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FACULDADE DE LETRAS
2017
A primeira batalha do Tuiutí (24 de Maio de 1866) a partir das reminiscências do
Tenente Dionísio Cerqueira durante a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai
(1864-1870)
The first battle of Tuiutí (May 24, 1866) from the reminiscences of the Lieutenant
Dionísio Cerqueira during the War of the Triple Alliance against Paraguay (1864-1870)
Resumo
Dentre os vários diários de campanha, reminiscências e escritos de caráter
memorialísticos que chegaram aos nossos dias sobre a Guerra da Tríplice Aliança contra
o governo do Paraguai presentes na historiografia brasileira, “Reminiscências da
campanha do Paraguai: 1865-1870”, de Dionísio Cerqueira, é o mais analisado pelos
historiadores militares brasileiros, quer pelo seu conteúdo, quer pela condição do seu
autor. Cerqueira participou de toda a guerra, iniciando como Alferes e terminando como
Tenente, documentando todo o conflito. Neste trabalho, o objetivo é mostrar a primeira
batalha do Tuiutí a partir de usa ótica, os antecedentes, o embate e as forças envolvidas,
daquela que foi a maior batalha campal da América do Sul.
Palavras-chave: Guerra da Tríplice Aliança, batalha do Tuiutí, Dionísio Cerqueira.
Abstract
Among the various campaign diaries, reminiscences and memorialist writings that
have come to our day about the War of the Triple Alliance against the government of
Paraguay present in brazilian historiography, "Reminiscences of the Paraguayan
Campaign: 1865-1870 ", by Dionísio Cerqueira, is the most analyzed by brazilian military
historians, either by its content or by the condition of its author. Cerqueira participated in
the whole war, starting as Cadet and ending as Lieutenant, documenting the whole
conflict. In this work, the objective is to show the first battle of the Tuiutí from the optical
uses, the antecedents, the clash and the forces involved, of what was South America's
greatest pitched battle.
Introdução
O presente trabalho, com o apoio das fontes escolhidas, tem por objetivo mostrar, a
princípio, de modo superficial, como se deu a primeira batalha do Tuiutí, travada em 24
de maio de 1866, no contexto da Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança contra
o governo do Paraguai, a última das guerras da região do rio da Prata, como a conhecemos
na historiografia brasileira. Neste conflito, o Exército e a Marinha Imperial do Brasil
estiveram envolvidos de 1864 a 1870, em conjunto com Argentina e Uruguai, contra o
governo do Paraguai, liderado por Francisco Solano López.
Como motivação pessoal para a feitura deste trabalho pesou na contribuição para a
ampliação da investigação do referido tema para a área da História Militar, a partir de
diários pessoais que nos remetem a essas memorias, para entendermos melhor sobre o
que esses sujeitos enfrentaram durante os dias vividos em batalha e nos acampamentos
em que se alojavam. Trata-se, assim, da utilização de diários e reminiscências pessoais
como fontes para a historiografia para a reflexão e problematização de situações,
informações praticas e vivencias cotidianas para contributo dos estudos históricos desta
guerra. Sob um ponto de vista metodológico, Paulo André Leira Parente escreve:
1
PARENTE, Paulo André Leira. A construção de uma nova História Militar. In: Revista Brasileira de
História Militar. Edição de lançamento. ANO I. Nº I. Dezembro de 2009.
Por isso, a nossa preocupação e interesse em olhar para o referido documento e todos
os seus desdobramentos como instrumento de pesquisa. Buscar entender sobre o que
escreviam, como viviam e o que faziam em combate ou fora dele, é buscar saber um
pouco mais sobre o conflito. Para isso, utilizamos como principais fontes a serem
trabalhadas duas obras de autoria de soldados atuantes na Guerra da Tríplice Aliança:
“Reminiscências da campanha do Paraguai: 1865-1870” do então Tenente de Infantaria
do Exército Imperial brasileiro Dionísio Cerqueira, publicado originalmente em 1910,
tendo sua segunda edição pela Biblioteca do Exército Editora, em 1980, e o diário de
campanha do Tenente Coronel comissionado Joaquim Cavalcanti d’Albuquerque e Bello,
comandante do 13º Corpo de Voluntários da Pátria, publicado em 2011, pela série
“Coleção Documentos Históricos”, por iniciativa da Fundação Biblioteca Nacional do
Brasil.
2 2
Ver verbete “Dionísio Cerqueira” em Dicionário Histórico-Biográfico brasileiro. Primeira edição
lançada impressa em 1984. Após atualização pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), está disponível online
em: http://www.fgv.br/cpdoc/busca
primeira edição de “Reminiscências da campanha do Paraguai: 1865-1870”, que viria a
ser publicado na França.
Seu livro traz um relato bem detalhado de toda a guerra, dos costumes e da descrição
do combate, descreve os confrontos em Tuiutí, Corrales, Estabelecimento, Itororó, Avaí,
Campo Grande e tantos outros. Desempenhou funções de comando de companhia em
batalhões de Artilharia e Infantaria do Exército Imperial brasileiro durante o conflito. Em
sua narrativa, mostra sua história não como o soldado que se alistou para ir “desafrontar
a sua pátria”3, mas como velho General e político, que olha seu passado de jovem soldado.
Inicia seu relato com o seu alistamento como Soldado voluntário, em 2 de janeiro de 1865,
e conclui, em junho de 1870, como Tenente de Infantaria.
Escrita 40 anos após o conflito, ao contar suas memórias ele não esconde sua posição
social e política. Ao longo de sua narrativa, ele destaca as dificuldades enfrentadas pelo
grupo de soldados formados pelos filhos de famílias tradicionais, dos quais ele é um, e
pelo grupo de soldados formados por mestiços e negros. Aponta que a superação dessas
dificuldades estava estreitamente ligada à assimilação e vivência das virtudes militares
(obediência à hierarquia, disciplina, honra e patriotismo). Para ele, todos os militares que,
com disciplina, coragem e patriotismo suportassem as dificuldades, o terreno
desconhecido do campo de batalha, a malária, a cólera, a varíola, a luta, a morte do
companheiro, a dor de um ferimento, estariam preparados para a vida militar e alguns
para o exercício da política.
3
Expressão utilizada por Dionísio Cerqueira para justificar a declaração de guerra com o Paraguai.
Imagem: General de Brigada Dionísio Cerqueira ostentando condecorações à época da Guerra da Tríplice
Alianla. Retirada do livro “Tuiutí é Osório, Osório é Tuiutí”, de Lobo Viana, Biblioteca Militar, 1940.
O segundo documento que nos ajuda a compor este trabalho foi escrito de 28 de março
de 1865 a 7 de setembro de 1867. Pertence ao Tenente Coronel comissionado Joaquim
Cavalcante d’Albuquerque Bello, que comandava o Corpo de Polícia da Província do
Pará quando Brasil, Argentina e Uruguai assinaram o Tratado da Tríplice Aliança e
declararam guerra ao Paraguai. Logo sua unidade militar, como aconteceu em todas as
províncias do Império, foi transformada em Corpo de Voluntários da Pátria4, à exceção
do Rio Grande do Sul, cujo corpo de cavalaria manteve a designação original de Corpo
da Guarda Nacional.
4
Criado pelo Decreto 3.371 de 7 de jan. de 1865, serviram como tropas de segunda linha do Exército
Imperial brasileiro. Formados a partir de corpos policiais e voluntariado das províncias, visava atender as
necessidades de um recrutamento em larga escala e, ao mesmo tempo, motivar a população em geral.
Recrutou 38 mil soldados em todo o Brasil, número muito abaixo do que o desejado.
5
CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik (Orgs.). Nova História Militar brasileira. Rio
de Janeiro: Editora FGV, 2004.
militares, sua participação em guerras e no processo de unificação territorial, a
participação de mulheres nos contingentes, dentre outros. Principalmente, ressalta a
raridade dos diários de guerra brasileiros em contraste com o enorme sucesso do gênero
nos Estados Unidos, por exemplo.
Tem por característica este diário ser um manuscrito em tinta preta com letra cursiva
e papel amarelecido pelo tempo. Formado por dois cadernos, medindo 220 por 298 mm,
tem a maioria de suas 105 folhas soltas. O texto se apresenta em cada página dos cadernos,
numerados por folha, a cada uma de suas faces frontais com numerais cardinais. Os
manuscritos apresentam várias folhas com bordas corroídas e manchas de fungos. Através
da leitura de suas páginas, sabe-se que a ele eram anexados textos de outros autores como
sonetos, poesias, além de boletins do Exército, recortes de jornais e também mapas.
Ao final do conflito os caminhos que o diário percorreu, desde sua elaboração até
chegar a item da coleção particular do militar e historiador Mário Barreto, são
desconhecidos, segundo a Fundação Biblioteca Nacional7. Somente ao final de 1994, a
6
DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Exército, 1981, v. 2, tomo II, pp.160.
7
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Coleção Documentos Históricos. Diário do Tenente Coronel
Albuquerque Bello: notas extraídas do caderno de lembrança do autor sobre sua passagem na Guerra do
coleção foi doada à Fundação Biblioteca Nacional, o que possibilitou o início de sua
pesquisa. Encontra-se arquivado sob a classificação 34A, 04, 004 número 037.
Contextualização
A região da bacia do rio da Prata, localizada no cone sul no continente americano, que
se estende pelo Brasil, Uruguai, Bolívia, Paraguai e Argentina, possuindo uma área de
4,3 milhões de km² e com extensão de 4.500 km, foi uma área constante de interseção e
embates políticos e militares entre as possessões ibéricas na América durante os séculos
XVII, XVIII e XIX, desde a fundação da Colônia do Santíssimo Sacramento, em 1680,
pelos portugueses. É uma área distinta como a Amazônia ou Mato Grosso, por exemplo,
sendo o espaço privilegiado de analise, por ser uma aérea de ocupação humana e
comercial mais densa, significando relações mais estreitas entre os súditos das duas
Coroas, que a partir de muito cedo tornou-se palco de disputa entre as monarquias
ibéricas.8
Já no século XIX, por volta de 1811 – ainda no contexto das Guerras Napoleônicas –
o Príncipe Regente e futuro rei de Portugal, D. João VI, expandiu o território do Reino
português na América após a transmigração e fixação da Corte para o Rio de Janeiro,
anexando os territórios da província Cisplatina, ao sul, e ao norte, com a guerra contra a
Guiana Francesa, resultando na conquista e ocupação da cidade de Caiena. Com a
proclamação da Independência do Brasil em 1822, a província Cisplatina acabou fazendo
parte do novo Império, não sendo devolvida ao Reino de Espanha, iniciando no seu
interior um movimento de independência (Movimiento de los Treinta y tres Orientales),
iniciado em Montevidéu, comandado pelo General uruguaio Juan Antônio Lavalleja,
tendo largo apoio das Províncias Unidas do Rio da Prata e sua capital, Buenos Aires.
Paraguai. Introdução e notas de Ricardo Salles e Vera Arraes. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca
Nacional, 2011, pp. 15.
8
Ver o estudo de BETHELL, Leslie. História da América Latina. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo (EDUSP), 8 volumes, 2001.
conseguiu vencer. Em 1828, mediado pela Inglaterra, é assinado um acordo que resultava
na independência da província, fazendo nascer a República Oriental do Uruguai. No
início da década de 1850, aconteceria novamente uma intervenção do Império do Brasil
em território uruguaio.
A Argentina, que havia se centralizado sob o poder de Juan Manoel de Rosas, acaba
dividindo-se em duas unidades políticas distintas quando o mesmo é retirado do poder: a
Confederação Argentina, sob o comando de Justo José de Urquiza, e o Estado de Buenos
Aires. O Estado de Buenos Aires se aproximou da reunificação com o governo de
Bartolomeu Mitre e buscou a paz com o Brasil para não colocar em risco sua soberania.
9
SOUBLIN, Jean. Un Xénophon brésilien. In: TAUNAY, Alfredo. La retraite de Laguna, Paris, Phebus,
1871, p. 13.
Tenente Engenheiro Militar Alfredo d’Escragnolle-Taunay, futuro Visconde de Taunay,
que viria a participar de toda campanha da Guerra da Tríplice Aliança.10
Ao longo dos primeiros anos da guerra, 1865 e 1866, o Exército Imperial e a Armada
Imperial brasileira focaram-se em sua modernização e capacitação para o novo tipo de
guerra que enfrentaria (no caso da Armada Imperial brasileira, que possuía boa parte de
sua frota de navios oceânicos, se capacitar para operações fluviais) obtendo significativos
sucessos a partir de 1867, desde a campanha da “Dezembrada”, até o final da guerra em
1870, com a ocupação da cidade de Assunção e morte de Francisco Solano López.
No que se refere a Marinha Imperial brasileira, coube a ela quase que exclusivamente
a responsabilidade pela condução das operações navais entre os países aliados. Em 11 de
junho de 1865, é travada a batalha naval do Riachuelo, uma batalha fluvial, decisiva, já
que a Esquadra paraguaia, que era limitada e improvisada a partir de navios mercantes,
foi praticamente dizimada. Constituíam o núcleo da Esquadra brasileira ao inicio da
guerra canhoneiras com propulsão mista à hélice, construídas na França e na Inglaterra.
Tinham como características maior porte e calado, menor capacidade de manobra e
reservados para atuação e proteção da costa brasileira.
A partir de 1865, o desafio criado pela guerra iria causar um novo desenvolvimento
da construção naval no Brasil, em especial no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro,
sendo lá construídos uma canhoneira à vapor e dois navios encouraçados. Em 1866, novos
navios encouraçados, uma corveta e mais três monitores encouraçados são lançados ao
mar. Em 1868, mais três monitores encouraçados, além do início da construção da
10
Em 1931, o filme “Alma do Brasil”, baseado no livro de Taunay, dirigido por Líbero Luxárdo e Alexandre
Wulfes, foi filmado nos mesmos locais por onde a coluna passou, contando com cavalos e soldados cedidos
pelo Exército brasileiro, que realizava manobras na região.
11
VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. A evolução tecnológica no setor naval na segunda metade do
século XIX e as consequências para a Marinha do Brasil. In: Revista Marítima Brasileira. V. 120, No 1012,
4º Trimestre de 2000. Pp 131-197.
corveta encouraçada “Sete de Setembro”, com casco de madeira e couraça de 4 polegadas,
que só seria concluída ao fim da guerra.
Desenvolveu-se então tecnologia adequada para construir navios com couraça que
pudessem ultrapassar a fortaleza de Humaitá aos moldes das ações da Guerra da Criméia
e da Guerra de Secessão nos Estados Unidos. De projeto e construção nacionais, os
encouraçados e monitores encouraçados ficaram sob responsabilidade do engenheiro
Napoleão Level, sendo as maquinas desenvolvidas por Carlos Braconnot. Os monitores
encouraçados eram de construção mista de madeira e ferro e levavam couraça de ferro.
De propulsão à vapor, trazia um canhão montado em torre giratória na parte central do
navio. Tinham como características pequeno calado e boa manobrabilidade.
Imagem: Soldado do 1º batalhão de Voluntários da Pátria (Rio de Janeiro), em estúdio de fotografia, 1865.
Seu uniforme é composto por túnica azul e calça branca. Leva armamento padrão da Infantaria, Enfield
1858 e sabre-baioneta. Retirada do livro “Guerra do Paraguai: memórias e imagens”, de Ricardo Salles,
Edições Biblioteca Nacional, 2003.
Rumo à Tuiutí
12
VIANA, Lobo. Tuiutí é Osório, Osório é Tuiutí. Rio de Janeiro, Biblioteca Militar, 1940, pp. 15.
13
Arma “leve” de artilharia desenvolvida no início do séc. XIX, pelo oficial britânico William Congreve.
Empregada durante toda a guerra pelas forças paraguaias para repelir massas de Infantaria e Cavalaria
aliada.
14
VIANA, op. cit., pp. 16.
a partir dos relatos do engenheiro militar inglês George Thompson 15 (contratado por
Francisco Solano López para servir ao exército paraguaio, idealizador do sistema de
defesa e fortalezas) que essa retaguarda recebeu instruções para não oferecer grandes
dificuldades e que se retirasse conforme o progresso das forças aliadas.
Segundo Tasso Fragoso16, esta nova posição era totalmente desfavorável aos aliados,
pois ao norte a ao sul estava cercada por esteiros (em cuja proporção setentrional López
havia organizado sua linha de trincheiras), a leste o terreno era totalmente pantanoso e
desconhecido dos aliados e, por fim, a oeste havia a lagoa Pires, que se ligava ao rio
Paraguai.
Tuiutí, em guarani, significa “lama branca”. É justamente a lama que caracteriza a sua
geografia, uma grande região de pântano no sudoeste do Paraguai, onde acontecerá a
maior batalha campal da América do Sul. A definição do terreno, por Francisco
Doratioto17, tem por características o solo arenoso, cercado por terreno alagado e com
rochas de mais de dois metros de altura. A terra onde o acampamento aliado foi levantado
era uma pequena área de 4 por 2,4 km, sem espaço para manobras. Ao sul, está situado o
esteiro Bellaco, e a oeste, o lago Pires. Ao norte, encontra-se o esteiro Rojas e a lagoa de
Tuiutí, e ao leste grande região pantanosa. Está ligada a cidade de Curupaity, cenário de
outra batalha campal.
15
THOMPSON, George. A Guerra do Paraguai. São Paulo, Editora Conquista, 1962.
16
FRAGOSO, Augusto de Tasso. História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército, 1957, pp. 424.
17
DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo, Companhia
da Letras, 2003, pp. 214-216.
muito natural, de conhecer os segredos desses bosques. Não postamos ali nem piquetes
avançados nem vedetas ao menos”18. E será justamente entre a falha das posições
defensivas, que em poucos dias, se dará o avanço das tropas paraguaias. Nos escritos do
Tenente Coronel Albuquerque Bello confirma-se a proximidade das posições inimigas:
“Dia 22, estamos sem novidade, porém tudo muito apertado por causa do inimigo que
está à vista”.19
Dispõe Solano López nesta posição de 24.200 mil soldados paraguaios, sendo 21
batalhões de Infantaria (15.720 homens), 14 regimentos de Cavalaria (8.400 homens) e 4
peças de Artilharia raiadas.
18
CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da campanha do Paraguai: 1865-1870. Rio de Janeiro,
Biblioteca do Exército, 1980, pp. 121.
19
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Coleção Documentos Históricos. Diário do Tenente Coronel
Albuquerque Bello. op. cit., pp. 137.
Imagem: Oficiais brasileiros acampados em Tuiutí. Sem data. Fotografia em papel albuminado, preto e
branco, fotografado pelo estúdio “Bate e Cia.”, de Montevidéu – Uruguai. Pertencente à coleção Theresa
Cristina Maria, da Fundação Biblioteca Nacional do Brasil.
Na véspera da batalha
“li que estava escalado para a faxina de lenha do dia seguinte, e que, ao
meio dia o batalhão deveria formar a meia marcha, não faltando praça
alguma – nem mesmo os bagageiros e camaradas dos senhores oficiais.
Na lembrança, o comandante recomendava aos comandantes de
companhia que passassem, antes, revista de armamentos. Íamos
reconhecer as posições paraguaias. Ao toque de recolher, às oito horas da
noite, todos os corpos formaram. Depois da chamada, os sargentos
puxaram as companhias para a frente da bandeira e rezou-se o terço.
Algumas praças, os melhores cantores, entoaram com voz vibrante,
sonora e cheia de sentimento, a velha oração do soldado brasileiro: “Oh!
Virgem da Conceição, Maria imaculada, vós sois a advogada dos
pecadores, e a todos encheis de graça com a vossa feliz grandeza; vós
sois dos céus princesa, e do Espírito Santo esposa, Maria, mãe de graça,
mãe de misericórdia, livrai-nos do inimigo e protegei-nos na hora da
morte. Amém”. As músicas de quarenta batalhões acompanhavam
impressivas aquela grande prece ao luar, rezada tão longe dos lares
queridos. Tocou depois, ajoelhar corpos. Todos aqueles homens simples,
rudes e crentes, que se iam bater como leões no dia seguinte, cairão de
joelhos, e, com as mãos musculosas, apertando os largos peitos valorosos,
entoaram, cheios de contrição e de fé, o “Senhor Deus, misericórdia”.20
20
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., pp. 124.
21
VIANA, Lobo. op. cit., pp. 21.
Contava as forças aliadas com a seguinte ordem de batalha, segundo Tasso Fragoso22,
constituída por três linhas ou escalões, tinha a seguinte formação: a primeira linha
compreendia 2 divisões de Infantaria brasileira, cada divisão com 2 brigadas, e cada
brigada com 4 batalhões. Contava ainda com 1 regimento de Artilharia e 1 batalhão de
Engenheiros. A Cavalaria argentina aparecia na vanguarda, composta por 3 brigadas.
Entre os uruguaios, figuravam 3 batalhões de Infantaria, 6 peças não raiadas de Artilharia
e 1 esquadrão de Cavalaria.
22
FRAGOSO, Augusto de Tasso. op. cit., pp. 337.
A batalha
Com o assalto planejado para as 09:00 horas, só se tem início às 11:30 horas, quando
as tropas aliadas se preparavam para o almoço, pois os contingentes paraguaios
demoraram para assumir suas posições durante a travessia dos esteiros, encontrando
dificuldade na geografia pantanosa. Conta-nos o Tenente Coronel Albuquerque Bello:
Relata também Dionísio Cerqueira os momentos iniciais da batalha, diz que o ataque
paraguaio se iniciou a partir de um tiro de canhão disparado das linhas fortificadas,
enquanto seu destacamento voltava para o acampamento durante a faina de lenha, ao final
da manhã: “detonou sobre as nossas cabeças uma granada inimiga. A granada fora sinal
de ataque geral. O 4º, meu batalhão, entrou em forma, rápido como um relâmpago, e,
mais rápido ainda, meteu em linha, frente à esquerda”.24 A seguir, segundo Lobo Viana25,
tocou entre os corneteiros brasileiros os toques de alarme e chamada ligeira.
23
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Coleção Documentos Históricos. Diário do Tenente
Coronel Albuquerque Bello. op. cit., pp. 137.
24
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., pp. 125.
25
VIANA, Lobo. op. cit., pp. 38.
26
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., pp. 125.
que cede, retrocedendo em desordem. O relato de Dionísio Cerqueira sobre a defesa aliada
diz:
Contra-ataca a Cavalaria aliada liderada pelo Coronel Hornos, única unidade de Cavalaria
montada, capaz de reagir com certa eficácia. Convenientemente reforçada, os paraguaios
seguram as tentativas de contra-ataque dos aliados. Em seguida, dá-se a intervenção e
resistência de alguns batalhões de Infantaria do 1º Corpo argentino com a ajuda de
Artilharia, composta por 18 peças.
Ainda pelo flanco direito, avança uma segunda massa de Cavalaria paraguaia, trazendo
a garupa soldados de Infantaria, avançam de modo a contornar a Infantaria argentina,
procurando a separação das forças aliadas em dois blocos. Lobo Viana conta das
investidas do esquadrão de escolta presidencial da Cavalaria paraguaia frente a Artilharia
argentina, tentando coloca-la em tumulto: “trava-se uma disputada luta, em que o
heroísmo de uns se iguala a bravura e denodo de outros”28. A arremetida da Cavalaria
paraguaia é repelida por tiros da Artilharia argentina, que dispara à curta distância.
27
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., pp. 126.
28
VIANA, Lobo. op. cit., pp. 40.
Imagem: “Episodio de la 2ª División de Buenos Aires en la batalla de Tuyutí, 24 de mayo de 1866”. Óleo
sobre tela de Cándido López. Museo Nacional de Bellas Artes, Buenos Aires, Argentina. Carga de
Cavalaria paraguaia sobre contingente argentino (em segundo plano, a esquerda) durante a batalha.
O combate começa a enfraquecer, o centro deixa de ter um combate intenso, pela falta
de munições e escassez de reforços. É neste momento que surge o General brasileiro
Manuel Luís Osório, o Marquês do Herval, conduzindo elementos da 6ª Divisão de
Infantaria, reforçando e consolidando a posição quase perdida do Corpo argentino. O
ataque do flanco direito dos aliados fracassa e o comandante paraguaio, General Francisco
Isidoro Resquín, bate em retirada.
29
VIANA, Lobo. op. cit., pp. 41.
e contando com reforços do General Resquín lança-se sobre o 1º Regimento de Artilharia
a Cavalo brasileiro. Protegido por trincheiras e fossos construídas pelo Batalhão de
Engenheiros, possuindo entre 28 a 30 peças raiadas, dispara fogo vivo e intenso sobre os
paraguaios. Como resultado dessa ação os esquadrões paraguaios caem nos fossos sob
fogo da artilharia brasileira ou retrocedem em direção de Ytaitá-Corá, dispersando-se.
Fora mortalmente ferido pela fuzilaria paraguaia o General Sampaio, tendo falecido
dias depois do combate, durante viagem para Buenos Aires.
Segue-se o General Díaz querendo cercar o flanco esquerdo aliado para sair até a
retaguarda aliada, fazendo uma manobra de envolvimento. Surge o General Osório
trazendo consigo as 1ª e 4ª Divisões de Infantaria e as baterias do 1º batalhão de Artilharia
a pé, lançando as reservas disponíveis na batalha em ação. Descreve Dionísio Cerqueira:
30
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., pp. 126.
imensamente amado, e levou de vencida, até as profundezas densas da
mata, os guerreiros inimigos, que sobreviveram à horrorosa
hecatombe”.31
Essa manobra, segundo Lobo Viana, dá lugar a formação de dois “martelos táticos”,
cuja a gola é fechada pela artilharia, recebendo fogo de flanco e de revés, reduzindo as
forças paraguaias a efetivos extremamente reduzidos, fazendo com que o comandante das
forças paraguaias bata em retirada. O ataque frontal e de flanco direito paraguaio perde
força. Somente neste setor da batalha serão encontrados quase 4 mil soldados mortos.
Pelo flanco esquerdo aliado se desenvolve outra ação paraguaia, desta vez comandada
pelo General Barríos, com a finalidade de conduzir um violento e rápido ataque de flanco,
cortar a retaguarda aliada e unir suas forças aos soldados do General Resquín, com o
objetivo de completar um movimento envolvente e separar as forças aliadas.
Entre as 16 horas e 16:30 horas chega-se ao final da batalha, com esgotamento físico
dos soldados e escassez de munição entre as tropas. Entre os aliados, conta-se a perda de
quase 4 mil homens, sendo entre os brasileiros 719 mortos (dentre eles muitos oficiais
superiores e um General, Antônio de Sampaio) e 966 feridos. Quanto ao Exército
paraguaio, retorna muito desmantelado para as posições fortificadas em Passo Pocú.
Escreve Dionísio Cerqueira:
31
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., pp. 127.
daquelas laranjeiras e na morte das suas esperanças? Quando acabou a
batalha, tinha a minha blusa, única, rota na altura do ombro direito, por
uma bala que passou triscando a pele. A espada estava partida pelo meio;
e as botas, coturnos reiúnos trazidos do 1º regimento, tinham deixado as
solas nos banhados”.32
Segundo Lobo Viana33, não houve perseguição as tropas paraguaias que se retiravam
do campo de batalha por falta de meios de mobilidade: a Cavalaria estava sem cavalos, a
Artilharia sem meios para tração e a Infantaria estava exausta e sem munição.
Imagem: Vista do terreno pantanoso de Tuiutí, denominada “boqueirão”. Litografia. Sem data. Fundação
Biblioteca Nacional do Brasil.
Na luta que se seguiu podemos observar vários elementos táticos da guerra do século
XVIII, apesar da presença de armamentos modernos da era da 2ª Revolução Industrial,
sendo: infantarias lutando em quadrados e apegadas ao culto da baioneta; cavalaria
utilizada como arma de choque; artilharia disparando a curta distância e com metralha.
32
CERQUEIRA, Dionísio. op. cit., pp. 128.
33
VIANA, Lobo. op. cit., pp. 45.
12 mil homens, metade das forças envolvidas na batalha, 4 peças de artilharia (os únicos
que possuía), 5 mil espingardas, 500 armas brancas, inúmeros foguetes à Congréve,
tambores, bandeiras e estandartes. Esta pseudo vitória é contestada pelos números
apresentados e pelos escritos de seus próprios generais e escritores contemporâneos.
Thompson, por exemplo, afirma34 que os paraguaios foram completamente derrotados e
seu exército fora inteiramente destruído, recolhendo mais de 7 mil soldados feridos aos
hospitais e mais de 6 mil mortos no campo de batalha. O General Resquín, em seu livro35,
publicado em 1971 pela Imprenta Militar paraguaia, confirma também uma esmagadora
vitória aliada na primeira batalha de Tuiutí, em extenso relato.
Após a batalha de Tuiutí, e devido à inatividade dos aliados, Solano López buscou
reforçar suas trincheiras e reformar os combalidos quadros de seu exército, sendo que,
segundo Fragoso, a batalha “havia lhe patenteado de modo exuberante não lhe ser
possível afrontar em campo aberto o exército inimigo”37. Solano López buscou, além
34
THOMPSON, George. op. cit., pp. 126.
35
RESQUIN, Francisco Isidoro. Datos Históricos de la Guerra del Paraguay contra la Triple Alianza:
Asunción, Imprenta Militar, 1971, p. 39.
36
MADUREIRA, Antônio de Sena. Guerra do Paraguai. Brasília: UnB, 1982, p. 27
37
FRAGOSO, Augusto de Tasso. op. cit., v. III, pp. 5.
disso, interligar todas as suas principais posições entrincheiradas por meio de telégrafos
elétricos. Seguiram-se, então, duelos de artilharia que se estenderam de maio a julho38.
Imagem: Marechal Francisco Solano López. Retirada do livro “Tuiutí é Osório, Osório é Tuiutí”, de Lobo
Viana, Biblioteca Militar, 1940.
Vale observar também que a simultaneidade nos ataques, o fator surpresa, não
funcionou como esperado. A ideia de manobra pensada pelo comando paraguaio era
38
FRAGOSO, Augusto de Tasso. op. cit., v. III, pp. 6-7 e 9.
executar um ataque frontal ao mesmo tempo com um envolvimento dos flancos aliado.
Ao contrário, foram desencadeados três ataques sucessivos: sobre o flanco direito, ao
centro e sobre o flanco esquerdo. Aos aliados fez-se valer da superioridade numérica e a
aplicação (reposicionamento) de forças dos pontos não atacados, tendo seu ponto alto
desta ação a intervenção final e oportuna das reservas do General Osório.
Ou ainda:
“As moléstias não se limitaram aos homens; acometeram também aos animais,
e o número dos cadáveres subiu tanto que já não eram dados à sepultura, mas
queimados. Mencionamos estes fatos para explicar até certo ponto a pausa que
então principiou a dar-se nas operações”.40
Thompson afirma41 que as forças aliadas foram drasticamente reduzidas pela cólera,
sendo que os argentinos tiveram uma redução de 15 mil para 9 mil homens e que os
39
SCHNEIDER, Louis. A Guerra da Tríplice Aliança contra a Republica do Paraguay (1864-1870). Rio de
Janeiro: H. Garnier, 1902, pp. 43.
40
SCHNEIDER, op. cit., pp. 43-44.
41
THOMPSON, op. cit., p. 133.
brasileiros teriam sofrido tanto quanto. Foi neste momento que López aproveitou-se da
imobilidade aliada em Tuiutí e reorganiza seu exército, embora que não com o mesmo
poder de dissuasão.
Fontes principais
CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da campanha do Paraguai: 1865-1870. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1980.
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Coleção Documentos Históricos. Diário do
Tenente Coronel Albuquerque Bello: notas extraídas do caderno de lembrança do autor
sobre sua passagem na Guerra do Paraguai. Introdução e notas de Ricardo Salles e Vera
Arraes. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2011.
Leitura base
VIANA, Lobo. Tuiutí é Osório, Osório é Tuiutí. Rio de Janeiro, Biblioteca Militar, 1940.
Leituras complementares
CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik (Orgs.). Nova História Militar
brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São
Paulo: Companhia da Letras, 2003.
PARENTE, Paulo André Leira. A construção de uma nova História Militar. In: Revista
Brasileira de História Militar. Edição de lançamento. ANO I. Nº I. Dezembro de 2009.
PERDOSA, Fernando Velôzo Gomes; RODRIGUES, Fernando da Silva. (Orgs.). Uma
tragédia americana: a guerra do Paraguai sob novos olhares. Curitiba: Editora Prismas,
2015.