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T e n d ê n c i a s

tecnologias sociais
Saulo Faria Almeida Barretto e
Renata Piazzalunga

O
desenvolvimento de solu- da pesquisa e de sua implementação paro à Pesquisa do Estado de São
ções tecnológicas voltadas local. Como os processos de trans- Paulo (Fapesp), desenvolvemos uma
a gerar alternativas tecno- formação social envolvem questões estratégia de ação e fomos a campo,
produtivas em cenários de natureza cultural, o envolvimen- em dois municípios brasileiros, nas
de vulnerabilidade social to dos atores locais nas etapas de regiões Sudeste e Nordeste, nos quais
e econômica já ganhou nomes tais concepção e execução da tecnologia conseguimos reduzir a prevalência
como “tecnologias apropriadas”, é vital para o sucesso da pesquisa. de 24% para menos de 5%, em 12
“inovação social”, entre outros. Aqui, é importante salientar a dife- semanas de tratamento e acompa-
Em 2005, o Brasil passou a adotar rença conceitual que o Brasil ado- nhamento. Nesta experiência piloto,
o nome de “tecnologias sociais” para ta entre apropriação tecnológica e envolvemos aproximadamente 200
definir “produtos, técnicas e/ou me- transferência de tecnologia, já que alunos, de duas escolas, de cada um
todologias reaplicáveis, desenvolvi- as tecnologias sociais derivam de dos municípios. O equipamento
das na interação com a comunidade um compartilhamento de experi- (Agabê) obteve patente e registro na
e que represente efetivas soluções de ências, integrando pesquisadores e Agência Nacional de Vigilância Sa-
transformação social”. comunidade. nitária (Anvisa) e as experiências de
Na prática, esse conceito im- Para tornar mais claro o parágrafo campo forneceram resultados com a
plica numa abordagem científica acima, vamos analisar o caso de uma qualidade necessária para gerarmos
e tecnológica bastante inovadora, tecnologia social que o Instituto de publicações científicas.
principalmente porque coloca a co- Pesquisas em Tecnologia e Inovação Do ponto de vista do sistema de
munidade como parte ativa no pro- (IPTI) desenvolve, cujo objetivo é ciência e tecnologia vigente, esta, se-
cesso de pesquisa, deixando de ser diagnosticar e reduzir a prevalência guramente, seria considerada uma
apenas mera beneficiária. Isso por- da anemia ferropriva nas escolas. O experiência de sucesso. Contudo,
que está claro que existem questões ponto de partida para essa tecnologia não poderíamos chamá-la de tecno-
relacionadas à apropriação tecno- foi o desenvolvimento de um equi- logia social, simplesmente porque
lógica e autonomia, essenciais para pamento portátil, de baixo custo, ro- sua capacidade de ser sustentável,
posterior reaplicação, que não po- busto e fácil de operar, que permite condição essencial para sua reaplica-
dem ser resolvidas em laboratórios, a medição do nível de hemoglobina bilidade, não estava comprovada.
nem a partir de modelos teóricos. no sangue (hemoglobinômetro), por Para isso, iniciamos um novo
É preciso incorporar membros da uma pequena empresa de base tec- projeto, agora atuando em todas
comunidade, tanto no processo de nológica (Exa-M), parceira do IPTI. as escolas do município nordesti-
planejamento quanto de execução Com o apoio da Fundação de Am- no, num total de 4.500 alunos, em

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22 escolas, a maior parte delas em nológica que geraram a base dessa estratégicas para o fortalecimento
zonas rurais. O início foi um fra- tecnologia. Isso implica numa revi- do papel de liderança que o Brasil
casso! A estratégia de empregar a são profunda do modelo de avaliação busca desempenhar.
metodologia que havia funcionado da produtividade científica e tecno- Para concluir, gostaríamos de sa-
em escala piloto simplesmente não lógica do pesquisador e da institui- lientar que consideramos o concei-
obteve a adesão do pessoal da área de ção. Seguramente, para a sociedade, to brasileiro de tecnologias sociais
saúde do município. Para contornar a quantidade de reaplicações bem como sofisticado, inovador e amplo
essa situação, passamos a recons- sucedidas de uma tecnologia social o suficiente para abrigar qualquer
truir toda a metodologia, iniciando teria significado de avaliação positiva iniciativa e/ou projeto que busque
com uma melhor identificação dos muito maior do que qualquer núme- empregar o conhecimento cientí-
atores locais que, de fato, poderiam ro de artigos publicados, indepen- fico e tecnológico para promover a
ser incorporados no processo par- dentemente do nível de reputação da melhoria da qualidade de vida de co-
ticipativo de construção das novas revista científica. munidades e regiões que vivem em
estratégias de ação. Somente a partir Esse gap entre ciência e socieda- condições de vulnerabilidade social e
do início desse processo, e após duas de é prejudicial para todos e contri- que estabeleça uma relação contem-
etapas de reavaliação e aperfeiçoa- bui enormemente para dificultar a porânea entre ciência, tecnologia,
mento, é que chegamos próximos percepção pela sociedade brasileira inovação e sociedade.
à metodologia eficiente e adequada do fundamental papel da ciência
à realidade de um município como no desenvolvimento humano. Nos Saulo Faria Almeida Barretto é engenheiro
Santa Luzia do Itanhy (SE), cujas últimos anos, temos observado um civil pela Universidade Federal de Sergipe
características são similares à grande enorme esforço para superar as bar- (UFS), mestre e doutor em estruturas pela
maioria dos municípios brasileiros. reiras culturais (outro gap) entre uni- Universidade de São Paulo (USP). Cofunda-
Como foi mencionado anterior- versidade e empresas, mas queríamos dor do IPTI, coordena projetos de desenvol-
mente, do ponto de vista do nosso chamar a atenção de que esse esforço vimento de tecnologias sociais, em especial
sistema de C&T, o pesquisador po- não vem sendo aplicado na relação nas áreas de educação e saúde pública.
deria (e até deveria) parar logo após ciência e sociedade. Email: saulo@ipti.org.br
a experiência piloto. Na verdade, a Há uma enorme contribuição Renata Piazzalunga é arquiteta, mestre em
prioridade naquele momento seria que as tecnologias sociais podem arquitetura e urbanismo e doutora em ciên-
a dedicação à publicação de artigos dar aos programas sociais do gover- cias da comunicação pela USP. Cofundado-
científicos e iniciar novas linhas de no federal, tais como o “Brasil sem ra do IPTI, coordena projetos nas áreas de:
pesquisa, sempre na vertente do de- miséria”, “Brasil carinhoso”, entre desenvolvimento local e economia criativa;
senvolvimento da carreira acadêmica outros, o que poderia resultar em re- processos de interação e confluência entre
do pesquisador e dos programas das cursos adicionais à área de ciência e espaço virtual e concreto; design de inter-
instituições. Contudo, como ficam tecnologia, que tem sofrido bastan- faces complexas. Email: renata@ipti.org.br
os interesses da sociedade, principal te nos últimos dois anos com cor-
financiadora de todo esse sistema? tes significativos de orçamento. Por
Temos que ter em mente que o outro lado, devemos também consi-
tempo e a energia que serão gastos derar as possibilidades de reaplica-
para conseguir construir uma tecno- ções internacionais, em especial em
logia social são enormes e com um países da América Latina e África,
grau de risco, no mínimo, similar ao de tecnologias sociais desenvolvi-
da própria pesquisa e inovação tec- das no Brasil, como contribuições

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