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A.S. Antunes
Colégio Militar do Rio de Janeiro (CMRJ), Rio de Janeiro, Brasil
1 INTRODUÇÃO
Os parâmetros curriculares Nacionais preconizam que o ensino das ciências da natureza produza
conhecimento útil ao discente, que busque a interdisciplinaridade e a contextualização do saber
(Brasil, 2010). No cenário escolar brasileiro nota-se um desempenho ruim dos alunos em ciências
e uma baixa procura em cursos de graduação em áreas como química, física e matemática. Uma
das dificuldades é o desconhecimento por parte dos atores do processo de ensino-aprendizagem
dos elementos que compõem a dinâmica da produção e dos fundamentos do saber científico.
Quando se pensa na fotografia e na ciência, compreende-se que ambas se apresentam como um
discurso de verdade, embora mantenham um distanciamento do real. Diante disso, para a leitura
da imagem fotográfica usaremos a abordagem de Kossoy (2012) que propõe seu uso como docu-
mento histórico e, para as ciências, adotaremos a visão de Bachelard (2004) que entende a evolu-
ção dos conhecimentos científicos de forma descontínua (ruptura epismológica) e a existência de
resistências a esses conhecimentos, os obstáculos epistemológicos. Neste artigo propõe-se uma
metodogia de abordagem que paralelamente faça a análise da imagem fotografia e das ciências
da natureza. As ciências da natureza são mal vistas para nossos alunos, enquanto a leitura de
imagem é praticamente inexistente em sala de aula, portanto a necessidade de novas abordagens
didáticas em ciências e a introdução ao letramento visual são as motivações fundamentais do
presente trabalho.
2 ASPIRAÇÃO AO REAL
As interações entre real/imagem fotográfica e real/ciência não são novidades no mundo acadê-
mico tendo inúmeros ensaios, textos e artigos que abordam o tema fotográfico (Barthes, 2006;
Sontag, 2003, 2004; Krauss, 2012; Rancière, 2012; Fontcuberta, 2012; Flusser, 2002; Dubois,
2004; Fabris & Kern, 2006) e o tema científico (Van Fraassen, 2007; Popper, 2010; Kuhn, 2006,
2009; Bachelard, 1996, 2004).
A credibilidade testemunhal da fotografia fundamenta-se em seu processo físico-químico de
produção de imagem, o que Dubois chama de “automatismo da sua gênese técnica” (2004, p. 25).
O espanto e o impacto gerados pelo surgimento da fotografia se devem pela forma como a luz é
marcada em uma superfície fotossensível, um marco-registro realizado por um período de tempo
que acondiciona as quatro dimensões espaço-tempo em apenas duas de uma fotografia ou, como
mais corrente nos dias de hoje, no monitor. Uma enorme simplificação da realidade, mas que não
retira do observador da imagem a possibilidade da transposição temporal ao passado vivo em suas
memórias. A torrente de emoções, dor? Alegria? Saudade? Repulsa? O registro da imagem expli-
cado com a peculiar objetividade mecânica nos revela a unicidade testemunhal do fato localizado
em um infinitésimo do espaço-tempo das possibilidades, um dos infinitos pontos de vista, mas
ainda assim se tornou testemunhal. O retrato empalha indivíduo, cujo espectro viajou pelo espaço,
e passando através da objetiva da câmera, até a colisão com a película/superfície fotossensível, e
lá ficou cravada nas reações de oxirredução que serão exibidas na câmara escura e, portanto, em
concordância com Sontag quando afirma que a fotografia é a usurpação da realidade, nunca me-
nos que o registro de uma emanação (Sontag, 2006). Como coloca Barthes (2006), o registro
objetivo denuncia a dupla posição conjunta que não podemos negar: de realidade e passado, o que
gera o nome do noema da fotografia “Isso-foi”.
De acordo com Sontag, a exploração e a duplicação fotográficas do mundo fragmentam conti-
nuidades e distribuem os pedaços em um dossiê interminável, o que propicia possibilidades de
controle nunca antes imaginadas. A eficiência dos poderes que as imagens conferem resultam em
uma nova relação entre a imagem e realidade: “A noção primitiva de eficácia das imagens supõe
que as imagens possuem os predicados das coisas reais, mas nossa tendência é atribuir a coisas
reais os predicados de uma imagem.” (Sontag, 2006, p. 174)
A unicidade espaço-tempo do ato fotográfico foi domesticado pela sociedade moderna que,
ávida pelo consumo de imagens, fez da reprodutibilidade da imagem fotográfica algo trivial e
necessário para o sucesso da fotografia. As práticas de compra/venda, empregado/empregador
foram incorporadas no cenário fotográfico ainda no século XIX.
Sobre os diferentes pontos de vista do realismo fotográfico, Dubois (2004) divide em três tipos
enumerados a seguir:
-Fotografia como espelho do real: valoriza o aspecto de mimese da fotografia. Apesar desse dis-
curso encontrar-se majoritariamente no século XIX, observam-se seus prolongamentos no século
XX.
-Fotografia como transformação do real: trabalha-se com a foto como codificação, o que desloca
a noção de realismo de sua fixação empírica para o que se pode chamar de uma verdade interior.
Um exemplo deste ponto de vista é o movimento estruturalista que afirma que o mundo que vi-
vemos é um mundo em que a imagem do real supera o próprio real: as fotografias manipuladas,
os factóides, as manipulações da opinião têm um poder de convencimento que substitui a própria
realidade. Em suma, desloca-se o poder de verdade, de sua ancoragem na realidade, rumo a uma
ancoragem na própria mensagem (a verdade interior da foto).
-Fotografia como traço do real: nesse caso trabalha-se com o discurso de índice, ou seja, repre-
sentação por contiguidade física do signo com seu referente. Entre índice e objeto há uma relação
de conexão física, o que os diferencia dos signos e dos símbolos conforme descreve Dubois:
“De fato, os dois grandes tipos de concepção que passamos em revista até aqui – a foto como espelho
do mundo e a foto como operação de codificação das aparências – têm como denominador comum
a consideração da imagem fotográfica como portadora de um valor absoluto, ou pelo menos geral,
seja por semelhança, seja por convenção”.
Sobre a concepção indiciária da fotografia, Dubois afirma que sua principal distinção em relação
às precedentes é seu valor todo “singular ou particular”, pois determinado unicamente por seu
referente e só por este: “traço de um real”.
Na era digital há uma enorme produção de imagens modificadas obtidas a partir de uma foto-
grafia cuja imagem inicial resulta do encontro da energia radiante com o sensor fotossensível. As
alterações e fraudes fotográficas realizadas após o registro do evento ocorrem desde a era analó-
gica com vários exemplos históricos como as fotos de Abraham Lincoln, Stalin, Benito Mussolini
e da ilha de Iwo Jima entre outras. Portanto a pós-edição da fotografia não é uma novidade, mas
nunca esteve tão banalizada. Provavelmente no fotojornalismo tem-se o segmento em que mais
se valoriza a imagem fotográfica como foi registrada e, por conseguinte, sem alterações excessi-
vas em pós-edição. Porém as fronteiras entre tratamento e manipulação não são simples de definir
e averiguar, um caso polêmico envolveu o ganhador do concurso de fotojornalismo mais impor-
tante do mundo, Word Press Photo (WPF), na edição de 2013. A foto vencedora, Gaza Burial, do
fotógrafo sueco Paul Hansen (Figura 1) mostra os corpos de duas crianças Suhaib Hijazi (dois
anos) e seu irmão mais velho, Muhammad, de quase quatro anos sendo carregados por seus tios
para uma mesquita para os seus funerais, na cidade de Gaza. Após o anúncio do vencedor, muitas
reclamações sobre o aspecto irreal da imagem, até um tanto cinematográfica, levaram a organi-
zação do WPF a abrir uma completa investigação oficial com peritos forenses de imagem, nova
aérea de especialização (Word Press Photo, 2013). Os métodos forenses, baseados em inteligência
artificial e visão computacional, objetivam revelar incoerências nas fotografias e documentos fal-
sificados, na maioria das vezes, impossíveis de serem detectadas pelo olho humano. Com tudo
isso busca-se a autenticidade fotográfica, o elo com o real, união com o passado.
Mais um caso intrigante sobre a realidade é lembrado por Fontcuberta, ao mencionar uma en-
trevista de um assessor sênior do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, a um repórter
do New York Times em 2002 durante um período de grande turbulência internacional, antes da
invasão ao Iraque.
O estudo judicioso da realidade discernível não é mais a forma como o mundo realmente funciona
[...] Agora somos um império e quando agimos criamos nossa própria realidade. E, enquanto outros
estudam conscientemente essa realidade, nós voltamos a agir, criando outras novas realidades que
voltarão a ser estudadas, e é assim que as coisas caminham. Nós somos os atores da história [...] e
vocês, todos os outros, se veem reduzidos a simples espectadores daquilo que nós fazemos. (Rich,
apud Fontcuberta, 2012 p. 13)
Desta forma, a criação de uma falsa realidade parece uma competência arrogante natural àque-
les que monopolizam a produção de discursos na política. O assessor entrevistado utiliza o termo
“reality-based community”, ou seja, a comunidade que vivencia uma realidade. No sentido dessa
construção de outras realidades, as aptidões da imagem são inegáveis.
O realismo científico sustenta que o objetivo da ciência é fornecer uma descrição verdadeira
do mundo, a convicção da relação ciência-verdade não é apenas usada como argumento de auto-
ridade, “cientificamente comprovado”, como já foi dominante no cenário intelectual no final do
século XIX representado pelo positivismo. Na perspectiva positivista, conhecimento científico é
a única forma de conhecimento verdadeiro que pode ser alcançado pela análise da natureza e pode
ser alcançada por meio da observação e da imparcialidade de valores. Com o avanço da ciência,
em especial da microfísica, em partículas subatômica, as teorias e modelos passam a representar
objetos não observáveis como elétrons, quarks e fótons. No caso da teoria atômica, como assinala
Pascal Nouvel, após o último dos “modelos intuitivos” do átomo, o modelo planetário quântico
de Bohr, seguiram-se os modelos matemáticos de Schrödinger e de Heisenberg cujos modelos
proveem “...apenas equações matemáticas que fornecem a representação mais apropriada e que
só podem ser convertidas em intuições visuais pagando-se o preço de uma desnaturalização rela-
tivamente grande”.(2013 p.163).
Na ótica de Bachelard, a razão se constrói no diálogo dinâmico com a experiência, em troca
contínua das respectivas verdades. Dessa forma, a noção de modificação contínua do conheci-
mento científico em direção à verdade é contestada por Bachelard que defende o corte/cisão/rup-
tura epistemológica como condição fundamental no progresso do conhecimento que assim se co-
loca como descontínuo (Carvalho, 2010).
Figura 1. Foto de Paul Hansen: Gaza Burial. Vencedora do World Press Photo 2013.
3 DESMONTE DA FOTOGRAFIA
... pois reconstruir o processo que determinou o documento fotográfico foi a meta que
estabelecemos desde o início, com o fito de compreender a cena registrada, instante da ocor-
rência do fato e da gênese do próprio documento; isto significa realizar a operação inversa,
buscando detectar os elementos estruturais do documento – o objeto-imagem, enquanto resí-
duo que nos veio do passado, um fragmento visual da realidade tomado em determinado lugar
e época. (p.39)
A fotografia, por ser resultado de um processo de criação, é sempre construída pelo fotógrafo
e, portanto, plena de códigos.
O desmonte da fotografia (Figura 2), ou seja, sua decifração ocorre por duas análises funda-
mentais, a primeira é a iconográfica que considera a unicidade e identidade do documento (quem,
o que, como, quando e onde) é baseada na reconstituição do processo, em termos de elementos
integrantes (fotógrafo, assunto e tecnologia) e coordenadas de situação (espaço e tempo). A se-
gunda análise que pertence ao corpus conceitual é a iconológica que decifra o que não é explícito
e possui nível interpretativo mais profundo, uma única imagem pode reunir uma série de elemen-
tos icônicos de diferentes áreas do conhecimento e tais elementos estão formal e culturalmente
codificados na imagem, inerentes à representação fotográfica à sua estética particular. Na prática
essas codificações são individualizadas pela mediação (técnica, cultural e estética) do fotógrafo.
A interpretação iconológica é realizada pela codificação formal e cultural, a primeira envolve os
princípios ópticos; o recorte espacial; os recursos técnicos inclusive aqueles usados na materiali-
zação da imagem; os recursos plásticos no momento da captura ou durante o processamento que
buscam alcançar determinado impacto sobre o receptor. A codificação cultural se refere direta ou
indiretamente ao tema representado, tais elementos icônicos acham-se representados segundo co-
ordenadas de situação (espaço-tempo) precisas com desdobramentos econômicos, políticos, soci-
ais e culturais. Em qualquer imagem existe um acervo acerca do tema e do seu entorno, trata-se
de informações explícitas (elementos de identificação visíveis) e implícitas (ocultas na represen-
tação). Estas últimas são relativas à história e ao contexto que envolvem o tema e, nesse caso,
devem-se levar em consideração: fatos passados, mentalidade, heranças culturais e ideológicas.
Em outras palavras; só adquire sentido na medida em que haja outras informações de diferentes
naturezas.
Desmontagem da
foto
Análise Análise
Iconográfica Iconológica
Elementos Codificação
Codificação formal
constitutivos Cultural
Coordenadas de
Explícito
situação
Implícito
Figura 2. Esquema geral conceitual de desmontagem da imagem fotográfica proposta por Kossoy.
A interpretação iconológica trata de desvendar suas bases mais profundas, sua trama histórico-
social, sua dimensão cultural-ideológica, seu significado intrínseco, o oculto na representação, ou
seja, sua realidade interior.
A complexidade da análise de uma imagem fotográfica desde antes de sua captura até sua re-
cepção muitos anos depois é enorme, a proposta de Kossoy é que se ultrapasse a primeira visão
(primeira realidade) da imagem fotográfica, mas que se não se deixe intimidar pelo emaranhado
de possibilidades, por isso sugere um olhar analítico por partes, sem deixar de contemplar o todo.
Esse resíduo polissêmico de espaço-tempo pode ser uma pequena janela em que se enxerga o
passado.
4 DESMONTE DA CIÊNCIA
Em pleno século XXI, não há dúvidas do poder e da influência da ciência sobre a sociedade con-
temporânea, não apenas traduzidos em tecnologia, mas em temas envolvendo saúde e o meio
ambiente. Estamos distantes da visão positivista de ciência do século XIX, em que todos os pro-
blemas sociais seriam resolvidos e questões da natureza respondidas, mas ainda próximos do lugar
neutro e imparcial que converge ideologicamente com um de seus objetivos que é a representação
do real.
Os parâmetros aqui expostos são baseados nos pensamentos de Gaston Bachelard, filósofo e
epistemólogo francês que nasceu em 1884 e exerceu grande impacto sobre diferentes áreas do
conhecimento, mas principalmente sobre a filosofia francesa contemporânea tendo marcas im-
portantes nos trabalhos de, por exemplo, Michel Foucault, Dominique Lecourt, Jacques Derrida
e Louis Althusser. Bachelard vivenciou um período de grandes revoluções nas ciências, em espe-
cial na física, na passagem do século XIX para o século XX, (da física newtoniana para a quân-
tica), o que marcou profundamente seu pensamento fundado na descontinuidade como caracterís-
tica fundamental da evolução da ciência. Portanto, no pensamento bachelardiano tem-se uma ver-
dade circunstancial e temporal em que a consensualidade não garante a proximidade com a reali-
dade e ainda compreende que o ato de conhecer é um ato de negação, negação ao conhecimento
anterior, a filosofia do não.
Um conhecimento não contestado é um conhecimento não negado e, portanto, não superado.
Dentro do ambiente escolar, deve-se considerar o conhecimento prévio do aluno que é de funda-
mental importância para sua evolução científica, pois é o conhecimento que deve ser conhecido
para ser negado e, assim, superado. Considerar que o aluno não possui conhecimento prévio é
ensinar por dogmas e não superar a realidade primeira, o senso comum.
Conforme descreve Lopes (1993), na escola há a onisciência dos professores instaurando um
dogmatismo aniquilador da cultura escolar, na medida em que o ensinamento é simplesmente
absorvido como dado absoluto e verdadeiro. Sob o ponto de vista que a ciência é uma eterna
aproximação descontínua em direção ao real, uma pedagogia que privilegie a ruptura deve ser
valorizada ou seja, “A aprendizagem nunca começa, sempre continua, sempre destrói um conhe-
cimento para construir outro” (Lopes, 1993)
A ruptura epistemológica foi uma categoria criada por Bachelard e designa como ocorre a evo-
lução do conhecimento científico. Tal corte seria fundamental na descontinuidade entre os conhe-
cimentos comum e científico para a formação do espírito científico.
Não se pode entender que o conhecimento científico é a lapidação do conhecimento comum,
entre esses dois conhecimentos existem saltos, o científico não procede do comum, mas ao con-
trário se constrói a partir da negação do anterior. Assim, para Bachelard, a ciência é um ato de
eterna reconstrução do saber, o pensamento científico deve estar sempre pronto a abandonar seu
conhecimento em prol de outro mais adequado às respostas dos problemas propostos. A eterna
retificação do conhecimento enfatiza a inconstância da verdade científica, a descontinuidade da
razão e a fecundidade da ciência que, por ser efêmera, é sempre atual.
Obstáculos epistemológicos, outra importante categoria bachelardiana, é inata ao ato de conhe-
cer, característica funcional que acarreta inércia, estagnação e retrocesso na aquisição do conhe-
cimento científico. O ato de conhecer é processual e conhecer tais obstáculos é relevante nos
ambientes escolar e científico. Neste ponto, é importante considerar que no pensamento de Ba-
chelard, ensino e pesquisa estão sob o mesmo estatuto e sob a mesma dinâmica, conforme carac-
teriza Parente, 1990 “... da maior importância no sentido de integrar uma raiz de fundamentos e
de gestos comuns os atos de ensinar e de pesquisar.”
Na concepção clássica de razão e de realidade, (Barbosa, 2004) a razão era fechada e substan-
cial, a realidade era vista como coisa pronta e acabada, assim a função da ciência consistia em
captar esta realidade e tentar reproduzi-la o mais fielmente possível. Contemporaneamente, o real
científico deixou de ser um conjunto de fenômenos produzidos por uma experiência e as ciências
passaram a ser pensadas segundo uma estrutura matemática. Se, no espírito científico clássico, a
matemática tinha função puramente instrumental, hoje é através dela que se torna possível pensar
o fenômeno. Com a microfísica, é impossível uma designação direta do real, assim na física con-
temporânea o objeto científico não é oferecido à percepção do homem como os objetos de conhe-
cimento imediato. Nesse caso deve-se renunciar à noção de objeto, de coisa, pelo menos no estudo
atômico. De acordo com Barbosa (2004), a ciência perde seu caráter reprodutor da realidade e
passa a inventá-la. A percepção não pode ser um elemento de conhecimento, pois só se percebe
o real que se oferece (macroscópico), nesse contexto a percepção torna-se alucinação. A realidade
científica surge da coerência de um modelo matemático, não mais de uma observação de fenô-
menos naturais. O modelo ganha um aspecto fundamental, ele conduz o pesquisador à realidade.
Quando o conhecimento é apreendido em uma experiência primeira, Bachelard emprega o
termo ‘real imediato’ ou realista contrapondo-se com a noção advinda de uma experiência cien-
tífica, o real instruído. De acordo com Parente (1990), uma distinção importante é estabelecida
entre o real e o verdadeiro, em que o verdadeiro ‘deve ser colocado em função de uma organização
do pensamento que deu prova do seu valor lógico’ perante a comunidade de cientistas.
A incompletude é uma das principais características da ciência, o saber é inacabado e todo
conhecimento sobre um tema/objeto têm uma dúvida inerente. O indivíduo que está na ciência
deve estar certo de sua ignorância.
O caminho para chegar ao verdadeiro (como organização do pensamento que deu seu valor
lógico) é o caminho da polêmica, o consenso científico não é uma conquista fácil. Nas ideias
defendidas por Kuhn (2006), o consenso científico sob determinada questão pode ser traduzido
como paradigma e mostra, graças a uma abordagem histórica das ciências como ocorre a transição
entre os paradigmas científicos, ou seja, uma revolução científica. O experimento não respondido
pode ser recebido como um simples erro experimental quando se dispõe da ciência normal (para-
digma estável) em funcionamento, porém este mesmo experimento pode ser a porta de entrada
para um novo paradigma que prevalecerá após a revolução. Nesse sentido, o valor do erro em
Bachelard, passa a assumir uma função positiva na formação do conhecimento tanto científico
quanto didático, conforme afirma Lopes (1999):
não podemos nos referir à verdade, instância que se alcança em definitivo, mas apenas às verdades
múltiplas, históricas, pertencentes à esfera da veridicidade, da capacidade de gerar credibilidade e
confiança. As verdades só adquirem sentido ao fim de uma polêmica, após a retificação dos erros
primeiros (p. 111).
Pode-se afirmar que nas escolas brasileiras o letramento visual é incipiente, isso porque o texto
verbal tem prevalecido como o grande transmissor de informações enquanto as imagens ocupam
o lugar ilustrativo. Dessa maneira, habitualmente se negligencia a autonomia das imagens em
relação ao seu conteúdo. De acordo com Santaella (2012), a alfabetização visual significa apren-
der a ler imagens, desenvolver a observação de seus aspectos constitutivos e detectar o que se
produz em seu interior. A leitura de imagens é a aquisição de conhecimentos e desenvolvimento
de habilidades necessários a saber o que indicam, qual a intenção, qual o contexto, como elas
significam, como elas pensam e como representam a realidade. Por transmitir uma grande quan-
tidade de informações em um pequeno espaço de tempo, as imagens são ricamente utilizadas na
publicidade, portanto entender as estratégias utilizadas na linguagem das propagandas significa
adquirir uma capacidade de entender as sugestões oferecidas ao espectador que de acordo com
Santaella & Nöth (2013) são de três ordens: da sugestão, da sedução e da persuasão. Torna-se
necessário para o jovem compreender de forma crítica a linguagem publicitária e esse pacote de
expectativas, emoções e desejos. Uma peça publicitária pode conter um alto grau de elaboração,
muitas vezes de abrangência global e sempre com objetivo de atingir um dado público alvo de
forma fria e calculada. Nesse sentido, somos todos alvos em potencial independente de sexo,
idade ou classe social. Ainda sobre as estratégias de sedução, descrevem Santaella e Nöth
(2013):
... ente a polaridade de razão e emoção, está instalado o desejo, o grande operador da sedução.
Enquanto a sugestão habita a incerteza do possível e a persuasão caminha pelos trilhos do argu-
mento, a sedução fala por meio da corporeidade, da captura do receptor nas malhas do desejo. En-
quanto a sugestão aciona a capacidade de sentir e a persuasão agrada ao pensamento, a sedução
cativa os sentidos. (p.141)
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