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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING

ESPM

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO


PROJETO DE GRADUAÇÃO ESPM - MONOGRÁFICO

LAURA ARNAL GOMES


LUÍSA COSTA CAMPOS DE MOURA
LUNA LUIZA BATISTA ARAÚJO DE SOUZA

O LABIRINTO ARTÍSTICO DE GUCCI:


Os signos da Arte na construção dos sentidos na Moda de luxo.

ESPM-SP
São Paulo
2019
LAURA ARNAL GOMES
LUÍSA COSTA CAMPOS DE MOURA
LUNA LUIZA BATISTA ARAÚJO DE SOUZA

O LABIRINTO ARTÍSTICO DE GUCCI:


Os signos da Arte na construção dos sentidos na Moda de luxo.

Trabalho de conclusão de curso apresentado à


ESPM como requisito para a obtenção do título
de Bacharel em Comunicação Social com
habilitação em Publicidade e Propaganda.

Orientador Prof. Rodrigo Costa Maceira

São Paulo
2019
Moura, Luísa Costa Campos de
O labirinto artístico de Gucci : os signos da Arte na construção dos sentidos
na Moda de luxo / Luísa Costa Campos de Moura, Laura Arnal Gomes, Luna
Luiza Batista Araújo de Souza. - São Paulo, 2019.
132 p. : il., color.

Trabalho de conclusão de curso (graduação) – Escola Superior de


Propaganda e Marketing, Curso de Comunicação Social, São Paulo, 2019.

Orientador: Rodrigo Costa Maceira

1. Comunicação e semiologia. 2. Sistema de significação. 3. Moda. 4. Luxo.


5. Arte. 6. Gucci. I. Gomes, Laura Arnal. II. de Souza, Luna Luiza Batista
Araújo. III. Maceira, Rodrigo Costa. IV. Escola Superior de Propaganda e
Marketing. V. Título.

Ficha catalográfica elaborada pelo autor por meio do Sistema de Geração Automático da Biblioteca
ESPM
A Vó Inês, a Tia Inezinha, a Tia Mã, a Vô
Gilberto, a Mari e a todos que vieram antes
de nós.
AGRADECIMENTO

Para que esse trabalho surgisse, contamos com o apoio de várias pessoas que, cada uma
ao seu modo, fizeram com que essa jornada se tornasse mais tranquila e proveitosa.
Agradecemos aos nossos familiares, que são alicerce do nosso desenvolvimento e nos
transmitiram os seus principais valores, moldando a nós mesmas tal como o somos. Obrigada
pelas oportunidades de evoluir em nossos estudos e por apoiarem nossas carreiras.
Agradecemos às amizades que nos acompanharam ao longo desses quatro anos e
àquelas firmadas na ESPM, que tornam o nosso cotidiano mais leve e a vida mais divertida.
Vocês são, constantemente, a nossa família distante de nossas cidades natais.
Aos professores Rosi Marcelino, João Matta e Paola Mazilli, agradecemos todo o
suporte que nos foi prestado nas etapas de desenvolvimento do pré-projeto e de qualificação.
Vocês nos inspiram academicamente e nos incentivam a seguir pesquisando.
Ao professor Rodrigo Maceira, agradecemos pela parceria desde o concebimento desse
projeto até o momento de entrega, sempre nos instigando a ir além do que seria nossa zona de
conforto e a explorar novas possibilidades. Pode confiar, seguiremos produzindo!
Agradecemos a Marcello e Marcos, por todo o companheirismo.
Por fim, agradecemos às entidades sagradas que sempre nos protegem e guiam em todos
os caminhos.
Esperamos que aproveitem a leitura tanto quanto aproveitamos o processo de escrita!
Abraços!
“When women are educated, their
countries become stronger and more
prosperous” (Michelle Obama)
RESUMO

Esta monografia se propõe a investigar a comunicação da Moda de luxo e o papel da Arte na renovação
de seus signos, a partir de campanhas da Gucci. Desse modo, firmamos como objetivo principal entender
de que forma a comunicação da Gucci usa signos da Arte para sustentar-se como parte do subsistema
de Moda de luxo. Como objetivos específicos dispomo-nos a compreender como a Moda de luxo se
constitui como um sistema de significados, a contextualizar o sistema da Arte em sua interação com o
subsistema de Moda de luxo contemporânea e identificar as estratégias de construção de sentido que
surgem dessa relação e a analisar as campanhas Roman Rhapsody e Hallucination da Gucci e os seus
recursos criativos, considerando como signos do sistema da Arte são importados pelo sistema da Moda
e sua contribuição para os significados de luxo. Para alcançá-los, desenvolvemos um estudo de caso e
fazemos uso de pesquisas bibliográfica e documental e da análise estrutural, e nos apoiamos em autores
como Barthes, Calanca, Lipovetsky e Serroy. Ao longo do trabalho, discutimos conceitos como sistemas
de significação, sistemas simultâneos, Moda consumada, capitalismo transestético e pastiche, refletindo
como a Moda de luxo está presente nessa dinâmica. Entendemos que a Moda é uma dinâmica social que
organiza os seus signos segundo regras, tal qual um sistema. Ademais, vimos que ela está atualmente
numa situação de saturação, e que recorrer a signos provenientes de outros sistemas é uma estratégia de
renovação. A partir disso, abordamos o modo com que a Gucci constitui a sua comunicação com base
em signos do sistema da Arte, incorporando-os como elementos para a própria renovação.

Palavras-Chave: Comunicação e semiologia; Sistema de significação; Moda; Luxo; Arte; Gucci.


ABSTRACT

This monography aims to investigate the communication of luxury Fashion and the part that Art plays
in this scenario, looking at signs renewal from Gucci's campaigns. There for, we set as our main research
objective as to understand the way that Gucci’s communication uses Art signs to maintain itself as part
of luxury Fashion subsystem. As specific objectives, we set to understand how the luxury Fashion
system constituted itself as a system of signification, to contextualize the art system in its interaction
with the system of contemporary luxury Fashion and map the strategies of construction of meaning that
emerge from this relation, as well as analyze the Gucci campaigns “Roman Rhapsody” and
“Hallucination” and the creative resources used in them, considering how the signs of the Art system
are imported by the Fashion system and its contribution for the signs of luxury. To achieve them, we
make use of bibliographic and documentary researches and structural analysis, and for that we rely on
authors such as Barthes, Calanca, Lipovetsky and Serroy. Along this study, we discuss concepts like
systems of signification, simultaneous systems, consummate Fashion, transaesthetic capitalism and
pastiche, reflecting about how luxury Fashion fits in this dynamic. We comprehend Fashion as a social
dynamic that organizes its signs following some rules, as like a system. Furthermore, we have found out
that it is in a situation of saturation and that recurring to signs from other systems is a renewal strategy.
From this point, we approach how Gucci constitutes its communication based on signs from the Art
system, incorporating them as elements for its own renewal.

Key words: Communication and semiology; System of signification; Fashion; Luxury; Art; Gucci.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Gucci de Tom Ford, Frida Giannini e Alessandro Michele, respectivamente ........19
Figura 2 - Perfil da Gucci Beauty………………………………………..…………………...19
Figura 3 - Trajes feminino e masculino no século XVI ………………………………...........27
Figura 4 - Vestuário lúdico e rebuscado de Luís XIV ……………………………….…........30
Figura 5 - Marie Antonieta, uma das precursoras da Moda feminina [...] ...............................30
Figura 6 - Quarto do Sagrado Palace em Veneza, ca. 1720 ………………………….........…33
Figura 7 - Rubens, His Wife Helena Fourment, and Their Son Frans, ca. 1635 ..…………...33
Figura 8 - Vestido de Charles-Frédéric Worth, ca. 1872 .........……………………………....35
Figura 9 - Vestido desestruturado, “Cocktail dress” de Madame Grès, ca. 1960, vestido
estampado, “Evening dress” de Emilio Pucci, ca. 1966 e conjunto estruturado, “Ensemble” de
Giorgio Armani, ca. 1979, da esquerda para a direita………………………………..…....…39
Figura 10 - Conjunto com calça e casaco acinturado, “Pantsuit” de Yves Saint Laurent,
Primavera-Verão 1970 ………………………………………………………………….........41
Figura 11 - Faixa Gucci e boné Balenciaga…………………………………....................…..45
Figura 12 - Postagens no Instagram da Brisa Slow Fashion…………………...............……..53
Figura 13 - Postagens no Instagram da Everlane…………………………………..................54
Figura 14 - Postagens no Instagram da Renner……………………………...................……..55
Figura 15 - Postagens no Instagram da Riachuelo…………………………….........................55
Figura 16 - Postagens no Instagram da Riachuelo…………………………………................56
Figura 17 - Esquema teórico para a avaliação da relação entre os sistemas da Arte e da Moda..58
Figura 18 - Las Hilanderas, de Diego Velásquez, 1655 - 1660. Óleo sobre tela [...]................59
Figura 19 - Estátua de Safo vestida com um quitão com capa, traje típico da segunda metade do
século V a. C. na Grécia……………………………………………………………….............60
Figura 20 - Las Meninas, de Diego Velázquez, 1656. Óleo sobre tela, 320,5 x 281,5 cm .......61
Figura 21 - Musical Company, de Rembrandt van Rijn, 1626. Óleo sobre tela [...] ..………..63
Figura 22 - Traje de caça em couro de gamo amarelo com ornamentos estampados, século
XVIII.........................................................................................................................................64
Figura 23 - The Parasol, de Francisco de Goya y Lucientes, 1777. Óleo sobre tela, 104 cm ×
152cm .............................................…………………………………………………………..65
Figura 24 - The Black Duchess, de Francisco de Goya y Lucientes, 1797. Óleo sobre tela, 194
cm × 130 cm………………………………………………...............................................…...67
Figura 25 - Portrait of the Shishmareva Sisters, de Karl Brullov, 1839. Óleo sobre tela, 284
cm × 213 cm…………………………………….........................................………………….68
Figura 26 - Vestidos caseiros da primeira metade do século XIX, com mangas mais justas e saia
menos volumosa à direita………………………………...........…..........................………….69
Figura 27 -Vestido Lagosta e foto veiculada na Vogue………………….....................……….70
Figura 28 - Telefone Lagosta, de Salvador Dalí, 1936………………………...........................71
Figura 29 - Foto de Dalí que inspirou o chapéu Sapato e o chapéu…………….…......…..........72
Figura 30 - Vestido com pintura .……………………...........................................…..…….....73
Figura 31- Suéter ilusório …………….......................................................……………….…..73
Figura 32 - Mãos pintadas de picasso e luvas de Schiaparelli ……………….................……..73
Figura 33 - Vestido Mondrian, de Yves Saint Laurent, 1965 ………………...........................74
Figura 34 - Quadro Composition with Red, Blue and Yellow, de Mondrian, 1930 …….........74
Figura 35 - Capa da revista Vogue Paris, 1965……………………………..............………….75
Figura 36 - Coleção primavera-verão Yves Saint Laurent, 1988………………………...........76
Figura 37 - Girassóis de Van Gogh, 1889 ………..........................................................…..…..76
Figura 38 - Lírios de Van Gogh, 1889……………....................................................................76
Figura 39 - Bolsa da coleção de Murakami para a Louis Vuitton em 2003…………....……..77
Figura 40 - Imagem da campanha de “Infinitely Kusama”, 2012……………………........…...78
Figura 41 - Kusama em instalação de uma de suas exposições, 2012…………………...........79
Figura 42 - Yalitza Aparicio na campanha primavera-verão 2020 da Rodarte……………….80
Figura 43 - Postagem da Rodarte …………………..................................................................81
Figura 44 - Quadro de Henri Garvex………….............................................................……….81
Figura 45 - Postagem da Gucci de 2019……………..................................................………..82
Figura 46 - Still Life with Fruit on a Stone Ledge de Michelangelo Merisi da Caravaggio, 1605.
Óleo sobre tela, 87.2 cm × 135.4 cm…………………...........................................…...............83
Figura 47 - Campanha da coleção de Outono-Inverno da Gucci, 2001……………….............85
Figura 48 - Anúncio hipersexualizado da marca American Apparel………………….............85
Figura 49 - Anúncio da coleção Cruise de 2014 da Gucci…………………………............….86
Figura 50 - Casaco da coleção de outono de 2018 da Gucci…………………………........…..87
Figura 51 - Comparação entre roupa da Gucci da coleção outono 2016 e o retrato The “Phoenix”
de Nicholas Hilliard, 1575. Óleo sobre tela………………………………...........................….87
Figura 52 - Anúncio da coleção de Outono de 2015 da Gucci………………….................…..88
Figura 53 - Personagem contraída no início do filme……………………………………........90
Figura 54 - Personagem com movimentos ampliados…………………………………......….90
Figura 55 - Diferentes cenas com foco em mãos……………………………………..........….91
Figura 56 - A Criação de Adão, de Michelangelo, 1511. Afresco, 280 x 570 cm………….....91
Figura 57 - Escola de Atenas, de Rafael, 1509-1511. Afresco, 500cm x 770 cm………...…..92
Figura 58 - Detalhe de Escola de Atenas………………………………………………..…..…92
Figura 59 - Personagem deitada em divã……………………………………………..……..…93
Figura 60 - Estatueta de Venus em cena da campanha………………………………….….....93
Figura 61 - Venus de Urbino, de Ticiano, 1538. Óleo em tela, 165.5 x 119.2 cm………........94
Figura 62 - Venus e o Tocador de Alaúde, Ticiano, 1565-1570. Óleo em tela [...]...................94
Figura 63 - Venus de Milo, 101 a.C., atribuída a Alexandre de Antioquia, 2.02m...................95
Figura 64 - Personagem contemplando a rosa no início do filme………………………….......96
Figura 65 - Retrato do rei Oskar da Suécia, sem data. Óleo sobre tela, 76x61cm………….....96
Figura 66 - Cena com foco na rosa branca……………………………...........................……..97
Figura 67 - Cena da personagem cheirando a rosa…………………………………………….97
Figura 68 - Cena de sobreposição entre rosa e afresco …………………….............................97
Figura 69 - Senhora com expressão confiante…………………………………............………98
Figura 70 - Homens parecidos se observam………………………………......................……99
Figura 71 - Personagens miram a câmera simultaneamente………………………….….........99
Figura 72 - Afresco em cena da campanha……………………………………………...........100
Figura 73 - Arquitetura sacra em cena da campanha………………………………....……...100
Figura 74 - Teto da Basílica de São Pedro……………………………………………............100
Figura 75 - Ruínas que compõem o cenário externo ………………………………..........…..101
Figura 76 - Representação da nobreza, última cena do filme ………………………………..102
Figura 77 - The Armada Portrait, 1588, George Gower. Óleo em carvalho, 97.8 x 72.4 cm ....102
Figura 78 - Apresentação da Gucci Gallery……………………………………………..........104
Figura 79 - Cena de obras na parede da galeria……………………………………….……..105
Figura 80 - Obra apontada como favorita…………………………………………….............105
Figura 81 - Cenas finais do filme…………………………………………….........................106
Figura 82 - Header do hotsite da campanha……………………………………………..........107
Figura 83 - Galeria Gucci.......…………………………………...................................……..109
Figura 84 - Ophelia da Galeria Gucci………………………………………….....................109
Figura 85 - Ophelia, 1851-1852, John Everett. Óleo sobre tela, 76.2 x 111.8cm …..............110
Figura 86 - Caçadoras de Aviões…………………………………………….........................111
Figura 87 - Basílica de São Pedro…………………………………………….........................111
Figura 88 - Homem repousando sobre mesa…………………………………………............112
Figura 89 - Manequim………………………….......................................……………….…..113
Figura 90 - Branca de Neve……………………………………………..................................113
Figura 91 - O barco…………………………………………….............................................114
Figura 92 - Christ Asleep during the Tempest, 1853, Eugène Delacroix. Óleo sobre tela, 50.8 x
61 cm ………………………………………….............................................................….....115
Figura 93 - O Jardim das Delícias Terrenas, 1503–1515, Hieronymus Bosch.Óleo sobre
carvalho, 2.2 x 3.89 m…………………………………………........................................…..116
Figura 94 - Jardim de Delícias de Gucci…………………………………………............…..116
Figura 95 - O Casal Arnolfini, 1434, Jan van Eyck. Óleo sobre carvalho, 82 x 60cm ……...117
Figura 96 - A esfinge de Gucci……………………………………..........................………..118
Figura 97 - Figuras religiosas……………………………………………..............................119
Figura 98 - Clérigo………………………………………............................................……..119
Figura 99 - Escolha e desenhe………………………………............................……………..120
Figura 100 - Portrait of Leonilla, Princess of Sayn-Wittgenstein-Sayn, 1843, Franz Xaver
Winterhalter. Óleo sobre tela, 142.2 x 212.1 cm……………………………………………..121
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 14
1.1 Contextualização 16
1.2 Tema 20
1.3 Objeto 20
1.4 Objetivos 21
1.4.1 Objetivo geral 21

1.4.2 Objetivos específicos 21

1.5 Pergunta 21
1.6 Justificativa 21
1.7 Metodologia 22
2 RECONHECENDO O LABIRINTO: O SUBSISTEMA DA MODA DE LUXO 24
2.1 Sistemas de significação 24
2.2 O caminho da Moda 25
2.2.1 O artístico na Moda 32

2.2.2 Moda de cem anos 34

2.2.3 A atualidade 38

2.3 A galeria de signos da Moda 45


2.4 O corredor da Moda de luxo 49
3 DECIFRANDO O LABIRINTO: O ENCONTRO DOS SISTEMAS MODA E ARTE 52
3.1 A busca pela reinvenção 52
3.2 A Moda a partir da Arte 57
3.2.1 Os registros da Moda 57

3.2.2 Artistas & Estilistas 69

3.2.3 A Arte como recurso comunicativo 79

4 O LABIRINTO É DESCONSTRUÍDO: COMPREENDENDO A GUCCI 84


4.1 Os rumos da marca 84
4.2 Implosão de sistemas e explosão de sentidos no labirinto 89
4.2.1 Roman Rhapsody 89
4.2.2 Filme Hallucination 103

4.2.3 Hotsite Hallucination 107

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 122


6 REFERÊNCIAS 126
6.1 Bibliografia 126
6.2 Sites 127
14

1 INTRODUÇÃO

Compactuamos com a teoria de Santaella (2008) de que as comunicações aumentam


progressivamente a sua importância para a cultura como um todo, de forma que a evolução
comunicacional também contribui para a formação de uma malha cultural mais complexa. Ela
afirma, também, que há um processo de hibridização entre as formas de comunicação e de
cultura, que ocorre a partir da mistura de meios, que passam a ser os mesmos para as mais
variadas modalidades de expressão. Sob a sua ótica, portanto, comunicações e Artes
convergem, já que estas utilizam as tecnologias midiáticas daquelas e aquelas se aproximam do
conteúdo destas.
Uma maneira possível de delimitar essas fronteiras é aplicarmos o conceito de sistemas
de significação de Barthes (2009), que se baseia no Estruturalismo de Saussure. Para tal, é
necessário expor que o signo é a união de um significante a um significado, de forma que o
significante é a expressão do signo, enquanto o significado é a compreensão derivada daí, como
uma pegada e a hipótese de que houve alguém por aquele caminho. Os signos são determinados
a partir de oposições, considerando que o limite de algo é o “não-algo”: sabemos que a pegada
é de um ser humano, por exemplo, porque ela não é uma marca de um cachorro ou de um gato.
Esses sistemas são formados pela reunião de signos que obedecem a uma mesma lógica
e interagem entre si gerando sentido, de forma que os diferentes significantes e significados
relacionados sejam identificados. Podemos encontrar múltiplos sistemas numa mesma situação,
quando há mais de uma lógica de oposição num só objeto. Se pensarmos no sapato que deixou
a pegada, por exemplo, identificamos sua cor, seu formato (uma bota ou um tênis) e o seu
tamanho como três variáveis possíveis, que independem uma das outras, entretanto compõem
um sentido final único, mais complexo. Para compreender os diferentes sistemas, contudo,
segundo Barthes (2009), é necessário isolá-los, reconhecendo os seus limites, e depois observar
a maneira com que interagem, desvendando a densidade do sentido produzido.
Em nosso trabalho, identificamos a Moda e a Arte como sistemas em interação e,
observando a comunicação de Moda de luxo, buscamos compreender as estratégias específicas
de construção de sentido derivadas dessa interação.
No sistema linguístico, a palavra Moda possui diversos significados. Calanca (2011)
compara o termo a um caleidoscópio, que permite quem o segura percorrer diferentes caminhos
visuais, que são repetidamente substituídos por outras imagens simétricas, da mesma forma que
a palavra “moda”, quando percorre diferentes caminhos semânticos, estenda seus significados.
Ainda linguisticamente, a autora afirma que alguns termos correntes explicitam realidades
15

sociais indefinidas e que “moda”, por sua visibilidade, expansão e interesse interdisciplinar,
leva à percepção da sociedade como um todo.
Lipovetsky (1989), por sua vez, sintetiza a Moda como “um dispositivo social
caracterizado por uma temporalidade particularmente breve, por reviravoltas mais ou menos
fantasiosas, podendo, por isso, afetar esferas muito diversas da vida coletiva” (LIPOVETSKY,
1989, p. 24). Calanca (2011) expõe que durante o século XVII, na França, o termo “moda”
evidencia um conjunto de atividades interligadas, e o elemento que as mantém dessa forma é o
ser proteiforme – a mudança de forma constante. Entre os séculos XVII e XVIII, sob as
regências de Luís XIII e Luís XIV, por exemplo, podemos identificar dois lados: enquanto o
primeiro abrange os estilos de vida, hábitos, usos e técnicas, o segundo incorpora todas as
formas mutantes em espaço e tempo. Dessa maneira, o conceito abrange as transformações e
formas de expressão humanas, e não só as vestimentas.
A autora afirma, também, que o vestuário pode ser tanto o ponto de partida para um
estudo social quanto o objeto central do estudo, uma vez que relaciona aspectos tão distintos
quanto economia, história e tecnologia. Considerando essa densidade, a Moda pode ser
entendida como um “um sistema de signos por meio do qual seres humanos delineiam a sua
posição no mundo e a sua relação com ele. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que o vestir
funciona como uma ‘sintaxe’, ou seja, como um sistema de regras mais ou menos constante”
(CALANCA, 2011, p. 16).
Lipovetsky (1989) comenta que no sistema de Moda há tanto a indicação de uma ordem
geral como a permissão para que as preferências individuais se manifestem, o que relacionamos
com a teoria de Barthes (2009) de estrutura linguística e fala. Tal dualidade entre mimetismo e
individualismo se faz presente em todas as esferas de influência da Moda e se expressa mais
intensamente no vestuário, uma vez que ele está diretamente atrelado à percepção e
representação do eu. A Moda se tornou instrumento de expressão de diferenças, além de um
meio de identificação de grupos sociais de modo que, ao mesmo tempo que se buscava atender
às tendências vigentes, visava-se também incluir pequenos signos lúdicos relativos à vontade
individual. Essa visão é compartilhada por Calanca (2011), que comenta que a Moda surge a
partir de associações miméticas de diferentes grupos e, posteriormente, pela diferenciação. Há,
desse modo, uma união harmônica entre a liberdade individualista e a identidade de grupo, que
compreende decisões de cores ou estruturas sem que haja rupturas rígidas com o que é esperado.
Aproximando-nos da Arte, Santaella (2008) aponta que Duchamp e Malevich deixaram duas
lições aos pós-modernistas: uma delas era a não diferenciação entre objetos comuns e Arte e a
outra, o entendimento de que Arte obrigatoriamente deve ser complexa. A partir das
16

provocações feitas aos modernistas foi possível compreender que o significado de uma obra de
Arte deve ir além de sua composição, considerando também o contexto sociopolítico existente.
Optamos por seguir um caminho que não tenta explicar a Arte em si e sim entender
como as regras que sistematizam seus signos e símbolos podem servir para renovar as
estratégias de construção de sentido em sistemas diferentes do artístico.. Consideramos isso
importante para compreendermos a Moda como um dispositivo social composto por ideais e
referências visuais.
A interligação entre a Arte e a Moda se dá como um fenômeno muito amplo, tal como
explicitam Lipovetsky e Serroy (2015). Eles mencionam Andy Warhol como uma pessoa-chave
para o estreitamento dessas fronteiras, devido ao seu intuito de tornar a Arte mais comercial e
acessível e destacam como museus passaram a dedicar parte de seus acervos a criações de
estilistas e também como os desfiles de Moda se tornaram espetáculos que englobam
arquitetura, performance e coreografias, num evento que representa “Não mais a moda pura
encerrada em si mesma, mas a moda como arte total que mistura todas as artes, a moda como
arte viva, e não mais a simples apresentação de roupas” (LIPOVETSKY e SERROY, 2015, p.
89).
Sob a visão de Calefato (1996, apud CALANCA, 2011), temos ainda que
A moda hoje é um meio de comunicação de massa que se reproduz e se difunde à sua
maneira e que, ao mesmo tempo, entra em relação com outros sistemas da mass media,
principalmente com o jornalismo especializado, a fotografia, o cinema, o marketing, a
publicidade. Assim como alguns desses sistemas, a moda caracteriza-se também como
forma de arte reproduzível, arte ‘mundana’, secularizada; nesse sentido pode ser
praticada com a mesma dignidade, ainda que com diferente valor estético, tanto no
ateliê do grande estilista, quanto diante do espelho doméstico (ibid, p. 6-7).

1.1 Contextualização

Tendo em vista a dimensão da Moda enquanto sistema de signos que interagem com
outros sistemas de significação, voltamos o nosso enfoque às marcas de luxo da Moda. Semprini
(2010), em sua obra A marca pós-moderna, apresenta as marcas atuais como verdadeiras
construções semióticas, com camadas distintas de representações e significados, indo muito
além da função prévia de meramente identificar a procedência de um produto, de maneira que
não podemos ignorar sua presença e influência, tanto na esfera econômica quanto na social. O
luxo, por sua vez, de acordo com Lipovetsky (2008), surgiu antes mesmo dos bens de alto
desembolso, como um acontecimento cultural, a partir da tentativa humana de se destacar do
primitivo e animalesco, o que ocorria pela troca de presentes e pelo dispêndio, não pelo
acúmulo.
17

O autor também afirma que foi o aparecimento do Estado que reposicionou o luxo como
uma lógica de acúmulo e hierarquização, de modo que Max Weber e Norbert Elias (apud
LIPOVETSKY, 2008) apontam o luxo nas sociedades aristocráticas não como algo supérfluo,
mas como um instrumento necessário de representação em meio à desigualdade social. Isso
ocorria, na visão dos autores, enquanto as relações entre as pessoas eram mais relevantes que
as estabelecidas entre elas e as coisas, nesse pretexto de autoafirmação e diferenciação social
perante o outro.
No âmbito da Moda, de acordo com Lipovetsky (1989), a ascensão do luxo se
estabeleceu nos séculos XIV e XV, quando Luís XIV era uma grande influência e a Moda
masculina se desenvolvia com maior agilidade e era mais lúdica que a feminina. Somente no
século XIX a Moda feminina assumiu o protagonismo que conserva atualmente e a masculina
se tornou mais discreta, de maneira geral. A Moda é formada a partir dos excessos e depende
deles para significar: gradativamente artigos que antes eram apenas detalhes passam a assumir
personalidade própria e transformar as produções, numa lógica que se alterna com o regresso à
simplicidade. No decorrer das épocas, todavia, o luxo se mantém presente, mesmo que com
discrição, caracterizado por modelagens, aplicações e tecidos especiais.
A sedimentação na década de 1960 do prêt-à-porter, a Moda pronta para vestir, resultou
na dissociação entre a Moda e o lançamento de tendências e o luxo, conforme exposto por
Lipovetsky (1989). Nesse sentido, o luxo deixou de necessariamente corresponder às novidades,
ao passo que elas também se desprenderam dos gastos vultosos. Destaca-se também o flerte
entre a produção em série e os artigos de luxo, tanto nas vestimentas quanto além desse espectro,
o que foi possível a partir da evolução da produção industrial. Ambos os aspectos técnico e
estético se tornam mais compatíveis e a percepção de qualidade em itens de menor preço se
tornou mais comum. Apesar disso, não se trata de uma dissolução da separação entre o
sofisticado e o popular, mas de uma aproximação entre as fronteiras que os delimitam.
Enquanto no meio do século XIX, segundo Lipovetsky (2009), a Alta Costura era
considerada a Moda de luxo, nos dias atuais existe uma divisão entre as duas. Hoje, apenas
marcas membras da Fédération de la Haute Couture et de la Mode1 poderem ser consideradas
Alta Costura, de modo que outras marcas que também são exclusivas, usam materiais
diferenciados e têm preço final elevado são apenas marcas de Moda de luxo.
Tendo em vista o contexto apresentado acima, nos aproximamos da Gucci, que é uma
marca de luxo que flerta com a Arte em sua comunicação. Segundo artigo do portal Love to

1
Disponível em: https://fhcm.paris/en/members/. Acesso em jun. de 2019.
18

Know2, a empresa foi fundada em 1921 pelo italiano Guccio Gucci. Na primeira loja, localizada
em Florença, eram apenas produzidos artigos de couro e outros acessórios (bolsas, malhas e
sedas). Durante os anos 1950-1960, o nome Gucci começou a ganhar status internacional e a
ser associado aos grandes astros e estrelas de Hollywood, situação em que se mantém até hoje,
apesar de ter criado novas associações, mais evidentes, no decorrer de sua história.
Com a contratação do estilista Tom Ford em 1990, as vestimentas produzidas pela marca
ganham maior relevância no cenário da Moda. Isso culminou em sua promoção a diretor criativo
em 1994, tal como relatado em reportagem da revista Sleek3. Tom Ford foi o responsável por
moldar a marca e mantê-la relevante durante os anos, haja vista que permaneceu no cargo até
2004, quando deixou a marca. Durante esse período, as roupas tinham uma modelagem mais
sensual, assim como as campanhas de divulgação, que traziam a imagem da mulher, muitas
vezes, sexualizada.
Após a saída de Tom Ford do grupo Gucci, três designers foram encarregados de dirigir
o time criativo da marca: Alessandra Facchinetti era a responsável pela Moda feminina, John
Ray, pela masculina e Frida Giannini, pelos acessórios, como visto no artigo da revista Vogue4.
Em 2006, Giannini assumiu a direção criativa geral da marca, guiando-a para uma identidade
de mais elegância e sofisticação, numa mulher ideal relativamente distante, com uma
sensualidade mais indireta que durante a coordenação do seu antecessor.
Em 2015, Alessandro Michele saiu do seu posto de diretor de acessórios para se tornar
o novo diretor criativo da maison italiana, permanecendo nesse cargo até hoje. Ele trouxe para
a marca uma perspectiva totalmente diferente dos seus antecessores, Ford e Giannini, com suas
cores vibrantes e uma influência vintage. Michele também abriu caminho para o diálogo com
o mundo dos rappers e a cultura street, criando uma interação entre o sistema da moda e da
música, ostentada pela associação a astros como Jared Leto, Lana Del Rey, Harry Styles,
Childish Gambino e Florence Welch. As pessoas retratadas nas novas campanhas da marca,
muitas vezes, são amigas de Michele e, além disso, têm um visual que foge ao comum retratado
pela Moda de luxo.

2
Disponível em: https://fashion-history.lovetoknow.com/fashion-clothing-industry/fashion-designers/gucci.
Acesso em set. de 2018.
3
Disponível em: https://www.sleek-mag.com/article/why-tom-fords-tenure-at-gucci-was-so-memorable/. Acesso
em set. de 2018.
4
Disponível em: https://www.vogue.co.uk/article/three-designers-took-over-from-tom-ford-after-he-left-gucci/.
Acesso em set. de 2018.
19

Figura 1 - Gucci de Tom Ford, Frida Giannini e Alessandro Michele, respectivamente

Fonte: Divulgação da marca

A Gucci de Michele tem forte associação com o universo artístico, perceptível a partir
das roupas criadas, mas também dos vídeos de campanhas e, mais recentemente, do perfil Gucci
Beauty no Instagram5, que divulga a linha de maquiagem da marca a partir de releituras de obras
de Arte. Além disso, a marca faz parcerias com artistas, como Dapper Dan 6 e Coco Capitán7, o
que colabora para a aproximação da Gucci a esse contexto.

Figura 2 - Perfil da Gucci Beauty

Fonte: Captura de tela do Instagram

5
Disponível em: http://www.instagram.com/guccibeauty/. Acesso em set. de 2018.
6
Alfaiate norte-americano, originário do Harlem, famoso por se tornar o "curador" da cultura do hip-hop.
7
Artista espanhola., famosa por suas fotografias e poemas.
20

1.2 Tema

Atualmente, vivenciamos um período de redescoberta da Moda de luxo guiada por


marcas como Gucci8 e Prada9, que têm em seu âmago a interação com outros sistemas. Tendo
em mente essa mudança do mercado, atentamo-nos ao papel semiológico nessa relação. Dito
isso, estabelecemos como tema as lógicas e estratégias de construção de sentido dentro da Moda
de luxo a partir da sua relação com os signos das Artes, ambicionando compreender uma parcela
da interação já mencionada.

1.3 Objeto

A partir de 2015, com a estreia de um novo diretor criativo, Alessandro Michele, a marca
se transformou esteticamente, o que afetou também a sua comunicação, que se tornou mais
peculiar, assumindo referências de diversos períodos da história da cultura e de suas
manifestações nas Artes visuais, como verificamos com as recentes campanhas “Gucci Pre-Fall
2019”, “Collectors” e “Gucci Gothic”.
Segundo Lipovetsky (2007), no contexto atual do consumo há um aumento dos
investimentos em publicidade, assim como é notável sua modernização, visto que ela incorpora
fatores como a renovação constante e a diferenciação. As novas propagandas constroem um
cenário lúdico e feérico em torno dos produtos, em vez de simplesmente citar suas utilidades.
Há um esforço para estabelecer uma relação afetiva do consumidor com a marca, com
estratégias de persuasão menos racionais e mais ligadas ao individualismo experiencial. Surge,
nesse sentido, uma hiperpublicidade, que se vale de recursos criativos para o estabelecimento
de uma ligação com o consumidor, que será atingido por um cenário de fantasia e sedução, num
alinhamento com o mote de encantamento próprio da Moda.
Pensando nesse cenário, elegemos como objetos de estudo o filme publicitário da
coleção Cruise de 2018 da Gucci, Roman Rhapsody, e o hotsite e o filme publicitário da coleção
Primavera-Verão 2018, intitulada Hallucination, que articulam diversos signos do sistema da
Arte.

8
Disponível em: http://www.meioemensagem.com.br/home/ultimas-noticias/2018/06/19/gucci-e -a-marca-que-
mais-cresce-no-segme nto-de-luxo.html . Acesso em out. de 2018.
9
Disponível em:
https://www.fastcompany.com/90337292/the-real-reason-why-luxury-fashion-brands-love-the-art-world. Acesso
em jun. de 2019.
21

1.4 Objetivos

1.4.1 Objetivo geral


Entender de que forma a comunicação da Gucci usa signos da Arte para sustentar-se como parte
do subsistema de Moda de luxo.

1.4.2 Objetivos específicos


(a) Compreender como a Moda de luxo se constitui como um sistema de significados;
(b) Contextualizar o sistema da Arte em sua interação com o subsistema de Moda de luxo
contemporânea e identificar as estratégias de construção de sentido que surgem dessa relação;
(c) Analisar as campanhas Roman Rhapsody e Hallucination da Gucci e os seus recursos
criativos, considerando como signos do sistema da Arte são importados pelo sistema da Moda
e sua contribuição para os significados de luxo.

1.5 Pergunta

Como as campanhas Roman Rhapsody e Hallucination utilizam signos da Arte como formas de
reforçar sua presença no subsistema de Moda de luxo?

1.6 Justificativa

A pesquisa proposta se faz relevante devido à abordagem feita a respeito da interação


entre sistemas semiológicos, em específico a relação das marcas de Moda de luxo com signos
provenientes de outros sistemas, compreendendo quais novidades essa interação apresenta na
atualidade, devido à saturação de signos hiperexpostos na sociedade em rede. Ademais, constrói
uma ponte entre a estrutura teórica apresentada por Barthes (2009) e a crítica pós-modernista
de Lipovetsky e Serroy (2015) e Jameson (1998), entendendo que o estruturalismo desempenha
o entendimento de Moda e Moda de luxo como sistemas, mas não se mostra suficiente para
descrever os processos de atualização de signos e sentidos por eles operados. A Arte é tratada
em sua influência na construção da relação entre sistemas, de forma que diz respeito à sociedade
contemporânea, demonstrando que a relação de Moda e Arte na publicidade evidencia
transformações absorvidas por marcas em sua comunicação, tendo em vista a importância que
a comunicação assumiu no cotidiano individual. O consumo, por sua vez, corresponde a um dos
eixos do curso de graduação em Comunicação Social e se soma a recursos como análise
22

semiológica e o entendimento de contextos socioculturais, todos assimilados no decorrer do


curso.

1.7 Metodologia

A fim de atingir o primeiro de nossos objetivos específicos – compreender como a Moda


de luxo se constitui como um sistema de significados –, contemplado no primeiro capítulo,
valer-nos-emos da pesquisa bibliográfica que, segundo Stumpf (2006), é
um conjunto de procedimentos que visa identificar informações bibliográficas,
selecionar os documentos pertinentes ao tema estudado e proceder à respectiva
anotação ou fichamento das referências e dos dados dos documentos para que sejam
posteriormente utilizados na redação de um trabalho acadêmico (STUMPF, 2006, p.
51).

Desse modo, autores como Barthes, Lipovetsky e Calanca nos servirão de aporte para
contextualizar temas como o sistema de significação, Moda e o segmento do luxo, necessários
para o prosseguimento do trabalho.
Para atingir o segundo objetivo específico delimitado – contextualizar o sistema da Arte
em sua interação com o sistema de Moda de luxo contemporânea e identificar as estratégias de
construção de sentido que surgem dessa relação –, explorado no segundo capítulo,
prosseguiremos com a pesquisa bibliográfica, ancorando-nos em autores como Köhler, Wölfflin
e Barthes, que nos permitem analisar a confluência entre os sistemas. Ademais, utilizaremos a
pesquisa documental, que equivale ao “exame ou o reexame de materiais que ainda não
receberam qualquer tratamento analítico, no objetivo de fundamentar interpretações novas ou
complementares sobre o que está sendo investigado”, conforme afirma Lima (2008, p. 56).
Nesse âmbito será contemplado o material comunicacional de marcas de Moda de luxo, a fim
de identificar exemplos concretos da temática trabalhada.
O terceiro objetivo específico – analisar as campanhas Roman Rhapsody e Hallucination
da Gucci e os seus recursos criativos, considerando como signos do sistema da Arte são
importados pelo sistema da Moda e sua contribuição para os significados de luxo –, é
contemplado pelo terceiro capítulo, desenvolvido segundo um estudo de caso.
Yin (2001) define a operação metodológica como “uma investigação empírica que
investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente
quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos" (YIN, 2001,
p. 32). Segundo o autor, trata-se de uma estratégia preferível quando o questionamento que
23

norteia a pesquisa se refere à maneira com que algo opera e ou à sua motivação, pontos
pertinentes para o nosso estudo.
Yin (2001) enfatiza, também, que os estudos de caso se destacam por não requererem
controle dos objetos de estudo, como é necessário em experimentos, e pela propriedade
explanatória associada a uma abordagem contemporânea, distinguindo-se de uma pesquisa
histórica. O fenômeno aqui observado, como introduzido anteriormente, é contemporâneo, e
nos foge ao conhecimento as reais intenções da marca estudada ao desenrolar suas estratégias,
o que impossibilita o desenvolvimento de um experimento controlado.
Na estruturação do projeto, optamos por desenvolver um estudo de casos múltiplos,
entendendo que eles devem ser considerados segundo os princípios de replicação literal, para a
obtenção de resultados semelhantes, ou de replicação teórica, numa busca por resultados
contrastantes por motivos previsíveis, segundo Yin (2001). No nosso trabalho analisamos três
peças de comunicação distintas com o objetivo de estudar um fenômeno, ou seja, buscamos
uma replicação literal.
A observação dos dados para o estudo de caso se dá mediante o método de análise
semiológica desenvolvido por Barthes em sua obra Mitologias (2012), na qual propõe a
identificação dos signos mitológicos em cenas cotidianas, observando o modo com que
compõem as relações de sentido. Segundo o autor, “o mito é um sistema de comunicação, uma
mensagem [...]: ele é um modo de significação, uma forma” (BARTHES, 2012, p. 199), de
modo que a fala mítica não deve ser vista como língua, pois obedece aos princípios da
semiologia. Traçamos um paralelo entre as considerações de Barthes (2012) acerca dos mitos
e da Arte, que identificamos previamente como um sistema de significações em interação com
o sistema da Moda, também identificado segundo Barthes (2009).
Barthes (2012) também destaca que as imagens têm níveis de leitura distintos, relativos
à sua abertura à identificação: uma versão, por exemplo, está mais propensa a receber
significados que a original, que tem seus signos melhor definidos. Atentamo-nos a isso para a
avaliação das significações propostas pelas campanhas, tendo em mente que “qualquer matéria
pode ser arbitrariamente dotada de significação” (BARTHES, 2012, p. 200). Ademais,
destacamos que na ótica semiológica o signo se define como um terceiro objeto, além do
significante e do significado, de forma que o signo é o único pleno de sentido.
24

2 RECONHECENDO O LABIRINTO: O SUBSISTEMA DA MODA DE LUXO

Este capítulo abre precedentes para atender o primeiro objetivo específico deste projeto,
que consiste em compreender como a Moda de luxo se constitui como um sistema de
significados. Para atingi-lo, delimitamos o que é um sistema de significação e exploramos a
evolução da Moda, situando-a também como um sistema, de maneira que a Moda de luxo passa
a ser um subsistema do sistema da Moda. Para isso, baseamo-nos fundamentalmente em uma
pesquisa de cunho bibliográfico, recorrendo a autores como Lipovetsky (1989/2009), Calanca
(2007) e Barthes (2009). Calanca (2007) e Lipovetsky (1989/2009) situam Moda e nos trazem
uma análise mais profunda da história da sua história. Barthes (2009) define o que é um sistema
de significação, que permite ao grupo compreender os sistemas de Moda, luxo e Arte. Para
melhor organizar o desenvolvimento do capítulo, a seguir, são traçados subtemas: Sistemas de
significação; O caminho da Moda; O artístico na Moda; Moda de cem anos; A atualidade; A
galeria de signos da Moda; O corredor da Moda de luxo.

2.1 Sistemas de significação

Precisamos situar, para o desenvolvimento de nosso trabalho, os conceitos de signo e


de sistema de significação. Entendemos que o signo é a reunião do significante e do significado,
e não somente o significante, seguindo a visão do estruturalismo cunhada por Saussure (apud
BARTHES, 2009). O significante é a expressão perceptível de um signo, ao passo que o
significado é o entendimento que surge a partir dessa expressão: numa analogia simples, a
fumaça é um significante, enquanto o pensamento de que deve haver fogo por perto é o
significado.
Baseando-nos em Barthes (2009), compreendemos que os signos se estabelecem a partir
de oposições, que por sua vez se impõem segundo uma dinâmica entre o signo e “o resto”, que
se refere a tudo que o signo não é. Um signo, então, é “algo”, por não ser o “não-algo”, e tais
oposições são impostas a fim de delimitar o caráter de um signo em relação a outro: num mesmo
contexto, ou seja, num mesmo instante e num lugar determinado, não é possível que haja algo
idêntico. A existência de um signo, por conseguinte, depende da interpretação de um
interlocutor, que deve reconhecer a presença dessa oposição para identificá-lo.
Considerando um contexto estabelecido, o autor explora a possibilidade de substituição
dos signos reconhecidos por outros, como uma rede de sentidos. Essas substituições ocorrem
de acordo com premissas específicas, de modo que cada signo é uma expressão distinta de uma
25

mesma linha de oposição e, por isso, esses signos encadeados não podem coexistir, ou o
significado apreendido dessa situação seria dúbio. Esses signos intercambiáveis, portanto,
formam um sistema de significação, uma linguagem.
O autor define, pois, que “o que é sintagmaticamente incompatível [...] é
sistematicamente associado” (BARTHES, 2009, p. 146), e vice-versa, de forma que a
incompatibilidade é o que define os percursos de asserção dos signos. Os sistemas de
significação, dessa maneira, compreendem signos que obedecem a uma mesma lógica e
interagem provocando sentido, numa situação em que é possível distinguir os papéis de
diferentes significantes e os diferentes significados a eles associados. “O princípio de toda
oposição sistemática está associado à natureza do signo: o signo é uma diferença” (BARTHES,
2009, p. 245). No reconhecimento de sistemas, contudo, é considerado o encadeamento das
oposições de sentido, e não essas oposições de maneira isolada.
Retomando a análise de um contexto específico, é possível identificar, em algumas
situações, a presença de mais de um signo, embora não haja sentido ambíguo. Nesses casos, o
que temos são sistemas de significação simultâneos, segundo Barthes (2009), reconhecidos a
partir da presença de oposições concomitantes numa mesma configuração espaciotemporal.
Essa disposição, em um único objeto, compreende um significado final mais complexo, mas
ainda assim determinável. Ao pensar em um copo, por exemplo, é possível identificar a linha
de oposição “cor” e a linha de oposição “forma”, de modo que ele depende minimamente desses
dois fatores para ter o seu significado completo.
O entendimento dos sistemas, todavia, é construído, a princípio, isolando-os, e depois
investigando o modo com que interagem, a fim de compreender as outras camadas de sentido
aí contidas. Se “o fato sistemático [...] é apenas escolher alguma coisa dentro de certos limites”
(BARTHES, 2009, p. 154), reconhecer cada um desses limites é o que permite a apreensão dos
sentidos dos signos e das leis que os regem num sistema e, somente após essa etapa, observa-
se a nova constituição fronteiriça geral, que proverá insumos para uma análise de sistemas
simultâneos.

2.2 O caminho da Moda

Uma vez que a Moda é o tema de nosso trabalho, e o conhecimento de sua história
contribui ao entendimento de moda enquanto sistema, devemos compreender a sua constituição
e percurso. Aprofundando-nos no seu desenvolvimento ocidental, verificamos acontecimentos
significativos para a sua configuração atual, considerando o recorte feito neste estudo.
26

Tendo isso em mente, situamos que costume se refere a valores histórico-sociais e


culturais que unem indivíduos por semelhanças (CALANCA, 2011), ou seja, demarcam um
contexto e suas características, numa perspectiva relacionada a hábitos permanentes. Desse
modo, entendemos Moda como o "fenômeno social da mudança cíclica dos costumes e dos
hábitos, das escolhas e dos gostos, coletivamente validado e tornado quase obrigatório"
(VOLLI, 1988, apud CALANCA, 2011, p. 11). Sob essa perspectiva, a Moda não existe em
sociedades que estão voltadas para os antepassados, em um modelo pelo qual tudo é legitimado
por um passado imemorável. Para que ela exista, o presente e o novo devem ser privilegiados,
e o homem deve reconhecer sua capacidade de modificar as estruturas sociais em matéria de
estética das aparências.
É a partir da descontinuidade, e não da extrapolação da continuidade, portanto, que se
configura a Moda. A sociedade, logo, busca se assemelhar aos seus contemporâneos
inovadores, e não a antecedentes com costumes ultrapassados, de maneira que o presente social
alcança patamares inéditos de importância na configuração da população. “Nas épocas em que
prevalece o costume, somos mais vaidosos de nosso país do que de nosso tempo, pois nos
vangloriamos sobretudo do tempo de outrora. Nas eras em que a Moda domina, ficamos mais
orgulhosos, ao contrário, de nosso tempo que de nosso país” (DE TARDE, 1890, apud
LIPOVETSKY, 1989, p. 33).
A prevalência dos costumes sinalizada por De Tarde (ibid., p. 33) existia, por exemplo,
no contexto das sociedades orientais anteriores ao século XV. Como nota Braudel (1993, apud
CALANCA, 2011), não existia uma diferença entre o que era usado na capital e em menores
províncias. Os indivíduos possuíam trajes simples de algodão, usados em casa, e trajes
funcionais – que os identificava socialmente. Por não haver, então, a mudança contínua de
costumes, nessas sociedades a lógica da Moda não existia.
Lipovetsky (2009) nos apresenta a necessidade do rompimento com o passado e com as
tradições como condição para a existência do amor pelo novo, para que ocorra a experimentação
e o surgimento de novos elementos. Esse rompimento teve início na segunda metade do século
XIV, nas sociedades ocidentais, com a substituição da toga longa e flutuante, usada pelos dois
sexos havia séculos, pelos trajes masculino e feminino, que consistiam em um gibão com
calções colantes que desenhavam a forma das pernas e em um vestido longo mais ajustado e
decotado, respectivamente.
27

Figura 3 - Trajes feminino e masculino no século XVI

Fonte: Imagem de História ilustrada do vestuário, de Melissa Leventon (org.)

Apesar da ruptura com o passado ter ocorrido ainda no final da Idade Média, durante
esse período não havia um grande ritmo de mudança, segundo o autor. Apenas na França, no
século XVI, ficou nítida a inconstância do vestuário que, nesse ponto, diz respeito sobretudo
aos ornamentos e aos acessórios, às sutilezas dos enfeites e das amplitudes, enquanto a estrutura
das peças e as formas gerais eram muito mais estáveis. Cada grupo usava aquilo que lhe dizia
respeito, sem grandes questionamentos, ainda com traços de tradicionalismo. Ou seja, a Moda
era restrita a elite, e foi considerada como algo inatingível pela massa da população, já que a
aristocracia era monopolizadora do poder de criação.
A democratização da Moda se deu, segundo o autor, por meio de um mimetismo das
classes mais elevadas, que acontecia com seletividade de influências, e não de maneira
deliberada. Esse mimetismo era sempre variado, adaptando-se ao que as pessoas de fato
queriam para si, fosse uma maior influência ou mesmo uma semelhança mínima com o que
estava ao redor, num fenômeno que ia além de limites de classes e se tornava mais
individualizado. Embora os burgos e os castelos ainda estivessem espacialmente separados, as
classes, aos poucos, foram se tornando mais similares uma à outra visualmente, devido à
constituição maleável da Moda, que permitia a interpretação de uma mesma tendência segundo
diferentes nuances. Sendo assim, a Moda é mais fortemente atrelada a questões como a
distinção entre povos e o individualismo, que necessariamente à separação de classes sociais.
28

O advento da Moda, como ressalta Lipovetsky (1989), não rompe definitivamente com
o hábito de emular as vestimentas da comunidade, porém isso adquire uma nova interpretação.
Há, a partir de então, a possibilidade de modificar os itens e personalizá-los, de modo que
correspondam à imagem de quem os utiliza. A busca pelo diferente se legitimou e popularizou
em meio à sociedade como um todo, ao passo que o indivíduo conquista a posição de
protagonista na definição do que deseja vestir. Os padrões de vestuário não são mais alternativas
impostas, mas apenas uma possibilidade dentre a enorme gama de interpretações descoberta
pela supremacia particular. Mesmo que haja uma correspondência à tradição, ou seja, à língua
da Moda, considerando a comparação de Barthes (2009), isso ocorre de maneira livre e é
permitida a expressão de mudanças e preferências individuais sem quaisquer freios, as
diferentes falas, o que já simboliza um grande avanço para a sociedade em questão.
Lipovetsky (2009) enfatiza que o anseio por itens de suposta menor utilidade contribuiu
para a democratização da Moda como um todo, o que paulatinamente impactou públicos muito
diferentes entre si. O povo tinha, inclusive, um descompromisso com as leis que os proibiam
de vestir o mesmo que seus superiores, algo que na realidade nunca se desdobrava em punições,
a fim de equiparar-se a eles em uma tentativa de adentrar o subsistema de luxo. A ineficácia
dessas leis expõe o quão forte era o ímpeto social para a manifestação de seus gostos, o que
culminou posteriormente na dissolução delas. Embora restassem, nessa primeira instância,
algumas normas que regulavam as vestimentas, elas não sinalizavam distinção social,
reconhecendo que a Moda de fato atingia outros públicos.
Somente com a ascensão de novos ricos se deu o início do processo de democratização
da busca pelo benefício estético, que ainda era freado pelos nobres para que não houvesse
confusão de estratos sociais, de acordo com o autor. Com o acesso aos itens relacionados ao
status, por sua vez, é possível afirmar que o ambiente urbano se tornou mais homogêneo no que
se diz respeito a costumes. Havia itens, inclusive, que eram rechaçados por não se adequarem
à identidade do grupo, de forma que a partir daí, por volta do século XVII, já era possível
diferenciar a existência de uma Moda burguesa, menos exuberante, adaptada aos critérios dessa
classe.
Desse modo, o período entre metade do século XIV e a metade do século XIX foi a fase
inaugural da Moda. Nessa época o domínio das frivolidades e da fantasia consegue se instalar
de forma sistêmica e durável, e é verificado o apuramento do olhar estético geral, que percebe
minúcias e engloba novos formatos com prazer. Isso acontece, contudo, em meio a algumas
classes sociais, enquanto os moradores de áreas rurais mantinham-se afastados dessa lógica,
atrelados a um vestuário estritamente funcional.
29

Lipovetsky (2009) elucida que, embora sujeita a oscilações, como percebido na


movimentação burguesa, a Moda tem um viés estável e regular que pode ser investigado. A
divisão que a classifica a partir de séculos e décadas, por influência da história do vestuário, é
muito rasa, todavia, e portanto insuficiente. Explorar exclusivamente essa classificação é
assumir que a Moda se desdobra de maneira homogênea e tomar um conhecimento supérfluo
dos fatos, que supera a compreensão da origem ou mesmo das implicações deles para o cenário
geral. Assim sendo, é feita uma nova análise, que prioriza a inserção da Moda num contexto
mais amplo, levando em consideração fatores históricos relevantes e o fato de que rupturas de
regime não significam necessariamente uma inovação, de modo que há sempre alguma linha de
coerência que une o desenrolar da Moda – o que a relaciona a uma das características dos
sistema de significados pontuados por Barthes (2009), que também podem ser afetados por
algumas interferências e as incorporarem, mantendo a sua unidade.
Uma das rupturas históricas a serem destacadas é a invenção da prensa, no século XV,
que proporcionou a maior circulação de textos, e a expansão dos livros ilustrados. Embora já
houvesse livros de gravuras (xilos) anteriormente, a dinâmica proporcionada pela prensa e a
propagação do registro de costumes, sobretudo no imagético, conferem destaque para as
diferenças dos códigos e sistemas de vestimentas entre os povos, ampliando o repertório de
referências existente, como expõe Chatier (2002). Isso culminou, inclusive, no surgimento do
que seria o "primeiro historiador do vestuário", Matthaus Schwarz, que elaborou um livro
contendo todos os trajes que havia usado, no século seguinte, como destaca Lipovetsky (2009).
Ponto importante a também ser observado na história, já que falamos de Moda, é o
retorno da monarquia absolutista na França e a mudança do governo para o Palácio de
Versalhes, no final do século XVII. Esse distanciamento entre a nobreza e a maior parte da
população que estava em Paris, acontece além do contexto espacial e se expande para o contexto
social, por meio de espetáculos de extravagância em vestuários e eventos como banquetes e
festas. Foi a ascensão do luxo e da sofisticação, tanto para homens quanto para mulheres. À
época, a Moda masculina se desenvolvia com mais agilidade que a feminina, dada a influência
de Luís XIV, assim como também era mais rebuscada e lúdica. Mesmo nas indumentárias
militares era possível identificar adornos múltiplos. Essa configuração somente se alterou no
século XIX, quando a Moda feminina assumiu a proporção que detém hoje e a masculina se
tornou mais discreta e sóbria.
30

Figura 4 - Vestuário lúdico e rebuscado de Luís XIV

Fonte: Louis XIV of France, Portrait by Hyacinthe Rigaud, 1701. Museu do Louvre.

Figura 5 - Marie Antonieta, uma das precursoras da Moda feminina, no final do século XVIII

Fonte: Marie Antoinette, Queen of France, en grand habit de cour, Portrait by Jean-Baptiste Gautier Dagoty,
1775. Coleção privada do Palácio de Versalhes.

A própria configuração da Moda, segundo Lipovetsky (2009), dá-se a partir dos


excessos. Para o seu desenvolvimento, não havia temor do ridículo causado por supostos
exageros, e peças que antes eram meros detalhes progressivamente ganham personalidade.
Depois dos signos hiperbólicos, no entanto, há um regresso ao simples, e isso constitui grande
parte dos movimentos da Moda até os dias atuais. Essa dinâmica de oposição é fundamental
31

para demarcar os ciclos de preferência da população e a existência da Moda em si, de modo que
em épocas distintas tanto o básico quanto o extravagante são itens de Moda e ambos se
relacionam ao novo e ao lúdico, tornando-a um sistema mais rico e complexo.
O autor indica que também concerne à Moda um mimetismo territorial, que segmentou
aos poucos as vestimentas dos países, algo que era unificado anteriormente. Com reis e rainhas
decretando cores e cortes oficiais para seus territórios, surge uma identidade nacional com
características e regras próprias, especialmente entre os séculos XIV e XIX, e o sentimento de
pertencimento a uma só nação é aflorado. Isso culminou no individualismo estético, para além
do nacional, ao mesmo tempo em que “O próprio da moda foi impor uma regra de conjunto e,
simultaneamente, deixar lugar para a manifestação de um gosto pessoal: é preciso ser como os
outros e não inteiramente como eles, é preciso seguir a corrente e significar um gosto particular”
(LIPOVETSKY, 1989, p. 44).
Essa dualidade entre mimetismo e individualismo, encontrada em todas as esferas de
influência da Moda, expressa-se mais intensamente no vestuário, uma vez que ele está
diretamente atrelado à percepção e representação do eu. De acordo com Lipovetsky (2009), a
Moda se tornou instrumento de manifestação de diferenças, além de um meio de identificação
de grupos sociais de modo que, ao mesmo tempo em que se buscava atender às tendências
vigentes, objetivava também incluir pequenos signos lúdicos relativos à vontade individual. O
poder de escolha particular se limita, então, por vezes, à decisão de cores ou adornos estruturais,
sem uma completa ruptura com o que é esperado, numa união harmônica entre a liberdade
individualista e o conformismo de grupo.
O individualismo se expressou mais intensamente em meio às cortes, segundo o autor.
A Moda variava de acordo com os interesses dos governantes, que por sua vez detinham grande
poder de influência, em detrimento de fluir segundo tradições já declaradamente ultrapassadas.
Faz-se necessário, dessa maneira, relacionar a Moda à soberania individual, que era capaz até
mesmo de substituir as tendências vigentes por outras que julgassem mais interessantes, de
modo que toda uma população fosse influenciada por essa preferência. Os monarcas, então, se
configuraram como as primeiras personalidades influenciadoras da Moda, algo que é possível
encontrarmos até hoje.
Lipovetsky (2009) enfatiza que, embora os traços de individualidade e novidade sejam
essenciais para a constituição da Moda, eles não são suficientes para isso, e se aliaram também
a outras características para torná-la possível. Junto a isso, a renovação do sistema de signos
contribui para o desenvolvimento desse cenário. As referências passam a vir do tempo presente,
não mais do passado, e se inserem num contexto de privilégio do prazeroso, e não
32

necessariamente útil, como outrora. Também é relevante para o aumento de sua influência o
surgimento da consciência da efemeridade da vida, o que ocasionou a busca pela fruição
imediata das conquistas e do poder e a consequente aceleração do sistema mercadológico.

2.2.1 O artístico na Moda

Nesta subseção, fazemos uma breve aproximação em direção à relação Arte-Moda, sem
que detalhemos o modo com que ambos os sistemas se contaminam, o que é feito adiante, de
acordo com o método semiológico desenvolvido por Barthes (2009/2012), no segundo capítulo.
Tendo isso em mente, destacamos que a busca pelos prazeres imediatos se relaciona
também com o papel da veste como forma de identificação, num traço significativo da relação
entre indivíduo e sociedade. O vestuário acrescenta significado ao corpo, de forma que revela
os modos pelos quais um sujeito interage com o mundo. Como afirma Lipovetsky (2009), ele é
um terreno fértil para o desenvolvimento e expressão de um gosto autêntico particular, o que
faz com que a população reconheça um cenário favorável para o desenvolvimento do “eu”, que
está entremeado na ascensão do luxo, do criativo e do livre.
A abertura e expressão do particular faz com que a percepção crítica da aparência do
outro se torne algo natural em meio à sociedade, seja para julgamentos positivos ou negativos.
Este novo olhar crítico leva ao refinamento dos gostos e dos hábitos populacionais, o que retoma
o apreço pelas Artes. Além disso, a ascensão do Barroco nos séculos XVII e XVIII e dos
ornamentos destituídos de um significado profundo além da opulência expõem um prestígio da
Arte decorativa e da excentricidade, que representa o desejo iminente pelo estético, de modo
que a teatralidade e a exuberância ganham o espaço que sustentam até hoje.
33

Figura 6 - Quarto do Sagredo Palace em Veneza, ca. 1720

Fonte: Stuccowork probably by Abbondio Stazio, Italian, Venice, The Metropolitan Museum of Art

Figura 7 - Rubens, His Wife Helena Fourment, and Their Son Frans, ca. 1635

Fonte: Peter Paul Rubens (Flemish, Siegen 1577–1640), The Metropolitan Museum of Art

A partir do século XIV, a evolução das roupas e a maior diferenciação entre os homens
e as mulheres foi consequência direta desse contexto, como ressalta o autor. O destaque do
corpo aumentava progressivamente, com peças que enfatizavam os atributos do feminino e do
masculino. A Moda tornou-se instrumento aliado à sedução e ampliou também a imaginação
34

do público, que buscava sempre se diferenciar para obter vantagem. Outro modelo de sedução
que também se relaciona à valorização da Moda é caracterizado pelo destaque dado ao
cotidiano, que outrora fora desprezível. Tudo o que é concreto e carnal se mostra belo e
desejável, despertando o interesse individual pela percepção do que está ao seu redor. A partir
daí, os indivíduos também empenham maiores esforços em apresentar-se de maneira bela e
admiram com maior fervor as roupas e os acessórios da Moda.
O supérfluo passou a representar aspirações sociais e prazer individual, ao passo que se
despiu de interpretações que o associavam ao imoral ou pecaminoso. O interesse pela Moda é
apenas uma manifestação de um movimento maior, pautado na fruição do terreno e na exaltação
das pequenas felicidades presentes no cotidiano. Nesse contexto, o opulento cede espaço ao
meramente belo, leve e útil e a variedade se torna um fator importante para a população, que
buscava novos experimentos e sensações, especialmente direcionada pela perspectiva de
liberdade e pelos gostos individuais.

2.2.2 Moda de cem anos

Lipovetsky (2009) apresenta o período entre a metade final do século XIX e a metade
inicial do século XX como essencial para a afirmação da influência da Moda perante a
sociedade como um todo. Esse intervalo é chamado “Moda de cem anos” e se refere a quando
a Moda desenvolveu-se de um modo análogo ao moderno, considerando seu modelo de
distribuição e consumo. Isso ocorreu como uma evolução estável, que seria rompida somente a
partir dos anos 1960, com o surgimento de tecnologias que ressignificariam o consumo e a
configuração das indústrias.
A Moda moderna, conforme retratada pelo autor, desenvolveu-se baseada em duas
indústrias com características particulares mas relacionadas, referentes às roupas femininas, já
que o vestuário masculino não sofria mudanças frequentes e não se apoiou em nenhuma
indústria complexa e organizada deste tipo. Nesse contexto, Alta Costura e produção industrial
conviviam lado a lado, configurando um “sistema bipolar fundado sobre uma criação de luxo e
sob medida, opondo-se a uma produção de massa, em série e barata, imitando de perto ou de
longe os modelos prestigiosos e griffés da Alta Costura”. (LIPOVETSKY, 1989, p. 70). Havia
grande distinção de objetivos, preços, consumidores, técnicas e materiais, mas ambas faziam
parte da Moda, junto a modelos intermediários de negócio, que também seguiam os
lançamentos e tendências da Alta Costura.
35

Os dois destaques da Moda moderna não se firmaram simultaneamente, segundo o


autor. Ele expõe que a produção industrial precedeu a delicada Alta Costura, tendo surgido
ainda nos anos 1820, pautada na confecção de roupas em série, a custo baixo. Ao longo dos
anos, cresceu e se mecanizou mais intensamente, porém se mantendo sob influência da Alta
Costura. Ela, por sua vez, surgiu apenas em 1857, em Paris, com Charles-Frédéric Worth, que
começou a oferecer itens inéditos, que posteriormente seriam costurados sob medida, em
grandes apresentações. A Moda se tornou um espetáculo, surgiram as manequins e as grandes
maisons, que empregavam um grande número de funcionários e movimentavam intensamente
a economia francesa por meio das exportações.

Figura 8 - Vestido de Charles-Frédéric Worth, ca. 1872

Fonte: House of Worth (French, 1858–1956), Charles Frederick Worth, The Metropolitan Museum of
Art10

A Alta Costura, de acordo com Lipovetsky (2009), também foi a responsável pela
estabilização de um calendário de Moda, que se destacava pelas apresentações bianuais, no
verão e no inverno, além das coleções de meia-estação, que serviam como prévias das
tendências iminentes. As apresentações eram prestigiadas por profissionais estrangeiros, que
compravam moldes e instruções de como reproduzir as peças em seus respectivos países. Essas
réplicas eram comercializadas a preços mais acessíveis, o que possibilitava a classes mais

10
Disponível em: https://www.metmuseum.org/toah/works-of-art/46.25.1a-d/. Acesso em jun. de 2019.
36

baixas o acesso às principais tendências. Isso padronizou, de certa maneira, o que era produzido
no globo, especialmente a partir do século XX.
“A moda moderna, ainda que sob a autoridade luxuosa da Alta Costura, aparece assim
como a primeira manifestação de um consumo de massa, homogêneo, estandardizado,
indiferente às fronteiras” (LIPOVETSKY, 1989, p. 74). Era o período da primeira revolução
industrial e além de uma homogeneização a nível espacial, a Moda enfrentou sua
democratização. Os modelos de roupas, com a intensidade produtiva desse sistema, se tornaram
mais simples e, portanto, mais facilmente copiáveis.
Apesar dessa recente democratização, a existência do luxo não foi desprezada, como
destaca Lipovetsky (2009): o que ocorre é que ele se torna mais sutil, expresso por meio de
cortes e tecidos especiais. Questões comportamentais se tornam relevantes nesse cenário, de
maneira que o modo com que se usa uma peça é mais importante que a peça em si. Isso pode
ser entendido como uma ampliação dos símbolos que constituem o luxo, que incorporam a
magreza, a juventude e discrição, dentre outros fatores que demarcavam distinções sociais. As
mulheres obtinham uma gama maior de opções para se expressarem, em detrimento de restringi-
la, como poderia ser pensado, já que o opulento coexiste com os novos padrões de consumo, e
assim se mantém ao longo da Moda de cem anos, com o surgimento de outros aspectos a serem
valorizados, progressivamente.
Embora as opções disponíveis tenham se multiplicado, durante a Moda de cem anos o
não pertencimento ao grupo era mais prejudicial que a ausência de autenticidade, de forma que
diferentes classes sociais objetivavam peças similares. O autor também destaca que a
regularização da Moda, que atingia o patamar de uma intimação a ser obedecida, impôs um
calendário a ser seguido pelas consumidoras, excluindo de seu código tudo aquilo que fora de
uma temporada anterior. Eram os primórdios da construção de uma sociedade pautada no
conformismo de massa e na exaltação individual, num sentido em que a afirmação de si
dependia da visão do Outro.
Em meio a esse contexto também aconteceu a ascensão da figura do costureiro, alçada
pela Alta Costura. Era, como expõe Lipovetsky (2009), um papel de criador, responsável por
surpreender o público e reinventar-se, alguém que deveria sempre produzir novidades, a fim de
suprir a produção de cerca de 200 novas peças por estação, em média. Ele tinha um papel similar
ao de um artista moderno, a quem cabia exprimir sentimentos e desejos pessoais nas obras,
evoluindo de um mero artesão a um mestre das ideias, responsável por criar os moldes das
roupas, e não apenas copiá-los. Apesar da comparação, a autonomia do modelista ainda era
aparada pelos consumidores, visto que as criações poderiam ser consideradas rupturas extremas
37

ou mesmo não vestir bem o corpo de quem as comprava. As inovações da Moda, pois, eram
pautadas na manutenção de uma clientela fiel e, por isso, mais lentas que as das Artes, embora
ainda influenciadas por elas, o que só mudaria com Worth, que criava independentemente de
seus clientes.
Conforme apontado pelo autor, o costureiro galga, aos poucos, o posto de celebridade,
chegando a ser de fato uma figura conhecida ao redor do globo. As tendências, que
anteriormente carregavam o nome de alguma personalidade famosa que as tinha utilizado,
passam a ser identificadas e prestigiadas por suas origens, mais que pelo percurso, e
comentários acerca de inspirações e influências se tornam mais comuns, reverberando a
aproximação artística dos modelistas.
A representação social da Moda também foi algo que aumentou com o tempo, à medida
que ela ganhava destaque para a população. Anteriormente não existiam referências que
discursassem a respeito do tema e surgem, nesse período, os primeiros periódicos dedicados à
Moda, nos quais era possível encontrar uma análise mais embasada ou mesmo positiva, como
afirma Lipovetsky (2009). Foi uma transição do perfil moralista-crítico em relação à Moda para
a era informacional e estética, que colabora para o sucesso dos grandes costureiros, de modo
que até mesmo escritores reconhecidos a incluíam em suas obras, disseminando os verbetes
próprios desse universo à população como um todo.
Nesse meio, o supérfluo passou a representar aspirações sociais e prazer individual, ao
passo que se despiu de interpretações que o associavam ao imoral ou pecaminoso. O interesse
pela Moda é então apenas uma manifestação de um movimento maior, pautado na exaltação
das pequenas felicidades presentes no cotidiano, de modo que a busca por novos experimentos
e sensações, especialmente direcionada pela perspectiva de liberdade e pelos gostos
particulares, colabora para que a variedade se torne um fator importante para quem consome.
A burocratização da Moda também é decorrente da Alta Costura, que fundou a complexa
rede hierárquica de colaboradores que influenciam de alguma maneira na peça final, em
contrastes com o sistema artesanal e independente, conforme expõe o autor. Os comandos
superiores cabiam ao costureiro, que é guiado pelo seu gosto nesse processo, e não mais pela
necessidade de correspondência ao pedido da cliente. Isso culmina na regularização e
formalização da indústria da Moda, que ultrapassa suas origens associadas ao trabalho
individual desorganizado e conquista uma padronização de lançamento de novidades que, no
que lhes concerne, também se tornam mais acessíveis aos diferentes tipos de público.
Mesmo as tendências são descentralizadas, já que, embora lançadas pelas marcas,
tomam forma a partir da percepção do público a respeito do que é apresentado pelos costureiros.
38

Distancia-se, portanto, da concepção de que os modelistas acordam previamente como serão


feitas as coleções a serem lançadas, de modo que todos os resultados tenham características em
comum. Comum a todos, como enfatiza Lipovetsky (2009) são somente o público consumidor
e a imprensa, que elegem quais itens são mais interessantes durante a temporada. Ademais, por
vezes são necessárias adaptações nas coleções seguintes, a fim de manter as vendas num
patamar aceitável, quando o que é produzido se distancia da curva do que é desejável durante
o momento em questão. As interpretações similares acerca de um tema, portanto, surgem não
porque isso foi combinado, e sim porque corresponde ao ansiado.
“No essencial, a Alta Costura substitui a uniformidade de corte pela multiplicidade dos
modelos; diversifica e psicologiza o vestuário; é habitada pela utopia segundo a qual toda
mulher de gosto deve estar vestida de maneira singular, adepta ao seu tipo, à sua personalidade
própria” (LIPOVETSKY, 1989, p. 103). A busca pelo lucro é acompanhada pela
excentricidade, pela exibição do corpo e pela originalidade, de modo que A Alta Costura
compreende, simultaneamente, valores ligados à ostentação aristocrática e ao individualismo
democrático moderno, pautado no privilégio das opiniões pessoais em relação ao contexto
social.
O papel do individualismo na Moda, portanto, vem de sua burocratização, de modo que
a legitimidade é conquistada com a mediação dos desejos particulares, que era feita de maneira
discreta e gradual. De maneira geral, a Alta Costura respeitava o ritmo do público consumidor,
mantendo-se relevante para ele.

2.2.3 A atualidade

Gradativamente, a Alta Costura foi substituída pelo prêt-à-porter no que diz respeito a
relevância, já que ela havia se tornado um modelo de negócio muito dispendioso, que requeria
um número de funcionários equiparável ao de clientes. As roupas sob-medidas continuam a ser
oferecidas, entretanto representando uma parcela cada vez menor da receita das grandes casas
de Moda, que lançam produtos como perfumes, cosméticos e óculos, todos com maior apelo
comercial.
As décadas de 1960 e 1970 também demarcaram a superação da necessidade de
obediência a uma tendência hegemônica específica, como destaca Lipovetsky (1989). Houve
um rompimento com os preceitos de delicadeza e aparência refinada que prevaleciam durante
a Moda de cem anos. As tendências, por sua vez, não são apresentadas rigidamente, apesar de
haver traços estéticos identificáveis nas coleções de diferentes grifes, como parte de um mesmo
39

conjunto. Como resultado, a Moda contemporânea permitiu a convivência harmônica entre


diversas estéticas simultaneamente, de modo que o consumidor poderia escolher as peças com
que mais se identificava. O conceito de Moda, portanto, passa a incorporar um sem-número de
modas.

Figura 9 - Vestido desestruturado, “Cocktail dress” de Madame Grès, ca. 1960, vestido estampado, “Evening
dress” de Emilio Pucci, ca. 1966 e conjunto estruturado, “Ensemble” de Giorgio Armani, ca. 1979, da esquerda
para a direita.

Fonte: The Metropolitan Museum of Art11

Enquanto as criações exóticas se multiplicam, também há uma aproximação visual das


vestimentas dos diferentes sexos. Em conjunto com o alto das subculturas, como os punks e
hippies, a valorização da estética jovem acontece no momento de ascensão da televisão, que
passava a ser mais uma vitrine, destacando visuais icônicos de famosos como os looks
coordenados dos Beatles ou o penteado de Farrah Fawcett. Isso rompeu os laços remanescentes
entre a Moda contemporânea e a Moda de cem anos, constituindo um cenário de escolhas
múltiplas, o que a levou a ser conhecida como Moda aberta. Há o exagero da diferenciação e
da singularidade, que se concretiza no convite a mixar referências das mais diversas
proveniências em conjunto, construindo uma identidade única, independente de quaisquer
grupos. É uma Moda lúdica, pautada na expressão dos desejos íntimos e na renovação constante
da estética individual.

11
Disponível em https://www.metmuseum.org/toah/works/#!?theme=72. Acesso em jun. 2019.
40

Nesse novo momento da Moda, a autonomia individual entra em foco e a capacidade de


filtrar aquilo que mais agrada ao indivíduo se torna inerente à sociedade. Era um contexto de
expressão das preferências mediante o consumo, influenciadas pela reestruturação ocidental
após a Segunda Guerra e pela popularização da televisão, que inundava a sociedade com novas
referências e propagandas, mais complexas que as trabalhadas nos materiais impressos e no
rádio. Num exemplo claro da influência televisiva para a Moda brasileira, é possível citar a
telenovela Dancin' Days, exibida na rede Globo ao final da década de 70 e responsável pela
popularização das sandálias usadas com meias de lurex, comuns no figurino da produção, em
todo o país.
As tendências eram lançadas pelas passarelas em um ritmo e incorporadas na rua em
outro, mais lento, de modo que existia até mesmo uma nebulização do que seria a última
tendência, já que as referências são provenientes de múltiplas direções. Durante a Moda aberta,
não havia uma preocupação em as reproduzir prontamente, mesmo quando conhecidas, se elas
não correspondessem aos gostos individuais e, devido ao grande número de estilistas existentes,
a vanguarda dos criadores se tornava cada vez mais incensada. Uma vez que os consumidores
não se mantinham fiéis a nenhuma grife, a Moda passa a se impor como aliada da
autonomização individualista, adequando-se a eles.
A independência particular, todavia, não representa a abolição do sistema de mimetismo
na Moda, como destaca o autor. Isso passa a acontecer, na verdade, de maneira mais difusa e
menos impositiva: as opções de que dispõem são tantas que podem escolher livremente, sem a
necessidade de se ater a apenas uma. É o início de um período de menos ligação apaixonada e
mais um interesse despretensioso em relação ao tema. O consumo de Moda se tornou prazeroso,
de modo que há um aumento de vendas de itens pequenos e mais baratos, que possibilitavam
compras mais frequentes. Ao hedonismo se associa também a ideia de se metamorfosear por
meio da Moda, concretizada nas situações de compras devido a alguma insatisfação pessoal ou
infelicidade, de forma que o relevante já não é a questão estética, mas o viés terapêutico do
consumo.
A partir de 1960 os costureiros da Alta Costura começam a produzir peças masculinas,
trazendo os homens de volta ao universo da Moda. Porém foi o movimento do sportswear que
viabilizou o lúdico no vestuário masculino, gerando o ciclo de renovações estéticas que o
aproximou da Moda feminina. As confecções prêt-à-porter, então, passaram a expor modelos
diferenciados e uma comunicação específica voltada para o sexo masculino. Mesmo nas
grandes apresentações das coleções é possível encontrar homens e mulheres desfilando juntos,
colocando-os no mesmo nível perante o interesse em novidades para o vestuário.
41

A superação da Moda de cem anos se associa com a reinserção do homem como alvo
da indústria da Moda e a consequente aproximação das vestimentas de ambos os sexos, que
movimenta o mercado da Moda. Lipovetsky (2009) expõe que, a partir da década de 1960, com
a adoção das calças pelas mulheres e dos brincos e cabelos compridos para os homens,
imaginava-se que haveria uma confluência estética. Isso, todavia, não aconteceu de maneira
soberana, já que adoção masculina de ícones relacionados à Moda feminina, como os vestidos,
geram ainda hoje escárnio ou desprezo à sociedade. Apesar da aproximação e da existência de
roupas unissex, são mantidos signos que continuam diferenciando masculino e feminino, e a
erotização dos corpos ainda acontece de forma distinta. A divisão de sexos, então, continua
nítida, diferente da divisão de classes, que tem suas fronteiras suavizadas.
A Moda feminina, nesse sentido, permanece majoritária, mas de uma maneira diferente
da que ocorria na Moda de cem anos. A continuidade da imagem masculina e seus signos fixos
acontece paralelamente à continuidade da imagem feminina: as calças femininas, por exemplo,
não substituem os arquétipos do gênero, mas convivem ao lado deles, como uma afirmação do
poder de escolha relativo ao que vestir, e não como um traço restritivo de conduta. O vestido,
então, representa uma tradição permissiva, que pode ser adaptada segundo as mais diversas
maneiras a depender de como a mulher resolva expressar-se.

Figura 10 - Conjunto com calça e casaco acinturado, “Pantsuit” de Yves Saint Laurent, Primavera-Verão 1970

Fonte: Yves Saint Laurent, (French, founded 1961), Yves Saint Laurent, The Metropolitan Museum of Art12

12
Disponível em https://www.metmuseum.org/toah/works-of-art/1984.598.96a-c/. Acesso em jun. 2019.
42

Lipovetsky (2009) afirma que, durante a era contemporânea, a Moda se torna uma
realidade abrangente, envolvendo outras áreas do cotidiano, o que ele chama Moda consumada.
Há uma influência e uma ligação profunda com o público, englobando a vida da sociedade e
tornando-a imersa nesse sistema de efemeridade, sedução e diferenciação marginal.
Aproximando-nos de Calanca (2011), a autora também pontua que desde que se tornou possível
reconhecer a ordem típica da Moda como sistema, ela conquistou todas as esferas da vida social
– ou seja, não tem um único conteúdo específico. O uso da palavra “moda” é amplo e geral.
Ademais, Calefato (1996, apud CALANCA, 2011, p. 6-7) afirma que "a moda hoje é
um meio de comunicação de massa que se reproduz e se difunde à sua maneira e que, ao mesmo
tempo, entra em relação com outros sistemas da mass media, principalmente com o jornalismo
especializado, a fotografia, o cinema, o marketing, a publicidade”. A Moda, assim como alguns
desses exemplos, é vista como uma Arte copiável, praticada tanto no ambiente doméstico como
em ateliês, variando apenas valores estéticos, de modo que há quem a substitua por “estilo” ou
“look” nesses ambientes mais casuais.
Lipovetsky e Serroy (2015) também destacam a aceleração da mudança de estilos como
um traço contemporâneo perceptível não só na Moda, mas em produtos culturais e objetos de
um modo geral. A Moda, portanto, se expande para além do vestuário e contempla essas
variadas esferas, como uma hipermoda. Há, inclusive, uma “cronoconcorrência”, de acordo
com Lipovetsky (2007), que se estabelece num contexto em que a vanguarda no lançamento
dos produtos é um fator tão importante quanto suas outras características para a decisão do
consumidor, de modo que é valorizada a marca entendida como pioneira.
O cenário atual “é aquele em que a produção é remodelada pelas lógicas-moda do
efêmero e da sedução, por um imperativo de renovação e de criatividade perpétuas”
(LIPOVETSKY e SERROY, 2015, p. 80), de maneira que o apelo estético se expande para
além dos limites dos signos de luxo. Isso se deve, em grande parte, à disseminação da Internet
e da globalização, que permitiu que informações circulassem de maneira instantânea. O tempo
que antes existia para a maturação de desejos e transmissão de tendências se tornou
progressivamente escasso, e apenas revistas mensais ou quinzenais já não supriam o desejo do
consumidor pelo novo e estético: a ansiedade pela informação é tamanha que ocasionou, em
2000, a criação do Google Images, a primeira ferramenta de busca de imagens na internet. O
vestido de Donatella Versace 13 usado por Jennifer Lopez14 em sua primeira aparição no

13
Designer Chefe da marca de luxo Versace.
14
Cantora e atriz norte-americana.
43

Grammy15 foi tão procurado no buscador que a empresa percebeu a necessidade de entregar
resultados também imagéticos, não somente textuais. Como catalisadores dessa mudança de
consumo, temos a popularização de blogs e também de redes sociais como o Instagram e o
Pinterest, que privilegiam as imagens como conteúdo.
No início desta década, os blogs evoluíram de diários pessoais para portais de notícias,
e a informação de Moda transmitida via revistas ou programas televisivos como o GNT
Fashion16 se tornou defasada, afinal esses demais canais requeriam um ciclo produtivo mais
longo que o online. Isso impactou não somente na disseminação de fotos como na própria
dinâmica produtiva do mercado, que passou a pautar suas criações no que as blogueiras
apontavam como relevante. Algumas delas, como Camila Coutinho 17, por exemplo,
conseguiram se destacar e mesmo desenvolver coleções junto a marcas, como a Riachuelo, a
Corello e, mais recentemente, a Hering. Outro resultado da ascensão dos blogs e do seu modelo
de produção de conteúdo diário foi a aceleração da importação de tendências internacionais
para os mercados locais, dada a urgência para o uso daquilo que era visto online, mesmo que o
contexto envolvesse também estações do ano distintas.
A saturação dos códigos estéticos da Moda se inclina, por exemplo, à valorização do
fast fashion, que oferece novidades em ritmo acelerado e traduz com agilidade as tendências
apresentadas nas semanas de Moda, adiantando-se em relação ao prêt-à-porter tradicional. As
opções disponíveis são multiplicadas segundo uma “diferenciação marginal”, que propõe a
mudança de detalhes nas roupas para maior variedade de estilos, sem que haja
comprometimento com uma real inovação estética, mas uma adequação às demandas dos
consumidores. Mesmo marcas tradicionais como a Arezzo se inclinam a este modelo produtivo,
e outras como a Burberry e a Tommy Hilfiger adotam o “see now, buy now”, que consiste na
venda dos produtos logo após a divulgação nos desfiles das semanas de Moda, suprimindo os
meses que existiam entre a apresentação dos produtos e a disposição nas lojas.
Como destacado na reportagem de Vívian Sotocórno para a Vogue Brasil18, as redes
sociais tiveram papel fundamental nessa lógica de saturação estética:
com a ampla divulgação que os desfiles hoje recebem por conta das redes sociais, não
fazia mais sentido que o consumidor esperasse seis meses para encontrar tais peças na
loja. As tendências acabavam chegando antes nas redes de fast-fashion – e, ao

15
Considerada uma das maiores premiações da música, realizada pela "Academia Nacional de Artes e Ciências
de Gravação" desde 1959.
16
Programa sobre moda no canal GNT, da rede Globosat, existente desde 1995.
17
Autora do blog Garotas Estúpidas e indicada como uma das 500 personalidades do mundo mais influentes na
moda pelo Business of Fashion em 2017. Em 2015 integrou a seleção “30 under 30” da Forbes Brasil.
18
Disponível em: https://vogue.globo.com/moda/noticia/2018/04/por-que-o-see-now-buy-now-nao-deu-certo-
para-todo-mundo.html. Acesso em ago. de 2019.
44

finalmente desembarcarem nos endereços das grifes que as haviam criado, pareciam
velhas (SOTOCÓRNO, 2018).
O Instagram, por exemplo, criado em 2010, tem como principal objetivo o
compartilhamento de imagens e recebe cerca de cem milhões de fotos todos os dias pelos seus
usuários, como apontam as estatísticas do portal Omnicore19. Esse ritmo acelerado de conteúdo
compartilhado pelos usuários da plataforma resultou em uma produção maior e mais rápida de
peças digitais de comunicação das marcas, que se voltaram ao online. Há uma demanda por
conteúdos responsivos e uma presença constante das marcas nas redes, identificada também em
conteúdos não-proprietários, gerados por usuários comuns e influenciadores digitais. Nessa
perspectiva, os consumidores têm o poder multiplicado e se tornam autores de novas linhas de
sentido, agregadas a partir de hashtags, que formam uma vitrine online. Observando, por
exemplo, o número de marcações para “#vansoldskool”, relativas ao modelo de tênis Old Skool
da marca Vans, são encontradas mais de dois milhões e trezentas mil postagens 20, o que reforça
o caminho para a saturação dos signos da Moda. Conforme afirmam Lipovetsky e Serroy
(2015), “O artista, hoje, não é mais o outro: em meus sonhos e um pouco no cotidiano, sou eu”
(LIPOVETSKY E SERROY, 2015, p. 411).
Há, todavia, uma dinâmica de consumo estabelecida especificamente a partir da
valorização das imagens das peças, algo que não é essencialmente novo, tendo em vista que no
Renascimento, de acordo com Barthes (2009), a cada novo traje da nobreza era registrado um
novo retrato. Hoje em dia, por sua vez, principalmente no ambiente virtual, a posse de
determinado item é mais significativa se ele é reconhecido pelas demais pessoas: os produtos
têm popularidade entre grupos de interessados no assunto e diferentes graus de raridade, a
depender das tiragens feitas pelas marcas. Em comum, entretanto, há mais valor se há fotos de
pessoas influentes os utilizando e, de certa maneira, a posse é relevante quando conquistada e
documentada. A busca pelos itens raros e principalmente a conquista do objeto desejado são
mais importantes que a detenção do produto, que geralmente é revendido a outro interessado
por um preço maior que aquele de compra. Essa interação é identificável no movimento
hypebeast, por exemplo, que se interessa por peças de estética streetwear e alto investimento
de marcas como Off-White e Nike.
Outro sinal dessa saturação estética é o que Rabkin (2018) pontua como premium
mediocre fashion, uma aproximação entre a produção em série e os modelos de luxo que resulta
em bonés Balenciaga e faixas de cabelo Gucci que pouco diferem dos habituais, além do

19
Disponível em: https://www.omnicoreagency.com/instagram-statistics/. Acesso em ago. de 2019.
20
Número observado em agosto de 2019, na rede social Instagram.
45

logotipo estampado, que supostamente elevaria os itens medianos a um nível de percepção


superior. Há, contudo, um desgaste dos signos do luxo entremeados nesse contexto, de modo
que a marca pode ter sua percepção de valor atingida nesse processo. O contemporâneo é
marcado pela confusão entre as oposições popular e luxuoso, tanto pelo aumento da percepção
de qualidade de itens produzidos industrialmente e da agilidade nessa esfera para a tradução de
informações de Moda, quanto pela trivialização do que outrora fora inacessível.

Figura 11 - Faixa Gucci e boné Balenciaga

Fonte: site da Gucci e perfil de Rihanna no Instagram, montagem das autoras

Considerando a evolução dos processos da Moda, desde as lógicas produtivas até o


consumo e os ciclos de tendências, julgamos necessário nomear o período atual Moda
Remixada, diferenciando-o da Moda dos cem anos pela expansão de sua dinâmica efêmera a
outras esferas e pelo papel da internet como catalisador das mudanças identificadas.

2.3 A galeria de signos da Moda

Como observado ao fim da Moda de cem anos, quando as tendências deixam de ser
rígidas e passam a se sobrepor, os artigos de Moda passam a se relacionar se contrapondo às
regras originalmente convencionadas, de modo que não produziriam os mesmos efeitos em
outro contexto. Calanca (2011) reforça que a Moda se trata de vários elementos que se
relacionam e que quando considerados isoladamente, estão privados de valor, sendo ligados por
um conjunto de normas e regras, assim como os sistemas de significação. Além disso, ela afirma
que a Moda “é um fenômeno completo porque, além de propiciar um discurso histórico,
46

econômico, etnológico e tecnológico, também tem valência de linguagem, na acepção de


sistema de comunicação” (CALANCA, 2011, p. 16).
Apresentado esse cenário, entendemos que a Moda, por si, corresponde a um sistema de
significação, conforme conceituado por Barthes (2009). Em seu livro Sistema da Moda, ele
delineia a existência de um sistema de Moda real, correspondente às peças propriamente ditas,
de um sistema visual, que engloba a representação fotográfica e os desenhos de Moda, e do
sistema da Moda escrita, que equivale aos escrito sobre as peças – no caso da obra, às legendas
de fotografias em revistas de Moda francesas.
O autor situa o vestuário escrito como as descrições de peças de roupas encontradas
junto às suas fotografias em revistas de Moda e ressalta sua independência em relação à
imagem, considerando que, ao ser alterada a sua forma, não se altera o registro fotográfico. Ele
destaca, ainda, que nem o vestuário escrito nem o fotografado são idênticos ao real, visto que
são compostos a partir de diferentes estruturas: uma tecnológica (a peça real), uma icônica (a
imagem da peça) e outra verbal (sua descrição textual), e as duas últimas descendem da
primeira.
A comunicação da Moda, sob essa perspectiva, encarrega-se de adaptar o conteúdo de
uma estrutura para a outra por meio dos shifters, recursos operadores dessa transformação.
Considerando três estruturas, há também três shifters, de acordo com Barthes (2009), que
operam do real para a imagem, do real para a linguagem e da imagem para a linguagem. O
primeiro, em geral, equivale a moldes ou desenhos que buscam representar graficamente o
projeto original; o segundo, às instruções de costura; o terceiro, a descrições enxutas, visto que
normalmente o visual e o verbal são exibidos juntos, e suprime-se o que seria redundante no
texto. Compreendendo que o nosso trabalho se materializa a partir da análise da comunicação
de Moda, avaliaremos também essas estruturas.
A Moda, enquanto vestuário real, depreende um significado principal, que é o ser da
Moda, segundo o autor. Pensando em oposições, temos a Moda e o fora-de-moda, de modo que
as mesmas peças podem variar de sentido a depender do contexto, como enfatiza Lipovetsky
(2009) ao comentar a respeito das dinâmicas de oposição que configuram os ciclos de
preferência social. Sem o contraste em relação àquilo que não é Moda, portanto, ela perde o seu
caráter diferencial e constitutivo, e o vestuário regressa a um recurso meramente funcional,
desprezando as camadas de sentido que adquiriu ao longo dos anos.
Essas outras camadas de sentido são investigadas por Barthes (2009), que identifica aí
também uma interação entre o vestuário escrito e as circunstâncias do mundo, que o
acompanham. Exemplo dessa relação é encontrada na frase “estes sapatos são bons para
47

caminhada” que, no caso da Moda escrita, configura uma relação de sentido explícita mas, para
a Moda como um todo, é normalmente implícita: às roupas por si só não são atribuídas
associações tão diretas, mas isso ocorre com a consideração do contexto. Em todo caso,
entretanto, é identificável a oposição: se mudam os sapatos, altera-se também a propensão de
serem bons ou não para a caminhada, de forma que o significativo não é o conteúdo em si, mas
a constância da relação dos signos.
De acordo com Lipovetsky (2009), o sistema da Moda é imprevisível, já que depende
minimamente da interpretação da população para constituir-se. Os costureiros criam as peças,
após pesquisas, estudos e interferências externas, segundo suas preferências, no entanto se
submetem posteriormente a filtros de revistas de Moda e da clientela influente, que interfere no
que de fato será adotado e percebido como Moda. Seja em relação a modelagens ou cortes, além
de hábitos e formas de vestir, tudo o que é oferecido é reanalisado pelo público, de forma que
a mensagem final passada pela peça pode ser totalmente distinta daquela previamente pensada.
Reverberando essa imprevisibilidade, Barthes (2009) afirma que nenhuma associação
da Moda é universal ou eterna: o tempo é um elemento primordial na equação de sentido, uma
vez que pode tornar possíveis associações atualmente desprezadas ou mesmo inaugurar novas.
Todas as combinações “impossíveis”, então, formam uma espécie de reserva histórica que, para
ser esgotada, requer outro esforço além da Moda, considerando que envolve aspectos culturais.
O autor delineia, desse modo, três momentos que compõem o sistema: Moda atual,
Moda virtual e história. A Moda atual se refere ao ser da Moda, o “obrigatório”, aquilo que é
exposto numa temporada; a virtual, por sua vez, é o fora-de-moda, o não-comentado, que
compõe a sua reserva, e a história, por fim, abarca o que foi excluído do sistema da Moda.
Como afirma Lipovetsky (2009, p. 35), "A radicalidade histórica da Moda sustenta-se no fato
de que ela institui um sistema social de essência moderna, emancipado do domínio do passado;
o antigo já não é considerado venerável e só o presente parece dever inspirar respeito”. As
oposições sistemáticas ocorrem, portanto, numa perspectiva de curta duração, de forma que “a
Moda pura, a Moda lógica [...] é sempre uma substituição amnésica do passado pelo presente”
(BARTHES, 2009, p. 425).
Barthes (2009) afirma, contudo, que o sistema da Moda não pode ser reduzido a um
processo de oposições binárias e que mais importante que o binarismo, nesse contexto, é a
existência de limites que cerquem o espaço de variação possível, de modo que ele possa ser
saturado por certo número de termos. Em suas palavras, “a excelência de uma oposição decorre
menos do número de seus termos constitutivos [...] do que da perfeição de sua estrutura”
(BARTHES, 2009, p. 252) e, do mesmo modo, há a crença de que o que forma mais fortemente
48

a estrutura semântica são as regras, não as liberdades, numa perspectiva em que “o regime de
sentido é uma liberdade vigiada” (BARTHES, 2009, p. 244).
Quando são analisadas as estruturas significantes, todavia, percebe-se que a sintaxe da
Moda é formada por combinações infinitas e, portanto, livres, de forma que não podem ser
indexadas em um inventário. Comparando essas estruturas a línguas, no sentido idiomático,
peças de roupa – sejam elas concretas, gráficas ou descritas –, são como palavras, enquanto os
trajes elaborados são as falas, de maneira que sutis alterações sintáticas interferem no sentido
final transmitido.
Como exposto por Barthes (2009) ao se debruçar sobre a Moda escrita, a sua
organização como sistema de significação faz com que esses signos se assemelhem a puras
razões, pois ora o signo é convertido em fato natural, quando há interação com as circunstâncias
do mundo, ora em lei racional, quando se refere ao ser da Moda. Os objetos da Moda, assim
sendo, não se esgotam numa norma única de funcionalidade, mas implicam em outro signo, de
maneira que “não caberia falar de funções, mas de funções-signos. Entende-se então por que o
objeto cultural, em virtude de sua natureza social, possui uma espécie de vocação semântica:
nele, o signo está pronto para se separar da função e atuar sozinho, livremente” (BARTHES,
2009, p. 391).
Quando nos deparamos com a significação do ser da Moda, todavia, por ser implícita,
essa racionalização se torna forçada, de forma que a oposição se torna mais o dito e o não-dito
que necessariamente a Moda e o fora-de-moda, já que ela tende a ser eufemística e não nomeia
aquilo que nega o seu ser. O que é dito, portanto, relaciona-se ao que é legal e torna-o
verdadeiro. Essa relação é simétrica à da função-signo e, se lá era necessária uma
racionalização, aqui há a naturalização, num sentido em que “toda a retórica da Moda se
empenha em inocentar seus decretos, seja disfarçando-os como espetáculo, seja convertendo-
os em puras constatações, como coisas exteriores à sua própria vontade” (BARTHES, 2009, p.
397).
Essa naturalização dos decretos se associa a outro aspecto do sistema de Moda
contemporâneo, a incorporação de referências advindas de variadas estéticas simultaneamente,
como foi destacado por Lipovetsky (2009). Há, desse modo, segundo Barthes (2009), uma
interação entre sistemas simultâneos, que justapõem seus signos e compõem significados gerais
mais densos, de maneira que é necessário esmiuçá-los, ainda que teoricamente, para melhor
compreensão. Dizemos “teoricamente” pois, uma vez que a interação descrita ocorre de modo
constante, dificilmente os significados podem ser dissociados por completo em nosso
entendimento.
49

2.4 O corredor da Moda de luxo

O luxo, enquanto prática, surge nas sociedades primitivas como uma atitude mental, um
fenômeno cultural que destaca os humanos do ser selvagem, conforme trazido por Lipovetsky
(2008). Em sua essência há a demarcação das diferenças, de forma que é natural a sua
identificação como um sistema de significação. Os códigos que compõem esse sistema, todavia,
atualizam-se no decorrer do tempo, à medida que ocorre uma saturação do que era distintivo e
uma equalização das práticas de diferentes grupos sociais.
De acordo com o autor, “Com a moda instala-se a primeira grande figura de um luxo
absolutamente moderno, superficial e gratuito, móvel, liberto da forças do passado e do
invisível” (LIPOVETSKY, 2008, p. 40), num sentido em que a demarcação de luxo,
anteriormente mais relacionada ao comportamento, a partir da metade do século XIV se associa
ao capricho estético. É o cenário de valorização das mudanças e da individualidade, manifestada
também em autorretratos, autobiografias e sepulturas personalizadas. A partir da segunda
metade do século XIX, contudo, a lógica aristocrática e artesanal é substituída pelo
favorecimento de quem produz o luxo, atualizando o reconhecimento do prestígio para a
identificação de marcas, além dos materiais diferenciados.
É possível afirmar, desse modo, que a Alta Costura viabilizou o reconhecimento do luxo
como uma indústria de criação, num contexto em que se organizavam artesanal e industrial, o
artístico e a produção em série. Nesse mesmo período, Lipovetsky (2008) destaca o surgimento
de um “semiluxo”, caracterizado pelos itens de valor elevado replicados industrialmente que,
em termos semiológicos, não atendiam às premissas do sistema de luxo propriamente dito.
Havia uma gradação de signos entre ambas as categorias, que mantinham a distinção uma da
outra.
A Moda contemporânea, por sua vez, está inserida num contexto em que o luxo é um
setor econômico e não-econômico simultaneamente, dominado por grandes conglomerados
empresariais e pela associação da criatividade à busca pela maior rentabilidade. Atualmente,
portanto, como expõe o autor, são itens do prêt-à-porter que representam a maior parte do
mercado de luxo na Moda e situam a sua configuração semântica, que engloba valores como a
emocionalização e a individualização, de forma que “o luxo está mais a serviço da promoção
de uma imagem pessoal do que de uma imagem de classe” (LIPOVETSKY, 2008, p. 53),
formado a partir de aspectos díspares reunidos por um indivíduo.
No decorrer da história a percepção do luxo também altera-se em relação à própria
interação com o tempo, numa perspectiva em que até meados do século XIX ele estava
50

intrinsecamente atrelado a antiguidades e, a partir desse período, relaciona-se mais fortemente


ao presente. Hoje, além disso, é identificável uma ligação entre o luxo e valores futuristas de
maneira majoritária, num contexto derivado da reinterpretação do antigo a partir da ótica
presente. A indústria de luxo, pois, é tanto lugar de criação quanto lugar de memória, de acordo
com o autor, de maneira que
Por um lado, é preciso inovar, criar, espetacularizar, rejuvenescer a imagem da marca:
é o tempo curto, o da moda, que é convocado. Mas, por outro lado, é necessário dar
tempo ao tempo, perpetuar uma memória, criar um halo de intemporalidade, uma
imagem de “eternidade” da marca: as estratégias empregadas são, então, de
capitalização e de sedimentação do tempo. Ora um tempo de atualidade, o tempo
rápido e versátil da moda; ora o imóvel, o que não está sujeito a sair de moda, a
temporalidade longa da memória: uma marca de luxo não pode ser edificada sem esse
trabalho paradoxal que mobiliza exigências temporais de natureza oposta
(LIPOVETSKY, 2008, p. 84).

Roux (2008) segmenta essa relação das criações de Moda de luxo com o tempo de quatro
formas: descontinuidade, não-descontinuidade, continuidade e não-continuidade. As marcas se
comportam segundo uma dessas classificações, entretanto diferentes momentos de uma mesma
marca podem equivaler a diferentes maneiras de gerir a sua identidade estilística. Desse modo,
a descontinuidade se refere a um contexto de constante renovação, de forma que não há
compromisso com a tradição da marca nem a intenção de construir uma unidade estilística para
coleções futuras – o que a define é o risco criativo máximo, com a intenção única de
espetacularizar-se continuamente. A não-descontinuidade é o seu oposto: a fidelidade a uma
tradição de marca e disposição a transmitir essa herança adiante. A continuidade, por sua vez,
reflete um período de consolidação estética da marca, seja ela uma marca nova ou uma
tradicional passando por um momento de renovação – não há necessariamente uma fidelidade
em relação ao seu passado, mas o desenvolvimento de uma identidade a ser reconhecida
futuramente. Por fim, a não-continuidade representa um momento de ruptura com aquilo que
vinha sendo construído anteriormente, quando um novo diretor criativo assume a marca, por
exemplo.
À parte da classificação do momento presente da marca segundo o modo com que baliza
criação e memória, Roux (2012) define que uma marca de luxo, para ser considerada como tal,
depende das dimensões-chave indissociáveis ética e estética do luxo. Segundo ela, a “estética
torna-se [...] uma (a) maneira original, inédita, própria, de organizar o mundo do sensível de
maneira a comunicar uma emoção que traduz a visão do mundo do criador, isso é, sua ética”
(ROUX, 2012, p. 143), numa perspectiva em que o luxo não se refere somente ao que é
produzido, mas engloba a maneira de organizar a conduta.
51

Baseando-nos em Barthes (2009), reconhecemos que a Moda de luxo, enquanto sistema


de significação, é formada por signos que o segregam da Moda como um todo, apesar de ainda
conectar-se a ela. Apesar disso, é possível identificar nele regras de oposição comuns às da
Moda, situando-o portanto como um subsistema desse majoritário. Suas premissas obedecem
ao macro mas, por serem mais rígidas em alguns aspectos, destacam-no do sistema da Moda
geral. Nesse sentido, compreendemos que a subsistência do subsistema da Moda de luxo
depende da manutenção de signos distintivos, ou ele é simplesmente incorporado pelo sistema
da Moda geral. As marcas, nessa perspectiva, atualizam-se constantemente, buscando manter
tal distanciamento.
52

3 DECIFRANDO O LABIRINTO: O ENCONTRO DOS SISTEMAS MODA E ARTE

Este capítulo busca atender ao segundo objetivo específico deste trabalho, que é
contextualizar o sistema da Arte em sua interação com o subsistema de Moda de luxo
contemporânea e identificar as estratégias de construção de sentido que surgem dessa relação.
Para tanto, apoiamo-nos em Lipovetsky (1989), Barthes (2009), Köhler (2009) e Wöllflin
(2015), que nos ajudaram a entender conceitos do sistema da Moda e as leis que o definem,
assim como aquelas que definem o sistema da Arte. Definimos subtemas para melhor divisão
do capítulo: A busca pela reinvenção, A Moda a partir da Arte, Os registros da Moda, Artistas
& Estilistas e A Arte como recurso comunicativo.

3.1 A busca pela reinvenção

Como apresentado no capítulo anterior, o sistema da Moda contemporânea, a qual


chamamos Moda Remixada, encontra-se numa situação de saturação estética, desenvolvida a
partir da hiperexposição de seus signos, principalmente no ambiente digital. Isso se desdobra
em situações como a dominância do fast fashion, as peças de premium mediocre fashion, o
surgimento do movimento hypebeast e do modelo de vendas see now, buy now.
Nesse cenário, observamos diversas tentativas da Moda para reconstruir o seu sentido,
que se desenvolvem a partir de direções distintas. O slow fashion, por exemplo, se opõe ao fast
fashion e se desenvolve como um modelo de negócios sustentável. Como destacado por
Fletcher (2010) e por Lipovetsky e Serroy (2015), o movimento slow tem origem na
gastronomia, em 1986, e se expande para outros setores. Em ambos são levados em
consideração aspectos além do prazo produtivo, como a ética dos materiais, a transparência e
os limites biofísicos, numa abordagem cultural de ressignificação de processos. No caso da
Moda, isso se traduz em políticas de preço aberto, como a praticada pela marca Ada 21, e no
lançamento de menos coleções ao longo do ano, sem que a haja uma padronização rítmica no
setor.
Podemos considerar que a reestruturação do sistema da Moda se estabelece, no caso do
slow fashion, a partir da negação de sua principal lei, como definida por Lipovetsky (1989) e
Calanca (2011), a efemeridade: esse modelo de negócios evoca a durabilidade dos itens e o

21
Disponível em: https://conceitoada.com/pages/preco-aberto. Acesso em set. 2019.
53

desprezo às tendências, como destaca a marca Everlane 22, adepta ao movimento, em seu site.
Essa diferenciação em relação ao modelo fast fashion também era marcada, a princípio, pela
comunicação das marcas, que costuma ter uma paleta de cores mais próximas às naturais,
cenários minimalistas e composições informais, com modelos que exprimem se sentir à vontade
com as roupas que vestem. Isso é exemplificado com as imagens da Everlane e da marca Brisa
Slow Fashion, ambas veiculadas em suas respectivas contas no Instagram.

Figura 12 – Postagens no Instagram da Brisa Slow Fashion

Fonte: captura de tela do Instagram

22
Disponível em: https://www.everlane.com/about. Acesso em set. 2019.
54

Figura 13 - Postagens no Instagram da Everlane

Fonte: captura de tela do Instagram

Entretanto, o fast fashion se apropria desses signos do slow fashion e os recicla para sua
própria construção de sentido. Observamos, por exemplo, as marcas Renner e Riachuelo, que
têm apelo natural em suas campanhas de primavera-verão 2020, evocando os significados
construídos a partir de um modelo de negócios que diverge do seu. Isso é perceptível pela
iluminação em tons quentes, que imita a luz solar, e pelos planos de fundo com texturas ou
plantas, assim como pela paleta de tons terrosos. Ao se aproximar esteticamente de marcas slow
fashion, a comunicação da loja se distancia da imagem industrializada de lojas de departamento,
que usa cores vibrantes e planos chapados com logotipos em destaque.
55

Figura 14 - Postagens no Instagram da Renner

Fonte: captura de tela do Instagram

Figura 15 - Postagens no Instagram da Riachuelo

Fonte: captura de tela do Instagram


56

Figura 16 - Postagens no Instagram da Riachuelo

Fonte: captura de tela do Instagram

Nessa tentativa de renovação, o que seria um caminho alternativo para a saturação de


códigos estéticos se torna parte desse contexto, já que signos proprietários do slow fashion e
sua demarcação imagética do modelo de negócios são incorporados por marcas que não
praticam esses princípios. Para os consumidores, isso resulta numa confusão entre o que seria
a oferta da Moda, e o slow fashion se revela incapaz de se sustentar como um sistema autônomo,
uma vez que a oposição destacada por Barthes (2009), que demarca esse sistema de
significação, é desvanecida.
Outro recurso utilizado pela Moda para arejar o estoque de signos e sentidos que
constroem o sistema é a tecnologia. Enquanto há alguns anos vemos evoluções na composição
de tecidos, que incluem fibras respiráveis ou mesmo feitas com materiais reciclados, a
Carlings23 lançou em 2019 a primeira linha de roupas digitais, modeladas virtualmente com
animação 3D a partir de qualquer foto tirada pelo usuário. No vídeo-case da coleção, a marca
expressa que desde o surgimento das redes sociais a venda de roupas aumentou em 60%, e as
roupas modeladas em 3D são como uma resposta ao fenômeno “outfit of the day”: são um
convite aos fashionistas da internet para que montem novos looks sem comprar novas peças
materiais.

23
Rede multimarcas de roupas norueguesa, fundada em 1980.
57

Isso se relaciona com o ponto destacado no capítulo anterior a respeito da valorização


da posse dos produtos a partir da documentação disso nas redes sociais, que tem gerado um
consumo imagético diferente do encontrado anteriormente. A atualização frenética das
vestimentas é facilitada, atendendo aos anseios contemporâneos, ao mesmo tempo em que são
acionadas questões ambientais, já que o impacto da fabricação de novos itens na indústria é
suprimido. Essa iniciativa, contudo, ainda acontece em pequena escala, e a movimentação
guiada pelo inédito continua a saturar os signos da Moda em ritmo acelerado.
A reestruturação do sentido da Moda, a partir desses recursos, ainda acontece de
maneira insuficiente, num contexto em que as substituições promovidas não demarcam as
oposições necessárias para o reconhecimento do sistema, seja por se confundirem ao contexto
já saturado, seja por acontecerem ainda de forma pouco escalável. Além disso, requerem
esforços na direção da própria produção da Moda, que é reformulada. Há, todavia, estratégias
ancoradas na comunicação, que possibilita uma nova leitura das roupas e do cenário de
consumo construído.

3.2 A Moda a partir da Arte

Dentre todos os recursos comunicativos/semióticos explorados pelas marcas de Moda,


destacamos a interação com o sistema da Arte e, especificamente, as Artes visuais, tendo em
vista os nossos objetos de estudo, que dialogam com esse universo. Tal interação entre a Arte e
a Moda acontece desde os seus primórdios, conforme exposto no capítulo anterior, pois as
representações artísticas faziam o papel de registrar a evolução da Moda e divulgá-la à
população, e se desenvolve com muitas nuances no decorrer dos anos, com parcerias entre
artistas e estilistas, e inspirações da Moda advindas dos registros da Arte.

3.2.1 Os registros da Moda

Para ilustrar a relação existente entre Arte e Moda, enquanto sistemas de signos e
significação, destacamos alguns momentos da história, entendendo que é o sistema da Arte que
permite acessar uma versão da Moda de outras épocas. A leitura da Moda aqui empregada, pois,
é proveniente do sistema da Moda formado a partir de suas representações visuais, e portanto
estruturas imagéticas, conforme delimitado por Barthes (2009). Dito isso, é importante ressaltar
que as considerações a respeito da Moda real, uma vez que não temos acesso às peças de roupa
propriamente ditas, sofrem interferência do estilo artístico predominante à época, com a
58

arbitrariedade das suas leis e regras, que poderia retratar as vestimentas conforme lhe fosse mais
conveniente.
Comparamos esses registros imagéticos provenientes do sistema da Arte aos trazidos
por Köhler (2009) em História do Vestuário, assim como às descrições feitas pelo autor. Desse
modo, observamos as leis do sistema da Moda de acordo com Köhler (2009) e as leis do sistema
da Arte conforme apresentadas por Wölfflin (2015), relacionando-as de acordo com a estrutura
semiológica proposta por Barthes (2009).

Figura 17 - Esquema teórico para a avaliação da relação entre os sistemas da Arte e da Moda

Fonte: desenvolvido pelas autoras

Em sua obra, Wölfflin (2015) enfatiza como diferentes artistas interpretam e


representam uma mesma situação de maneiras distintas, mesmo que haja, por exemplo, uma
intenção de se manterem o mais fiel possível à situação real. Mesmo em movimentos artísticos,
desse modo, há diferenças de acordo com quem constrói a narrativa a ser apresentada. Toda
expressão de determinado estilo, pois, tomando por base a estrutura delineada por Barthes
(2009), é uma fala em meio à história da Arte, que se assemelha a uma língua, e uma fala
emitida por uma pessoa em específico.
Um desses momentos a serem explorados é o Barroco, definido segundo Wölfflin
(2015) em contraste com o movimento renascentista: o autor identifica o Clássico e o Barroco
como dois grandes grupos de leis na história da Arte e, observando um deles, é possível
identificar como a representação do sistema da Moda reflete essas leis. No caso do Barroco, a
Moda do período entre os séculos XVI e XVIII.
59

Figura 18 - Las Hilanderas, de Diego Velásquez, 1655 - 1660. Óleo sobre tela, 220 x 289 cm

Fonte: Site do Museu do Prado24

O quadro Las Hilanderas, de Diego Velázquez, uma expressão barroca espanhola,


apresenta-nos um contraste entre a nobreza e as costureiras. Percebemos esta oposição ao
observarmos as roupas pouco estruturadas das tecelãs, que usam saias longas com movimento
solto, tecidos planos e amassados, ornamentos nos cabelos, que são presos em coques, e pés
descalços, enquanto ao fundo a nobreza aparece em vestidos estruturados, detalhados, com o
volume das anáguas que limitam o movimento e tecidos que aparentam maior densidade e
complexidade. Enquanto as dobras das vestimentas das nobres, perceptíveis a partir dos
recursos de luz e sombra, são devidas à abundância de tecido nas saias, nas roupas mais simples
isso reflete a leveza das peças vestidas, provavelmente feitas de linho. Além disso, as
trabalhadoras empregam uma personalização às blusas que usam, que têm as mangas dobradas,
enquanto a nobreza veste as roupas da maneira que elas foram concebidas.
São perceptíveis também, ao fundo, uma pessoa que usa capacete e outra com um quitão
clássico, que fogem aos trajes usados na época, mas são similares aos da antiguidade, como
exposto por Köhler (2009), historiador de Moda. De acordo com o exposto no portal do Museu
do Prado, essas pessoas representam Palas e Aracne, do mito grego, e isso justificaria a

24
Disponível em: https://www.museodelprado.es/coleccion/obra-de-arte/las-hilanderas-o-la-fabula-de-
aracne/3d8e510d-2acf-4efb-af0c-8ffd665acd8d. Acesso em out. de 2019.
60

incoerência entre elas e o restante da cena, que usa vestes mais relacionadas ao momento em
que o quadro foi pintado. Os sentidos produzidos para o sistema da Moda a partir do sistema da
Arte sofrem interferência da intenção do artista e, desse modo, contrastam com a documentação
dos sistemas da Moda escrita e da Moda visual.

Figura 19 - Estátua de Safo vestida com um quitão com capa, traje típico da segunda metade do século V a. C. na
Grécia

Fonte: Villa Albani, Roma (KÖHLER, 2009)


61

Figura 20 - Las Meninas, de Diego Velázquez, 1656. Óleo sobre tela, 320,5 x 281,5 cm

Fonte: Site do Museu do Prado25

No quadro Las Meninas, também de Velázquez, é retratada a Infanta Margarita, suas


damas-de-honra María Agustina Sarmiento e Isabel de Velasco, os anões Mari Bárbola e
Nicolas Pertusato, a dama de companhia Marcela de Ulloa e um guarda-costas não identificado,
o camareiro José Nieto ao fundo, os reis Philip IV e Mariana refletidos no espelho e o próprio
pintor, conforme exposto no portal do Museu do Prado26. O pintor usa a luz para destacar os
membros da nobreza e suas vestes, enquanto posiciona os funcionários à sombra.
A pequena Margarita e suas damas usam anquinhas laterais para estruturar as saias e
anáguas que lhes conferem mais volume, pet-en-l’airs (parte superior da vestimenta, também
chamadas casaquins ou caracos) e adornos com motivos naturais nos cabelos. Os tecidos das
vestimentas se assemelham a cetim com acabamento brocado e veludo, ambos com caimento
pesado. As mangas são bufantes e os punhos enfeitados ora com babados ora com fitas; no caso
de Isabel, elas são talhadas e revelam uma camisa de linho por baixo. Na região do colo, ela usa

25
Disponível em: https://www.museodelprado.es/en/the-collection/art-work/las-meninas/9fdc7800 -9ade-48b0-
ab8b-edee94ea877f?searchMeta=las%20meninas. Acesso em out. de 2019.
26
Idem, ibidem.
62

um tecido mais fino, como uma seda, que compõe o visual triangular típico da década de 1650,
e ela e Margarita têm sobre o peito o que podem ser broches ou bordados.
A anã Mari Bárbola, diferentemente das meninas, usa uma anquinha em forma de roda
embaixo da saia mas, como Isabel, também usa um pet-en-l’air com mangas talhadas. Sua
roupa tem tecido mais escuro e é adornada por uma pedra clara e de forma retangular e ela usa
um colar de ouro próximo ao pescoço. É válido questionar, contudo, se sua roupa de fato seria
mais escura e pesada que a das meninas, ou se assim foi retratada para seguir a estética pictórica
barroca, conforme delineada por Wölfflin (2015), que se refere e cenas com maior profundidade
e maior indefinição das formas, em oposição à clareza das representações clássicas. Nos
registros de Köhler (2009) não há menção a esse aspecto das vestimentas espanholas do século
XVII, o que sinaliza uma diferença entre o sistema da Moda em interação com o sistema da
Arte e o sistema da Moda escrita. Ao lado de Mari Bárbola, no canto direito do quadro, Nicolas
é ilustrado usando uma sobreveste que possivelmente tem mangas com fendas – não é possível
precisar devido ao corte do quadro. Os punhos e a gola são decorados e parecem ter acabamento
em renda. Ele veste calças culotes e calça um sapato com pequeno salto adornado por laços de
fita.
A respeito das vestes de Marcella de Ulloa e do guarda-costas é possível precisar pouco,
uma vez que estão numa região de sombra. Sabemos que ela veste um hábito padrão branco,
touca e véu preto, enquanto ele usa uma capa escura de comprimento indefinido e gola
adornada.
José Nieto, retratado em último plano, usa uma capa, que Köhler (2009) destaca como
típica da Espanha do século XVII e que revela uma camisa com mangas bufantes e punhos
justos. Assim como Nicolas, usa culotes, porém os seus sapatos são mais simples. Na mão
esquerda segura um chapéu.
O nível de detalhamento empregado pelo pintor na representação do espelho permite
discernir a mesma silhueta triangular de Isabel na Rainha Mariana, que tem a gola adornada por
um laço de fita, enquanto em relação ao rei Philip IV não é possível precisar nada além de que
usa roupas de tonalidade escura com a gola em destaque.
Por fim, Velázquez, pintado à esquerda do quadro, usa uma sobreveste com mangas
fendadas pendentes assim como José Nieto, que revelam uma camisa de linho usada por baixo,
e estampada com a cruz da Ordem de Santiago, como detalhado no portal do Museu do Prado 27.
No seu caso, é possível distinguir um cinto de couro com fivela metálica. Ele usa calças

27
Idem, ibidem.
63

bombachas, mais utilitárias que os culotes, com botas de cano mais alto, próximo ao joelho,
diferenciando-o da família real retratada.

Figura 21 - Musical Company, de Rembrandt van Rijn, 1626. Óleo sobre tela, 63.5cm × 48cm

Fonte: Site do Rijksmuseum28

Observando o Barroco holandês, que se diferencia do espanhol por se desprender de


maneira mais intensa dos ideais de beleza clássicos, percebemos em Musical Company, pintura
de Rembrandt, uma jovem cantando ao centro, realçada pela luz e pela cor das suas vestimentas,
que usa uma túnica aparentemente pesada trabalhada em tons de amarelo, rosa, laranja e verde.
A jovem usa trajes que à época eram considerados de gosto duvidoso, principalmente pela
intensidade das cores. Ela tem a forma definida pelo corset envolvendo seu tórax e o decote
destacado por um tecido fino como tule ou seda em contraste com a peça mais estruturada. As
mangas largas remetem a um tecido estruturado, que mantém o seu formato apesar do peso. O

28
Disponível em: https://www.rijksmuseum.nl/en/collection/SK-A-4674. Acesso em out. de 2019.
64

cabelo é preso e adornado por uma tiara rosa escura, que se destaca nos fios claros. Ela usa um
colar de contas e sapatos simples, sem salto. Atrás dela há dois homens e uma senhora e cada
um deles está vestindo uma cor predominante da cabeça aos pés.
O tocador de violoncelo usa uma sobreveste comprida em lilás estampado por laranja,
azul e verde e adornada por uma faixa em tons de rosa e azul, combinando-as ao turbante
multicolorido que usa. Não é possível distinguir a forma nem a cor de suas calças. O registro
segundo o sistema da Arte nos faz entender que a vestimenta é elaborada em um tecido fino
como cetim ou seda. Quando comparamos ao documentado pelos sistemas da Moda visual e
escrita segundo Köhler (2009), contudo, identificamos um traje muito similar elaborado em
couro, o que colabora para a ideia de que o sistema da Arte interfere na definição das regras de
oposição do sistema da Moda, ainda que esse traje comparado seja de um século posterior ao
da pintura analisada.

Figura 22 - Traje de caça em couro de gamo amarelo com ornamentos estampados, século XVIII

Fonte: Germanisches Museum, Nuremberg (KÖHLER, 2009)

O tocador de harpa é caracterizado por sua jaqueta listrada em tons de verde, com
mangas pendentes volumosas e gola em renda delicada por baixo. Na cabeça, usa uma boina
grande com penas verdes. Por fim, a senhora atrás da jovem usa uma saia volumosa de cor
escura e tem os punhos das mangas com detalhes em renda. Sua cabeça e seu tronco são
cobertos por um lenço de cor clara estampado com detalhes em rosa, azul e laranja, mas sua
65

representação recebe menos destaque que a dos demais integrantes da cena, que é composta
como o que Wölfflin (2015) define como uma unidade individual, em oposição à unidade
múltipla classicista, na qual os elementos da pintura têm funções autônomas, não apenas em
conjunto.

Figura 23 - The Parasol, de Francisco de Goya y Lucientes, 1777. Óleo sobre tela, 104 cm × 152 cm

Fonte: Site do Museu do Prado29

A partir do século XVIII é possível observar alguns registros da Moda sob a ótica do
Romantismo, descrito por Joanne Schneider (2007) como um movimento com obras que
apelam ao emocional, por meio de cenários bidimensionais, iluminação e cores quase
fantasiosas, desenhos menos lineares que formam manchas iluminadas e pinceladas perceptivas
e expressivas. As paisagens naturais eram parte considerável das obras românticas, junto de
temas como a beleza, o misterioso, o exótico e o fascínio pelo passado. Como Mucci (1999)
destaca, contudo, a característica que opõe o Romantismo a outras correntes artísticas é a evasão
à realidade numa busca pelo infinito, contrariando o pensamento racional.
No quadro The Parasol, de Goya, há uma composição criada pelo autor para decorar
um cômodo da realeza espanhola, conforme exposto no portal do Museu do Prado 30. Nele

29
Disponível em: https://www.museodelprado.es/en/the-collection/art-work/the-parasol/a230a80f-a899- 4535-
9e90-ad883bd096c5. Acesso em out. de 2019.
30
Idem, Ibidem.
66

observamos uma mulher com roupas da nobreza ocidental da época: o seu vestido tem um
espartilho estruturado e detalhes franzidos, mangas três quartos e sobressaia volumosa e é
adornado por um avental de tecido leve e também franzido, como era comum à época. Abaixo
do espartilho há um tecido leve e o decote é arrematado por um laço. Ela veste uma capa que
parece ter um acabamento em pele animal e tecido refinado. Usa como acessórios um lenço no
cabelo e brincos pendentes e brilhantes e segura um leque simples. A vivacidade das cores pode
ser devido à característica da composição pictórica, como definida por Wölfflin (2015), na qual
as cores pairam como brilhos, em oposição à composição linear, em que as cores são duras.
O rapaz que a acompanha usa calças curtas com culotes e colete e casaco também curtos
em cores quentes. Abaixo do colete, que é usado com alguns botões abertos, o que Köhler
(2009) destaca como habitual no contexto europeu do século XVIII, é possível ver uma gravata
branca, e ele adorna suas vestes com uma faixa larga na cintura e outro lenço amarrado de
maneira solta no pescoço. Além disso, usa na cabeça um lenço azul de tecido fino com
amarração similar à usada pela mulher. Nessa situação, a interação entre os sistemas da Arte e
da Moda coincide com a representação do sistema da Moda escrita, no qual encontramos que
“A cravate de extremidades curtas também foi logo substituída pelo lenço de pescoço amarrado
em nó [...]. Geralmente eram feitos também de musselina. Os militares usavam por cima dele
mais um lenço, este de seda colorida (vermelha ou preta), deixando à mostra uma estreita faixa
do lenço branco que ficava por baixo” (KÖHLER, 2009, p. 413).
67

Figura 24 - The Black Duchess, de Francisco de Goya y Lucientes, 1797. Óleo sobre tela, 194 cm × 130 cm

Fonte: Site do centro de mídia para história da arte na Universidade da Columbia31

Num outro quadro de Goya, ele retrata Doña María de Pilar Teresa Cayetana de Silva
Álvarez de Toledo, a duquesa de Alba, vestida de preto, em contraste com outro quadro também
pintado por ele em que ela veste branco. Neste, sua saia é pouco volumosa, com um tecido que
se assemelha a um tafetá de seda e, da metade do comprimento até a barra, tem aplicações de
flores, perceptíveis a partir do recurso de profundidade empregado no Romantismo. Embora
Köhler (2009) destaque que nesse século as saias passaram a ter ornamentos na barra, ele se
refere a babados e matelassês, que se distinguem das delicadas flores no quadro. O corpete é de
um tom de amarelo vívido e tem as mangas bordadas. A gola é delicada, de tecido mais fino, e
na cintura ela usa uma faixa vermelha também vibrante com detalhes em dourado. Um tipo de
véu preto de tecido muito fino com babados cobre os seus cabelos, usados cacheados e
enfeitados com um adereço no topo, e o seu torso. Ela é retratada usando dois anéis de tamanho
grande na mão direita. Suas botas têm bico pontiagudo e detalhes dourados, com um salto baixo.

31
Disponível em: https://projects.mcah.columbia.edu/hispanic/monographs/goya-duchess.php
Acesso em out. de 2019.
68

Figura 25 - Portrait of the Shishmareva Sisters, de Karl Brullov, 1839. Óleo sobre tela, 284 cm × 213 cm

Fonte: The Russian Virtual Museum32

O pintor russo Karl Brullov, ao retratar o cotidiano, também obedece ao princípio de


subjetivismo emocional que de acordo com Mucci (1999) define o Romantismo no quadro
Portrait of the Shishmareva Sisters, que retrata duas jovens netas de um grande mercador, é
possível ver as oposições entre as cores das roupas das jovens, uma com um azul frio e a outra
com o corpete vinho, uma cor quente, além disso, o artista apresenta a oposição entre classes,
com as jovens sendo representantes de uma classe abastada e seu servente, no canto esquerdo
da obra, um membro de uma classe baixa. O contexto do retrato é prévio à equitação, então
ambas usam saias menos volumosas, sem anáguas excessivas, e luvas de couro para proteger
as mãos. Os corpetes são estruturados e confeccionados em veludo, com golas delicadas em
seda. A moça da esquerda tem gola com costura franzida e formada por uma única camada de

32
Disponível em: https://rusmuseumvrm.ru/data/collections/painting/18_19/zh_5091/index.php?lang=en.
Acesso em out. de 2019
69

tecido, enquanto a da direita é formada por dois babados mais compridos e um lenço alaranjado
que envolve o pescoço da jovem. As mangas são justas, com punhos rendados com motivos
florais, e ambas seguram lenços em tecido delicado, semelhante à cambraia, com detalhes em
renda. Os cabelos são presos em tranças laterais e ambas usam cartolas adornadas por tecidos
finos, como véus. O rapaz que aparece parcialmente à esquerda do quadro usa trajes típicos
argelinos, com jaqueta curta e justa, faixa larga na cintura e calças volumosas de tecido leve,
em contraste com o veludo vestido pelas moças.

Figura 26 - Vestidos caseiros da primeira metade do século XIX, com mangas mais justas e saia menos volumosa
à direita

Fonte: Teatro Nacional, Munique (KÖHLER, 2009)

3.2.2 Artistas & Estilistas

Aproximando-nos de movimentos contemporâneos, destacamos as criações de Elsa


Schiaparelli junto a Salvador Dalí que, diferentemente dos exemplos trazidos até o momento,
refletem não o registro da Moda a partir da Arte, mas a fusão de ambos os sistemas, de maneira
que não é possível dissociá-los rigorosamente, já que as oposições que definem cada um são
borradas. Essa união dos sistemas acontece a partir de uma tentativa de renovar os signos do
70

sistema da Moda, de forma que a torne mais atraente e estimulante, já que os signos próprios
da Moda já se encontravam saturados.
A dupla, de acordo com a Vogue33, iniciou uma parceria em 1935 dedicada a criar peças
diferentes da ordem comum e ironizar a situação vigente, sob a luz do surrealismo. Ambos já
eram conhecidos em suas respectivas áreas de atuação, mas ganharam ainda mais visibilidade
juntos. Ela, inclusive, passou a se destacar dos concorrentes devido ao valor percebido por sua
aproximação com a Arte, o que mesmo Coco Chanel cobiçava. Dentre as peças mais famosas
desenvolvidas pela dupla estão o vestido Lagosta, do verão de 1937, e o chapéu Sapato, do
inverno 1937/1938.
O vestido em questão teve a lagosta pintada a mão por Dalí, que estava numa fase em
que usava lagostas em suas obras, como a escultura Telefone Lagosta, de 1936. Ele ficou
famoso, de acordo com material do Philadelphia Museum of Art (2002)34, após ser exibido na
Vogue sendo usado por Wallis Simpson que, à época, chamava atenção por se relacionar com
o Duque de Windsor, que abdicou de sua posição de rei do Reino Unido para casar-se com ela.
O que diferencia o seu design é o contraste entre as cores sutis e a leveza da organza e a lagosta
estampada, que parece de fato não pertencer originalmente àquela composição, contrariando as
leis estéticas definidas em primeira instância pelas demais características do vestido.
Figura 27 -Vestido Lagosta e foto veiculada na Vogue

Fontes: Philadelphia Museum of Art35 e Cecil Beaton/Getty Images36

33
Disponível em: https://www.vogue.com/article/dali-schiaparlli-in-daring-fashion-exhibit-dali-museum/.
Acesso em set. de 2019.
34
Disponível em: https://studylib.net/doc/8279768/the-art-and-fashion-of-elsa-schiaparelli. Acesso em out. de
2019.
35
Disponível em: https://philamuseum.org/collections/permanent/65327.html#. Acesso em out. de 2019.
36
Disponível em: https://www.vogue.com/article/schiaparelli-behind-the-scenes-details-lobster-embroidered-
71

Figura 28 - Telefone Lagosta, de Salvador Dalí, 1936

Fonte: National Gallery of Australia37

O chapéu Sapato, por sua vez, foi desenhado pela dupla inspirada por uma foto de Dalí
em 1933 equilibrando um sapato de sua esposa em sua cabeça, como trazido pelo portal The
Historialist38. Diferentemente do vestido Lagosta, que é uma peça única, existem ao menos três
modelos do chapéu, sendo um deles com o salto vermelho. Entretanto, assim como o vestido,
o chapéu cumpre o seu propósito de fugir ao lugar comum e propor novos significados para a
Moda, ironizando o modo como o sistema é construído e expandindo as suas leis de sustentação.
Mesmo que o chapéu Sapato não tenha normalizado o uso de acessórios dos pés na cabeça, no
escopo dessa peça a situação é revista e revela até mesmo a impossibilidade de calçar esse
sapato em específico, uma vez que a sua estrutura é incapaz de sustentar uma pessoa em pé,
deixando entendível como as leis do sistema da Arte são incorporadas ao sistema de moda com
finalidade de produzir novos significados, já que, segundo as leis da Moda, o sapato deveria ser
calçado, mas quando se empresta o signo do sapato pelas leis da Arte surrealista, ele não precisa
mais cumprir o seu dever.

dress-inspiration. Acesso em out. de 2019.


37
Disponível em: https://nga.gov.au/aboutus/website/disclaimer.cfm. Acesso em out. de 2019.
38
Disponível em: http://www.thehistorialist.com/2014/12/1937-shoe-hat-by-elsa-schiaparelli.html. Acesso em
set. de 2019.
72

Figura 29 - Foto de Dalí que inspirou o chapéu Sapato e o chapéu.

Fontes: Gala Dalí e Site do Pallais Galliera39

Além das colaborações com Dalí, Schiaparelli também desenvolveu diversas peças com
outros artistas, seja de maneira conjunta ou inspirando-se em suas obras. A primeira delas, com
Jean Dunand em 1931, como trazido em seu site40, consiste em um vestido com pintura de
ilusão de ótica que simulava o drapeado de um tecido, trazendo de volta um recurso que ela já
havia utilizado anteriormente em 1927 num suéter desenvolvido independentemente. Após o
contato com uma obra de Picasso 41 em que ele pintou mãos simulando luvas, ela também criou
luvas que simulam mãos, em 1935. Para Schiaparelli, Arte e Moda se complementavam
mutuamente, tendo ela também colaborado com os artistas. Era, nesse contexto, uma maneira
de transmitir ainda mais categoricamente a sua percepção do mundo.

39
Disponível em: http://www.palaisgalliera.paris.fr/en/work/shoe-hat-elsa-schiaparelli-collaboration-salvador-
dali. Acesso em nov. de 2019.
40
Disponível em: https://www.schiaparelli.com/en/21-place-vendome/schiaparelli-and-the-artists/jean-dunand/
schiaparelli-dress-with-trompe-l-oeil-painted-pleats/. Acesso em set. de 2019
41
Disponível em:https://www.schiaparelli.com/en/21-place-vendome/schiaparelli-and-the-artists/pablo-picasso/
hands-painted-in-trompe-l-oeil-imitating-gloves/. Acesso em set. de 2019.
73

Figuras 30 e 31 - Vestido com pintura e suéter ilusório

Fontes: Man Ray Trust, ADAGP, Telimage - 201542 e V&A collections43

Figura 32 - Mãos pintadas de picasso e luvas de Schiaparelli

Fonte: Hands painted by Picasso, 1935, Picasso & Man Ray, Man Ray Trust, Adagp, Paris 2016 e Philadelphia
Museum of Art - composição das autoras

Num outro exemplo de criações de estilistas baseadas abertamente em criações das


Artes plásticas, temos a coleção de inverno de 1965 de Yves Saint Laurent, popularmente
conhecida como a Coleção Mondrian. Como destacado no portal da revista Another44, apesar

42
Disponível em: https://www.schiaparelli.com/en/21-place-vendome/schiaparelli-and-the-artists/jean-dunand/
schiaparelli-dress-with-trompe-l-oeil-painted-pleats/. Acesso em set. de 2019
43
Disponível em:https://collections.vam.ac.uk/item/O15655/cravat-jumper-elsa-schiaparelli/. Acesso em
novembro de 2019.
44
Disponível em: https://www.anothermag.com/fashion-beauty/10534/the-yves-saint-laurent-show -where-art-
and- fashion-collided. Acesso em out. de 2019.
74

de como ficou conhecida, a coleção era composta por oitenta modelos e apenas seis deles faziam
referência a obras do artista holandês. Inspirados pelo movimento de Stijl, esses vestidos
representam a sobreposição das leis que definiam a Moda dos anos 1960 – linhas retas, com
silhueta enxuta e comprimentos mais curtos – à configuração plana e com cores sólidas típicos
do movimento artístico, que emprestava sua irreverência à Moda.

Figuras 33 e 34 - Vestido Mondrian, de Yves Saint Laurent, 1965 e Quadro Composition with Red, Blue and
Yellow, de Mondrian, 1930

Fontes: Site do Metropolitan Museum45 e Google Arts and Culture46

A Moda de luxo, naquele momento, referia-se não só à criação de designers, mas a essa
colaboração com a Arte que, nesse caso, era uma referência explícita a quadros como
Composição II em Vermelho, Azul e Amarelo. As revistas de Moda da época, como Harper’s
Bazaar e Vogue Paris, reforçavam essa percepção, alçando a coleção a patamares de um
brilhantismo criativo.

45
Disponível em: https://www.metmuseum.org/toah/works-of-art/C.I.69.23/. Acesso em out. de 2019.
46
Disponível em: https://artsandculture.google.com/asset/composition-with-red-blue-and-
yellow/xwERWaqDyIcZ9w ?hl=en-GB/. Acesso em out. de 2019.
75

Figura 35 - Capa da revista Vogue Paris, 1965

Fonte: Site Lilian Pacce47

Além da coleção Mondrian com o vestido que até hoje é uma das suas criações mais
famosas, Saint Laurent desenvolveu numerosas peças que dialogavam com obras Arte e,
segundo a Coleção Folha Moda (2015), suas paletas de cores comumente eram inspiradas nas
pinturas de artistas como Picasso, Matisse, Goya e Velázquez. Num outro exemplo de criação
que abertamente se apropria de signos artísticos para a construção de seu sentido está a coleção
de primavera-verão de 1988, composta por peças inspiradas em quadros como Girassóis e
Lírios, de Van Gogh. Em ambos os casos retratados, o de Mondrian e o de Van Gogh, as roupas
incorporam o quadro para si de maneira ainda próxima do que era originalmente, de maneira
quase direta. Os sistemas, nessa situação, mais se sobrepõem que se reestruturam,
diferentemente das criações de Schiaparelli, nas quais as fronteiras de significação se
mesclavam, compondo um sentido final mais elaborado.

47
Disponível em: https://www.lilianpacce.com.br/e-mais/a-influencia-de-mondrian-na-moda-em-debate/.
Acesso em out. de 2019.
76

Figura 36 - Coleção primavera-verão Yves Saint Laurent, 1988

Fonte: Site do Museu Yves Saint Laurent Paris48

Figuras 37 e 38 - Girassóis de Van Gogh, 1889 e Lírios de Van Gogh, 1889.

Fontes: Van Gogh Museum49 e Google Arts and Culture50

48
Disponível em: https://museeyslparis.com/en/biography/une-collection-en-hommage-aux-artistes. Acesso em
out. de 2019.
49
Disponível em: https://www.vangoghmuseum.nl/en/collection/s0031V1962. Acesso em nov. de 2019.
50
Disponível em: https://artsandculture.google.com/asset/irises/DgFVFAJo_30MeQ?hl=en-GB. Acesso em nov.
de 2019.
77

Mais recentemente, é possível identificar o diálogo proposto entre a Moda e a Arte em


algumas coleções desenvolvidas pela grife Louis Vuitton em parcerias com artistas
contemporâneos como Jeff Koons, Urs Fischer, Stephen Sprouse, Yayoi Kusama e Takashi
Murakami. O portal Stockx51 destaca o último como precursor do movimento artístico Superflat,
uma fusão entre Arte a animação focada no Japão pós-guerra e a cultura Kawaii52 e, como
aponta a Wired53, ele é um artista que costuma fazer numerosas colaborações e que afirma
preferir que o público tenha acesso às suas obras em itens comerciais a que as vejam em
exposições. Murakami desenvolveu diversos projetos com a marca, sendo o mais icônico o seu
primeiro, a coleção primavera-verão de acessórios em 2003, composta por bolsas, carteiras e
malas, dentre outros, com o monograma da marca revisitado: o tradicional padrão marrom foi
substituído por um fundo ora branco ora preto com ícones de cores variadas.

Figura 39 - Bolsa da coleção de Murakami para a Louis Vuitton em 2003

Fonte: The RealReal54

A coleção teve enorme sucesso de vendas e mesmo hoje em dia a padronagem


desenvolvida por Murakami ainda é valorizada – é, inclusive, comumente oferecida em
réplicas. O sentido produzido nessa coleção, embora ela tenha sido desenvolvida com um
artista, é mais relacionado ao design da estampa por si, e menos pela colaboração. O modelo se

51
Disponível em: https://stockx.com/news/tracing-the-history-of-louis-vuittons-murakami-collaboration/.
Acesso em out. de 2019.
52
Cultura de origem japonesa que valoriza a fofura e tem estética infantilizada.
53
Disponível em: https://www.wired.com/2003/11/artist/. Acesso em out. de 2019.
54
Disponível em: https://www.therealreal.com/products/women/handbags/handle-bags/louis-vuitton -
multicolore- speedy-30-148. Acesso em out. de 2019.
78

popularizou a ponto de distanciar-se de sua origem, ficando mais conhecido por ser usado por
celebridades como Paris Hilton e Kim Kardashian. Nesse caso, o subsistema da Moda de luxo
teve suas leis de oposição renovadas a partir de uma perspectiva popular e não tanto pela
interação com o sistema da Arte.
Num outro contexto, em 2012, a parceria em questão era com Yayoi Kusama, também
japonesa, cujas obras são identificadas pela profusão de círculos, como enfatiza o Telegraph55.
A coleção “Infinitely Kusama” foi a com a maior diversidade de produtos desenvolvida pela
marca em colaboração com algum artista, que englobava peças de roupa, óculos de sol e bolsas,
dentre outros, sempre estampados com padronagens elaboradas a partir de círculos. A interação
entre os sistemas da Arte e da Moda, nesse caso, é mais forte que na coleção de Murakami, uma
vez que os produtos criados e mesmo a campanha de divulgação evocam a fala da artista,
assumindo signos de suas criações, como os círculos em profusão, e mesmo de sua aparência,
como o corte de cabelo da modelo, que remete ao de Kusama.

Figura 40 - Imagem da campanha de “Infinitely Kusama”, 2012

Fonte: Divulgação Vogue Reino Unido56

55
Disponível em: https://www.telegraph.co.uk/culture/art/art-features/9378909/The-dotty-art-of-Yayoi-Kusama-
comes-to-Louis-Vuitton.html. Acesso em out. de 2019.
56
Disponível em: https://www.vogue.co.uk/gallery/louis-vuitton-unveils-yayoi-kusama-collection. Acesso em
out. de 2019.
79

Figura 41 - Kusama em instalação de uma de suas exposições, 2012

Fonte: Site do Moderna Museet57

Em todos esses casos é perceptível que a aproximação com a Arte é uma tentativa de
distanciamento do que seria o consumo da maioria, como Lipovetsky (2008) afirma ser um dos
signos do luxo. Segundo o autor, o luxo paira não apenas na provocação da admiração dos
outros, mas também é sustentado pelo desejo de admirar-se, numa perspectiva narcísica. As
referências incorporadas pela Moda a partir da Arte, nesse sentido, contribuem para a
manutenção da definição dessas criações como Moda de luxo enquanto atendem a essa
perspectiva da admiração de si.

3.2.3 A Arte como recurso comunicativo

Além das colaborações diretas entre as marcas de Moda de luxo e artistas no


desenvolvimento de produtos, observamos também os casos em que a interação entre os
sistemas da Arte e da Moda se dá especialmente na comunicação das vestimentas, de modo
paralelo ao que acontecia nos registros artísticos da corte. Se antes eram propagandas reais, hoje
é um recurso publicitário. A Arte, nesses casos, ora aparece como referência clara, ora de
maneira menos óbvia, como um recurso para a preservação das fronteiras do subsistema da
Moda de luxo que identificamos no primeiro capítulo.

57
Disponível em: https://www.modernamuseet.se/stockholm/en/exhibitions/yayoi-kusama/. Acesso em nov. de
2019.
80

A marca de luxo americana Rodarte é uma das que se aproximam da Arte a partir da
comunicação, como perceptível na campanha da coleção de primavera-verão de 2020. Estrelada
por celebridades como Kristen Dunst 58, Lili Reinhart59 e Yalitza Aparicio 60 posando em frente
a um painel pintado, traz referências românticas, clássicas e renascentistas. O cenário é
composto por um balcão com colunas e uma estatueta clássica – além da que aparece pintada
no painel – que são abraçados por arbustos e arranjos de flores.

Figura 42 - Yalitza Aparicio na campanha primavera-verão 2020 da Rodarte

Fonte: Divulgação Vogue61

A partir da teoria de Barthes (2012), que na obra Mitologias atualiza o método estrutural
usado para analisar o sistema da Moda anteriormente, observamos que os signos da Arte operam
de forma intencional e artificial, deixando claro que é um cenário produzido. O painel ao fundo,
apesar de deixar clara a artificialidade, também reforça os aspectos bidimensionais e lineares
caracterizados por Wölfflin (2015) como típicos da Arte clássica. A construção de sentido não

58
Atriz americana, famosa por seu papel de Maria Antonieta no filme de Sofia Coppola.
59
Atriz americana, conhecida por interpretar Betty Cooper na série Riverdale da CW.
60
Atriz mexicana, indicada ao Oscar de 2019 por seu papel no filme Roma, de Alfonso Cuarón.
61
Disponível em: https://www.vogue.com/fashion-shows/spring-2020-ready-to-wear/rodarte . Acesso em nov.
de 2019.
81

cria barreiras complexas, mas busca evidenciar essa relação com a Arte de maneira a torná-la
assimilável pelo público geral, por um caminho classicista artificial. As tentativas de
ressignificação de alguns objetos tornam-se vazias, como o tampo de vidro da mesa clássica,
que não acrescenta muito sentido à imagem além de reafirmar sua composição produzida. As
possibilidades da Arte, nesse caso, são pouco exploradas e reduzidas ao que imprimiria uma
associação imediata ao período desejado.
Além das fotografias da campanha, a marca postou em seu Instagram62 uma imagem
desenvolvida por um fã que insere a atriz Lili Reinhart no quadro Nana, de Henri Garvex,
deixando clara a referência impressionista, sem a tentativa de modificar o quadro, mas somente
inserindo-se na Arte. A Rodarte não propõe uma interligação ativa entre a sua expressão do
sistema da Moda e o sistema da Arte, mas somente se coloca em meio a ele, assumindo signos
mais rasos. Como observado por Barthes (2012), o uso de signos de maneira óbvia acaba
funcionando em excesso, de forma que eles perdem parte da credibilidade ao deixar
transparecer a sua finalidade. O autor afirma que a Arte tende a considerar ingênua a situação
na qual a obra é muito mastigada e exagerada em sua intenção para que o público a compreenda.

Figuras 43 e 44 - Postagem da Rodarte e Quadro de Henri Garvex

Fontes: Instagram da Rodarte63 e Christie’s64

62
Disponível em: https://www.instagram.com/rodarte/. Acesso em nov. de 2019.
63
Disponível em: https://www.instagram.com/p/B32TSVUJ82L/. Acesso em nov. de 2019.
64
Disponível em: https://www.christies.com/?sc_lang=en&lid=1. Acesso em nov. de 2019.
82

Num outro exemplo recente, a Gucci divulgou os acessórios da coleção “Gucci


Beloved” com composições que remetem aos quadros de natureza morta em seu Instagram 65.
Os elementos da cena, como o contraste entre o claro e o escuro, e mesmo a disposição das
frutas remetem ao Barroco e sua configuração pictórica destacada por Wölfflin (2015). Assim
como no caso da Rodarte, os signos emprestados do sistema da Arte são rasos e genéricos,
imprimindo uma leitura geral de um período artístico. Embora se trate de uma fotografia,
incorpora em sua linguagem os signos das composições de natureza morta de diversos artistas
e os reinterpreta construindo um cenário artificial. Para efeito comparativo, selecionamos um
quadro de Caravaggio, artista do movimento barroco italiano.

Figura 45 - Postagem da Gucci de 2019

Fontes: Instagram da Gucci66

65
Disponível em: https://www.instagram.com/gucci/. Acesso em nov. de 2019.
66
Disponível em: https://www.instagram.com/p/BzvmzaHCIF7/. Acesso em nov. de 2019.
83

Figura 46- Still Life with Fruit on a Stone Ledge de Michelangelo Merisi da Caravaggio, 1605. Óleo sobre tela,
87.2 cm × 135.4 cm

Fontes: Site da galeria Caravaggio67


A partir desses exemplos entendemos que a interação proposta entre os signos da Moda
de luxo e da Arte acontecem em múltiplas instâncias: desde a representação da Moda na Arte
até o uso da Arte como um recurso de desenvolvimento de sentido para a marca por meio de
sua comunicação, incluindo também criações de estilistas que incorporaram em si signos
artísticos. Os sentidos produzidos a partir dessas interações, em seu turno, também são variados
e, considerando que o luxo, conforme definido por Lipovetsky (2008), depende do
distanciamento do comum, colaboram em maior ou menor grau para a manutenção das
oposições que segregam a Moda de luxo do sistema da Moda geral.

67
Disponível em: https://www.caravaggiogallery.com/zz_still-life-with-fruit-on-a-stone-ledge.aspx. Acesso em
nov. de 2019.
84

4 O LABIRINTO É DESCONSTRUÍDO: COMPREENDENDO A GUCCI

Este capítulo é desenvolvido com foco no nosso terceiro objetivo específico, analisar as
campanhas Roman Rhapsody e Hallucination da Gucci e os seus recursos criativos,
considerando como signos do sistema da Arte são importados pelo sistema da Moda e sua
contribuição para os significados de luxo. A análise é feita com base no método semiológico
apresentado por Barthes nas obras Mitologias e Sistema da Moda, e recuperamos aqui conceitos
de Moda de luxo apresentados nos capítulos anteriores, situando as estratégias da Gucci no
contexto de capitalismo transestético de Lipovetsky e Serroy (2015) e de pós-modernismo de
Jameson (1998). Os subtemas aqui definidos são estes: Os rumos da marca, Implosão de
sistemas e explosão de sentidos no labirinto, Roman Rhapsody, Filme Hallucination e Hotsite
Hallucination.

4.1 Os rumos da marca

Buscando entender as estratégias de comunicação e construção de sentido usadas pela


marca atualmente, é preciso analisar como os últimos diretores criativos, Tom Ford – 1994 até
2004 –, Frida Giannini – 2006 até 2015 – e Alessandro Michele – 2015 até hoje – contribuíram
com, em termos de Barthes (2009), a busca por uma fala da Gucci em meio à língua da Moda.
Retomando a teoria de Roux (2008) apresentada no primeiro capítulo, é perceptível que a marca
operou recentemente segundo estratégias de continuidade e não-continuidade: cada diretor
criativo, ao assumir o cargo, rompeu com a linha estética que existia anteriormente e
desenvolveu a sua própria identidade para a Gucci, construindo-a ao longo de diferentes
campanhas e coleções.
A visão de Ford do consumidor Gucci era de uma pessoa ousada e sexy, com silhuetas
marcantes e tecidos em cores sólidas, sobretudo em tons neutros. A comunicação, por sua vez,
explorava signos artificiais comuns ao sistema da Moda, como fundos brancos de estúdio,
fotografias com flash evidente, modelos posados e sexualizados e a exploração do imaginário
de corpo perfeito, de maneira que caminhava em direção à saturação a que nos referimos no
final do primeiro capítulo. Esses signos não diferenciavam a marca de luxo de marcas comuns,
já que são utilizados até mesmo por lojas de fast fashion, como a American Apparel, acelerando
o processo de desgaste.
85

Figura 47 - Campanha da coleção de Outono-Inverno da Gucci, 2001

Fonte: Site da Vogue França68

Figura 48 - Anúncio hipersexualizado da marca American Apparel

Fonte: Trend Hunter69

Com a saída de Tom Ford da Gucci em 2004, um time provisório de designers assumiu
a diretoria do time criativo da marca, mantendo grande parte da identidade construída até esse
período. A imagem da mulher Gucci muda com a entrada de Frida Giannini, transitando do sexy
de Tom Ford à elegância e sofisticação, explorando um novo ciclo da marca, caracterizado por

68
Disponível em: https://www.vogue.fr/vogue-hommes/fashion/diaporama/the-best-tom-ford-gucci-campaigns
/25910?page=2#gallery-body-anchor. Acesso em nov. de 2019.
69
Disponível em: https://www.trendhunter.com/trends/american-apparel-fw-ads. Acesso em nov. de 2019.
86

mais cores, muitos brilhos e tecidos metalizados. Na comunicação, os signos de artificialidade


encontrados nas fotos de estúdio foram substituídos por cenários dramáticos, entretanto ainda
com modelos em poses pouco naturais. As fotos eram tratadas com alto contraste e saturação,
de forma que mesmo as paisagens se tornavam paraísos artificiais, na intenção de deslocar a
marca do mundo ordinário. Apesar dos novos signos adicionados, contudo, a Gucci se mantinha
reverberando signos comum à categoria e próprios do sistema da Moda.

Figura 49 - Anúncio da coleção Cruise de 2014 da Gucci

Fonte: Cosmopolitan70

Com a saída de Giannini, em 2015, Alessandro Michele assume a direção criativa da


marca. A Gucci de Michele se aproxima de cores vibrantes, do vintage e signos do sistema da
Arte. O designer se mostra um grande entusiasta de história, como menciona o blog
Highsnobiety71, e combina signos atuais e antigos em suas criações, como a inserção do logo
dos Yankees72 em suéteres, apresentado na coleção de outono de 2018, e gola inspirada no
Renascimento, utilizada em blusa, da coleção outono 2016, apresentado no próprio site da

70
Disponível em: https://www.cosmopolitan.co.za/celebrity-news/gucci-cruise-2014-campaign/. Acesso em nov.
de 2019.
71
Disponível em: https://www.highsnobiety.com/p/alessandro-michele-gucci/. Acesso em nov. de 2019.
72
Time nova-iorquino de beisebol
87

marca em conjunto com referência ao quadro de Elizabeth I. A mulher dessa nova fase da marca
é retratada nas campanhas como criativa e despreocupada, comumente inserida em cenários
coloridos.
Figura 50 - Casaco da coleção de outono de 2018 da Gucci

Fonte: Site do Daily Mail UK73

Figura 51 - Comparação entre roupa da Gucci da coleção outono 2016 e o retrato The “Phoenix” de Nicholas
Hilliard, 1575. Óleo sobre tela.

Fonte: Site da Gucci 74

73
Disponível em: https://www.dailymail.co.uk/news/article-6298907/Yankees-logo-high-end-fashion-state ment
-Gucci-enters-partnership-legendary-team.html. Acesso em nov. de 2019.
74
Disponível em: https://www.gucci.com/us/en/st/stories/inspirations-and-codes/article/agenda_2016_issue05_
renaissance. Acesso em nov. de 2019.
88

A fusão entre sistemas por busca de renovação se torna mais evidente na Gucci de
Michele: o novo diretor criativo descarta signos antes explorados pela marca, como a
hipersexualização e a artificialidade recorrente e evidente, buscando novidade em temáticas
antes não exploradas. Em sua primeira coleção como diretor criativo, a de Outono-Inverno de
2015, Michele apresenta uma campanha que acompanha um dia-a-dia bastante comum, com
imagens de pessoas pelas ruas, dentro de estações de metrôs, rompendo a continuidade
desenvolvida por Giannini, que apresentava cenários ideais, luxuosos e paradisíacos.
Os modelos na campanha de Michele aparecem em poses descontraídas e pouco
sexualizados, e os anúncios costumavam conter imagens detalhadas dos produtos, de forma que
a Gucci, a partir de Michele, tornava-se menos artificial e mais urbana, se aproximando do
imaginário de luxo acessível. Em suas campanhas seguintes, o diretor recorre a signos
provenientes de diferentes sistemas, como o cinema, abordado na campanha de Outono-Inverno
de 2017, e a temática circense, que aparece na campanha de Primavera-Verão do mesmo ano.
Para nos aprofundar mais nessa relação entre sistemas realizada pelo diretor, em específico a
interação com o sistema da Arte, decidimos analisar três peças da comunicação de 2018 da
marca: o vídeo da campanha Roman Rhapsody, da coleção Cruise, e o vídeo e o hotsite da
campanha Hallucination, da coleção de Primavera-Verão.

Figura 52 - Anúncio da coleção de Outono de 2015 da Gucci

Fonte: The Fashion Spot75

75
Disponível em: https://www.thefashionspot.com/buzz-news/forum-buzz/606091-gucci-fall-2015-ad -
campaign/. Acesso em nov. de 2019.
89

4.2 Implosão de sistemas e explosão de sentidos no labirinto

Dado o contexto da marca de luxo Gucci em sua comunicação em relação aos últimos
três diretores criativos, optamos por nos aprofundar na comunicação construída a partir da
direção de Michele, em específico as campanhas de 2018 Roman Rhapsody e Hallucination,
pela interação com o sistema da Arte ser definidora de sentidos em ambas.
Considerando todas as peças veiculadas de cada campanha, decidimos realizar um
recorte de estudo e selecionar apenas algumas para que a análise feita pudesse ser detalhada e
meticulosa. Para a campanha da coleção Cruise 2018, Roman Rhapsody, optamos por analisar
somente o filme digital presente no YouTube da marca, por julgarmos ser a peça que reúne
todas as referências e melhor transparece o conceito da campanha, oferecendo o recurso
audiovisual que possibilita leituras mais elaboradas sobre a campanha. Para a análise da
campanha de primavera-verão de 2018, Hallucination, optamos pelo filme digital também
veiculado no YouTube da marca, por apresentar uma narrativa diferente das demais peças da
campanha, mimetizando os bastidores dela própria. Além do vídeo, analisaremos o hotsite da
campanha, que reúne quase todas as obras produzidas de forma dinâmica e digital, em um
formato novo explorado pela Gucci.

4.2.1 Roman Rhapsody

Veiculado no YouTube da Gucci76, o filme da campanha de Cruise 2018, Roman


Rhapsody, foi dirigido por Chuck Grant e teve sua estreia em setembro de 2017 e tem dois
minutos de duração. Até o dia 3 de novembro de 2019 o vídeo já tinha atingido 306.513
visualizações.
O filme se passa em cenários que remetem ao classicismo e Renascimento italiano,
assim como a Antiguidade Clássica, pelo uso de roupas e acessórios característicos. Ele é
protagonizado por vinte e cinco personagens em três momentos da vida: os adultos, em maioria,
os idosos e a criança. As cenas em widescreen são intercaladas com outras gravadas em câmera
analógica em 4:3 e a trilha sonora é a música Place I Know / Kid Like You, de Arthur Russell,
compositor americano.
Não há falas de personagens ou narrador nem letterings em nenhuma cena, compondo
um silêncio que pode ser entendido como um dos signos do divino, como se as personagens

76
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ccylUiU1qJw. Acesso em nov. de 2019.
90

pairassem sobre o restante do mundo, mas não se manifestassem, permanecendo como figuras
misteriosas e distantes, inalcançáveis.
Narrativamente, o vídeo tem início já no ponto de conflito, perceptível a partir da
linguagem corporal de algumas personagens, que estão em posições de encolhimento e
expressam insegurança e temor. No decorrer da trama, essas mesmas personagens assumem
posturas mais receptivas e se expandem, ampliando os espaços que ocupam ao esticar braços e
pernas. Há, inclusive, personagens que dançam ao final do filme, quando a batida da música se
torna mais animada. Em meio a esses movimentos de expansão, algumas personagens apontam
para o alto, invocando forças divinas que, em nosso entendimento, os ajudam a superar o
desconforto apresentado inicialmente e a assumir também as suas versões de poder.

Figura 53 - Personagem contraída no início do filme

Fonte: captura de tela do YouTube

Figura 54 - Personagem com movimentos ampliados

Fonte: captura de tela do YouTube

Outro ponto observado é que as mãos são postas em destaque em múltiplos momentos
do filme, como partes expressivas da narrativa. Elas complementam o sentido produzido pelas
91

feições das personagens e pela linguagem corporal, remetendo ora a situações de afeto, ora à
invocação de poder. Nessa perspectiva, o vídeo evoca pinturas renascentistas em que também
são encontradas mãos expressivas, como A Criação de Adão, pintada por Michelangelo no teto
da Capela Sistina, que mostra o elo entre criador e criatura, e Escola de Atenas, da autoria de
Rafael.

Figura 55 - Diferentes cenas com foco em mãos

Fonte: captura de tela do YouTube - montagem das autoras

Figura 56 - A Criação de Adão, de Michelangelo, 1511. Afresco, 280 x 570 cm

Fonte: Site de Michelangelo77

77
Disponível em: https://www.michelangelo.org/the-creation-of-adam.jsp. Acesso em nov. de 2019.
92

Figura 57 - Escola de Atenas, de Rafael, 1509-1511. Afresco, 500cm x 770 cm

Fonte: Site do Musei Vaticani78

Figura 58 - Detalhe de Escola de Atenas

Fonte: captura de tela

Dentre as personagens a serem destacadas, notamos uma mulher deitada em um divã,


quase imóvel, que permanece com um semblante de calma e desmotivação durante todo o filme.
Metade do seu rosto é iluminado por uma luz quente que entra pela direita, de forma dramática,
criando um contraste entre luz e sombra esfumaçado e pouco definido, acrescentando uma aura
fantasiosa que reforça os signos de divindade associados à mulher. O seu vestido, também
desfocado, brilha enquanto reflete a luz, o que nos passa a impressão de que ele emite luz
própria. A cena possui uma paleta de tons terrosos e tons de joias que contribuem para a
construção de uma ideia de realeza.

78
Disponível em: http://www.museivaticani.va/content/museivaticani/en/collezioni/musei/stanze-di-raffaello/
stanza-della-segnatura/scuola-di-atene.html. Acesso em nov. de 2019.
93

Percebemos que sua pose remete à Venus retratada por Ticiano em dois diferentes
quadros: ambas deitam despreocupadas e descansam uma de suas mãos no corpo. O signo de
Venus reaparece durante o filme em algumas cenas rápidas, quando vemos uma pequena
estatueta junto a uma rosa branca, signo também já explorado no inicio do video. A construção
de sentido nos faz entender, então, que a garota que deita no divã é mais uma representação de
Afrodite. Apesar das referências temáticas ao período renascentista, a marca se utiliza da
sintaxe barroca, tal como previamente descrita segundo Wölfflin (2015), ao compor uma cena
pictórica e com maior profundidade. É proposta uma fusão, nesse caso, de dois subsistemas da
Arte, o Barroco e o Clássico, mesclando as suas falas. Essa apropriação excessiva das leis do
sistema da Arte afasta os espectadores, ainda que de modo temporário, das articulações
previsíveis do sistema da Moda, tal como falas em língua estrangeira.

Figura 59 - Personagem deitada em divã

Fonte: captura de tela do YouTube


Figura 60 - Estatueta de Venus em cena da campanha

Fonte: captura de tela do YouTube


94

Figura 61 - Venus de Urbino, de Ticiano, 1538. Óleo em tela, 165.5 x 119.2 cm

Fonte: Google Arts and Culture79

Figura 62 - Venus e o Tocador de Alaúde, Ticiano, 1565-1570. Óleo em tela, 165.1 x 209.6 cm

Fonte: Site do Metropolitan Museum80

79
Disponível em: https://artsandculture.google.com/asset/venus-of-urbino/bQGS8pnP5vr2Jg?hl=pt-BR. Acesso
em nov. de 2019.
80
Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/437827?&searchField=All&sortBy=
Relevance&what=Canvas&ft=king&offset=260&rpp=20&amp%3Bpos=272. Acesso em nov. de 2019.
95

Figuras 63 - Venus de Milo, 101 a.C., atribuída a Alexandre de Antioquia, 2.02m

Fonte: Site do Museu do Louvre81

Outra personagem que destacamos é o homem sentado em um trono contemplando uma


rosa branca, que aparece na primeira cena e em dois outros momentos. Ele gira a flor
calmamente, permanecendo em um estado blasé. A personagem aparece como foco central da
imagem, com uma luz que ilumina todo seu rosto, novamente de forma contrastada e com
sombras suaves. Entendemos a personagem como uma representação de Rei pelos signos que
carrega, como a coroa dourada que adorna sua cabeça, o paletó roxo múrex 82, que era
considerada a cor do poder na Roma antiga, já que era utilizada apenas por imperadores. Apesar
desses signos reais se referirem a nobreza da grande europa, o filme nos assegura que estamos
na Roma antiga, nesse caso, pela coroa do rei, que é de louros, signo que se repete ao longo do
filme. A sua postura de realeza é reafirmada pelo cenário com o trono e um mural pintado ao
fundo, similar aos encontrados nos retratos reais.

81
Disponível em: https://www.louvre.fr/en/oeuvre-notices/aphrodite-known-venus-de-milo. Acesso em nov. de
2019.
82
Tom de roxo originalmente elaborado a partir da secreção dos moluscos da espécie Murex trunculus, que
nativos da região do Mediterrâneo.
96

Figura 64 - Personagem contemplando a rosa no início do filme

Fonte: captura de tela do YouTube

Figura 65 - Retrato do rei Oskar da Suécia, sem data. Óleo sobre tela, 76x61cm

Fonte: Site Tof of Art83

Analisando os diferentes momentos em que o homem aparece no vídeo, destacamos que


primeiro ele é retratado em seu trono contemplando a rosa. No segundo momento, o foco da
câmera recai sobre sua mão enquanto gira a flor. No terceiro, ele surge num corte rápido,
apreciando o cheiro da planta. Há, contudo, para a conclusão da jornada da personagem, uma
cena da rosa branca girando sobreposta a um afresco de uma pessoa de toga roxa flutuando em
um fundo branco, evocando novamente signos divinos. Essa última cena define a rosa como
um signo de emoção da personagem, que a permite sair de seu estado letárgico e a transporta
para um cenário idílico, indicado pelo afresco.

83
Disponível em: https://www.topofart.com/artists/Stieler/art-reproduction/4309/Portrait-of-King-Oskar-of-
Sweden-as-Crown-Prince.php. Acesso em nov. de 2019.
97

Figura 66 - Cena com foco na rosa branca

Fonte: captura de tela do YouTube

Figura 67 - Cena da personagem cheirando a rosa

Fonte: captura de tela do YouTube

Figura 68 - Cena de sobreposição entre rosa e afresco

Fonte: captura de tela do YouTube


98

Observando a sintaxe do filme, identificamos alguns elementos que se repetem, como a


duplicidade e a simetria, referenciando tanto a fala barroca quanto a clássica. Como na quinta
cena, em que vemos uma senhora parada em pose confiante, com olhar quase desafiador. A
mulher se mantém parada enquanto a câmera se move, o que acrescenta austeridade à sua
imagem. Ela está centralizada na cena, dividindo-a em duas partes simétricas entre duas
colunas, signo que mais uma vez indica a Antiguidade Clássica, assim como sugere construções
arquitetônicas renascentistas, entretanto é trabalhado numa composição com profundidade,
como as barrocas. Esse livre trânsito entre estilos é próprio da Arte contemporânea, e a Gucci
o faz em um contexto atual de saturação que cada vez mais implode as fronteiras entre sistemas
de significação, como estratégia de reinvenção do luxo, embaralhado o passado e apontando
para um futuro ainda não decodificado.

Figura 69 - Senhora com expressão confiante

Fonte: captura de tela do YouTube

Mais tarde no vídeo, observamos novamente a simetria, em uma cena na qual dois
homens parecidos se encaram sentados em camas idênticas. Suas feições remetem as
representações artísticas de Jesus, ocidental e branco, com longos cabelos castanhos ondulados
e barba cheia. Novamente, o signo da coroa de louros assegura a imagem romana do filme, que
aqui substitui a coroa de espinhos de Cristo. A duplicidade aqui cumpre um papel de espelho,
como se um fosse o reflexo do outro. Os dois se movem ao mesmo tempo, e miram a câmera
de forma sincronizada. A relação que entendemos dos dois é de admiração, permitindo uma
interpretação do mito de Narciso, que era apaixonado por sua própria imagem. Apesar desse
olhar que remete a uma conexão entre os dois, ela não chega a se concretizar no filme, é apenas
sinalética – impondo apenas os signos da emoção e não ela própria.
99

Figura 70 - Homens parecidos se observam

Fonte: captura de tela do YouTube

Figura 71 - Personagens miram a câmera simultaneamente

Fonte: captura de tela do YouTube

Imagens que referenciam igrejas católicas renascentistas e barrocas aparecem em cenas


rápidas ao longo do filme. Vemos em uma cena a câmera se afastando enquanto gira, revelando
o que parece ser um afresco tradicional, de uma mulher seminua, um tigre que repousa ao seu
lado e um homem que toca harpa. Podemos perceber que o afresco possui rachaduras,
transmitindo o sentido de originalidade e antiguidade, e não mais um signo produzido e
artificial, como se confirmassem a aura etérea que paira sobre a Gucci. Além dos afrescos,
outros signos da arquitetura católica barroca também são explorados, como arabescos dourados
que parecem fazer parte do teto, também mostrados enquanto a câmera gira. Pelo caráter divino
italiano do filme, podemos associar as imagens à Basílica de São Pedro, no Vaticano, que possui
o mesmo estilo de afrescos no teto em conjunto a arabescos de ouro. Essa mesma referência é
abordada também na campanha Hallucination, que estudaremos adiante.
100

Figura 72 - Afresco em cena da campanha

Fonte: captura de tela do YouTube


Figura 73 - Arquitetura sacra em cena da campanha

Fonte: captura de tela do YouTube


Figura 74 - Teto da Basílica de São Pedro

Fonte: site Viajando para a Itália84

84
Disponível em: https://www.viajandoparaitalia.com.br/italia-central/lazio/roma/visitar-a-basilica-de- sao-
pedro/. Acesso em out. de 2019.
101

Além das referências de temática renascentista e barroca nas representações do interior


de igrejas, nas cenas externas o cenário é composto por espaços de cores escuras e pedras brutas,
assim como por ruínas, compondo mais um signo que remete ao classicismo. Os recursos
utilizados pela marca são formados pela combinação de múltiplas falas artísticas, que se
organizam de modo a gerar um sentido final mais complexo e, consequentemente, mais
proprietário.
Figura 75 - Ruínas que compõem o cenário externo

Fonte: captura de tela do YouTube

A última cena do filme começa com um retrato de uma mulher que se assemelha à
Rainha Elizabeth I. A câmera se move lentamente para trás, revelando uma personagem que já
havia aparecido antes no filme. Enquanto a câmera se desloca, o foco da imagem passa do
retrato para a garota, que toma o exato lugar que a rainha antes ocupava na tela. Assim que o
foco se volta a ela, a personagem relaxa, em uma feição de alívio. Quando essa sobreposição
de signos ocorre, entendemos que o sentido produzido é de que agora a garota que usa Gucci
representa a realeza – que, como exposto no primeiro capítulo, ditava a Moda inicialmente – e,
diferente da Rainha, retratada imóvel e séria em uma moldura, vemos a proposição da nova
nobreza, que é livre e relaxada.
102

Figura 76 - Representação da nobreza, última cena do filme

Fonte: captura de tela do YouTube - montagem das autoras


Figura 77 - The Armada Portrait, 1588, George Gower. Óleo em carvalho, 97.8 x 72.4 cm

Fonte: Site do Wobourn85

85
Disponível em: https://www.woburnabbey.co.uk/abbey/art-and-the-collection/the-armada-portrait/. Acesso em
nov. de 2019.
103

4.2.2 Filme Hallucination

A coleção imediatamente posterior à Cruise 2018 é a de Primavera-Verão do mesmo


ano, cuja campanha foi chamada Hallucination. O filme principal foi veiculado no YouTube
da marca86 em fevereiro de 2018 e tem um um minuto e quarenta segundos de duração. Ele é
estrelado por um narrador-personagem que conversa diretamente com a câmera, em inglês, e a
trilha sonora é uma música instrumental de sonoridade tranquila, Cavantina, de Stanley Myers.
Logo que o vídeo se inicia, os espectadores são saudados por um homem que termina
de desenhar letras em um papel e deseja as boas-vindas para mais um dia maravilhoso na
Galeria Gucci. Esse homem, que seria o curador da galeria, como destacado na legenda do vídeo
no YouTube, é representado pelo artista Ignasi Monreal, autor das obras digitais da campanha,
analisadas adiante. A marca, ao propor a Gucci Gallery, coloca-se como entidade responsável
por selecionar e apresentar peças de Arte, posicionando também as suas criações como parte
desse contexto. Os museus, como destacado por Lipovetsky e Serroy (2015), transformam
objetos práticos em objetos estéticos que demandam admiração, desafiando a temporalidade.
Aqui, estendemos esse pensamento às galerias.
Enquanto fixa o papel, onde se lê “gallery” em uma tipografia retro trilinear, a
personagem afirma que “às vezes, uma pintura é mais sobre o que ela não mostra do que sobre
o que ela mostra” (MICHELE, 2018). A partir dessa afirmação, entendemos que o sistema de
signos a ser apresentado é complexo e deve ser avaliado segundo numerosas referências, que
podem não ser compreendidas em totalidade – a assimilação do conteúdo por completo depende
do repertório do receptor da mensagem, que por sua vez pode levar a direções de significados
distintos entre si.

86
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UU6EwAhGuMg. Acesso em nov. de 2019.
104

Figura 78 - Apresentação da Gucci Gallery

Fonte: captura de tela do YouTube

O filme se desenvolve com a câmera navegando pelas obras, enquanto algumas delas
são postas em destaque, ocupando toda a tela. À medida que vão sendo exibidas, o curador
aponta nomes de cores que figuram nas pinturas, como o carmesim e o verde esmeralda, em um
tom de voz calmo. Em todas as obras são perceptíveis toques de contemporaneidade e a inclusão
de produtos Gucci, que variam entre acessórios inclusos em cenários e roupas vestidas pelas
pessoas ilustradas, de forma que a disposição das peças Gucci como partes de obras de Arte
também colabora para a supressão da linha temporal proposta pela galeria, conforme
relacionado anteriormente. Entendemos esse recurso também como próprio do capitalismo
transestético, modo com que Lipovetsky e Serroy (2015) definem o momento presente do
capitalismo, no qual as marcas e as dinâmicas produtivas e de consumo são interpeladas por
operações fundamentalmente estéticas. Não é identificável uma única expressão artística entre
as diferentes pinturas, como sugeria a afirmação no início do filme, entretanto não as
esmiuçaremos nesse momento do trabalho: isso é feito mais adiante, na análise do hotsite da
campanha.
105

Figura 79 - Cena de obras na parede da galeria

Fonte: captura de tela do YouTube

A última fala da personagem se refere a um toque de manganês (nome dado a uma tinta
arroxeada) como sendo sua parte favorita entre todas, enquanto aponta para uma das obras. Nela
estão dois jovens que usam óculos escuros modernos da marca, que contrastam com o restante
da composição. Não há nada em especial que a diferencie das pinturas apresentadas
anteriormente, de maneira que essa atribuição de preferência é arbitrária e apenas confere
alguma profundidade à personagem.
Figura 80 - Obra apontada como favorita

Fonte: captura de tela do YouTube


O filme se encerra com o foco em outra obra, uma releitura de Ophelia. O curador se
aproxima dela e se apoia na lateral, levantando a perna para ultrapassar a borda inferior, como
se a pintura fosse uma janela ou portal. Assim que seu pé toca a cena, a camada de tinta se
dissolve, tal como se ele rompesse um escudo protetivo, numa representação imagética da
dissolução das leis que definem o sistema da Arte como tal. A partir desse momento, tudo aquilo
que antes era estático e definido se torna tridimensional e orgânico, e a personagem do quadro,
106

até então inerte, abre os olhos e o encara, esboçando um leve sorriso. Ele estende a mão para
levantá-la e, em seguida, a abraça, tornando-se parte de um novo quadro ao final. A Gucci,
representada pela figura do curador, coloca-se como chave que une os universos da moda e
artístico, reorganizando as fronteiras que os delimitam.

Figura 81 - Cenas finais do filme

Fonte: captura de tela do YouTube, montagem das autoras.


107

4.2.3 Hotsite Hallucination

Além do filme de divulgação, a coleção de Primavera-Verão de 2018 da Gucci também


contou com um hotsite interativo87 que juntava as peças a serem compradas em imagens
clicáveis que redirecionavam o consumidor à loja virtual da marca. O hotsite apresenta pinturas
a óleo digitais criadas pelo artista espanhol Ignasi Monreal, algumas delas presentes no filme
analisado anteriormente. À parte desses dois formatos, as Artes criadas também figuram em
anúncios impressos da campanha e no filme animado da coleção.
Assim que o hotsite é carregado, a imagem já enfatizada no filme da campanha de dois
retratos redondos emoldurados por arabescos surge na tela. O primeiro é um jovem louro, de
cabelos longos, que usa óculos futuristas com cristais da marca. O fundo da pintura parece ser
um painel azul que imita o céu. No retrato ao lado aparece uma moça com um penteado que
remete às perucas utilizadas pelos nobres principalmente no século XVIII. Ela usa óculos
escuros com armação grossa e branca também da marca, e uma lágrima vermelha escorre da
lente à esquerda.

Figura 82 - Header do hotsite da campanha

Fonte: captura de tela do hotsite


Acima dos retratos temos a especificação da campanha em tipografia moderna e
ilusória, e logo abaixo a hashtag #GucciHallucination. É oportuno destacar que a marca se

87
Disponnível em: http://springsummer.gucci.com/. Acesso em nov. de 2019.
108

apresenta como “Guccy”, continuando a utilizar as grafias apresentadas na coleção anterior e


que, como apresentadas na legenda do vídeo do desfile Cruise 2018 no YouTube 88, referem-se
às diferentes maneiras que Michele encontrou o nome da marca sendo escrito em hashtags no
Instagram. Além disso, o nome do site no navegador aparece como ENTER THE WORLD
EXPOSITION, indicando que o que é ali apresentado é um conteúdo diverso e que passou por
uma curadoria. Trata-se, pois, de uma composição que mescla signos de diferentes épocas e
sinaliza o tom de todo o hotsite, que é formado sobrepondo signos de múltiplas referências.
Nesse caso, a marca utiliza signos que reforçam definições antiquadas de classes, como nobres
e plebeus, para enfatizar sua importância e superioridade, mas ao mesmo tempo os nega,
sobrepondo signos pertencentes à contemporaneidade, como os óculos escuros de cristais e
armações exageradas e futuristas, assegurando a sua presença no universo atual.
O hotsite, em si, é um caso de pastiche, conceito de Jameson (1998) delimitado como
característico do pós-modernismo e relativo à recorrência a recursos de tempos passados e
posterior incorporação dessas referências de forma deslocada, sem que de fato o sentido original
seja transmitido. Isso ocorre não necessariamente pela falta de intenção mas, muitas vezes, por
um descuido nesse deslocamento. É uma composição tal como a paródia, entretanto sem as
motivações satíricas que a caracterizam: toma emprestado um discurso e o desloca em tempo e
espaço, entretanto não se define como uma criação “a partir” do que seria o normal, e sim o
incorpora de maneira neutra, na intenção de criar o seu próprio discurso, que é criado a partir
da colagem dessas múltiplas referências.
A cena seguinte no hotsite, após a apresentação, é composta por três garotas com
penteados que remetem às grandes perucas utilizada por rainhas europeias, sentadas em um
banco de museu, juntas a outra menina que senta ao chão e usa um penteado mais simples. Ao
fundo, as obras são expostas com as descrições, em signos típicos de museus, para que seja
assegurado que, ali, estamos na galeria de Gucci. O significado se torna heterogêneo por meio
da oposição de signos que acontece, por exemplo, com a placa amarela de piso molhado que
aparece atrás das garotas, que deixa a imagem ao mesmo tempo sofisticada e urbana,
importando um signo sem glamour e sobrepondo-o ao ambiente antes considerado refinado. A
placa quebra o que seria um cenário imaculado e o aproxima da realidade, apesar de todos os
signos que o distanciam do ordinário.

88
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aCl1Rv5JWss&t=3s. Acesso em nov. de 2019.
109

Figura 83 - Galeria Gucci

Fonte: captura de tela do hotsite

A galeria que aparece na cena é interativa, podendo ser navegada ao passar o cursor de
um lado a outro, e mostra quatro pinturas. Uma delas é uma referência direta ao quadro
romântico de John Everett Millais, Ophelia, que retrata uma das personagens mais conhecidas
de Shakespeare. A releitura de um quadro afamado auxilia a Gucci a legitimar a sua galeria,
criando o entendimento de que não estamos em qualquer galeria de Arte, e sim em uma galeria
renomada, com curadoria especializada.

Figura 84 - Ophelia da Galeria Gucci

Fonte: captura de tela do hotsite


110

Figura 85 - Ophelia, 1851-1852, John Everett. Óleo sobre tela, 76.2 x 111.8 cm

Fonte: Galeria Online do TATE Museum89

Três meninas que flutuam em um céu de fim de tarde aparecem assim que a tela do
hotsite é rolada, revelando uma imagem surrealista, com tom fantasioso e sublime. A
simbologia das mulheres que flutuam em poses sentadas enquanto caçam aviões refere-se à
mitologia das bruxas, mulheres jovens, místicas e poderosas. Ao fundo, percebemos uma
cúpula, que remete novamente à Basílica de São Pedro, que também identificamos como
possível referência da campanha Roman Rhapsody. A presença da Basílica em conjunto com
as meninas reforça a existência da mitologia na campanha, como uma forma de transformar as
bruxas, consideradas seres de má intenção, em figuras angelicais. O contraste que na primeira
tela está num plano mais raso, já que a pintura antiquada e os óculos modernos estão expressos
concretamente, aqui é percebido em um grau adiante de complexidade, já que funcionam como
índice, não mero ícone. Abaixo da imagem vemos a descrição do quadro mais detalhada, com
o nome do artista, o nome da obra – Planehunters, o ano e a técnica, que é dita como acrílico
no Photoshop, sinalizando que o hotsite é uma galeria digital e sua curadora é a Gucci, tal como
visto no filme da campanha.

89
Disponível em: https://www.tate.org.uk/art/artworks/millais-ophelia-n01506. Acesso em nov. de 2019.
111

Figura 86 - Caçadoras de Aviões

Fonte: captura de tela do hotsite

Figura 87 - Basílica de São Pedro

Fonte: Joaquim Alves Gaspar, 2009

Na imagem seguinte vemos um homem debruçado sobre a sua mesa de trabalho, sentado
em uma cadeira vermelha apoiada em um piso xadrez que não corresponde à perspectiva do
restante da cena e se move para trás. Ele segura uma bolsa estampada com a capa do single da
música Levon, de Elton John, que fala sobre a vida de um homem entediado. A representação
do homem é um reforço dos signos evocados pela estampa da música, de modo que o modelo
que apresenta o produto também é o seu próprio eco. Os recursos importados dos sistema da
Arte aqui são menos nítidos: identificamos que o piso se aproxima da linguagem do pop art,
devido ao alto contraste e às formas gráficas, entretanto contrasta com os demais elementos da
112

cena, que têm sombras bem demarcadas e organização em perspectiva, como as composições
barrocas. Trata-se novamente de um pastiche, formado a partir de uma miscelânea de
referências que torna a cena final produzida única.

Figura 88 - Homem repousando sobre mesa

Fonte: captura de tela do hotsite

Destacamos, em meio a uma composição com outros elementos, um manequim apoiado


junto a uma grande escultura de uma cabeça em mármore, assinada por Gucci. O manequim
tem a postura enérgica e dinâmica, que não é fechada em si, o que Wölfflin (2015) classifica
como típica das esculturas pictóricas. Onde estaria a cabeça se encontra uma lâmpada piscante
que complementa a linguagem corporal do manequim, como signos do pensamento racional. A
escultura ao lado, por sua vez, é uma representação em repouso, linear, segundo Wölfflin
(2015). A desproporção entre manequim e escultura é interpretada como se ambos se
complementassem: a atividade cerebral ali representada é tamanha que não cabe em si mesma
e precisa ser apresentada como um elemento anexo.
113

Figura 89 - Manequim

Fonte: captura de tela do hotsite

Outro tema recorrente nas cenas retratadas no hotsite é o conto de fadas, em


representações de histórias clássicas revisitadas pela Gucci, como por exemplo a Branca de
Neve, que aparece de roupas despojadas deitada em uma cama que é rodeada por pequenos
pilares que referenciam ao classicismo. O príncipe a observa, de forma que não podemos ver o
seu rosto. Esse puerilismo na Moda é apontado por Lipovetsky e Serroy (2015) como parte
integrante do contexto transestético, num sentido em que a torna algo mais supérfluo, uma mera
diversão, não uma diretividade, sem que isso signifique necessariamente um retorno à infância.

Figura 90 - Branca de Neve

Fonte: captura de tela do hotsite


114

Os signos deste universo de contos de fada reaparecem, de forma surrealista, na cena


onde um homem dorme a bordo de um pequeno barco, enquanto outro está remando. O cursor
nesta área do site é substituído pela imagem de um macaco alado que nos remete ao conto do
Mágico de Oz, com a Bruxa Má do Oeste que possuía seu próprio exército de macacos alados.
Na mesma cena também são vistas duas sereias, que se penduram ao lado do barco, que supõem
que o homem no barco durma por conta de seus encantos. O mar aqui é representado com
profundidade por meio dos jogos de cores e luz, produzindo uma linha do horizonte escura e
densa, que separa o mar do céu de forma diagonal. Uma coruja com chifres de búfalo e argola
no bico voa em direção a tela, trazendo à cena mais signos surrealistas. Apesar da referência
surrealista trazida a partir de signos irreais e inconscientes, ainda notamos a presença do
Romantismo, já que a construção de cenário em conjunto da sobreposição dos personagens
refere-se à pintura de Delacroix, Cristo adormecido durante a tempestade, que mostra a figura
de Cristo, com a auréola que contorna seu rosto – signo que é reproduzido em imagens da
campanha – repousando sua cabeça sob a mão direita, assim como o protagonista da cena de
Gucci.
Novamente verificamos uma composição típica do pós-modernismo, como
caracterizado por Jameson (1998), tendo em vista o caráter neutro da soma das referências, em
contraste com a Arte moderna, que buscava representar uma dissonância em relação à ordem e
questioná-la. Os signos produzidos mais suspendem a temporalidade presente que a põem em
xeque, na intenção de elaborar sentidos duradouros.

Figura 91 - O barco

Fonte: captura de tela do hotsite


115

Figura 92 - Christ Asleep during the Tempest, 1853, Eugène Delacroix. Óleo sobre tela, 50.8 x 61 cm

Fonte: Site do Metropolitan Museum90

Uma das imagens que mais se destacam no hotsite é uma composição ampla e detalhada
que tem como foco um casal que se encontra no centro da tela, segurando as mãos, em frente a
um cenário atulhado de informações. Como dito no próprio site da marca 91, é uma referência
direta ao tríptico de Hieronymus Bosch, O Jardim das Delícias Terrenas, que representa a
história do mundo em seu último dia de criação, com a tela dividida entre paraíso e inferno. À
esquerda e ao centro do quadro, no paraíso, os humanos aproveitam-se da luxúria e de prazeres
sexuais, enquanto na direita, onde o inferno acontece, os humanos são condenados por esses
pecados.

90
Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/436176?&searchField=All&sortBy
=Relevance&what=Canvas&ft=king&offset=240&rpp=20&amp%3Bpos=260. Acesso em out. de 2019.
91
Disponível em: https://www.gucci.com/int/en/st/stories/advertising-campaign/article/spring-summer-2018 -
ignasi-monreal. Acesso em nov. de 2019.
116

Figura 93 - O Jardim das Delícias Terrenas, 1503–1515, Hieronymus Bosch.Óleo sobre carvalho, 2,2 x 3,89 m

Fonte: site do Museu do Prado92.

Figura 94 - Jardim de Delícias de Gucci

Fonte: captura de tela do hotsite

92
Disponível em: https://www.museodelprado.es/en/the-collection/art-work/the-garden-of-earthly-delights-
triptych/02388242-6d6a-4e9e-a992-e1311eab3609. Acesso em nov. de 2019.
117

Na composição das delícias terrenas de Gucci, percebemos que não chega a existir a
divisão entre bem e mal, apesar de termos uma separação feita a partir de cor, luz, sombra e
cenário, as personagens que aparecem onde seria o Inferno não estão sofrendo ou pagando por
seus pecados, mas estão apenas ali, assim como as personagens do paraíso. Adão e Eva, nessa
versão, são retratados em uma pose que remete a pintura de Jan van Eyck, O Casal Arnolfini.
O homem usa roupas escuras, apesar de se encontrar na metade clara do quadro, enquanto a
mulher, que usa roupas claras, ocupa do lado escuro. A simbologia das mãos dadas, nesse caso,
pode significar a conciliação entre o angelical e o infernal, como se a Gucci fosse a
intermediária que permitisse isso. Tanto a obra de Bosch quanto a obra de Eyck são
consideradas parte do estilo gótico, que marca o auge da Idade Média e a transição ao
Renascentismo. Segundo Beckett (2002), o estilo se caracteriza pelo contentamento na
reprodução de detalhes e objetos, e retrata geralmente temas religiosos em cenários comuns,
assim como também se dedica ao naturalismo. Entendemos essa característica do gótico de
trazer signos religiosos ao cotidiano como parte da estratégia utilizada pela Gucci em ambas
campanhas estudadas, de forma que transforma o divino em cotidiano.
Figura 95 - O Casal Arnolfini, 1434, Jan van Eyck. Óleo sobre carvalho, 82 x 60 cm

Fonte: site da National Gallery93.

93
Disponível em: https://www.nationalgallery.org.uk/paintings/jan-van-eyck-the-arnolfini-portrait. Acesso em
nov. de 2019.
118

No hotsite, há duas imagens que chamam atenção por trazerem referências religiosas.
A primeira, retrata uma mulher com corpo de tigre deitada ao lado de duas outras mulheres. A
personagem metade humana metade animal remete ao mito grego da Esfinge. Além da
referência mitológica, a figura da imagem remete visualmente à grande esfinge de Gizé, no
Egito, que possui um adereço de cabeça semelhante. Na obra, o artista traz a figura secular da
esfinge para o mundo pós-moderno da Gucci ao agregar elementos como o óculos e o capacete
brilhoso, mais uma vez compondo um pastiche, de acordo com o conceito de Jameson (1998).

Figura 96 - A esfinge de Gucci

Fonte: captura de tela do hotsite

A segunda imagem é composta por três figuras metade animal e metade humanas. A
obra une referências de três culturas, a católica, a greco-romana e a egípcia. A personagem
central, a coruja em branco, carrega signos católicos de poder como o chapéu preto, o barrete,
que caracteriza a autoridade do clero cristão, a posição das mãos que é característica dos
membros da igreja e a cor branca, cor associada à maior autoridade na instituição religiosa, o
papa. Já as personagens atrás da coruja, os dois cães pretos em roupas roxas, fazem referência
ao deus egípcio da morte, Anúbis: apesar de ser um chacal, as representações artísticas feitas
do deus se assemelhavam visualmente a um cão preto. As figuras carregam auréolas em suas
cabeças, elementos característicos de personagens divinos em pinturas cristãs, novamente
remetendo à divindade delas. Outros elementos da cena são as cabeças em cantos opostos da
imagem, que se assemelham à escultura clássica greco-romana da Venus de Milo, signo que é
revisitado em outras campanhas da Gucci. Ao entrelaçar essas referências provenientes de
119

culturas e religiões diferentes, de forma em que todos os signos divinos, independente de sua
origem, se tornem somente um, a marca se impõe como uma autoridade de maneira que não
importando o entendimento de todas as referências, o significado de divino prevalece, quase
como uma sátira.

Figura 97 - Figuras religiosas

Fonte: captura de tela do hotsite

Figura 98 - Clérigo

Fonte: Site do Grupo Maranatha94

94
Disponível em: https://grupomaranatha.webnode.com.br/news/o-barrete-e-o-solideu/. Acesso em nov. de
2019.
120

A composição final do hotsite é uma tela de pintura inacabada e interativa. À esquerda,


uma imagem que remete a afrescos em paredes mostra uma mulher deitada em um divã,
repousando a cabeça sobre a mão, de forma relaxada. À sua volta, cortinas pesadas e escuras se
abrem a uma paisagem celeste, como se ela se encontrasse muito acima do chão, em um olimpo.
Sua pose remete a retratos clássicos, como o de Princesa Leonina, de Winterhalter, ou como os
de Venus, analisados junto ao filme Roman Rhapsody. O contraste de luz e sombra nesse caso
não é tão acentuado quanto nos quadros de Ticiano, já que aqui a luz é direta, colocando-a em
evidência. Só entendemos dois planos, lineares, sendo ela e a paisagem. Ao lado desse afresco,
signos digitais aparecem, como a grade que se assemelha à grade do Photoshop, e a tipografia
inspirada em Comic Sans. Sob a grade, manchas de tinta aparecem, junto da mensagem
“Escolha uma cor e desenhe” (HALLUCINATION, 2018, tradução das autoras), convidando o
visitante a contribuir com a sua intervenção na Arte. O cursor aqui se transforma em uma mão
que faz o movimento de segurar o lápis, mas não segura coisa alguma. Essa junção de signos
românticos e clássicos a signos digitais e contemporâneos demonstra que, mesmo a Gucci sendo
curadora de Artes Clássicas, ela está presente e se encaixa no mundo pós-moderno delineado
por Jameson (1998), de forma que não explora nenhum dos dois sistemas de forma exaustiva,
apresentando o artifício total de maneira convidativa.

Figura 99 - Escolha e desenhe

Fonte: captura de tela do hotsite


121

Figura 100 - Portrait of Leonilla, Princess of Sayn-Wittgenstein-Sayn, 1843, Franz Xaver Winterhalter. Óleo
sobre tela, 142.2 x 212.1 cm

Fonte: galeria virtual do museu J. Paul Getty95

95
Disponível em: http://www.getty.edu/art/collection/objects/790/franz-xaver-winterhalter-portrait-of- leonilla-
princess-of-sayn-wittgenstein-sayn-german-1843/. Acesso em out. de 2019.
122

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nosso trabalho, buscamos desenvolver uma linha de pesquisa norteada pela


compreensão da Moda como um sistema de significações em interação com outros sistemas.
Aproximamo-nos do modo com que constituiu seus signos no decorrer dos anos até o momento
vigente, que identificamos como Moda Remixada. Dentre todas as referências incorporadas
nesse processo, selecionamos as provenientes do sistema da Arte, tendo em vista sua relação
com a cultura contemporânea.
Desse modo, estipulamos como nosso objetivo geral entender de que forma a
comunicação da Gucci usa signos da Arte para sustentar-se como parte do subsistema de Moda
de luxo. Para atingi-lo, estruturamos três capítulos, a fim de entender e explorar bem nossos
principais temas – a Moda, a Arte e a Gucci.
No primeiro capítulo situamos os conceitos de signo e de sistema de significação, que
norteiam todo o nosso estudo. Apoiamo-nos em Saussure e Barthes (2009), entendendo signo
como o terceiro elemento resultante da união entre significante e significado, e que os signos
são definidos a partir de oposições, de forma que o entendimento de um objeto depende dos
limites do não-objeto. Os sistemas de significação, desse modo, formam-se a partir dos signos
que seguem uma mesma linha de oposição e interagem entre si.
A partir disso, revisamos o modo com que a Moda, enquanto sistema, operou os seus
signos no decorrer dos anos, baseando-nos essencialmente em Lipovetsky (1989) e Calanca
(2011) e ressaltando elementos significativos para a sua constituição atual. Ambos os autores
enfatizam que para que a Moda exista, a novidade deve prevalecer e ser desejada para que a
experimentação ocorra e, assim, novos signos se manifestem, já que é a partir dessa
descontinuidade que se configura a Moda.
Destacamos, ao longo do capítulo, momentos significativos na história que nos ajudam
a entender a Moda e sua relação com a Arte, como o retorno da monarquia absolutista na França,
no final do século XVII. Ao separar fisicamente o povo da nobreza, foram criados espetáculos
de exagero e ascenderam o luxo e a sofisticação, desenvolvendo a moda lúdica usada por
homens e mulheres. Lipovetsky (2009) destaca que é a partir desses excessos que a Moda se
consolida, porém, após os signos hiperbólicos, há o retorno à simplicidade, criando os ciclos de
oposição que definem a Moda.
123

Reconhecemos também que a Moda, de acordo com Lipovetsky (2009), é um


instrumento tanto de expressão e diferenciação individual, que acrescenta significado ao corpo,
quanto de aproximação de grupos e, embora a existência de novidades e das individualidades
sejam muito importantes para a constituição da Moda, não são suficientes em si. Calanca (2011)
também destaca que a ordem da Moda se ampliou para todas as esferas da vida social, tornando-
se algo geral. A atualização do sistema de signos, junto a outras características, é o que a
mantém se desenvolvendo e, hoje, as referências são tão abundantes e também tão replicadas
que nomeamos este período Moda Remixada. Por fim, definimos que a Moda de luxo se impõe
como um subsistema do sistema da Moda, já que possui outras oposições que a definem, além
das próprias da Moda.
No segundo capítulo, exploramos os recursos usados pelas marcas para se diferenciarem
no contexto de Moda Remixada, recorrendo a Lipovetsky e Serroy (2015), Fletcher (2010),
Lipovetsky (1989) e Calanca (2011) para avaliarmos questões como o uso da tecnologia e o
modo produtivo slow fashion. Entendemos, contudo, que a diferenciação proposta a partir
desses meios ainda é insuficiente ou pouco escalável, de forma que a Moda segue em situação
de saturação de signos.
Entendemos então que recursos comunicativos permitem uma nova leitura sobre a
Moda, e dentre esses recursos, evidenciamos a interação com o sistema da Arte, compreendendo
que a busca por signos de outro sistema também pode ser uma estratégia para a sua renovação.
A partir disso, debruçamo-nos em autores como Köhler (2009), um historiador do vestuário e
Wöllflin (2015), que conceitua oposições dos movimentos artísticos Clássico e Barroco,
seguindo o método estrutural de Barthes (2009/2012), para investigar a evolução da interação
entre os sistemas, tendo em mente que isso acontece desde o início da Moda, uma vez que as
Artes visuais funcionavam como registro do vestuário. Destacamos ainda que a Moda, quando
representada na Arte, sofre interferência da fala do artista, que submete as vestimentas à sua
própria interpretação do mundo.
Mais além, revisitamos coleções desenvolvidas por estilistas em parceria com artistas
plásticos e peças de comunicação que fazem referência direta à Arte, comprovando a
intersecção dos sistemas e ressaltando como os signos artísticos são uma estratégia de
diferenciação e renovação utilizada pelo subsistema da Moda de luxo.
Dedicamos o nosso terceiro capítulo à análise do nosso corpus de estudo, situando a
Gucci num contexto de oscilação entre a continuidade e a não-continuidade estéticas, com base
na segmentação de Roux (2008) da relação entre as marcas de moda de luxo e o tempo. Após
contrastar a comunicação empregada nos períodos em que foi dirigida pelos seus últimos
124

diretores criativos, confirmamos a hipótese de que Michele propõe um novo olhar para a marca,
traduzido a partir dos signos propostos pelas campanhas de suas coleções.
Tendo em mente a investigação a respeito da interação entre os sistemas da Arte e da
Moda, analisamos o filme da campanha Roman Rhapsody e o filme e o hotsite desenvolvidos
para a coleção Hallucination, segundo o método estrutural de Barthes (2012) e nos
aproximando de conceitos como o capitalismo transestético, de Lipovetsky e Serroy (2015), e
o pastiche, de Jameson (1998). Identificamos que a Gucci utiliza signos artísticos de variados
movimentos, compondo significações com múltiplas camadas, que requerem um portfólio
muito extenso para serem decifradas por completo.
Parte dos sentidos produzidos por Roman Rhapsody, por exemplo, refere-se à
constituição da marca como a nobreza, afirmando-se a “dona” da Moda, tal qual os nobres eram
em seus primórdios, conforme expusemos no primeiro capítulo de nosso trabalho. Isso é feito
a partir de signos que evocam o Classicismo e o Renascimento em sua semântica, mas se valem
do Barroco em alguns elementos de sua sintaxe, como as cores contrastadas, de forma a
adicionar novas regras à já absorvida sintaxe da Moda.
No filme Hallucination, por sua vez, vemos a Gucci propor uma galeria de Arte a partir
de sua curadoria e com os seus próprios produtos inseridos nas obras. Ela toma para si o papel
de mediar o consumo artístico, impondo-se como autoridade acerca do assunto, ao mesmo
tempo que propõe uma perenidade às suas criações, conferida pela disposição dos produtos
como objetos dignos de serem admirados numa galeria, artefatos. Além disso, representa
imageticamente a reestruturação das barreiras entre Moda e Arte com o abraço entre a
personagem do curador e a Ophelia, de um dos quadros.
As obras que figuram na galeria do filme são dispostas num hotsite interativo que mescla
signos de múltiplos movimentos artísticos a outros próprios do ambiente digital, criando
composições típicas do pós-modernismo, conforme definido por Jameson (1998). A Gucci se
vale de estruturas sintáticas de períodos como o Barroco e o Romantismo, por exemplo,
enquanto semanticamente evoca desde contos de fadas à cultura do Antigo Egito, além de
propor releituras de quadros como O Jardim das Delícias Terrenas, de Bosch.
Entendemos que a Gucci, especialmente nas campanhas analisadas, recorre a signos do
sistema da Arte como uma tentativa de se renovar em meio ao contexto de saturação da Moda
Remixada: os signos da Moda se atualizam ao se mesclarem à Arte, reafirmando as barreiras
que cercam-na como parte integrante do subsistema da Moda de luxo. A incorporação
semântica e sintática da Arte ocorre de forma complexa, a partir de muitas camadas de sentido,
de forma que nem todas as referências usadas pela marca são decifráveis, o que também
125

colabora para esse distanciamento do contexto geral da Moda: mesmo que outras marcas usem
a aproximação do sistema da Arte como uma estratégia de comunicação, ela acontece de
maneira mais proprietária na Gucci.
Pensando no processo de mais de um ano de desenvolvimento, tivemos muitos
aprendizados a respeito do desenvolvimento de um estudo de caso e também do método
estrutural de análise. Ampliamos também o nosso entendimento da Moda contemporânea e das
diferentes maneiras com que ela busca se atualizar, compreendendo que existem estratégias
distintas, mas nem todas elas são acionáveis no momento presente. Além disso, vimos como
referências artísticas de outros séculos podem ser ferramentas para a produção de novos signos,
o que nos inspira a sempre buscar ampliar o nosso repertório de conhecimentos e a nos munir
de referências distintas, de modo a pensar em novas abordagens tanto acadêmicas quanto em
nossas linhas de atuação no mercado profissional.
Por fim, salientamos a aderência dos temas estudados e a relevância do projeto à
proposta de aprendizado do curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e
Propaganda, especialmente neste momento conclusivo. Tratamos de conceitos relativos a
marcas, a semiologia, ao consumo e à sociedade, todos apresentados em sala de aula e tratados
em diferentes momentos do curso na ESPM. Além disso, destacamos a abordagem pouco usual
em direção à interação entre os sistemas da Arte e da Moda, de forma que o nosso estudo
contribui não apenas na direção dessa linha acadêmica, como também ao ambiente
mercadológico, que pode se beneficiar das reflexões aqui propostas.
126

6 REFERÊNCIAS

6.1 Bibliografia
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2011.
CHATIER, Roger. A aventura do livro. 1. ed. São Paulo: Unesp, 2002.
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alternativo. In: Psicologia: reflexão e crítica, v. 6, n. 3, p. 525-535, 2003.
FLETCHER, Kate. Slow Fashion: an invitation for systems change. In: Fashion Practice,
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LEVENTON, Melissa (org.). História ilustrada do vestuário. 1. ed. São Paulo: PubliFolha,
2009.
LIMA, Manolita Correia. Monografia: a engenharia da produção acadêmica. 2. ed. São
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modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades
modernas. 6ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
127

LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A estetização do mundo: viver na era do capitalismo


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