benefício das populações
do Terceiro Mundo teria de ser paga necessariamente pelos poderosos, e
isso teria limitado seriamente as possibilidades de acumulação de capital
no futuro. Por outro lado, foi impossível lançar mão do re-
p. 236
Para a ideologia liberal, o golpe mais sério foi a perda de seu papel
como única ideologia imaginável da modernidade racional. Entre 1789 e
1848, o liberalismo já existia, mas apenas como uma ideologia possível,
confrontado por um conservadorismo duro e um radicalismo nascente. Entre
1848 e 1968, a meu ver, como acabo de afirmar, o liberalismo chegou a ser
a geocultura do sistema-mundo capitalista. Os conservadores e os
socialistas - ou radicais - tornaram-se avatares do liberalismo. Depois
de 1968, conservadores e radicais reassumiram suas atitudes anteriores a
1848, negando a validez moral do liberalismo.
A velha esquerda, comprometida com o liberalismo, fez esforços corajosos
para mudar de pele, adotando um verniz de nova esquerda, mas na verdade
não conseguiu.Em vez disso, corrompeu os pequenos movimentos da nova
esquerda bem mais do que estes conseguiram realmente transformá-la.
Prosseguia inevitavelmente o declínio global dos movimentos da velha
esquerda.
Ao mesmo tempo, sofríamos os imprevistos duma fase B dum ciclo
Kondratieff. Não é preciso relembrar agora os itinerários em detalhe.
Recordemos apenas dois momentos.Em 1973 a Opep deflagrou a alta dos
preços do petróleo. Observemos as diversas conseqüências. Houve bonança
em termos de renda para os países produtores, inclusive na América Latina
- México, Venezuela e Equador. Foi uma fase de bonança para as empresas
petrolíferas multinacionais. Foi benéfico para os bancos multinacionais
onde foi depositada a receita não gasta de imediato. Ajudou, por algum
tempo, os Estados Unidos na sua concorrência com a Europa Ocidental e com
o Japão, porque os Estados Unidos eram menos dependentes da importação de
petróleo. Foi um desastre para todos os países do Terceiro Mundo e do
bloco
p. 238
não gera uma margem suficiente de lucro, volta-se para o setor financeiro
para tirar ganhos da especulação. Nas decisões econômicas dos anos
oitenta vemos que isto traduzia-se no fenômeno do súbito controle
(takeover) de grandes corporações por meio dos assim chamados junk bonds,
ou títulos podres. Visto do exterior,o que acontece é isto: as grandes
corporações estão se endividando, com a mesma conseqüência, no curto
prazo, para a economia-mundo: uma injeção de atividade econômica que
representa um forma de luta contra a estagnação. Mas elas lutam com as
mesmas limitações. Têm que pagar as dívidas. Quando isso torna-se
impossível, a empresa vai à falência ou entra nela um "FMI privado" que
impõe a reestruturação, ou seja, a demissão de empregados. Coisa que
ocorre com muita freqüência nesses tempos.
Que conclusões políticas têm extraído as massas populares desses
acontecimentos tristes, quase indecentes, dos anos 1970-1995? Parece-me
óbvio. A primeira conclusão a que chegaram é que a perspectiva de
reformas graduais que permitiriam a eliminação do abismo entre ricos e
pobres,desenvolvidos-subdesenvolvidos, é impossível na situação atual, e
que todos os que haviam dito isso foram mentirosos ou manipuladores. Mas
quem foram eles? Sobretudo,foram os movimentos da velha esquerda.
A revolução de 1968 abalou a fé no reformismo, inclusive o tipo de
reformismo que chamava-se revolucionário. Os vinte e cinco anos
posteriores, de eliminação dos ganhos econômicos do período 1945-1970,
destruíram as ilusões que ainda persistiam. Em país após país, o povo
retirou seu voto de confiança nos movimentos herdeiros da velha esquerda,
quer populista, de libertação nacional, socialdemocrata ou leninista. A
derrubada dos comunismos em 1989 foi
p. 241
não somente no Estado em mãos dos "outros", mas em todo Estado. Tornam-se
muito cínicas no que diz respeito aos políticos, aos burocratas e também
aos líderes ditos revolucionários. Começam a abraçar um antiestatismo
radical. É quase como querer fazer sumir os estados que não inspiram
confiança alguma. Podemos ver essa atitude em toda parte, no Terceiro
Mundo, no mundo ex-socialista, bem como nos países centrais. Nos Estados
Unidos, tanto quanto no México!
Será que as pessoas comuns estão felizes com essa postura? Também
não. Ao contrário, elas têm muito medo. Os estados foram certamente
opressivos, pouco confiáveis,mas foram também e ao mesmo tempo fontes de
segurança cotidiana. Na ausência de fé nos estados, quem vai garantir a
vida e a propriedade pessoal? Torna-se até preciso retornar ao sistema
pré-moderno: devemos providenciar a nossa própria segurança. Assumimos as
funções da polícia, do arrecadador de impostos e do professor de
escola.Além do mais, uma vez que é difícil assumir todas essas tarefas,
submetemo-nos a "grupos" construídos de diversas maneiras e com diversos
rótulos. A novidade não é a organização desses grupos, mas que eles
comecem a assumir as funções que outrora pertenciam à esfera estatal. E,
ao fazer isso, a população esta cada vez menos disposta a aceitar o que
os governos lhe impõem para essas atividades. Depois de cinco séculos de
fortalecimento das estruturas estatais, no contexto dum sistema
interestatal também em contínuo fortalecimento, vivemos hoje a primeira
grande retração do papel dos estados e necessariamente, portanto, também
do papel do sistema interestatal.
Não é coisa de somenos importância. E um terremoto no sistema
histórico do qual somos participantes. Esses grupos aos quais nos
submetemos representam algo bem diferente
p. 243
das nações que construíamos nos dois últimos séculos. Os membros não são
"cidadãos", porque as fronteiras dos grupos não são definidas
juridicamente, mas miticamente;não para incluir, mas para rejeitar.
Isso é bom ou ruim? E para quem? Do ponto de vista dos poderosos, é
um fenômeno muito volátil. Do ponto de vista duma direita ressuscitada,
fornece a possibilidade de erradicar o estado de bem-estar e permitir o
florescimento dos egoísmos de curta duração (après mói lê délugeí). Do
ponto de vista das classes oprimidas, é uma faca de dois gumes, e elas
também não têm certeza se devem lutar contra a direita porque suas
propostas lhes causam graves prejuízos imediatos, ou apoiar a destruição
dum estado pelo qual foram defraudadas.
Tenho para mim que o colapso da fé popular na inevitabilidade duma
transformação igualizadora é o golpe mais sério para os defensores do
sistema atual, mas certamente não o único. O sistema-mundo capitalista
está desagregando-se em virtude dum conjunto de vetores. Poder-se-ia
dizer que essa desagregação é muito sobredeterminada.Vou tratar
brevemente alguns desses vetores inquietantes para o funcionamento do
sistema-mundo.
Antes de fazê-lo, devo dizer que a questão não se apresenta como um
problema de tecnologia. Há quem afirme que o processo contínuo de
mecanização da produção resultará na eliminação de empregos possíveis. Eu
não acredito. Ainda podemos inventar outras tarefas para a força de
trabalho. Outros declaram que a revolução informática acarretará um
processo de globalização que, em si, toma obsoleto o papel dos estados.
Também não acredito nisso, porque a globalidade tem sido elemento
essencial da economia-mundo capitalista
p. 244
desde o século XVI. Não tem nada de novo. Se esses fossem os únicos
problemas para os capitalistas do século XXI, estou certo que eles
poderiam fazer o necessário a fim de manter o impulso da acumulação
incessante de capital. Mas há coisas piores.
Em primeiro lugar, para os empresários existem dois dilemas de quase
impossível solução: a desruralização do mundo e a crise ecológica. Ambos
são bons exemplos de processos que vão de zero a cem por cento, e quando
se aproximam da assíntota perdem valor como mecanismos de ajuste. Isto
configura a fase final duma contradição interna.
Como aconteceu a progressiva desruralização do mundo moderno? Uma
explicação tradicional é que a industrialização exige a urbanização. Mas
não é verdade. Ainda restam indústrias localizadas nas regiões rurais e
já temos notado a oscilação cíclica entre concentração e dispersão
geográfica da indústria mundial. A explicação é diferente.Toda vez que há
estagnação cíclica na economia-mundo, um dos resultados no fim do período
é uma maior mobilização do proletariado urbano contra o declínio de seu
poder aquisitivo. Cria-se assim uma tensão à qual os capitalistas
resistem, claro. No entanto, a organização operária cresce e começa a ser
perigosa. Ao mesmo tempo,as reorganizações empresariais chegam a um ponto
em que poderiam fazer a economia-mundo deslanchar novamente na base de
novos produtos monopolizados. Mas falta um elemento: demanda global
suficiente.
Diante disso, a solução é clássica: aumentar as rendas dos
proletários, sobretudo dos operários qualificados, até mesmo facilitar o
ingresso de alguns nessa categoria.Com isso ficam resolvidos, duma só
vez, os problemas da tensão
p. 245
posto, com certeza vocês se perguntam por que eu lhes disse que trago uma
mensagem de esperança.
Encontramo-nos numa situação de bifurcação bem clássica. As
perturbações aumentam em todas as direções. Estão fora de controle. Tudo
parece caótico. Não podemos,ninguém pode, prever o que vai resultar
disso. Mas isso não quer dizer que não possamos influir no tipo de nova
ordem que será construída no final. Muito pelo contrário.Numa situação de
bifurcação sistêmica, toda pequena ação tem conseqüências enormes. O todo
se constrói de coisas infinitesimais. Os poderosos do mundo sabem muito
bem disso. Preparam de diversas maneiras a construção dum mundo pós-
capitalista, uma nova forma de sistema híbrido desigual, a fim de
manterem seus privilégios. O desafio para nós, sociólogos e outros
intelectuais, e para todas as pessoas que procuram um sistema democrático
e igualitário (os dois adjetivos têm idêntico significado),é mostrarmos
que somos tão imaginativos quanto os poderosos, e não menos audaciosos,
mas com uma diferença: precisamos vivenciar as nossas crenças na
democracia igualitária, o que nunca (ou raramente) faziam os movimentos
da velha esquerda. Como fazê-lo? É isso que devemos discutir hoje, amanhã
e depois de amanhã. É possível fazer isso, mas não existe uma certeza a
respeito. A história não garante nada. O único progresso que existe é
aquilo pelo qual lutamos e, é bom lembrarmos, com grandes chances de
perder. HicRhodus, hic salta. A esperança reside, agora como sempre, em
nossa inteligência e em nossa vontade coletiva.
p.250