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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

A primeira batalha do Tuiutí (24 de Maio de 1866) a partir das reminiscências do


Tenente Dionísio Cerqueira durante a Guerra da Tríplice Aliança contra o
Paraguai (1864-1870).

Fábio Neves Luiz Laurentino

Mestrado Interuniversitário em História Militar

Batalhas na História: Casos de Estudo e Modelos de Análise


Professor Doutor João Gouveia Monteiro

2017
A primeira batalha do Tuiutí (24 de Maio de 1866) a partir das reminiscências do
Tenente Dionísio Cerqueira durante a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai
(1864-1870)
The first battle of Tuiutí (May 24, 1866) from the reminiscences of the Lieutenant
Dionísio Cerqueira during the War of the Triple Alliance against Paraguay (1864-1870)

Resumo
Dentre os vários diários de campanha, reminiscências e escritos de caráter
memorialísticos que chegaram aos nossos dias sobre a Guerra da Tríplice Aliança contra
o governo do Paraguai presentes na historiografia brasileira, “Reminiscências da
campanha do Paraguai: 1865-1870”, de Dionísio Cerqueira, é o mais analisado pelos
historiadores militares brasileiros, quer pelo seu conteúdo, quer pela condição do seu
autor. Cerqueira participou de toda a guerra, iniciando como Alferes e terminando como
Tenente, documentando todo o conflito. Neste trabalho, o objetivo é mostrar a primeira
batalha do Tuiutí a partir de usa ótica, os antecedentes, o embate e as forças envolvidas,
daquela que foi a maior batalha campal da América do Sul.
Palavras-chave: Guerra da Tríplice Aliança, batalha do Tuiutí, Dionísio Cerqueira.

Abstract
Among the various campaign diaries, reminiscences and memorialist writings that
have come to our day about the War of the Triple Alliance against the government of
Paraguay present in brazilian historiography, "Reminiscences of the Paraguayan
Campaign: 1865-1870 ", by Dionísio Cerqueira, is the most analyzed by brazilian military
historians, either by its content or by the condition of its author. Cerqueira participated in
the whole war, starting as Cadet and ending as Lieutenant, documenting the whole
conflict. In this work, the objective is to show the first battle of the Tuiutí from the optical
uses, the antecedents, the clash and the forces involved, of what was South America's
greatest pitched battle.

Keywords: War of the Triple Aliance, battle of Tuiutí, Dionísio Cerqueira.


A primeira batalha do Tuiutí (24 de maio de 1866) a partir das reminiscências do
Tenente Dionísio Cerqueira durante a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai
(1864-1870)

Introdução

O presente trabalho, com o apoio das fontes escolhidas, tem por objetivo mostrar, a
princípio, de modo superficial, como se deu a primeira batalha do Tuiutí, travada em 24
de maio de 1866, no contexto da Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança contra
o governo do Paraguai, a última das guerras da região do rio da Prata, como a conhecemos
na historiografia brasileira. Neste conflito, o Exército e a Marinha Imperial do Brasil
estiveram envolvidos de 1864 a 1870, em conjunto com Argentina e Uruguai, contra o
governo do Paraguai, liderado por Francisco Solano López.

O conflito iniciou-se em dezembro de 1864, a partir das ações de Francisco Solano


López, presidente do Paraguai, com o objetivo de invadir o território brasileiro para
chegar ao Uruguai, ao buscar, de forma mais direta, atuar nas questões geopolíticas
platinas na segunda metade do século XIX.

Como motivação pessoal para a feitura deste trabalho pesou na contribuição para a
ampliação da investigação do referido tema para a área da História Militar, a partir de
diários pessoais que nos remetem a essas memorias, para entendermos melhor sobre o
que esses sujeitos enfrentaram durante os dias vividos em batalha e nos acampamentos
em que se alojavam. Trata-se, assim, da utilização de diários e reminiscências pessoais
como fontes para a historiografia para a reflexão e problematização de situações,
informações praticas e vivencias cotidianas para contributo dos estudos históricos desta
guerra. Sob um ponto de vista metodológico, Paulo André Leira Parente escreve:

“na Nova História é necessário identificar a diferente valoração assumida


pelos fenômenos históricos de natureza militar nas diferentes culturas,
que se tornam objeto de estudo do historiador militar. Devemos entender
a guerra como uma estrutura histórica dinâmica no tempo das
civilizações, como outras estruturas históricas de investigação definidas
pelos historiadores, tais como a economia, a cultura, a religião, o direito,
entre outras.”1

1
PARENTE, Paulo André Leira. A construção de uma nova História Militar. In: Revista Brasileira de
História Militar. Edição de lançamento. ANO I. Nº I. Dezembro de 2009.
Por isso, a nossa preocupação e interesse em olhar para o referido documento e todos
os seus desdobramentos como instrumento de pesquisa. Buscar entender sobre o que
escreviam, como viviam e o que faziam em combate ou fora dele, é buscar saber um
pouco mais sobre o conflito. Para isso, utilizamos como principais fontes a serem
trabalhadas duas obras de autoria de soldados atuantes na Guerra da Tríplice Aliança:
“Reminiscências da campanha do Paraguai: 1865-1870” do então Tenente de Infantaria
do Exército Imperial brasileiro Dionísio Cerqueira, publicado originalmente em 1910,
tendo sua segunda edição pela Biblioteca do Exército Editora, em 1980, e o diário de
campanha do Tenente Coronel comissionado Joaquim Cavalcanti d’Albuquerque e Bello,
comandante do 13º Corpo de Voluntários da Pátria, publicado em 2011, pela série
“Coleção Documentos Históricos”, por iniciativa da Fundação Biblioteca Nacional do
Brasil.

Utilizando como fontes secundárias, usaremos representações iconográficas do pintor


argentino Cándido López (participante do conflito como Tenente do Exército argentino)
e de fotografias contidas nos acervos da Fundação Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro,
sobre o conflito.

A literatura militar brasileira, entende-se como tal, o conjunto das produções de


característica militar, escritas para divulgação e inspiradas pela cultura especializada,
serve de grande valia para o entendimento da história dos conflitos do Brasil. Das obras
clássicas de Francisco Adolfo de Varnhagem, Capistrano de Abreu à Gustavo Barroso e
General Francisco de Paula Cidade, são escritos que nos ajudam a compreender o
pensamento político-militar brasileiro do período e o entendimento da concepção de
nação brasileira. A literatura militar brasileira conta, no que se refere à Guerra da Tríplice
Aliança, com escritos bastante analisados e consagrados dos escritores Alfredo
d’Escragnolle-Taunay, Barão do Rio Branco pelas suas anotações no livro de L.
Schneider, General Augusto Tasso Fragoso, sem mencionar os escritos da “nova História
Militar”, de Francisco Doratioto, Richard Burton, Ricardo Salles, Almirante Armando de
Senna Bittencourt, Victor Iseckson e tantos outros.

Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira nasceu na Bahia, em 2 de abril de 1847. É


filho de Antônio Cerqueira Pinto, médico, e Ana Fausta dos Santos Castro. Dentre os
membros de sua família que se destacaram na vida militar estão o seu avô paterno,
Coronel Antônio de Cerqueira Pinto; veterano das lutas contra as forças portuguesas pela
Independência do Brasil, foi um dos signatários da ata de formação do Conselho do
Governo, em 21 de agosto de 1822. Seu tio-avô materno, Major Silva Castro, também
lutou nas batalhas pela Independência, e em função de sua destacada participação teve
seu nome incluído entre os que figuram no Monumento ao 2 de julho (em comemoração
à vitória sobre as forças portuguesas na Bahia, em 1822), na cidade de Salvador. O poeta
Castro Alves era seu primo em terceiro grau, filho de Clélia Basília, prima de sua mãe.

Cursava o segundo ano de Engenharia na Escola Central, no Rio de Janeiro, capital do


Império do Brasil, quando teve o início do conflito, em fins de 1864. Alistou-se como
voluntário em 1865, aos 17 anos de idade, e em 5 de fevereiro, seguiu para juntar-se às
forças estacionadas em Montevidéu, nas primeiras ações. Tomou parte em todas as
grandes batalhas então travadas. Por sua participação na batalha do Estabelecimento, foi
feito cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa. Na batalha do Chaco, “por denodo e bravura”,
foi citado pelo Imperador do Brasil Pedro II. Após participação na batalha de Angostura,
foi louvado por “excessiva coragem”. Na batalha de Lomas Valentinas, onde foi ferido
gravemente, conquistou a medalha do Mérito Militar. Pela parte que tomou nos combates
de maio de 1868, foi elevado a Oficial da Imperial Ordem da Rosa.

Por conta de atos de heroísmo e bravura nos combates de Sapucaí e Peribebuí, em


1869, e na batalha de Campo Grande, em 1870, foi elogiado pelo chefe do Exército
Imperial brasileiro, o Príncipe Imperial Consorte Luís Filipe Maria Fernando Gastão de
Orléans e Bragança, Conde d’Eu, por “haver concorrido com os triunfos alcançados em
prol da honra e da segurança do Brasil”.2 Foi então promovido a Primeiro Tenente por
atos de bravura.

Com o fim da guerra, de volta ao Rio de Janeiro, matriculou-se na Escola Militar. Se


torna bacharel em Engenharia Militar, Ciências e Matemática. Após a proclamação da
República, em 1889, foi comandante da Escola Militar de Porto Alegre, tornou-se General
de Brigada e exerceu também os cargos políticos de Deputado, pela província da Bahia,
e de Ministro de Relações Exteriores, durante o governo do presidente Prudente de
Morais. Em 1909, foi nomeado pelo governo da República para dirigir uma Comissão
Militar de Estudos, razão pela qual viajou para a França em dezembro do mesmo ano.
Faleceu em Paris, em 15 de fevereiro de 1910, no desempenho de sua missão, revisado a

2 2
Ver verbete “Dionísio Cerqueira” em Dicionário Histórico-Biográfico brasileiro. Primeira edição
lançada impressa em 1984. Após atualização pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), está disponível online
em: http://www.fgv.br/cpdoc/busca
primeira edição de “Reminiscências da campanha do Paraguai: 1865-1870”, que viria a
ser publicado na França.

Seu livro traz um relato bem detalhado de toda a guerra, dos costumes e da descrição
do combate, descreve os confrontos em Tuiutí, Corrales, Estabelecimento, Itororó, Avaí,
Campo Grande e tantos outros. Desempenhou funções de comando de companhia em
batalhões de Artilharia e Infantaria do Exército Imperial brasileiro durante o conflito. Em
sua narrativa, mostra sua história não como o soldado que se alistou para ir “desafrontar
a sua pátria”3, mas como velho General e político, que olha seu passado de jovem soldado.
Inicia seu relato com o seu alistamento como Soldado voluntário, em 2 de janeiro de 1865,
e conclui, em junho de 1870, como Tenente de Infantaria.

Escrita 40 anos após o conflito, ao contar suas memórias ele não esconde sua posição
social e política. Ao longo de sua narrativa, ele destaca as dificuldades enfrentadas pelo
grupo de soldados formados pelos filhos de famílias tradicionais, dos quais ele é um, e
pelo grupo de soldados formados por mestiços e negros. Aponta que a superação dessas
dificuldades estava estreitamente ligada à assimilação e vivência das virtudes militares
(obediência à hierarquia, disciplina, honra e patriotismo). Para ele, todos os militares que,
com disciplina, coragem e patriotismo suportassem as dificuldades, o terreno
desconhecido do campo de batalha, a malária, a cólera, a varíola, a luta, a morte do
companheiro, a dor de um ferimento, estariam preparados para a vida militar e alguns
para o exercício da política.

3
Expressão utilizada por Dionísio Cerqueira para justificar a declaração de guerra com o Paraguai.
Imagem: General de Brigada Dionísio Cerqueira ostentando condecorações à época da Guerra da Tríplice
Alianla. Retirada do livro “Tuiutí é Osório, Osório é Tuiutí”, de Lobo Viana, Biblioteca Militar, 1940.

O segundo documento que nos ajuda a compor este trabalho foi escrito de 28 de março
de 1865 a 7 de setembro de 1867. Pertence ao Tenente Coronel comissionado Joaquim
Cavalcante d’Albuquerque Bello, que comandava o Corpo de Polícia da Província do
Pará quando Brasil, Argentina e Uruguai assinaram o Tratado da Tríplice Aliança e
declararam guerra ao Paraguai. Logo sua unidade militar, como aconteceu em todas as
províncias do Império, foi transformada em Corpo de Voluntários da Pátria4, à exceção
do Rio Grande do Sul, cujo corpo de cavalaria manteve a designação original de Corpo
da Guarda Nacional.

Em nossa cultura, é rara a escrita de diários pessoais, denominada literatura intima,


em nosso acervo historiográfico do século XIX. Ela é ainda mais rara no que diz respeito
aos diários militares. Em 2004, a Nova História Militar brasileira apresenta trabalhos5
resultantes de pesquisas de 17 autores sobre a História Militar e sua interação com a
sociedade. Abrange temas diversos quanto a origem social dos combatentes e do
oficialato, os vínculos de sociabilidade, as hierarquias formais e informais das instituições

4
Criado pelo Decreto 3.371 de 7 de jan. de 1865, serviram como tropas de segunda linha do Exército
Imperial brasileiro. Formados a partir de corpos policiais e voluntariado das províncias, visava atender as
necessidades de um recrutamento em larga escala e, ao mesmo tempo, motivar a população em geral.
Recrutou 38 mil soldados em todo o Brasil, número muito abaixo do que o desejado.
5
CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik (Orgs.). Nova História Militar brasileira. Rio
de Janeiro: Editora FGV, 2004.
militares, sua participação em guerras e no processo de unificação territorial, a
participação de mulheres nos contingentes, dentre outros. Principalmente, ressalta a
raridade dos diários de guerra brasileiros em contraste com o enorme sucesso do gênero
nos Estados Unidos, por exemplo.

Inseridos na categoria dos escritos de si ou auto referenciais, como as


correspondências, as memórias e as autobiografias, os diários íntimos possuem outras
particularidades a serem observadas. O processo de construção de si é regido pela
definição do caráter público ou privado da prática da escrita, determinada pela função que
o autor lhe atribui. Inicia-se como uma manifestação pública e, muitas vezes, masculina,
e vai se tornando, com o tempo, uma forma de expressão íntima, passando a ser mais
associada ao público feminino.

É como comandante do 13º Corpo de Voluntários da Pátria, comissionado com o posto


de Tenente Coronel, que Albuquerque Bello inicia a escrita do seu diário. O Corpo,
composto originalmente por 549 homens, sendo 19 oficiais, segue para o Rio de Janeiro,
de onde prosseguiria rumo ao teatro de operações no rio da Prata. Na viagem para a capital
do Império do Brasil, entretanto, sofre suas primeiras baixas. Na escala em São Luís do
Maranhão, o navio em que se encontravam recebeu voluntários da província do
Maranhão, alguns deles adoentados pela varíola. Em 23 de abril de 1865, quando
embarcam do Rio de Janeiro em direção ao sul, o contingente está reduzido a 400 praças.6

Tem por característica este diário ser um manuscrito em tinta preta com letra cursiva
e papel amarelecido pelo tempo. Formado por dois cadernos, medindo 220 por 298 mm,
tem a maioria de suas 105 folhas soltas. O texto se apresenta em cada página dos cadernos,
numerados por folha, a cada uma de suas faces frontais com numerais cardinais. Os
manuscritos apresentam várias folhas com bordas corroídas e manchas de fungos. Através
da leitura de suas páginas, sabe-se que a ele eram anexados textos de outros autores como
sonetos, poesias, além de boletins do Exército, recortes de jornais e também mapas.

Ao final do conflito os caminhos que o diário percorreu, desde sua elaboração até
chegar a item da coleção particular do militar e historiador Mário Barreto, são
desconhecidos, segundo a Fundação Biblioteca Nacional7. Somente ao final de 1994, a

6
DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Exército, 1981, v. 2, tomo II, pp.160.
7
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Coleção Documentos Históricos. Diário do Tenente Coronel
Albuquerque Bello: notas extraídas do caderno de lembrança do autor sobre sua passagem na Guerra do
coleção foi doada à Fundação Biblioteca Nacional, o que possibilitou o início de sua
pesquisa. Encontra-se arquivado sob a classificação 34A, 04, 004 número 037.

Contextualização

A região da bacia do rio da Prata, localizada no cone sul no continente americano, que
se estende pelo Brasil, Uruguai, Bolívia, Paraguai e Argentina, possuindo uma área de
4,3 milhões de km² e com extensão de 4.500 km, foi uma área constante de interseção e
embates políticos e militares entre as possessões ibéricas na América durante os séculos
XVII, XVIII e XIX, desde a fundação da Colônia do Santíssimo Sacramento, em 1680,
pelos portugueses. É uma área distinta como a Amazônia ou Mato Grosso, por exemplo,
sendo o espaço privilegiado de analise, por ser uma aérea de ocupação humana e
comercial mais densa, significando relações mais estreitas entre os súditos das duas
Coroas, que a partir de muito cedo tornou-se palco de disputa entre as monarquias
ibéricas.8

Já no século XIX, por volta de 1811 – ainda no contexto das Guerras Napoleônicas –
o Príncipe Regente e futuro rei de Portugal, D. João VI, expandiu o território do Reino
português na América após a transmigração e fixação da Corte para o Rio de Janeiro,
anexando os territórios da província Cisplatina, ao sul, e ao norte, com a guerra contra a
Guiana Francesa, resultando na conquista e ocupação da cidade de Caiena. Com a
proclamação da Independência do Brasil em 1822, a província Cisplatina acabou fazendo
parte do novo Império, não sendo devolvida ao Reino de Espanha, iniciando no seu
interior um movimento de independência (Movimiento de los Treinta y tres Orientales),
iniciado em Montevidéu, comandado pelo General uruguaio Juan Antônio Lavalleja,
tendo largo apoio das Províncias Unidas do Rio da Prata e sua capital, Buenos Aires.

Em 1825, o Imperador do Brasil Pedro I declarou guerra à Buenos Aires, apoiadores


da causa cisplatina, a chamada Guerra da Cisplatina ou campanha da Cisplatina,
conhecida na historiografia argentina e uruguaia como “Guerra del Brasil”, mas não

Paraguai. Introdução e notas de Ricardo Salles e Vera Arraes. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca
Nacional, 2011, pp. 15.
8
Ver o estudo de BETHELL, Leslie. História da América Latina. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo (EDUSP), 8 volumes, 2001.
conseguiu vencer. Em 1828, mediado pela Inglaterra, é assinado um acordo que resultava
na independência da província, fazendo nascer a República Oriental do Uruguai. No
início da década de 1850, aconteceria novamente uma intervenção do Império do Brasil
em território uruguaio.

O embate se iniciou quando o presidente argentino Juan Manuel de Rosas passou a


visar o controle do comércio de Montevidéu a partir de uma aliança com o presidente
uruguaio, Manuel Oribe. O Brasil decidiu pela intervenção militar, visto que sairia
prejudicado no comércio da região. Na guerra contra Rosas e Oribe, em 1851, o Brasil
saiu vitorioso e os dois presidentes foram tirados do poder.

Já durante a década de 1860, as preocupações políticas internas dos quatro países


envolvidos explicam, em parte, o desenvolvimento do conflito envolvendo a Tríplice
Aliança e o governo do Paraguai. O Brasil, em 1863, rompeu relações diplomáticas com
a Inglaterra por ocasião da Questão Christie, que resultou num bloqueio ao porto do Rio
de Janeiro e pagamento de uma indenização à Inglaterra pelo saque do navio inglês HMS
“Prince of Wales”. Em virtude de protestos da população na capital do Império, o fato
acabou prejudicando o gabinete Liberal (que já havia substituído o Partido Conservador
no poder), uma vez que esse passou a ser visto como um governo fraco. Deste modo,
apoiar a causa da guerra passou a ser considerada pelo Partido Liberal como oportunidade
de garantir o apoio da população.

A Argentina, que havia se centralizado sob o poder de Juan Manoel de Rosas, acaba
dividindo-se em duas unidades políticas distintas quando o mesmo é retirado do poder: a
Confederação Argentina, sob o comando de Justo José de Urquiza, e o Estado de Buenos
Aires. O Estado de Buenos Aires se aproximou da reunificação com o governo de
Bartolomeu Mitre e buscou a paz com o Brasil para não colocar em risco sua soberania.

O Uruguai conseguiu sua independência em 1828, com o fim da Guerra da Cisplatina,


mas iniciou em seguida, uma guerra civil, entre dois partidos políticos existentes até hoje:
os Blancos (liderados inicialmente por Bernardo Berro e depois Anastasio Aguirre) e
Colorados (liderados por Venâncio Flores). Brasil e Argentina passaram a não simpatizar
com as atitudes de Bernardo Berro e acabaram por apoiar os Colorados. Deste modo,
Bernardo Berro e os Blancos aproximam-se do Paraguai, porém acabou sendo derrotado
por Venâncio Flores e seus aliados em Buenos Aires.
Ademais, o Paraguai que, apesar de territorialmente pequeno, destacou-se na região
do rio da Prata anterior a Guerra da Tríplice Aliança via um alto desenvolvimento militar
e por seguir uma política de isolamento seguida por três de seus governantes principais:
José Gaspar Rodrigues Francia, Carlos Antônio López, e seu filho, Francisco Solano
López. Dentre os exemplos seguidos para o fortalecimento da economia e legitimação do
poder de Carlos Antônio López e Francisco Solano López, estão as medidas de
aproximação com a Inglaterra no que se refere ao fortalecimento de sua indústria e
tecnologia militar, estatização de campos de erva mate e dos bens da Igreja, forte
mobilização do aparato militar e baixo índice de analfabetismo entre seus cidadãos.

Entre os acontecimentos bélicos envolvendo os quatro países, é considerado como o


estopim da Guerra da Tríplice Aliança o aprisionamento do navio mercante brasileiro
“Marquês de Olinda”, que levava a bordo o novo governador da província brasileira do
Mato Grosso, Frederico Carneiro de Campos, em 10 de novembro de 1864, pela
canhoneira paraguaia “Tacuarí”, iniciando o rompimento das relações diplomáticas entre
Paraguai e Brasil. Em 23 de dezembro de 1864, usando táticas de “Guerra Relâmpago”,
as forças paraguaias atacam e ocupam o Forte Coimbra, na província do Mato Grosso, e
em março de 1865, inicia a guerra contra a Argentina, que bloqueara o avanço paraguaio
que visava invadir o Brasil pelo sul. Ao 1º de maio de 1865, Brasil, Argentina e Uruguai
assinam o Tratado da Tríplice Aliança para lutar contra o governo paraguaio de Francisco
Solano López.

Em resposta ao ataque paraguaio ao Mato Grosso, o Exército Imperial brasileiro


posicionado principalmente nas províncias do Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro,
capital do Império do Brasil, despreparado e mal equipado, empreende sua primeira
reação enviando uma coluna de ataque que avançaria para a província do Mato Grosso,
destinado a invadir o Paraguai pelo norte. Este ataque não obteve sucesso, levando a
morte de mais da metade desses expedicionários (muitos acometidos por doenças e fome)
visto que o serviço de logística fora mal planejado.9 O episódio, conhecido como “a
retirada da Laguna”, foi documentado por um dos oficiais participantes da campanha, o

9
SOUBLIN, Jean. Un Xénophon brésilien. In: TAUNAY, Alfredo. La retraite de Laguna, Paris, Phebus,
1871, p. 13.
Tenente Engenheiro Militar Alfredo d’Escragnolle-Taunay, futuro Visconde de Taunay,
que viria a participar de toda campanha da Guerra da Tríplice Aliança.10

Ao longo dos primeiros anos da guerra, 1865 e 1866, o Exército Imperial e a Armada
Imperial brasileira focaram-se em sua modernização e capacitação para o novo tipo de
guerra que enfrentaria (no caso da Armada Imperial brasileira, que possuía boa parte de
sua frota de navios oceânicos, se capacitar para operações fluviais) obtendo significativos
sucessos a partir de 1867, desde a campanha da “Dezembrada”, até o final da guerra em
1870, com a ocupação da cidade de Assunção e morte de Francisco Solano López.

No que se refere a Marinha Imperial brasileira, coube a ela quase que exclusivamente
a responsabilidade pela condução das operações navais entre os países aliados. Em 11 de
junho de 1865, é travada a batalha naval do Riachuelo, uma batalha fluvial, decisiva, já
que a Esquadra paraguaia, que era limitada e improvisada a partir de navios mercantes,
foi praticamente dizimada. Constituíam o núcleo da Esquadra brasileira ao inicio da
guerra canhoneiras com propulsão mista à hélice, construídas na França e na Inglaterra.
Tinham como características maior porte e calado, menor capacidade de manobra e
reservados para atuação e proteção da costa brasileira.

Segundo o Almirante Armando Vidigal11, embora a batalha naval do Riachuelo


eliminasse a ameaça da Esquadra paraguaia através da vitória da força naval brasileira,
não teve as consequências estratégicas que se poderia esperar de uma batalha decisiva.
Graças às fortalezas que os paraguaios construíram nas margens do rio Paraguai,
destacando-se a fortaleza de Humaitá, a Esquadra brasileira teve seu acesso barrado rio
acima, sendo impedida de fornecer apoio logístico necessário para as operações com o
Exército.

A partir de 1865, o desafio criado pela guerra iria causar um novo desenvolvimento
da construção naval no Brasil, em especial no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro,
sendo lá construídos uma canhoneira à vapor e dois navios encouraçados. Em 1866, novos
navios encouraçados, uma corveta e mais três monitores encouraçados são lançados ao
mar. Em 1868, mais três monitores encouraçados, além do início da construção da

10
Em 1931, o filme “Alma do Brasil”, baseado no livro de Taunay, dirigido por Líbero Luxárdo e Alexandre
Wulfes, foi filmado nos mesmos locais por onde a coluna passou, contando com cavalos e soldados cedidos
pelo Exército brasileiro, que realizava manobras na região.
11
VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. A evolução tecnológica no setor naval na segunda metade do
século XIX e as consequências para a Marinha do Brasil. In: Revista Marítima Brasileira. V. 120, No 1012,
4º Trimestre de 2000. Pp 131-197.
corveta encouraçada “Sete de Setembro”, com casco de madeira e couraça de 4 polegadas,
que só seria concluída ao fim da guerra.

Desenvolveu-se então tecnologia adequada para construir navios com couraça que
pudessem ultrapassar a fortaleza de Humaitá aos moldes das ações da Guerra da Criméia
e da Guerra de Secessão nos Estados Unidos. De projeto e construção nacionais, os
encouraçados e monitores encouraçados ficaram sob responsabilidade do engenheiro
Napoleão Level, sendo as maquinas desenvolvidas por Carlos Braconnot. Os monitores
encouraçados eram de construção mista de madeira e ferro e levavam couraça de ferro.
De propulsão à vapor, trazia um canhão montado em torre giratória na parte central do
navio. Tinham como características pequeno calado e boa manobrabilidade.

Em fevereiro de 1868, foi forçada a passagem da fortaleza de Humaitá pelos navios


brasileiros. Humaitá foi sitiada pelas tropas aliadas, e em julho do mesmo ano houve sua
rendição. Em janeiro de 1869, as tropas aliadas ocuparam a cidade de Assunção, capital
paraguaia, e a guerra se estendeu até 1º de março de 1870, com a captura e morte do
presidente paraguaio Francisco Solano López. Contava a Marinha Imperial brasileira ao
findar o conflito com oito navios encouraçados e nove navios monitores-encouraçados.

Imagem: Soldado do 1º batalhão de Voluntários da Pátria (Rio de Janeiro), em estúdio de fotografia, 1865.
Seu uniforme é composto por túnica azul e calça branca. Leva armamento padrão da Infantaria, Enfield
1858 e sabre-baioneta. Retirada do livro “Guerra do Paraguai: memórias e imagens”, de Ricardo Salles,
Edições Biblioteca Nacional, 2003.
Rumo à Tuiutí

Com as tropas aliadas a caminho de Tuiutí, em 2 de maio de 1866, se dá a batalha de


Estero Bellaco, na região do Chaco paraguaio, local onde Solano Lopéz garantiria a
segurança do seu exército, mantendo-o longe do alcance da artilharia naval brasileira. A
desprotegida vanguarda do exército aliado (composto por Infantaria brasileira e uruguaia
e Cavalaria argenitna), sob comando do General Venâncio Flores, presidente da
República Oriental do Uruguai, sofre, de surpresa, violento ataque de quatro mil soldados
paraguaios comandados pelo General Díaz, que estará presente também no embate em
Tuiutí. Apesar do pânico entre os soldados aliados e da perda de quatro modernos canhões
raiados para os paraguaios, estes sofreram a retirada com perda entre 2.300 homens.

Após decisiva chegada da Cavalaria brasileira comandada pelo General Osório e


retirada da tropa paraguaia, é decidido o combate a favor dos Aliados, sendo as maiores
perdas de pessoal e material dos paraguaios, segundo Lobo Viana12.

Com a vitória aliada em Estero Bellaco, levanta-se acampamento em direção a Tuiutí


(no extremo norte daquele esteiro), em terreno desconhecido, sem mapas, pelo interior do
território paraguaio, lá chegando a 20 de maio. Segue o contingente aliado precedido por
uma forte vanguarda, constituída por elementos brasileiros e uruguaios apoiados pela 6ª
Divisão de Infantaria, em meio ao passo Sidra. A direita, pelo passo Carreta, precedida
pela Cavalaria argentina, as 1ª, 3ª e 4ª Divisões de Infantaria brasileira e os corpos de
Infantaria argentinos. A esquerda, pelo passo Pires, as duas divisões de Cavalaria e duas
brigadas ligeiras de Infantaria brasileiras. Ao dia 21, chega o restante: comércio, bagagem
e material logístico.

Em meio ao avanço aliado, os paraguaios destacaram pequenas forças de retaguarda


para atrasar a passagem do inimigo. Passo Sidra, para os paraguaios, era de extrema
importância, ligava passo da Pátria a fortaleza de Humaitá. Foram então montadas
trincheiras guarnecidas de artilharia e foguetes à Congrève.13 Funcionavam como
pequenos impedimentos, não opondo séria resistência ao inimigo. Lobo Viana escreve14,

12
VIANA, Lobo. Tuiutí é Osório, Osório é Tuiutí. Rio de Janeiro, Biblioteca Militar, 1940, pp. 15.
13
Arma “leve” de artilharia desenvolvida no início do séc. XIX, pelo oficial britânico William Congreve.
Empregada durante toda a guerra pelas forças paraguaias para repelir massas de Infantaria e Cavalaria
aliada.
14
VIANA, op. cit., pp. 16.
a partir dos relatos do engenheiro militar inglês George Thompson 15 (contratado por
Francisco Solano López para servir ao exército paraguaio, idealizador do sistema de
defesa e fortalezas) que essa retaguarda recebeu instruções para não oferecer grandes
dificuldades e que se retirasse conforme o progresso das forças aliadas.

Segundo Tasso Fragoso16, esta nova posição era totalmente desfavorável aos aliados,
pois ao norte a ao sul estava cercada por esteiros (em cuja proporção setentrional López
havia organizado sua linha de trincheiras), a leste o terreno era totalmente pantanoso e
desconhecido dos aliados e, por fim, a oeste havia a lagoa Pires, que se ligava ao rio
Paraguai.

Tuiutí: acampamentos de aliados e paraguaios

Tuiutí, em guarani, significa “lama branca”. É justamente a lama que caracteriza a sua
geografia, uma grande região de pântano no sudoeste do Paraguai, onde acontecerá a
maior batalha campal da América do Sul. A definição do terreno, por Francisco
Doratioto17, tem por características o solo arenoso, cercado por terreno alagado e com
rochas de mais de dois metros de altura. A terra onde o acampamento aliado foi levantado
era uma pequena área de 4 por 2,4 km, sem espaço para manobras. Ao sul, está situado o
esteiro Bellaco, e a oeste, o lago Pires. Ao norte, encontra-se o esteiro Rojas e a lagoa de
Tuiutí, e ao leste grande região pantanosa. Está ligada a cidade de Curupaity, cenário de
outra batalha campal.

É neste contexto que o exército aliado fixa acampamento, às 11 da manhã do dia 20


de maio de 1866. Argentinos se posicionam a direita, os brasileiros ao centro e a esquerda
tendo os uruguaios na extrema esquerda. Contam os aliados neste acampamento com
33.000 homens, sendo 21.000 brasileiros, 10.600 argentinos e 1.400 uruguaios. Nesta
disposição, ocorre um erro sobre a defesa das posições aliadas, os brasileiros deixam
desprotegidas as saídas táticas do potreiro Pires, ficam indefesas as brechas sem
trincheiras, como relata Dionísio Cerqueira: “não tivemos sequer a curiosidade, aliás

15
THOMPSON, George. A Guerra do Paraguai. São Paulo, Editora Conquista, 1962.
16
FRAGOSO, Augusto de Tasso. História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército, 1957, pp. 424.
17
DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo, Companhia
da Letras, 2003, pp. 214-216.
muito natural, de conhecer os segredos desses bosques. Não postamos ali nem piquetes
avançados nem vedetas ao menos”18. E será justamente entre a falha das posições
defensivas, que em poucos dias, se dará o avanço das tropas paraguaias. Nos escritos do
Tenente Coronel Albuquerque Bello confirma-se a proximidade das posições inimigas:
“Dia 22, estamos sem novidade, porém tudo muito apertado por causa do inimigo que
está à vista”.19

Quanto aos paraguaios, se posicionam em fortificações estabelecidas no esteiro Rojas,


muralhada de árvores, arbustos, palmeiras e grande quantidade de mato. Segundo
Thompson, essas fortificações se desenvolvem desde o passo Gomez até o passo Rojas,
no rumo leste-oeste. Sendo o setor mais importante denominado de Sauce, que se
desdobra numa extensão de um quilometro e meio, tendo nos flancos artilharia e lagoas.
No centro do terreno fortificado encontra-se uma lomba, onde, de cima, nota-se
perfeitamente as posições aliadas. Servindo de obstáculo a posição fortificada paraguaia,
correm em frente um largo e profundo fosso.

Dispõe Solano López nesta posição de 24.200 mil soldados paraguaios, sendo 21
batalhões de Infantaria (15.720 homens), 14 regimentos de Cavalaria (8.400 homens) e 4
peças de Artilharia raiadas.

18
CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da campanha do Paraguai: 1865-1870. Rio de Janeiro,
Biblioteca do Exército, 1980, pp. 121.
19
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Coleção Documentos Históricos. Diário do Tenente Coronel
Albuquerque Bello. op. cit., pp. 137.
Imagem: Oficiais brasileiros acampados em Tuiutí. Sem data. Fotografia em papel albuminado, preto e
branco, fotografado pelo estúdio “Bate e Cia.”, de Montevidéu – Uruguai. Pertencente à coleção Theresa
Cristina Maria, da Fundação Biblioteca Nacional do Brasil.

Na véspera da batalha

Dionísio Cerqueira retrata com propriedade os antecedentes da batalha em seus


escritos, desde à movimentação das tropas aliadas para reconhecimento do terreno até os
costumes sociais e religiosos no acampamento brasileiro.

Em 23 de maio, recorda Dionísio Cerqueira:

“li que estava escalado para a faxina de lenha do dia seguinte, e que, ao
meio dia o batalhão deveria formar a meia marcha, não faltando praça
alguma – nem mesmo os bagageiros e camaradas dos senhores oficiais.
Na lembrança, o comandante recomendava aos comandantes de
companhia que passassem, antes, revista de armamentos. Íamos
reconhecer as posições paraguaias. Ao toque de recolher, às oito horas da
noite, todos os corpos formaram. Depois da chamada, os sargentos
puxaram as companhias para a frente da bandeira e rezou-se o terço.
Algumas praças, os melhores cantores, entoaram com voz vibrante,
sonora e cheia de sentimento, a velha oração do soldado brasileiro: “Oh!
Virgem da Conceição, Maria imaculada, vós sois a advogada dos
pecadores, e a todos encheis de graça com a vossa feliz grandeza; vós
sois dos céus princesa, e do Espírito Santo esposa, Maria, mãe de graça,
mãe de misericórdia, livrai-nos do inimigo e protegei-nos na hora da
morte. Amém”. As músicas de quarenta batalhões acompanhavam
impressivas aquela grande prece ao luar, rezada tão longe dos lares
queridos. Tocou depois, ajoelhar corpos. Todos aqueles homens simples,
rudes e crentes, que se iam bater como leões no dia seguinte, cairão de
joelhos, e, com as mãos musculosas, apertando os largos peitos valorosos,
entoaram, cheios de contrição e de fé, o “Senhor Deus, misericórdia”.20

Segundo Lobo Viana21, durante a tarde do dia 23 de maio reuniram-se os comandantes


do exército aliado, e após debate, resolveram comemorar a data de aniversario de
Independência da República Argentina, em homenagem ao General Bartolomeu Mitre,
Comandante em Chefe do exército aliado e presidente da República Argentina. Essa
homenagem consistia em um ataque no dia 25 de maio as posições fortificadas
adversárias, previamente procedido de um reconhecimento na tarde do dia 24 de maio.
Francisco Solano López havia recebido informações de que os aliados se preparavam para
um reconhecimento em força ao norte do passo Rojas no dia 25 de maio e, portanto,
decidiu surpreende-los no dia 24.

Imagem: procissão religiosa em acampamento brasileiro durante a guerra, em 1868. Provavelmente, na


cidade paraguaia de Taiji. Fotografia em papel albuminado, preto e branco. Pertence à coleção Theresa
Cristina Maria, da Fundação Biblioteca Nacional do Brasil.

20
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., pp. 124.
21
VIANA, Lobo. op. cit., pp. 21.
Contava as forças aliadas com a seguinte ordem de batalha, segundo Tasso Fragoso22,
constituída por três linhas ou escalões, tinha a seguinte formação: a primeira linha
compreendia 2 divisões de Infantaria brasileira, cada divisão com 2 brigadas, e cada
brigada com 4 batalhões. Contava ainda com 1 regimento de Artilharia e 1 batalhão de
Engenheiros. A Cavalaria argentina aparecia na vanguarda, composta por 3 brigadas.
Entre os uruguaios, figuravam 3 batalhões de Infantaria, 6 peças não raiadas de Artilharia
e 1 esquadrão de Cavalaria.

A segunda linha contava com 2 divisões de Infantaria brasileira, 2 batalhões de


Artilharia a pé, já os argentinos contavam com 24 batalhões de Infantaria, 1 brigada de
Artilharia com 18 peças (sendo 4 raiadas) e 1 regimento de Cavalaria.

A terceira linha, menor, era composta de 2 divisões de Cavalaria brasileira e 1 brigada


ligeira de Cavalaria de Voluntários da Pátria. Destaca que, a Cavalaria brasileira e
argentina estavam quase toda desmontada, possuíam em torno de 600 cavalos em mau
estado.

Já os paraguaios, à direita dos aliados, tinham 8 regimentos de Cavalaria e 2 batalhões


de Infantaria (6.300 homens). À esquerda, 10 batalhões de Infantaria e 2 regimentos de
Cavalaria (8.700 homens). Ao centro, 9 batalhões de Infantaria, 4 regimentos de Cavalaria
e 1 bateria de Artilharia composta por 4 peças (9.280 homens). Solano López não contava
com reserva na batalha, possuía mais 6.000 homens em passo Pocú e mais 6.000 na cidade
de Curupaity.

A partir dos números apresentados é claro constatar que os aliados exerciam


superioridade numérica (mais de 1 para 4 homens ou 6.000 soldados), superioridade
absoluta em Artilharia (50 peças modernas contra 4 paraguaias) e grande superioridade
em Infantaria (58 batalhões contra 21). Em contrapartida, as forças paraguaias exerciam
superioridade absoluta entre a arma de Cavalaria, tendo um total de 8.400 homens contra
600 soldados aliados mal montados.

22
FRAGOSO, Augusto de Tasso. op. cit., pp. 337.
A batalha

Com o assalto planejado para as 09:00 horas, só se tem início às 11:30 horas, quando
as tropas aliadas se preparavam para o almoço, pois os contingentes paraguaios
demoraram para assumir suas posições durante a travessia dos esteiros, encontrando
dificuldade na geografia pantanosa. Conta-nos o Tenente Coronel Albuquerque Bello:

“estava-mos com ordem para marchar às 14 horas; estava comigo na


barraca o Tenente Castello Branco, o João Paulo, quando na frente
ouvimos muitos tiros de artilharia e fuzil, e ao mesmo tempo sinal de
sentido para todo o exército; eram 11:30 da manhã quando o inimigo nos
atacou com perto de 20.000 homens nos flanqueando completamente
(…)”.23

Relata também Dionísio Cerqueira os momentos iniciais da batalha, diz que o ataque
paraguaio se iniciou a partir de um tiro de canhão disparado das linhas fortificadas,
enquanto seu destacamento voltava para o acampamento durante a faina de lenha, ao final
da manhã: “detonou sobre as nossas cabeças uma granada inimiga. A granada fora sinal
de ataque geral. O 4º, meu batalhão, entrou em forma, rápido como um relâmpago, e,
mais rápido ainda, meteu em linha, frente à esquerda”.24 A seguir, segundo Lobo Viana25,
tocou entre os corneteiros brasileiros os toques de alarme e chamada ligeira.

O primeiro movimento da batalha acontece com Francisco Solano López avançando


toda a Cavalaria paraguaia sobre a frente de batalha aliada. Conta-nos Dionísio Cerqueira:

“Avançava sobre nós, a galope, um regimento de cavalaria inimiga. Ia


chocar-se com as duas primeiras companhias. As outras, as da esquerda,
tinham pela frente uma lagoa bastante funda. Em fileira dupla apenas,
resistimos ao choque. Não pôde rompê-las nem retroceder. É que tinha
pela frente os nossos bravos, cheios de ardor nessa primeira vez em que
combatíamos deveras, e pela retaguarda, outros corpos da cavalaria
paraguaia que também avançavam”.26

Continua os paraguaios, pelo flanco direito, arremessando todo um regimento de


Cavalaria, procurando envolver de surpresa a pequena e desmontada Cavalaria argentina,

23
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Coleção Documentos Históricos. Diário do Tenente
Coronel Albuquerque Bello. op. cit., pp. 137.
24
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., pp. 125.
25
VIANA, Lobo. op. cit., pp. 38.
26
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., pp. 125.
que cede, retrocedendo em desordem. O relato de Dionísio Cerqueira sobre a defesa aliada
diz:

“Fuzilávamo-los eficazmente, quase a queima roupa. Manobrou para nos


cortar a retaguarda. Debalde, o nosso fogo era tremendo e a linha muito
extensa. Cada um dos oito pelotões formara com trinta e quatro filas. O
batalhão tinha mais de 210 metros de frente. O terreno era meio atoladiço.
Do trote passaram ao passo, os bravos guerreiros de Lopez, que iam
caindo, dando lançadas e talhos de espada inutilmente. Nós os batíamos
de flanco. Os nossos soldados entusiasmados, ardentes, saiam das
fileiras, e os atacavam a baioneta. Foi um morticínio medonho: poucos
escaparam”.27

Contra-ataca a Cavalaria aliada liderada pelo Coronel Hornos, única unidade de Cavalaria
montada, capaz de reagir com certa eficácia. Convenientemente reforçada, os paraguaios
seguram as tentativas de contra-ataque dos aliados. Em seguida, dá-se a intervenção e
resistência de alguns batalhões de Infantaria do 1º Corpo argentino com a ajuda de
Artilharia, composta por 18 peças.

Ainda pelo flanco direito, avança uma segunda massa de Cavalaria paraguaia, trazendo
a garupa soldados de Infantaria, avançam de modo a contornar a Infantaria argentina,
procurando a separação das forças aliadas em dois blocos. Lobo Viana conta das
investidas do esquadrão de escolta presidencial da Cavalaria paraguaia frente a Artilharia
argentina, tentando coloca-la em tumulto: “trava-se uma disputada luta, em que o
heroísmo de uns se iguala a bravura e denodo de outros”28. A arremetida da Cavalaria
paraguaia é repelida por tiros da Artilharia argentina, que dispara à curta distância.

27
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., pp. 126.
28
VIANA, Lobo. op. cit., pp. 40.
Imagem: “Episodio de la 2ª División de Buenos Aires en la batalla de Tuyutí, 24 de mayo de 1866”. Óleo
sobre tela de Cándido López. Museo Nacional de Bellas Artes, Buenos Aires, Argentina. Carga de
Cavalaria paraguaia sobre contingente argentino (em segundo plano, a esquerda) durante a batalha.

O combate começa a enfraquecer, o centro deixa de ter um combate intenso, pela falta
de munições e escassez de reforços. É neste momento que surge o General brasileiro
Manuel Luís Osório, o Marquês do Herval, conduzindo elementos da 6ª Divisão de
Infantaria, reforçando e consolidando a posição quase perdida do Corpo argentino. O
ataque do flanco direito dos aliados fracassa e o comandante paraguaio, General Francisco
Isidoro Resquín, bate em retirada.

Achava-se à frente do centro da ordem de batalha aliada duas grandes colunas de


soldados paraguaios: o General Díaz comandava 5.080 soldados e o General Marcó com
cerca de 4.200 homens. Segundo Lobo Viana29, no decurso da ação essas duas colunas se
fundiram, sob o comando do General Díaz, visto que até em escritos paraguaios, apenas
se referem aos quase 10 mil combatentes sob a liderança de Díaz. Entretanto, a Cavalaria
comandada por Marcó avança sobre os dois limitados batalhões uruguaios, vencendo-os,
levando também o 41º batalhão de Voluntários da Pátria, que os apoiava.

Alguns batalhões brasileiros de Infantaria chagam para socorrer os aliados. A


Cavalaria paraguaia retrocede e executa uma breve evolução nas posições e ganha terreno,

29
VIANA, Lobo. op. cit., pp. 41.
e contando com reforços do General Resquín lança-se sobre o 1º Regimento de Artilharia
a Cavalo brasileiro. Protegido por trincheiras e fossos construídas pelo Batalhão de
Engenheiros, possuindo entre 28 a 30 peças raiadas, dispara fogo vivo e intenso sobre os
paraguaios. Como resultado dessa ação os esquadrões paraguaios caem nos fossos sob
fogo da artilharia brasileira ou retrocedem em direção de Ytaitá-Corá, dispersando-se.

A seguir, alguns esquadrões do General Díaz vencendo as matas circunvizinhas tentam


contornar o flanco esquerdo aliado ameaçando a retaguarda. Estes soldados enfrentam,
de frente, as forças da 3ª Divisão de Infantaria brasileira, comandada pelo General
Antônio de Sampaio, onde se destacam as participações do 4º e 6º batalhões de
Voluntários da Pátria. É neste momento que ao comando do General Díaz, 9 batalhões de
Infantaria paraguaia encontram as forças de Infantaria do General Sampaio, que se
defende em quadrados e círculos, destacando-se neste momento a figura do Coronel
Deodoro da Fonseca, então comandante do 28º batalhão de Voluntários da Pátria. Diz
Dionísio Cerqueira:

“Quadrados formavam-se aqui; além, ouvia-se toque de assembleia e as


linhas de atiradores se reuniam, em círculo, de baioneta cruzada contra a
cavalaria que vinha a galope: uma confusão imensa e cheia de fortes
impressões. A batalha atingia ao momento decisivo. O ataque mais forte
fora à 3ª divisão que resistia heroica a dez mil homens de Diaz. Havia
bem cinco horas que combatíamos sem cessar, e não estávamos fatigados.
Não há tempo que corra tão ligeiro como o das batalhas”.30

Fora mortalmente ferido pela fuzilaria paraguaia o General Sampaio, tendo falecido
dias depois do combate, durante viagem para Buenos Aires.

Segue-se o General Díaz querendo cercar o flanco esquerdo aliado para sair até a
retaguarda aliada, fazendo uma manobra de envolvimento. Surge o General Osório
trazendo consigo as 1ª e 4ª Divisões de Infantaria e as baterias do 1º batalhão de Artilharia
a pé, lançando as reservas disponíveis na batalha em ação. Descreve Dionísio Cerqueira:

“Surge, no seu belo cavalo de combate, o general Osório, com o largo


chapéu de feltro negro, e ponche flutuante deixando ver a gola bordada,
a lança de ébano incrustada de prata na mão larga e robusta, e o olhar
fascinante, dominando aquele cenário trágico da glória e da morte.
Ouviu-se um viva retumbante. De todos aqueles lábios secos, daquelas
gargantas roucas, saiu imenso, entusiástico, um viva ao general Osório!
Tudo transformou-se ao tremular mágico de bandeirola da lança
legendária. A nossa infantaria avançou galvanizada por aquele homem,

30
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., pp. 126.
imensamente amado, e levou de vencida, até as profundezas densas da
mata, os guerreiros inimigos, que sobreviveram à horrorosa
hecatombe”.31

Essa manobra, segundo Lobo Viana, dá lugar a formação de dois “martelos táticos”,
cuja a gola é fechada pela artilharia, recebendo fogo de flanco e de revés, reduzindo as
forças paraguaias a efetivos extremamente reduzidos, fazendo com que o comandante das
forças paraguaias bata em retirada. O ataque frontal e de flanco direito paraguaio perde
força. Somente neste setor da batalha serão encontrados quase 4 mil soldados mortos.

Pelo flanco esquerdo aliado se desenvolve outra ação paraguaia, desta vez comandada
pelo General Barríos, com a finalidade de conduzir um violento e rápido ataque de flanco,
cortar a retaguarda aliada e unir suas forças aos soldados do General Resquín, com o
objetivo de completar um movimento envolvente e separar as forças aliadas.

Para executar a manobra, devido ao terreno pantanoso, Barríos faz um largo


movimento em curva de sua Cavalaria, margeando a lagoa Pires, enquanto a Infantaria
surge pela dessa mata no sentindo norte-sul e outra parte no sentido leste-oeste, atacando
de surpresa a Cavalaria mau montada brasileira, apoiada por dois batalhões incompletos
e débeis de Voluntários da Pátria. O General Osório destaca para esse ponto algumas
unidades, duas divisões de Cavalaria quase toda desmontada, reforçada por vários
elementos da 6ª Divisão de Infantaria. Para apoiar esse contra-ataque, Osório concentra
o 2º batalhão de Artilharia a pé, cujas baterias estão assentadas em posições mais ou
menos eficientes, segundo Lobo Viana. A cavalaria paraguaia se retira pela extrema
esquerda, procurando se refugiar no proteiro Pires.

Entre as 16 horas e 16:30 horas chega-se ao final da batalha, com esgotamento físico
dos soldados e escassez de munição entre as tropas. Entre os aliados, conta-se a perda de
quase 4 mil homens, sendo entre os brasileiros 719 mortos (dentre eles muitos oficiais
superiores e um General, Antônio de Sampaio) e 966 feridos. Quanto ao Exército
paraguaio, retorna muito desmantelado para as posições fortificadas em Passo Pocú.
Escreve Dionísio Cerqueira:

“Soou, finalmente, o toque de cessar fogo. Eu estava numa linha de


atiradores. Recolhi com ela ao batalhão, que formava em coluna cerrada
à beira de um laranjal. Quantos dos que jaziam para sempre debaixo
daquela sombra amena, pensaram, exalando o último suspiro, nas flores

31
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., pp. 127.
daquelas laranjeiras e na morte das suas esperanças? Quando acabou a
batalha, tinha a minha blusa, única, rota na altura do ombro direito, por
uma bala que passou triscando a pele. A espada estava partida pelo meio;
e as botas, coturnos reiúnos trazidos do 1º regimento, tinham deixado as
solas nos banhados”.32

Segundo Lobo Viana33, não houve perseguição as tropas paraguaias que se retiravam
do campo de batalha por falta de meios de mobilidade: a Cavalaria estava sem cavalos, a
Artilharia sem meios para tração e a Infantaria estava exausta e sem munição.

Imagem: Vista do terreno pantanoso de Tuiutí, denominada “boqueirão”. Litografia. Sem data. Fundação
Biblioteca Nacional do Brasil.

Na luta que se seguiu podemos observar vários elementos táticos da guerra do século
XVIII, apesar da presença de armamentos modernos da era da 2ª Revolução Industrial,
sendo: infantarias lutando em quadrados e apegadas ao culto da baioneta; cavalaria
utilizada como arma de choque; artilharia disparando a curta distância e com metralha.

Ao retornar as posições fortificadas de seu exército, Solano López ouve o relato de


seus generais referente a batalha. Manda disparar a artilharia em salvas festivas e envia
emissários a vários pontos do país anunciado uma difícil vitória. Sofre a perda de mais de

32
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., pp. 128.
33
VIANA, Lobo. op. cit., pp. 45.
12 mil homens, metade das forças envolvidas na batalha, 4 peças de artilharia (os únicos
que possuía), 5 mil espingardas, 500 armas brancas, inúmeros foguetes à Congréve,
tambores, bandeiras e estandartes. Esta pseudo vitória é contestada pelos números
apresentados e pelos escritos de seus próprios generais e escritores contemporâneos.
Thompson, por exemplo, afirma34 que os paraguaios foram completamente derrotados e
seu exército fora inteiramente destruído, recolhendo mais de 7 mil soldados feridos aos
hospitais e mais de 6 mil mortos no campo de batalha. O General Resquín, em seu livro35,
publicado em 1971 pela Imprenta Militar paraguaia, confirma também uma esmagadora
vitória aliada na primeira batalha de Tuiutí, em extenso relato.

Muitas foram as críticas, inclusive entre os militares, novamente, a respeito da falta de


uma perseguição aos remanescentes do exército paraguaio e da consequente possibilidade
de tomada de Humaitá imediatamente. Antônio de Sena Madureira, por exemplo, nos diz
que:

“Derrotado o inimigo a 24 de maio, era de esperar que os aliados marchassem


imediatamente em sua perseguição, a fim de colherem as vantagens de tão
grandioso triunfo. Contra toda expectativa, porém, conservaram-se imóveis as
forças da aliança, e aplicaram-se a fortificar suas posições! [...] Napoleão dizia
que a vitória estava quase sempre nas pernas dos seus soldados. [...] Por que, pois,
não prosseguimos em 25 de maio, depois do necessário repouso das tropas, em
perseguição do inimigo, destroçado na véspera, e que fugia em debandada?! Seria
porque a nossa cavalaria achava-se a pé? Mas, desde quando tornou-se
indispensável ter cavalaria para atacar posições fortificadas, e marchar quando
muito três léguas, como era apenas necessário, para chegar a Humaitá: [...] É
incrível a nossa imobilidade no dia subsequente ao de uma vitória tão esplêndida,
esterilizada completamente por nossa própria culpa! Grande e grave
responsabilidade perante a história pesa sobre a cabeça daquele que dirigia as
operações da campanha”.36

Após a batalha de Tuiutí, e devido à inatividade dos aliados, Solano López buscou
reforçar suas trincheiras e reformar os combalidos quadros de seu exército, sendo que,
segundo Fragoso, a batalha “havia lhe patenteado de modo exuberante não lhe ser
possível afrontar em campo aberto o exército inimigo”37. Solano López buscou, além

34
THOMPSON, George. op. cit., pp. 126.
35
RESQUIN, Francisco Isidoro. Datos Históricos de la Guerra del Paraguay contra la Triple Alianza:
Asunción, Imprenta Militar, 1971, p. 39.
36
MADUREIRA, Antônio de Sena. Guerra do Paraguai. Brasília: UnB, 1982, p. 27
37
FRAGOSO, Augusto de Tasso. op. cit., v. III, pp. 5.
disso, interligar todas as suas principais posições entrincheiradas por meio de telégrafos
elétricos. Seguiram-se, então, duelos de artilharia que se estenderam de maio a julho38.

Imagem: Marechal Francisco Solano López. Retirada do livro “Tuiutí é Osório, Osório é Tuiutí”, de Lobo
Viana, Biblioteca Militar, 1940.

Ao analisarmos as atividades táticas de Francisco Solano López no dia 24 de maio de


1866, observamos que apesar de um plano bem elaborado, não soube ou não pode
executa-lo pois não dispunha de elementos suficientes em pessoal e material, ocasionando
uma série de erros no campo de batalha: a composição de suas colunas de ataque, num
dos flancos acumulando grande massa de Cavalaria reforçados por frágeis batalhões de
Infantaria com efetivos reduzidos, tornando-a leve. No outro flanco, há preocupação de
robustez e resistência, reunindo 7.500 homens de Infantaria e 2 regimentos de Cavalaria,
tornando-a pesada. No centro, seu dispositivo se baseia em um frágil apoio de somente 4
peças de Artilharia, de calibre mediano. Tendo em vista seus comandantes, seu
contingente é liderado por oficiais vencidos em ações anteriormente realizadas, com sua
força moral diminuída entre os seus soldados.

Vale observar também que a simultaneidade nos ataques, o fator surpresa, não
funcionou como esperado. A ideia de manobra pensada pelo comando paraguaio era

38
FRAGOSO, Augusto de Tasso. op. cit., v. III, pp. 6-7 e 9.
executar um ataque frontal ao mesmo tempo com um envolvimento dos flancos aliado.
Ao contrário, foram desencadeados três ataques sucessivos: sobre o flanco direito, ao
centro e sobre o flanco esquerdo. Aos aliados fez-se valer da superioridade numérica e a
aplicação (reposicionamento) de forças dos pontos não atacados, tendo seu ponto alto
desta ação a intervenção final e oportuna das reservas do General Osório.

Ademais, o determinante da vitória aliada, que se deu após a reorganização da surpresa


do ataque inimigo inicial, pode ser observado, de grosso modo, por três fatores. O
Primeiro, a superioridade numérica sobre o adversário. Com uma contagem de 4 soldados
de Infantaria aliado para 1 paraguaio. Superioridade absoluta em Artilharia, cujo
potencial atingia cerca de 80 peças contra 4 paraguaias. Muitos cronistas destacam o uso
da Artilharia como o diferencial da batalha. Por fim, a oportuna intervenção da reserva
sob comando do General Osório reduz as forças paraguaias consolidando a vitória aliada.

Apesar da vitória incontestável, a primeira batalha de Tuiutí foi uma vitória


incompleta, não decisiva. Com a não perseguição e aniquilação total dos inimigos os
combatentes dos dois lados, tanto aliados quanto paraguaios, estacionaram nas suas
posições iniciais por um ano e meio, de 20 de maio de 1866 a 25 de julho de 1867, em
total defensiva, estagnados, resultando em poucos combates com resultados eficientes
durante esse período.

Paralelamente a tudo isso, as tropas da aliança eram reforçadas com a chegada de


novos recrutas, especialmente brasileiros. Contudo, os extenuantes treinamentos a que
eram submetidos e as más condições sanitárias de Tuiutí, elevaram “as entradas para os
hospitais, em princípio de maio, a perto de cem por dia.”39

Ou ainda:

“As moléstias não se limitaram aos homens; acometeram também aos animais,
e o número dos cadáveres subiu tanto que já não eram dados à sepultura, mas
queimados. Mencionamos estes fatos para explicar até certo ponto a pausa que
então principiou a dar-se nas operações”.40

Thompson afirma41 que as forças aliadas foram drasticamente reduzidas pela cólera,
sendo que os argentinos tiveram uma redução de 15 mil para 9 mil homens e que os

39
SCHNEIDER, Louis. A Guerra da Tríplice Aliança contra a Republica do Paraguay (1864-1870). Rio de
Janeiro: H. Garnier, 1902, pp. 43.
40
SCHNEIDER, op. cit., pp. 43-44.
41
THOMPSON, op. cit., p. 133.
brasileiros teriam sofrido tanto quanto. Foi neste momento que López aproveitou-se da
imobilidade aliada em Tuiutí e reorganiza seu exército, embora que não com o mesmo
poder de dissuasão.
Fontes principais
CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da campanha do Paraguai: 1865-1870. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1980.
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Coleção Documentos Históricos. Diário do
Tenente Coronel Albuquerque Bello: notas extraídas do caderno de lembrança do autor
sobre sua passagem na Guerra do Paraguai. Introdução e notas de Ricardo Salles e Vera
Arraes. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2011.

Leitura base

FRAGOSO, Augusto de Tasso. História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai.


Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 5 volumes, 1957.

VIANA, Lobo. Tuiutí é Osório, Osório é Tuiutí. Rio de Janeiro, Biblioteca Militar, 1940.

Leituras complementares

CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik (Orgs.). Nova História Militar
brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São
Paulo: Companhia da Letras, 2003.

PARENTE, Paulo André Leira. A construção de uma nova História Militar. In: Revista
Brasileira de História Militar. Edição de lançamento. ANO I. Nº I. Dezembro de 2009.
PERDOSA, Fernando Velôzo Gomes; RODRIGUES, Fernando da Silva. (Orgs.). Uma
tragédia americana: a guerra do Paraguai sob novos olhares. Curitiba: Editora Prismas,
2015.

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