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Gravação ambiental é prova ilícita


Alexandre Langaro*
18 de janeiro de 2018 | 09h04

Foto: Arquivo Pessoal

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 583937 QO-RG/RJ, decidiu, por maioria, o seguinte:

AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.
Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação
do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos
interlocutores sem conhecimento do outro.

A matéria, porém, tem de ser analisada a partir da leitura da segunda parte do art. 1º da Declaração
Universal dos Direitos Humanos [ONU/1948]:

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de
/
consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade[1].

Daí a ilicitude da prova coletada mediante gravação ambiental por um dos interlocutores do diálogo sem o
conhecimento do outro [ou dos outros].

É que não age com espírito de fraternidade – exigido pela fonte do Direito Internacional – quem
dissimuladamente grava conversa realizada com outrem.

O que há, nesses casos, é fingimento, hipocrisia, disfarce e furto, mediante fraude deliberada, de
declaração, por meio de interrogatório, feito às ocultas – também chamado de interrogatório sub-reptício.

A violação e o esmagamento [intensamente dolosos] da parte final do art. 1º da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, consequencia natural da fala obtida mediante burla ardilosa, impedem o reconhecimento
da validade – e da eficácia – da prova obtida, às ocultas e clandestinamente, pelo interlocutor furtivo. Os arts. 5º,
caput, LVI, §§ 2º e 3º da Constituição Federal[2], 11, 1 e 2 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos[3] e
157 do CPP[4] se adequam normativamente à hipótese.

Donde a incontornável má-fé de quem rouba uma declaração. Não há, nessa ação clandestina, qualquer
harmonia de vontades; nem legitimidade; nem espontaneidade; nem nada; nela predominam, contudo, a
anomalia, a brutalidade, a maldade, a aversão. Isso é exatamente o oposto do espírito de fraternidade exigido
pela norma contida na Carta Universal de Direitos[5], que proclama a liberdade de falar [ou de
pensamento e de expressão[6]] – livre de iniquidade e do terror –, como uma das mais altas aspirações do ser
humano.

A inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito – por violação cabal dos direitos humanos – é conducente,
então, ao descarte do respectivo material, dado que processualmente imprestável e inutilizável.

A coleta da prova penal – feita mediante violência, sempre insidiosa, aos direitos humanos –, não pode, e não
deve, continuar sendo admitida, perante o sistema do ordenamento jurídico brasileiro. É que no Estado
Democrático de Direito – decorrente do postulado republicano, que tem como fundamentos, dentre outros, os
valores da cidadania e da dignidade da pessoa humana –, os fins não justificam os meios.

*Advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law
em Nova York

[1]Grifado por conta.

[2] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.

3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes
às emendas constitucionais.

[3]Promulgada pelo Decreto 678/1992.

Artigo 11. Proteção da honra e da dignidade

1 Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade /
1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.

2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em
seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.

[4]Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as
obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente
das primeiras.

2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da
investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por
decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.

[5]A Declaração Universal dos Direitos Humanos [ONU/1948].

[6]Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão

1.Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de
buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou
por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. [Convenção
Americana Sobre Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto 678/1992]

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