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A sociedade civil

A principal motivação para abandonar o estado natural é a necessidade de proteção: proteção da vida,
da liberdade e, em especial, da propriedade. Embora no estado natural todos tenham o direito de
castigar alguém que infrinja as leis naturais, o interesse pessoal afeta a parcialidade daqueles a quem é
pedido que julguem os seus vizinhos. Para garantir uma vida pacífica, é necessário passar do estado
natural para uma sociedade organizada. Tal transformação implica que os indivíduos prescindam de
alguns dos direitos que possuem no estado natural. Mais especificamente implica prescindir do direito a
impor castigos pela transgressão das leis naturais. Por mútuo acordo, os membros de uma sociedade
prescindem deste direito, por causa da maior segurança de que beneficiarão ao fazê-lo, depositando o
poder para elaborar e fazer aplicar as leis nas mãos de um indivíduo ou de um grupo de pessoas
incumbidas de agir para o bem comum.
A única forma de os indivíduos desistirem de algumas das suas liberdades no estado natural é conceder
o seu consentimento. Locke escreve acerca do “pacto” estabelecido entre os indivíduos, palavra com que
pretende referir o acordo ou o contrato estabelecido entre eles. Este é, então, o termo escolhido pelo
filósofo para referir o que é usualmente designado por contrato social. Se este pacto for realizado de
forma livre e explícita, trata-se do que Locke designa por acordo expresso; quando o pacto está apenas
implícito no comportamento e não é explicitamente acordado, trata-se de um acordo tácito.
O leitor pode objetar que não nasceu no estado natural e sim no seio duma sociedade organizada com
leis e um governo já estabelecidos. Como pode, então, ter consentido prescindir de alguns dos seus
direitos básicos? A noção de um governo estabelecido por acordo comum pode parecer implausível, dado
que o leitor nunca deu o seu consentimento consciente à situação presente. A resposta de Locke a esta
objeção é que qualquer pessoa que beneficie da proteção da sua propriedade numa sociedade civil ou
que disfrute de outros benefícios que tal organização implica estabelece, por essa razão, um acordo
tácito para prescindir de alguns direitos naturais. Depois de o pacto social ter sido efetivado, o indivíduo
concorda, implicitamente, em ser vinculado pela decisão da maioria.
No entanto, tal não significa que os indivíduos numa sociedade civil se sujeitem a estar obrigados a
obedecer aos ditames de tiranos arbitrários. O aspeto mais controverso do Ensaio sobre a Verdadeira
Origem, Extensão e Fim do Governo Civil na época em que foi publicado, e que constitui uma das razões
pelas quais Locke decidiu publicá-lo sob anonimato, era a posição assumida pelo filósofo de que, em
certas circunstâncias, os cidadãos têm o direito de derrubar e substituir os seus governantes.
N. Warburton, Grandes Livros de Filosofia, Edições 70, 2012, pp. 93-94.

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