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ENCARGOS TRABALHISTAS

O custo da mão de obra: Brasil X EUA


Percentual de encargos brasileiros sobre a folha de pagamentos está consideravelmente acima do percentual no resto do mundo

PABLO MOURENTE

09/12/2018 06:10
Atualizado em 11/12/2018 às 10:29

Imagem: Pixabay

Muito se fala no Brasil acerca do alto custo da mão de obra por aqui, ocasionado pelo que se
convencionou chamar de “encargos trabalhistas”, que seriam muito altos no nosso país. Ao mesmo
tempo, o setor empresarial, quando critica os altos “encargos” brasileiros sobre a folha de pagamento,
elogia os Estados Unidos da América, que seriam um paraíso dos baixos encargos, o que por sua vez
propiciaria a alta competitividade das empresas americanas.

No presente artigo, pretendemos, de forma bem resumida (dentro das possibilidades para este tipo de
texto), explicar melhor o que seriam os tais “encargos”, e fazer um comparativo detalhado dos mesmos
no Brasil e nos EUA.

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Em primeiro lugar, é importante ressaltar que, quando os empresários brasileiros dizem “encargos
trabalhistas”, na verdade estão se referindo a todos os custos “ocultos” ou “re exos” da folha de salários.
Ou seja, todos os outros custos com os quais o empregador arca para cada 1 real de salário que paga a
seus trabalhadores. Nesse sentido, de início já é importante destacar que tais “encargos” não são
somente de ordem trabalhista, aqui representados pelos direitos trabalhistas que vão para além do
salário, mas também há encargos de ordem tributária, que nada mais são do que tributos que o
empregador paga sobre a sua folha de pagamento, tributos esses que servem para nanciar a máquina
estatal, incluindo aí serviços sociais prestados aos próprios trabalhadores (como as chamadas
“contribuições para terceiros”, que em parte nanciam o “Sistema S” (SENAI, SESC, SESI, SENAR,
SESCOOP e SEST).

Começando pelo cenário brasileiro, os encargos de ordem trabalhista podem variar de categoria
pro ssional para categoria pro ssional, e até de empresa para empresa, conforme direitos adicionais
que determinados grupos possam ter com base em normas coletivas (acordos ou convenções
negociados com o sindicato dos trabalhadores), ou ainda com base nos regulamentos internos das
empresas. Porém, para efeito deste artigo analisaremos apenas os encargos de ordem trabalhistas
previstos pela legislação e aplicáveis a todas as empresas, e que certamente representam a maior parte
dos encargos desse tipo. São eles: a) férias anuais remuneradas com terço adicional; b) décimo-terceiro
salário (cujo nome dado pela legislação na verdade é “grati cação de natal”); c) FGTS; d) aviso-prévio; e)
multa rescisória (40%).

De outro lado, os encargos de ordem tributária são: f) contribuição previdenciária patronal; g) seguro de
acidente de trabalho (SAT); h) contribuições para terceiros (Sistema S, INCRA, etc.); i) contribuição social
rescisória adicional sobre o FGTS;

Como tanto os encargos de ordem tributária, assim como o FGTS e a respectiva multa rescisória,
também incidem sobre alguns encargos de ordem trabalhista, temos ainda um “efeito cascata”, o que
aumenta ainda mais o percentual total de “encargos”. Dessa forma, resumidamente os encargos de
ordem trabalhista e tributária médios sobre a folha de pagamento, e os respectivos percentuais (sempre
referenciados em relação ao salário), no Brasil, são os seguintes:
Nem todos os percentuais acima representam de fato um desembolso mensal, mas representam o
custo econômico daquele direito. Por exemplo, o custo demonstrado acima para as férias remuneradas
com o respectivo terço adicional nada mais é do que 1,33 salário do empregado (valor das férias + 1/3),
pago por ano, dividido por 12 meses (para se “mensalizar” o custo). Como no mês das férias o
empregado não recebe o salário (e sim a remuneração das férias), na verdade o desembolso adicional
do empregador é apenas do respectivo terço. Porém, como o empregado não produz neste período, o
custo aqui representado (custo econômico, “mensalizado”) inclui o valor de 1 salário que o empregador
teria que pagar para outro empregado cobrir aquele que está de férias.

Por m, é importante ressaltar que os percentuais da referida tabela podem variar para cima, não só em
função de direitos especí cos de alguma categorias, mas também em função da tributação diferenciada
que incide sobre a folha de alguns setores da economia, como o SAT majorado para atividades com
maiores riscos ocupacionais, assim como variações na composição das contribuições sociais para
terceiros. Da mesma forma, também podem variar para baixo, no caso de empresas enquadradas no
regime tributário do Simples Nacional, que não pagam as “contribuições sociais a terceiros” e podem
ainda, em alguns casos, ter a contribuição previdenciária patronal já embutida na tributação paga sobre
o faturamento, desonerando assim a folha.

De toda forma, o número da tabela acima é bem representativo: na média, um empregado no Brasil
custa 73,33% a mais do que o seu salário bruto. Ou seja, 1,73 vez o seu salário. É por isso que muito se
diz que um empregado no Brasil custa quase duas vezes o que ele ganha (com as mencionadas
possíveis variações para cima em razão de direitos especí cos de algumas categorias e com a maior
tributação sobre a folha em alguns setores da economia, é possível em alguns casos que de fato o
percentual passe de 100%, ou seja, que o empregado nestes casos realmente custe mais do que o dobro
do que o valor do seu salário).

Agora vejamos como as coisas funcionam em terras norte-americanas.

Nos EUA, há muito menos direitos trabalhistas previstos na legislação. Dessa forma, o empregado não
tem, pela lei, uma série de direitos que existem no Brasil, alguns deles que por aqui não podem nem
mesmo ser suprimidos em eventual alteração legal ou constitucional, pelo fato de estarem previstos na
Constituição Federal como cláusulas pétreas (por exemplo, o nosso décimo terceiro salário).

Dessa forma, nos Estados Unidos não há férias remuneradas, por exemplo. Ou seja, lá os empregados
em geral não têm direito, por lei, a uma quantidade de dias remunerados de folga por ano, como ocorre
na maior parte dos países do mundo. Isso não quer dizer que ninguém tire férias por lá. Apesar de não
ser obrigatório, muitas empresas (77%, em 2012) oferecem tal tipo de benefício como política de
atração e de retenção de talentos (na época, a média era de 10 dias úteis por ano para empregados
com 1 ano de contrato).

Também não há décimo-terceiro salário nos EUA (mas vale ressaltar que neste ponto o Brasil não está
completamente sozinho, pois Portugal e México, por exemplo, possuem direito parecido com o nosso,
chamados nestes países de “subsídio de natal” e “aguinaldo”, respectivamente).

Quanto ao FGTS e à respectiva multa rescisória, que são o mecanismo brasileiro para compensar o
trabalhador em caso de rescisão imotivada do contrato, também não existem por lá. E não é que não
existam nos moldes do nosso sistema, e sim que simplesmente a legislação americana não exige
qualquer multa compensatória ou indenização a ser paga pelo empregador ao empregado em caso de
demissão imotivada, nem mesmo em nível estadual, conforme relatório de 2012 do Banco Mundial,
pág. 68. Da mesma forma, como regra geral o empregador americano não é obrigado a comunicar
previamente (aviso-prévio) o empregado em caso de demissão.

De forma geral, nenhum dos encargos de ordem trabalhista que oneram o custo da mão de obra no
Brasil existe nos EUA. Mas isso não quer dizer que o custo dos empregados para as empresas
americanas seja somente o valor dos respectivos salários. Isso porque lá, assim, como aqui, há
encargos de ordem tributária. Senão, vejamos.

De início, é importante salientar que os Estados Unidos possuem um sistema previdenciário estatal, que,
assim como no Brasil, é nanciado tanto pelo empregado quanto pelo empregador. Lá, no entanto, a
contribuição previdenciária patronal (social security tax) é de 6,2% da remuneração bruta do
empregado, sendo que tal alíquota somente incide sobre ganhos anuais de até U$ 128.400,00 (no
Brasil não há teto).

A nossa contribuição para o SAT, que nada mais é do que um adicional à contribuição previdenciária
patronal, não existe por lá, estando já dentro da mencionada “social security tax”, portanto. Porém, nos
EUA, em se tratando de doenças e acidentes relacionados ao trabalho, há o sistema de Workers’
Compensation. Trata-se de uma determinação legal, existente em todos estados americanos, exceto o
Texas, que consiste na obrigatoriedade de contratação de seguros, por parte dos empregadores, para
cobertura de acidentes e doenças relacionados ao trabalho. Como tais seguros são contratados de
seguradoras privadas, o custo varia conforme a operadora, bem como conforme a atividade exercida
pelo empregado, que pode ter grau de risco variado, o que in uencia na probabilidade de um sinistro. Um
estudo de 2016, empreendido pelo estado de Oregon, chegou a uma média de 1,84% como sendo o
custo médio do prêmio do referido seguro sobre o salário, considerando as diferentes atividades
ocupacionais e os diferentes estados americanos.

Porém, apesar do menor custo de nanciamento da previdência social para o empregador, mesmo
considerando o custo do seguro de Workers’ Compensation, de contratação compulsória, é necessário
também explicar que a cobertura global do sistema previdenciário americano é inferior à do sistema
brasileiro. Por exemplo, por lá, nem a previdência federal (Social Security Administration – SSA), nem o
sistema de Workers’ Compensation, cobrem incapacidades laborais de causas não relacionadas ao
trabalho que acometam o trabalhador por menos de 12 (doze) meses, motivo pelo qual alguns
empregadores contratam seguros à parte, do tipo short-term disability, para suprir tal lacuna.
Paralelamente, alguns estados, como a Califórnia, possuem programas de short-term disability estatal,
porém, no caso da Califórnia, tal programa (que cobre somente eventos não relacionados ao trabalho) é
custeado inteiramente pelos empregados. Entre outras diferenças de cobertura, outro benefício não
oferecido pela previdência federal americana é o relacionado à maternidade, tal qual o salário-
maternidade brasileiro, motivo pelo qual alguns estados, tal qual novamente a Califórnia, oferecem
benefícios do gênero (no caso do Paid Family Leave californiano, custeado inteiramente pelo
empregado, mediante retenção de 1% do seu salário).

Continuando a tratar dos encargos de ordem tributária sobre a folha de pagamento existentes nos EUA,
estes não se resumem à contribuição previdenciária patronal. Também há o Medicare Tax, no montante
de 1,45% sobre a remuneração bruta do empregado (que também contribui em igual montante
mediante retenção na folha), havendo ainda uma alíquota adicional de 0,9% para salários acima de U$
200.000,00 anuais, e o Federal Unemployment Tax Act (FUTA), que tributa em 6% a folha (porém limita-
se a tributar até o teto de U$ 7.000,00 anuais pagos a cada empregado). Todavia, há um crédito, na
maioria dos casos no montante de 5,4%, no FUTA, para empresas que pagam o State Unemployment
Tax (SUTA) em dia, resultando em um alíquota líquida de 0,6%. O SUTA varia de estado para estado. Em
Nova Iorque, por exemplo, a alíquota para novos empregadores é de 3,6%.

O Medicare Tax, o FUTA e o SUTA, nanciam, respectivamente, um seguro-saúde para pessoas com
mais de 65 anos ou com necessidades especiais, e os programas de seguro-desemprego
administrados pelos estados, que recebem a verba do FUTA e de seu SUTA.

Vale ressaltar que no Brasil não existe algo equivalente ao Medicare Tax, haja vista que não existe um
benefício de assistência à saúde especí co para aquele grupo, enquanto o SUS, que atende toda a
população, não é nanciado por meio de tributos incidentes sobre a folha de pagamento, e sim por
vários outros tributos, como a COFINS, incidente sobre o faturamento, e a CSLL, que incide sobre o lucro
líquido.

Quanto ao FUTA e ao SUTA, que lá nanciam o programa de seguro-desemprego, aqui também não
existem, pois o nosso Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, que é o fundo responsável pelo
pagamento do seguro-desemprego brasileiro, é nanciado por tributos incidentes sobre outras bases,
sendo o principal o PIS, que incide majoritariamente sobre o faturamento.

Como o presente artigo avalia os “encargos trabalhistas médios”, não está sendo considerado aqui o
custo de cumprimento do Employer Mandate trazido por uma lei de 2010 chamada Affordable Care Act,
popularmente conhecida como ObamaCare, que, a grosso modo, obrigou empresas com mais de 50
(cinquenta) empregados full time a oferecer e subsidiar seguro-saúde aos mesmos, sob pena de
pagarem uma multa.

Há ainda alguns encargos de ordem tributária esparsos na legislação de alguns estados americanos,
como o Employment Training Tax – ETT californiano, da ordem de 0,1% da folha (limitada esta a U$
7.000,00), porém também serão desconsiderados aqui para efeito de encargos médios.

En m, na tabela abaixo demonstramos de forma comparativa os encargos trabalhistas brasileiros e


americanos:
Façamos aqui uma ressalva: como explicado nos parágrafos anteriores e bem destacado na tabela
comparativa acima, a maior parte dos encargos, no caso brasileiro, é o que denominamos, no presente
artigo, “encargos de ordem trabalhista”. Tais encargos são direitos pecuniários dos empregados, que
nada mais são do que verbas que os trabalhadores recebem em determinados eventos (como o décimo-
terceiro salário ao nal do ano, a remuneração de férias acrescida do terço constitucional por ocasião do
gozo das férias, e o aviso prévio por ocasião da dispensa sem justa causa).

Dessa forma, tais encargos de ordem trabalhista podem ser classi cados como espécies de “salário
diferido” e “salário eventual”, ou seja, verbas salariais que o empregado não recebe juntamente com seu
pagamento mensal, mas sim de forma adiada, apenas em determinados eventos, periódicos (férias e
décimo terceiro) ou eventuais (na rescisão). É esta a classi cação adotada, por exemplo, pela Nota
Técnica nº 101, de julho de 2011, do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos), nota esta intitulada “Encargos sociais e desoneração da folha de pagamentos –
revisitando uma antiga polêmica”.

Ou seja, de acordo com tal conceito, os encargos no Brasil seriam apenas a parte do custo do
empregador, sobre a folha mensal de salários, que não “vai diretamente para o bolso do empregado”, o
que, na tabela comparativa acima, seriam apenas os “encargos de ordem tributária” e o “efeito cascata”
relacionados a tais tipos de encargos, o que totalizaria um percentual de 32,08%.

Ainda sob este ângulo, entretanto, os encargos no Brasil (32,08%) totalizariam mais do que o dobro do
que nos EUA (13,69%).

Porém, mais uma ressalva há de ser feita aqui: a distância dos encargos brasileiros para os encargos do
resto do mundo é substancialmente menor do que o encontrado na comparação com o caso americano.
Isso porque, apesar de sermos o país com os “encargos trabalhistas” mais altos do mundo, segundo
estudo de 2016 da consultoria internacional UHY, os EUA seriam um dos países com encargos mais
baixos, de uma lista de 29 países, na faixa salarial de U$ 15.000,00 anuais, por exemplo:
De qualquer forma, justiça seja feita: é fato que o percentual de encargos brasileiros sobre a folha de
pagamentos está consideravelmente acima do percentual no resto do mundo.

Não seremos aqui levianos a ponto de concluir que isso é o fator preponderante do nosso desemprego
alto, ou de nosso subdesenvolvimento, até porque com os mesmos encargos alcançamos taxas de
desemprego bem menores poucos anos atrás, e também porque há estudos que demonstram a
ine ciência do corte de encargos trabalhistas como forma de diminuir o desemprego, como ocorreu
no caso sueco. Porém, trazer o percentual de encargos brasileiros a níveis pelo menos mais próximos
do restante do mundo nos parece uma das medidas apropriadas para o aumento da competitividade
brasileira.

PABLO MOURENTE – Advogado formado pela Universidade Federal do Espírito Santo, LLM em Direito Empresarial pela Fundação
Getúlio Vargas, sócio do escritório David & Athayde Advogados, com larga experiência anterior como advogado em departamentos
jurídicos internos de empresas. Estudioso e interessado na interdisciplinaridade entre direito e economia (análise econômica do
direito). Especialista em Relações de Trabalho.

Os artigos publicados pelo JOTA não refletem necessariamente a opinião do site. Os textos buscam estimular o debate
sobre temas importantes para o País, sempre prestigiando a pluralidade de ideias.

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