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A Semana Ousada de Artes, evento promovido pela UFSC e pela Udesc, carrega

no nome um adjetivo que pressupõe, obviamente, ousadia, não apenas na sua produção,
algo sem dúvida louvável, mas ousadia na programação. No que tange o teatro, a única
peça da programação capaz de assumir, sem nenhum problema, a qualificação de
ousada foi “Oxigênio”, do russo Ivan Viripaev, encenada pela Companhia Brasileira de
Teatro, sob a direção de Marcio Abreu.
Ivan Viripaev tem apenas 36 anos, nasceu naquele lugar, que para nós, educados
pelo cinema norte americano, é uma espécie de inferno na terra: a Sibéria. Ator, autor e
diretor, cineasta premiado, o russo vem se firmando como um dos nomes mais
inovadores, não apenas da Rússia, mas de toda a Europa. “ Oxigênio” foi encenada pela
primeira vez em 2003 e desde então já ganhou montagens em países como a França, a
Inglaterra, a Alemanha, a Polônia. Desde 2007, Ivan Viripaev coordena o projeto
“Movimento Oxigênio” que visa buscar inovações teatrais, cinematográficas, literária.
No Brasil, a montagem ficou ao encargo de uma das melhores companhias de
teatro da atualidade: A Companhia de Teatro Brasileira, que viu na peça de Viripaev
muitos pontos em comum com as suas experiências teatrais. Trata-se de um teatro
bastante textual, em que a palavra dita quase ininterruptamente ganha força pela
repetição, pela musicalidade, pela mistura contumaz entre filosofia, jornalismo, humor
seco e um certo lirismo niilista. Partindo de um crime cometido no interior da Russia, o
texto de Viripaev se desdobra em dez quadros, sempre iniciados por uma passagem
bíblica, entre elas alguns dos dez mandamentos, além da “releitura” que Jesus Cristo fez
da lei antiga. Na máquina verbal de Viripaev as leis cristãs são trituradas pela violência,
pela mesquinharia, pelo vazio dos tempos atuais. Viripaev aproveita também para
questionar o próprio limite do teatro, ou da arte que “transforma a sociedade”. Em cena,
fazendo múltiplos personagens e vozes, além de cantar e tocar instrumentos estão
Rodrigo Bolzan e Patrícia Kamis, acompanhados pelo músico Gabriel Shwartz.
Trata-se de um tipo de texto que exige dos atores uma energia vital, uma entrega
considerável não apenas corpórea, mas mental. O casal de protagonista consegue
oxigenar a plateia envolvendo-a no mundo caótico e sensacionalista proposto por
Viripaev. A montagem brasileira ficou ao encargo do diretor Marcio Abreu, que extraiu dos
atores performance surpreendentes, e contou com um cenário bastante imaginativo criado
por Fernando Marés. Quase toda a peça se passa sobre uma rampa, que serve de cama,
de picadeiro, de palco para um desfile. Ao fundo uma cortina que ora se abre, ora se
fecha, onde os personagens tocam seus instrumentos, cantam, trocam de roupa. No final
essa rampa é erguida, e sob ela um campo seco e espelhos que refletem aqueles corpos
até então entregues à linguagem, à palavra buscadora de um sentido, corpos até então
necessitados de oxigênio.
O texto de Viripaev é pessimista, mas não chega a ser aterrador. Vislumbra-se em
seu teatro, não apenas a forte religiosidade que compõe a alma russa, mas também todo
um olhar que tenta, mesmo que inutilmente, propor novos ângulos, novas respirações,
novas saídas seja para a arte, para a religião, para a política. A obra de Viripaev, tanto no
teatro quanto no cinema, dá mostras que o oxigênio do russo ainda vai durar muito.
Temos é que respirar com ele.

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