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segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Capitulo 3
Fofoca Nossa de Cada Dia

O céu agora estava mais escuro que antes, o frio estava se intensificando cada vez mais, por isso
deixar os vidros do carro fechados nos mantinha mais aquecidos.
- Amigo, coloca uma música ai! - Disse Dani, e antes mesmo de eu responder ela já estava
conectando o celular dela via Bluetooth no som do carro

I'll stand by you


I'll stand by you
Won't let nobody hurt you
I'll stand by you
Take me in into your darkest hour
And I'll never desert you
I'll stand by you
And when,
When the night falls on you baby
You're feeling all alone
You won't be on your own

Foi com esse refrão que uma voz potente e ao mesmo tempo delicada invadiu o veiculo, era
uma de nossas favoritas. Eu poderia dizer que era a nossa musica oficial eu e Dani nos
tratávamos exatamente como a música dizia:

Eu ficarei ao seu lado


Eu ficarei ao seu lado
Não vou deixar ninguém te magoar
Eu ficarei ao seu lado
Fique comigo em seus momentos mais tristes
E jamais te abandonarei
Eu ficarei ao seu lado
E quando
Quando a noite cair sobre você baby
E você estiver se sentindo completamente só
Você não vai ficar sozinho

The Pretenders 21/07/1994

Instintivamente cantamos juntos a letra da música com o nosso inglês intermediário. Dani era
meio escandalosa e tentava superar a voz da cantora, mas estávamos a sós e timidez era algo
que não tínhamos. Entrei na onda e deixei a música me levar. Eu era muito eclético em relação
a isso, gostava de tudo um pouco e, nesse sentido, Dani era igual. Alguns olhares se voltaram
para nós enquanto eu cruzava as ruas. De fato, felicidade contagia ou as vezes incomoda.

Como no meu prédio não tinha estacionamento, o jeito era deixar o carro na rua mesmo, o que
de fato não era perigoso. Em Belmont, violência era uma palavra quase desconhecida. Tínhamos
apenas uma delegacia, que sempre estava vazia.
Entramos pela recepção do prédio o mais rápido possível, assim evitaríamos ter de escutar as
fofocas da dona Zélia transmitidas pelo Sr. Joaquim.
-Nossa, amigo, que bagunça! – Disse Dani assustada ao entrar no meu quarto.
-Nossa, amiga, porque você não arruma? – Eu respondi imitando uma criança e caímos na
gargalhada – acordei quase na hora da aula, mal arrumei as coisas na mochila – Dani já estava
deitada na minha cama, a única coisa arrumada.
- Qual filme você alugou? – Perguntei.
-Ah, um que nem foi lançado no cinema ainda. O Vale das Sobras, você já viu? – Respondeu Dani.
-Se o filme ainda não foi lançado, como posso ter visto, hein?! Você ainda vai ser presa, essas
coisas têm direitos autorais. – Respondi em tom irônico.
-Então veado você vai ter que levar os filmes na cadeia para mim. Me recuso a ficar no Xilindró
sem meus filmes, e além do mais quem baixa os filmes é o dono da locadora, então teoricamente
ele que vai preso.
-E você vai junto por recepção de pirataria.
-Bixa relaxa, é apenas um filme, e se eu for presa darei um jeito te incriminar também, para
sermos colegas de sela. – Caímos na gargalhada ela tinha um senso de humor inacreditavel, às
vezes era um pouco chata, mas nada que alguém não pudesse suportar. Após um breve banho,
fomos para a cozinha preparar nossos lanches. Eu ficava responsável pelas receitas salgadas e
ela com os doces, então decidi preparar um cachorro quente que aprendi fazer com o meu pai.
A Dani amava! Em contrapartida, ela sabia preparar um brigadeiro de panela irresistível até
mesmo para alguém que não era tão fã de coisas doces como eu.

- Ele é muito chato, não é? - Indagou Dani.


-Quem? – Perguntei sem entender de quem ela estava falando
- O professor Alberto Nogueira, ou melhor dizendo Alberto Nojeira – Respondeu. Ela tinha essa
mania de surgir com um assunto do nada, sem mais nem menos.
- Ah, o professor! Você também não perde tempo, gosta de uma confusão com ele. Já disse para
você parar com isso. Não entendo como alguém mora tão perto da escola e chega quase todos
os dias atrasada – Retruquei. Que nós éramos melhores amigos, isso não restava dúvida, e por
esse motivo eu tinha direito de falar com ela daquele jeito.
- Ih, gato, ele que sempre começa, não vou levar desaforos dele para casa. Além do mais, eu
cheguei dentro dos 15 minutos de tolerância. Ah! E me envia aquelas nossas fotos do dia que
fomos ao cinema. – Respondeu Dani já mudando de assunto.
- Depois te envio. – Respondi na esperança dela aceitar.
-Quero agora, veado. Você sempre enrola e nunca manda. – Disse Dani quase me forçando a
enviar a foto.
Olhei com um ar de desdém. Ela sabia que eu não gostava desses estereótipos rotulados, mas
não tinha jeito. Por mais que ela tentasse se controlar, uma hora ou outra ela soltava algo do
tipo: Bixa, Gay, Mona, veado...
Eu sabia que não era por maldade. Às vezes até achava engraçado!
Fui ao quarto pegar o celular que continuava no fundo da mochila, mas agora estava totalmente
descarregado. Então o deixei plugado na tomada e voltei para terminar nossos lanches.
- Cadê? - Ela cobrou antes mesmo de eu pisar os pés de volta na cozinha.
- Se ferrou! Estava totalmente sem bateria. Deixei carregando. Prometo que envio depois do
filme, pode ser? – Justifiquei na esperança dela concordar.
-Pode! – Respondeu inconformada, mas teve que aceitar a proposta.

Assistir filmes com Dani era sempre a mesma coisa: assim que o trailer começou, ela começou
a tagarelar também...
- E o que você achou do novato? – Eu sabia que cedo ou tarde ela iria tocar nesse assunto.
- Achei normal. – Respondi friamente tentando não entrar no assunto do novato.
- Normal? Sei... Te conheço! Vai dizer que não gostou da massagem? – Ela caiu na gargalhada.
- Nada demais, eu faço melhor. E ele estava tremendo. Visivelmente nervoso! – ele deveria ser
muito tímido mesmo, a ponto de ficar daquele jeito.
- Ele é gatinho, não é? Pega? Pena que é gay. Deu pra ver logo de cara.
- Sim, ele é bonito, mas não faz meu tipo. – Respondi tentando não demostrar interesse no
assunto - mas vamos assistir ao filme ou não?
-Ah, para gay! A senhora está doida para saber de tudo – Comentou Dani como se estivesse
debochando. Desviei meu olhar da TV direto para ela:
- Dani, você sabe que eu não gosto que fale comigo assim comigo! – Disse seriamente.
-Ai, bebê, me “diculpa”, mas às vezes eu não consigo me controlar.
Não tinha como me manter sério com ela imitando uma mãe falando com o filho. Acabei rindo,
e, de fato, ela tinha razão. Eu estava doido para saber mais detalhes sobre o Vinicius, mas, se eu
demostrasse interesse, ela não iria parar de falar sobre isso, até porque ela estava em uma fase
de cupido. Queria arrumar um namorado a qualquer custo para mim. Mesmo ela sendo
heterossexual, eu sempre disse que, se ela tivesse nascido homem, seria gay. Ela sabia todas as
gírias, todos os jeitos, sabia até como dar conselhos amorosos. Ela realmente conhecia os Gays.

Nós éramos muito honestos um com o outro e não importava o quanto iria ser duro, mas a
verdade tinha que ser dita.
-E você e o Marcus estão de boa? – Marcus era o namorado dela, 10 anos mais velho. O
chamávamos de “o cara maduro”.
- Então, estamos sim! Depois da última briga ele está todo bonzinho comigo veio até me deixar
na porta da escola hoje, porém estou ficando de saco cheio desses ciúmes dele. Mas
continuando o assunto do novato... - realmente ela não iria desistir - ...quando eu cheguei na
setor de elevadores eu vi o Vinicius tentando acessar com dificuldade o elevador do 5º ano, e,
como nunca havia visto ele na escola, logo deduzi que estava no lugar errado. Aí, como sou uma
pessoa muito prestativa, fui perguntar se ele queria ajuda. Ele disse que o cartão de acesso ao
elevador não estava funcionando. O cartão era aquele provisório que a gente recebe assim que
entra na escola. Eu perguntei qual era a turma dele e ele respondeu que iria cursar o 6º ano. Daí
eu expliquei pra ele que cada elevador correspondia a um andar, e que ele só poderia acessar o
elevador que correspondesse ao ano letivo dele. E no caminho acabamos batendo um papinho.
- Dani a salvadora de novatos – eu disse em um tom debochado.
O filme já tinha começado, mas ela não parava de falar:
- Amigo, ele vai fazer 18 anos em uma semana, mora com a mãe aqui na cidade. Vieram por
causa de uma proposta de trabalho no banco local. E ele gosta da Lady Gaga.
- Nossa! Como você descobriu tudo isso no caminho até a sala de aula? Fez uma entrevista com
o garoto? - Questionei surpreso.
- Sou dessas. Saio logo perguntando tudo, meu amor – deu um beijo no próprio ombro.
- Até o tipo de música que ele gosta você perguntou?
- Não, idiota! Ele estava ouvindo Poker Face na maior altura. Dava para ouvir a quilômetros de
distância. Foi isso que confirmou que ele era gay.
- Lá vem você com essa história que música pode determinar a sexualidade de alguém...
- Claro que sim! Um cara que gosta de rock, pagode, samba, provavelmente não é gay, mas um
cara que escuta Lady Gaga, Beyonce, Britney Spears, Rihanna... Ahh, meu filho, esse aí com
certeza é gay! – ela justificou.
- Eu escuto de tudo. Isso significa que sou indeciso?
- Isso é diferente! Eu também escuto de tudo e sou hétero! Mas, me conta... e a velha do prédio?
Parou de encher? – Ela estava se referindo a dona Zélia.
- Ihh, Essa não tem jeito! Agora deu para vigiar até o tempo que levo para tomar banho. – Dani
não aguentou e caiu na risada.
- Não sei como você aguenta! Eu já teria dado na cara dela. Daqui a pouco ela vai querer dar
banho em você para controlar tudo de perto. E o que aconteceu aquele dia que os gatos dela
não paravam de miar? Parecia que estavam morrendo!
- O Sr. Joaquim disse que toda quinta feira era dia de Spa caseiro para os gatos, então decidiu
dar banho em todos de uma só vez. Até banheira com pétalas e aromatizantes ela havia
preparado.
- Essa mulher é louca! - Disse sussurrando - Melhor falar baixo, vai que ela esteja nos escutando
nesse exato momento... - Ela olhou em volta do quarto tentando adivinhar em qual parede dona
Zélia estaria com um copo ouvindo tudo. – ..., mas esse Joaquim também não deixa passar uma,
não é? É um fofoqueiro de primeira. Se eu fosse você, sairia daqui.
-Na boa, nem é tão ruim assim! Ela só é meio exagerada. Nada demais... E, por enquanto, eu
não posso pagar por algo mais caro, certo? Meu pai não vai ficar me ajudando para sempre.
Dani, eu acho que o sr. Joaquim é apaixonado por ela. – Rimos ao imaginar a cena de dona Zélia
com o senhor Joaquim aos beijos, o que não seria uma má ideia, porque ele era solteiro e até
onde eu sabia a dona Zélia não tinha ninguém. Como ela mesma dizia: “eu sou uma mulher de
respeito”. Mas as mulheres de respeito também namoram, certo?
- Amigo, ele é tão fofinho, tão educado! – Retornou Dani com seus assuntos do nada.
- Quem? O Sr. Joaquim?– Questionei.
- Não! O Vinicius. Pelo pouco que conversamos, eu pude observar isso nele. – Respondeu Dani.
-Você fala que a dona Zélia é louca, mas você está indo pelo mesmo caminho. Você volta com
uns assuntos do nada, às vezes fico perdido.

O filme já estava quase pela metade quando uma cena onde algumas sombras sinistras
atacavam uma menina sinistra que estava em uma floresta sinistra,
-Nossa, que filme sinistro! – Ela disse.
Era um filme bem clichê, o qual já se dava para imaginar como seria a próxima cena.
A Dani era muito emotiva, e, em se tratando de filmes, ela realmente se entregava, o último
que assistimos no cinema foi: Sem Limites para Amar. Ela chorou do início ao fim. Até sugeri
que o nome do filme fosse trocado para: Sem Limites para Chorar. Eu achava esse lado dela
incrivelmente lindo, era puro e verdadeiro. Algo diferente nos dias de hoje, quando as pessoas
só pensam em si mesmo. Eu tinha sorte de ter alguém como ela ao meu lado.

Entre uma conversa e outra, acabávamos voltando algumas cenas que perdíamos.
Os lanches já estavam no fim, só restava o brigadeiro, que sempre deixávamos por último.
Acreditávamos que o chocolate nos acalmava e que, por isso, o sono seria mais leve e tranquilo,
fazendo com que tivéssemos os sonhos mais doces.
Eu estava com um punhado de pipoca na boca e outro de reserva na mão quando o telefone
tocou...

- Residência do Sr. Bernardo Rodrigues, boa noite! Criada Daniela falando. Em que posso ser útil,
senhora? – Falou em um tom terrivelmente cordial. A voz no outro lado da linha certamente
queria falar comigo, pois, em seguida, a Dani ofereceu o telefone a mim.

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