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Denize Sepulveda*
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Abstract This is a documentary analysis work that was based almost exclusively
on primary sources, and had as theoretical reference the concept of
Pierre Bourdieu's field. This study made use of legislation concerning
the legality of religious education in Brazilian public schools. As time
frame, this work meets the period 1930-2010. It is observed so that the
compulsory presence of religious education in the curriculum of Bra-
zilian public schools shows that state and church historically mutually
reinforcing, thereby generating tensions and conflicts undermine the
secular nature of the State and the autonomy of educational field. The
study concludes recognizing that in the current context secularity in
schools is a prerequisite for the realization of an emancipatory edu-
cation that enables the implementation of democracy in these spaces.
KEYWORDS: Religious Education; Legislation; School.
Introdução
A tradicional relação entre a religião católica e a educação brasileira, que
remonta à época da colonização, é o tema central deste artigo. Assim, pode-se dizer
que desde a colônia essa relação se estabelece. O processo de colonização trouxe con-
sigo uma estrutura de expansão católica, no contexto da contrarreforma, elegendo a
Companhia de Jesus como responsável por essa tarefa. Assim, a base de organização da
educação brasileira, que vem desde a colônia, é católica, basicamente jesuíta. Embora
por algum tempo essa ordem religiosa tenha sido expulsa dos domínios portugueses,
isso não foi suficiente para se criar uma estrutura razoavelmente laica de ensino (CHI-
ZZOTI, 1996; CUNHA, 2007; SAVIANNI, 2007).
Vale mencionar que desde o Decreto n. 19.941 de 1931, em seu artigo pri-
meiro, o ensino religioso já havia sido autorizado nas escolas públicas nos cursos pri-
mários, secundários e normal. O artigo segundo atenta para o caráter facultativo para
os alunos: “Art. 2º - Da assistência às aulas de religião: haverá dispensa para os alunos
cujos pais ou tutores, no ato da matrícula, a requererem”.
O artigo terceiro, como veremos a seguir, nos dá uma pista das dificulda-
des enfrentadas pela Igreja para poder inserir o Ensino Religioso (ER) no currículo.
Como bem coloca autores como Cunha (2007), havia uma defesa, principalmente
do grupo escolanovista, da laicidade do Estado e da escola pública. Essa resistência
obrigou o governo, nesse primeiro momento, a agir com cautela, prudência. Nesse
sentido, criou mecanismos de demanda. Organizava turmas fechadas de alunos cujos
familiares aceitavam o ER nas escolas públicas. “Art. 3º Para que o ensino religioso seja
ministrado nos estabelecimentos oficiais de ensino é necessário que um grupo de, pelo
menos, vinte alunos se proponha a recebê-lo.” (DECRETO 19.941/1931).
A nova realidade não desgastava a igreja católica, afinal ela era uma impor-
tante agente de organização da disciplina EMC. A presença de tal instituição com-
pondo a Comissão Nacional de Moral e Civismo era a prova de sua força (FILGUEI-
RAS, 2006).
Dessa forma, sob a égide do ecumenismo defendido em tese pela lei, afinal
são “vedadas quaisquer formas de proselitismo”, o ER sobrevive nas escolas públicas
brasileiras, seja através dessa disciplina curricular ou dos valores religiosos expressos
pelas práticas dos demais profissionais que habitam esses cotidianos.
Um Estado laico não se associa com nenhuma religião e também não pres-
ta privilégio. Portanto, não a financia com recursos públicos e nem estabelece convê-
nios de qualquer ordem, pois tem a obrigação de assegurar a liberdade religiosa para
todos os sujeitos.
Laico é o Estado imparcial diante das disputas do campo religioso,
que se priva de interferir nele, seja pelo apoio, seja pelo bloqueio a
alguma confissão religiosa. Em contrapartida, o poder estatal não
é empregado pelas instituições religiosas para o exercício de suas
atividades. (CUNHA, 2013, p. 7).
É necessário salientar que existe atualmente um grande debate acerca do
ensino religioso nas escolas públicas e sobre a defesa da laicidade do Estado. Entende-
mos que tal defesa é necessária para garantir a liberdade religiosa de todos que habitam
os cotidianos das nossas escolas.
Tal questão pode ser exemplificada pelo uso da Bíblia. Em algumas salas de
aula da rede pública de ensino, a Bíblia aparece como elemento orientador das práticas
de algumas professoras e alguns professores. Esses profissionais trazem para o espaço
público questões da esfera privada-individual. Esse mote é indicador de que esses
profissionais produzem uma mestiçagem entre sua identidade social de professor e a
de evangelizador. Muitos educadores parecem não conseguir separar as duas esferas
de sua atuação, afinal eles atuam como educadores em sintonia com as aprendizagens
que obtiveram em sua religião por meio da Bíblia, e, muitas vezes, as levam para os
processos de ensinar e aprender no interior da escola pública.
Assim, para que uma “democracia de alta intensidade” se efetive cada vez
mais na realidade brasileira, precisamos envidar esforços para possibilitar que a laici-
dade realmente se enraíze na sociedade e no interior das escolas públicas. Dessa forma,
é necessário combater por meio de atividades efetivas o ensino religioso e as práticas
educacionais que se baseiam nos credos religiosos.
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Notas
1
O conceito de campo usado neste trabalho foi desenvolvido por Pierre Bourdieu e significa um lócus
complexo do mundo social, cuja organização interna é formada por um conjunto de relações de força entre
agentes ou instituições próprias do campo. Assim, o campo é um lugar de disputa de agentes e de institui-
ções pelo monopólio interno da violência simbólica legítima e pela propriedade do capital típico do campo.
Os campos têm diferentes graus de autonomia, isto é, graus com que o capital e as regras de disputa por sua
posse estão mais ou menos definidos como próprios, não sendo redutíveis às dos demais.
2
Os campos se diferem um dos outros pelo grau de autonomização de uns com relação aos outros. Quanto
mais um campo se estabelece com regras próprias que se definem com independência, mais autônomo é
este campo e, por isso, mais forte frente aos demais, podendo inclusive exercer controle sobre outros, o que
Bourdieu chamou de heteronomia.
3
Redação dada pela Lei n° 9.475, de 22 de julho de 1997.
4
Terminologia desenvolvida por Alves (2002; 2008) no intuito de explicitar que não existe somente um
cotidiano escolar, mas vários cotidianos, já que cada escola possui uma cultura diferente da outra.
* Professora doutora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, Rio de Janeiro, Brasil.
** Professor doutor da Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.
Correspondência
Denize Sepulveda – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Formação de Professores.
Rua Francisco Portela, Patronato. CEP: 24435005. São Gonçalo, Rio de Janeiro, Brasil.