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CAPÍTULO SEGUNDO
1
Roulotte = francês = carro de ciganos
circuito fechado de televisão. São instalações muito caras,
mister Richardson.
— Acredito. Tudo admirável: a velha magia combinada
com os mais atualizados recursos da eletrônica. Perfeito,
Madame. Bem... Espero que esteja contente entre nós.
— Sempre estou bem em toda parte. Tomaria uma
xícara de café, monsieur? Asseguro-lhe que não colocarei
nela nenhuma de minhas poções mágicas.
Francês — carro es ciganos.
Richardson pôs-se a rir e a pitonisa foi buscar o café. Ao
abrir a pequena porta do fundo da gruta, ela deixou-o ver
algo completamente diverso do cenário onde recebia seus
consulentes.
— Suponho que toma bastante cuidado para que seus
clientes não vejam isto — sorriu Richardson.
— Sem dúvida. Somente eu posso abrir esta porta. Ao
menos que se utilizem métodos violentos, naturalmente.
Pouco depois, tendo ainda na boca o gosto do excelente
café que tomara, Jeb Richardson abandonava a roulotte de
Madame Raquel, satisfeitíssimo. Estava certo de que fizera
uma sensacional aquisição para o “Great Clown Circus”.
Entretanto, no fundo de sua mente, eram formuladas
perguntas a que não podia responder. E sentia uma certa
perplexidade, uma inquietude, que ignorava a que atribuir.
A verdade era que, no intimo, ele se perguntava se Madame
não era muito mais adivinha do que ela própria acreditava.
***
Outro palhaço tinha ocupado o lugar do infeliz
Michelino, de modo que o publico podia rir com as
aventuras do medroso pescados de tubarões que acabava
pescando uma baleia. Os “ratinhos” apareceram em seguida,
com suas sensacionais proezas acrobáticas. E veio o
hercúleo Absalon, que começou a dobrar barras de ferro,
levantar enormes pesos... Seguir-se-ia a atuação de Omar
“O Magnífico” com seus ferozes leões e tigres. Finalmente,
como o grande número do espetáculo, iriam apresentar-se
os fabulosos “The Jats”, autênticas águias do trapézio.
Por ser a noite da estréia, o circo apanhara tão boa
lotação que grande parte do público que afluiu ficou sem
lugar. Alguns voltaram à cidade, outros preferiram ficar na
feira externa, atirando ao alvo e aproveitando todos os
recursos que ofereciam as barraquinhas coloridas. Diante do
reboque de Madame Raquel já se aglomerava uma multidão
esperando atendimento por parte da famosa pitonisa.
Por sua parte, Richardson, que percorria constantemente
todas as instalações do circo, estava mais satisfeito por
haver contratado Madame Raquel. Calculava que pelo
menos quinze pessoas já tinham entrado para consultá-la, o
que, a uma média de cinco dólares per capita, perfazia um
total de setenta e cinco. Tendo-se em conta as que ainda iam
entrar e as que chegariam depois, a renda do reboque
vermelho prometia ser bastante satisfatória.
Estava olhando o simpático individuo trajado
esportivamente e com uma bolsa de ginásio na mão, que
encabeçava a fila para ser “adivinhado” por Madame,
quando se deu conta de que a pessoa colocada atrás dele
estava fazendo sinais com um braço... Olhou-a e ficou
estupefato ao reconhecê-la. Os sinais de saudação eram
dirigidos a ele, que por sua vez moveu um braço, num gesto
de chamada. Então, a lourinha de olhos azuis veio ao seu
encontro, sorrindo timidamente.
— Que faz na fila, Carol? — intrigou-se Richardson.
— Quero conhecer alguns detalhes de meu futuro.
— Está brincando? Não pode perder seu tempo assim,
querida.
— Já fiz meu número, Jeb. Por que não posso vir
consultar Madame Raquel?
— Bom... Claro que pode. Mas eu a apresentei a todos
vocês antes da função e imaginava que tivessem
compreendido que toda sua magia...
— Não perco nada, Jeb.
— Bem... Como queria. Naturalmente também nós
temos o direito de divertir-nos, mas surpreende-me que
pense fazê-lo com a pitonisa. Não seria melhor que se
entretivesse com seus cães e cavalos?
— Cuidarei deles mais tarde. Oh, o atleta vai entrar,
Jeb... Agora será a minha vez. Volto para a fila.
— Você poderia esperar que ela terminasse e, então,
pedir-lhe particularmente...
— Assim eu não me divertiria — riu Carol, a bela
domadora.
— Está bem... riu finalmente o diretor do circo. — Só
espero que Madame Raquel não pense que você quer
zombar dela, querida. Volte para a fila. O atleta não tardará
muito a sair...
***
— Sente-se — disse Madame Raquel.
O atlético visitante sorriu, sentou-se diante dela e
colocou a bolsa sobre a mesa;
— Peço-lhe que adivinhe tudo a meu respeito — disse
em russo.
— Não é possível adivinhar tudo — replicou pitonisa,
também em russo. — Mas farei o possível para satisfazê-lo
em parte. Há algo que lhe interesse de modo especial?
— Bem, eu gostaria de saber se...
— Eu sei — interrompeu-o Madame, — Quer saber se
alguém o está vigiando. Vejamos...
Passou as mãos por cima da bola e esta se iluminou ao
aparecer a imagem, que foi passando, abrangendo tudo em
trono do reboque. A imagem deteve-se um instante quando
captou Jebediah Richardson e Carol Sand.
— E então? — insistiu o atleta.
— Parece que ninguém o vigia. Entretanto, Richardson
está aí fora, com a amestradora de cavalos brancos. Uma
linda jovem... Não. Eu digo que ninguém o vigia. E isso é
muito conveniente, dada sua profissão, cavalheiro.
— Sabe qual é minha profissão?
— Naturalmente.
— Qual é?
— Agente secreto.
— Fantástico... — riu o atleta. — De fato, sou espião.
Espião profissional e dos bons, não desses improvisados.
Que mais vê?
— Vejo... uma pistola! E vejo... muitos mortos. Também
vejo uma sombra...
— “Shadow” em inglês? — perguntou o visitante.
— Sim: “Shadow”. Esse é o nome. Uma sombra... que
tem que ser de um homem. Um homem que também tem
que ser... um erro. Um espião inimigo. Inimigo seu e dos
seus. “Shadow” é desconhecido para todos, exceto para...
Richardson. Sim. O dono... Não, não é dono; é somente o
diretor do circo, que pertence a vários homens, Richardson
é a única pessoa que conhece “Shadow”, o espião. Tudo o
que você e os seus sabem é que “Shadow” esteve várias
vezes no circo... neste circo. E que sempre deu
determinadas ordens a Jebediah Richardson.
— Que espécie de ordens?
— Ordens de assassinatos. Assassinatos de pessoas
importantes na esfera política. Sim... “Shadow” visita o
circo, fala com Richardson e manda que ele mate alguém.
Mas não creio que seja Richardson a mão executora,
embora sempre que se cometa um desses assassinatos seja
perto do “Great Clown Circos”. Não... Ele, por sua vez,
manda que alguém execute o assassínio. Por isso, para
evitar mais assassinatos, você e os seus querem localizar
“Shadow” e matá-lo. Morto ele, tudo estará terminado
— Nem tudo — murmurou o atleta. — Pelo menos, não
creio.
— Vejamos... Sim: tem razão, já que “Shadow” por sua
vez, está trabalhando para alguém... Para um país, não sei
qual.
— Pois deveria sabê-lo, já que é pitonisa.
— Saberei... Asseguro-lhe que saberei, meu jovem
amigo. Mais tarde ou mais cedo, encontrarei o modo de
sabê-lo. Saberei que país paga a “Shadow”, quem é
“Shadow” e o que se propõem ele e o país que lhe paga para
assassinar políticos de diversas nacionalidades... inclusive
alguns russos.
— Bem, confio em seus poderes, Madame. E gostaria de
saber se também posso confiar em que me dirá, em outra
ocasião, quem é “Shadow”, onde está e quem lhe paga.
— Minha bola mágica decidirá isso. Sua consulta é
muito importante. Espero que tenha ficado satisfeito.
— Não de todo, ainda.
— Pois não lhe posso dizer nada mais. São dez dólares.
— Dez dólares? Parece-me um pouco caro!
— O preço de Madame Raquel nunca é excessivo,
jovem espião. E para demonstrar isto, vou prestar-lhe ainda
outro serviço: não volte por aqui nunca mais. São dez
dólares.
— Receio que não tenha tanto dinheiro comigo,
Madame. Mas podemos fazer uma aposta: se adivinhar o
que contém esta bolsa, eu lhe pagarei vinte dólares amanhã
mesmo; se não adivinhar, a minha consulta será grátis.
Aceita?
— Sua bolsa esportiva... Bem. Vejo dentro umas caixas
de papelão que contêm... contem... duas câmaras
automáticas de televisão.
— Assombroso!
Ele abriu a bolsa, tirou duas caixas e, de uma delas, uma
pequena câmara de televisão, que deixou sobre a mesa. A
pitonisa tomou-a, examinando-a rapidamente, depois
examinou a segunda câmara... que escondeu juntamente
com a outra debaixo da mesa, onde ficaram cobertas pelo
longo e espesso pano negro.
— Bem, Madame, a entrevista terminou. Até outra.
— Não. Não haverá outra, meu jovem amigo. E melhor
que não volte mais aqui. Se vocês quiserem saber algo mais
a respeito de meus grandes poderes, será melhor que me
enviem outro espião...
— Tão mau será meu futuro se eu voltar aqui? — sorriu
ele,
— Nunca se sabe... Mais vale prevenir. Por outro lado,
há coisas como a morte, que não tem remédio. Desejo-lhe
uma feliz viagem de regresso. Dosvidana.
— Dosvidana — murmurou o atleta, despedindo-se.
Meteu uma pedra dentro de cada caixa, guardou-as na
bolsa, olhou hesitante para a pitonisa e, por fim, não muito
convencido, abandonou o reboque.
Quase em seguida, entrou a bonita lourinha de olhos
azuis.
— Aconteceu alguma coisa, querida? — perguntou com
voz normal, sem efeitos dramáticos nem asperezas, em
inglês.
— Não, Madame. Vim como cliente.
— Como cliente... Vejamos, menina: você é Carol Sand,
a garota dos cavalos e cãezinhos ensinados, não é assim?
Mister Richardson apresentou-nos antes da função e,
embora tendo somente um olho, pude vê-la muito bem.
— Realmente, Madame. Somos companheiras de
trabalho.
— É muito agradável ouvir isso — sorriu sinistramente a
pitonisa. — Muito agradável, querida menina. Sabe que tem
lindos olhos? Tão grandes, tão azuis...
— É muito amável comigo, Madame. Diga-me: e certo
que pode ver o passado e o futuro?
— E o presente. Qual dos três lhe interessa mais?
Carol Sand passou a língua pelos lábios, que sentia um
pouco secos. Realmente, estar ali encerrada com a pitonisa,
cujas feias verrugas se destacavam no grande nariz recurvo,
não era coisa agradável. Porém o mais pavoroso era aquele
olho escuro, brilhante, que parecia um punhal capaz de
atravessá-la completamente.
— Gostaria de saber onde está Michelino e por que se
foi... Michelino é...
— Espere. Você disse Michelino e é suficiente — a bola
iluminou-se uma vez mais e começaram a aparecer imagens
confusas. — Sim... já sei quem é Michelino: um palhaço.
Um engraçado e simpático palhaço... Mas isso na arena.
Fora dela, e um rapaz elegante, amável... Alguém ama
Michelino, o pescador... Sim, Michelino é pescador...
— Não, não. Esse era um número que ele fazia...
— Gostava de pescar, eu sei, querida menina.
— Eu gosto. Ele...
— Esperei Vejo uma pomba branca... Michelino tem
uma pomba branca na mão, depois ele se vai e a pomba
branca também...
— Mas Madame, tudo isso já sei. O que quero saber é sê
pode dizer-me onde ele está agora.
— Compreendo. Você veio aqui sem nenhuma fé em
meus poderes, dizendo a si mesma que não perdia nada...
Quem sabe? Talvez, no mínimo, tenha pensado que talvez
Madame Raquel tivesse um pequeno poder e pudesse dizer-
lhe onde está Michelino. Pois bem: você não perdeu nada.
Mas não vai gostar de saber onde está Michelino, querida
menina.
Carol parecia impressionada, mas, ao mesmo tempo,
olhava com certa desconfiança expectante para a pitonisa.
— Por que não vou gostar de saber onde ele está?
— Vejo terra. E o vejo... morto. Sim, vejo terra e
morte...
— Não... não compreendo, Madame.
— Pois não lhe posso dizer mais. E agora, retire-se. Há
clientes esperando e mister Richardson se zangará comigo
se me fizer perder demasiado tempo. Adeus. Carol.
A garota levantou-se.
— Quis dizer-me que Michelino está morto e enterrado?
— Quis dizer-lhe somente o que disse. E só posso
acrescentar que nunca mais tornará a vê-lo. Esqueça-o.
Ouça o que lhe digo: esqueça-o para sempre. E agora... que
entre o seguinte.
CAPÍTULO TERCEIRO
CAPÍTULO QUARTO
CAPÍTULO SEXTO
2
ver: VIAGEM DE PRAZER
— Vou matá-la... Mulher diabólica, vou lhe...!
Avançou para ela, que não fez o menor movimento.
Nem sequer se deu ao trabalho de sacar a pistolinha de
coronha de madrepérola.
— Lembre-se, camarada, de que nunca porta armas e
que, fisicamente, é um pouco inferior a Absalon. Não
obstante, se quer que lhe quebre a cabeça e os braços,
ataque-me.
“Shadow” começou a retroceder até a porta da casa,
ameaçando com um dedo a jovem que tão magistralmente
zombara dele.
— Ainda nos tornaremos a ver... — murmurou.
— Agora, retiro-me, mas ainda nos tornaremos a ver,
garanto-lhe. E, então, eu a matarei, “Baby”!
Abriu a porta e precipitou-se para fora. Sorrindo, “Baby”
acendeu um cigano e olhou a estupefata Madame Raquel,
que finalmente perguntou:
— Por que o deixa escapar? É um homem muito
perigoso!
— Bah, madame... Nem tanto. Aqui nos despedimos —
beijou-a em ambas as faces e agitou os dedos. — Au revoir,
madame.
— Au revoir, ma petite — respondeu a horrenda
pitonisa. — Obrigada pelos beijos.
“Baby” abriu a porta e dois homens entraram na casa,
trazendo “Shadow” quase suspenso pelos braços. O agente
soviético estava tão sombrio como a própria morte. Atrás
dos dois homens entrou outro, menor, um pouco calvo, de
olhos pequenos e astutos.
— Aposto que o fabuloso “Shadow” vai ser-nos de
enorme utilidade, “Baby”.
— Sem dúvida, tio Charles. Posso fazer mais alguma
coisa por você?
— Mais? — resmungou Pitzer. — Ora, vamos, querida.
— Então, retiro-me... — Voltou-se para o russo e
lançou-lhe no rosto a fumaça de seu cigarro.
— Você tinha razão, camarada, quando disse que nos
tomaríamos a ver. Para onde ia com tanta pressa?
Quando ela entrou no carrinho esporte que tinha
escondido entre uns arbustos, a autêntica Madame Raquel
estava tomando seu carro, ainda rindo, e os três homens da
CIA metiam “Shadow” em outro veículo, grande, negro,
sério.
A última a afastar-se dali foi “Baby”. E quando partiu,
olhando para a pouco distante Nova Iorque, sua expressão
não era exatamente amistosa.
***
— Quem é? — sobressaltou-se Jebediah Richardson.
— Serviço, senhor — respondeu uma voz feminina: —
sou a camareira.
Richardson passou a língua peles lábios. Estava
francamente assustado. Tanto, que pouco antes abandonara
o bar, onde esperava Absalon, por temor de que os outros
hóspedes notassem seu nervosismo. Tinha deixado recado
de que se retirava a seus aposentos, se alguém perguntasse
por ele... e agora não era o negro quem chegava, mas uma
camareira.
— Não pedi nada — alegou.
— É uma carta. Chegou por um mensageiro. Suíte 824,
mister Richardson... é o senhor, não?
Bem... Não podia deixar de abrir. Certamente Absalon
era quem enviava aquela carta ou bilhete; e, finalmente, ele
sairia da dúvida a respeito da última parte do “Plano
Monteguai”. Abriu, pois. Olhou a jovem, que trazia um
avental branco e tinha na mão um envelope. Somente o
envelope, sem bandeja.
— Sou Richardson... — murmurou. — Dê-me isso.
Tomou o envelope e olhou outra vez a jovem, que não se
retirara.
— Tenho que esperar a resposta, cavalheiro.
O diretor do circo pareceu hesitante. Tratava-se de uma
estupenda garota de olhos escuros e um tanto bochechuda,
boca muito pintada...
— Está bem. Entre e espere, por favor.
Ela entrou, fechando a porta. Richardson abriu o
envelope, sacou o papel e leu: