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A VOLTA DA COMPANHIA DE JESUS AO NORDESTE DO BRASIL E A


CIVILIDADE CATÓLICA DAS INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS DOS
JESUÍTAS PORTUGUESES NO CEARÁ ENTRE A
PRIMEIRA REPÚBLICA E O ESTADO NOVO 1

Maria Juraci Maia Cavalcante


UFC
juraci.cavalcante@ufc.br

Palavras-chave: Jesuítas; Memória Histórica; Educação.

Introdução

Este artigo trata de parte da Missão Setentrional da Província Portuguesa


Dispersa, criada em função da expulsão da Companhia de Jesus pela República de
Portugal, com base na memória histórica dos jesuítas, em especial, na obra de Ferdinand
de Azevedo (1986) e de outros, bem como em fontes jornalísticas, que começa por
afirmar que a decisão de exílio no Brasil, teve forte apoio do Clero da Bahia.
A historiografia consultada aponta a chegada desses Jesuítas, em 1919, a
Fortaleza, no Ceará, através de acordo entre o superior da Missão, Padre António Pinto,
e do Bispo daquela localidade, Dom Manoel Gomes, para instalar um Noviciado e Casa
de Formação. Revela que a instalação daqueles missionários em terra cearense se dá em
meio a uma recepção positiva, tanto da Igreja, quanto do Estado, a essa ação pastoral e
educacional.
Ao perseguir o contorno da civilidade católica e ação educativo-cultural dos
Jesuítas no Ceará, no século XX, através das citadas instituições, este artigo destaca a
importância de periódicos católicos e jesuíticos, como é o caso do vigoroso jornal O
Nordeste e de novos veículos, caso de A Voz de Cristo Rei, que começa a circular em

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Apresentado na Mesa Coordenada “AÇÕES EDUCATIVAS E MEMÓRIAS HISTÓRICAS DOS
JESUÍTAS NO NORDESTE DO BRASIL: ENTRE A COLÔNIA E A REPÚBLICA” durante o VII
Congresso Brasileiro de História da Educação, Cuiabá - UFMT, nos dias 20 a 23 de maio de 2013.
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Fortaleza, no ano de 1931. Feito esse mapeamento, evidencia que os jesuítas


portugueses exilados no Ceará foram inseridos no meio católico e político local e
participaram naquele período da discussão em torno de um projeto educacional e
político para o Brasil moderno e de fortalecimento do catolicismo no Ceará.

A Restauração da Companhia de Jesus nas terras de Santa Cruz e o seu Retorno


ao nordeste do Brasil

A restauração da Companhia de Jesus nas terras de Santa Cruz, após a famosa


expulsão promovida por Pombal e a proibição feita por D. João VI, quando a capital da
Coroa portuguesa esteve instalada no Rio de Janeiro, terá sido favorecida pela Missão
Argentina, nos anos 1840, quando lhes foram abertas, segundo Greve (1942, p.09) as
portas pelo sul do Brasil.

(...) Contra a sua restauração um único monarca protestou, D. João VI.


Assim, apenas em 1842, logrou entrar no segundo dos dois países,
graças à amizade do Internúncio de S. Santidade, Mons. Ambrósio
Campodônico.
A restauração brasileira, vinte anos mais tarde, parecia não ter passado
de uma simples tentativa, quando outro Internúncio de S. Santidade no
Brasil, Mons. Marino Marini, então delegado apostólico na Argentina,
obteve jesuítas italianos, cujo número permitiu a fundação dos
Colégios de Córdoba e Santa fé na Argentina, e no Brasil a Missão
Romana, fundada pelo P. Jaques Razzini, com os colégios de Santa
Maria, Recife e Itú. (...)

Sendo italianos os Jesuítas que retornam ao Brasil no século XIX, seguidos dos
alemães, os que chegam, no século seguinte, ao Nordeste, no entanto, são de
nacionalidade portuguesa, vinculados à Província jesuítica de Portugal e expulsos por
deliberação dos seus republicanos, vitoriosos em 1910. É sobre esses Jesuítas que nos
deteremos no presente estudo.
Uma apreciação da expulsão dos Jesuítas de Portugal abre o livro A Missão
Portuguesa da Companhia de Jesus no Nordeste (1911- 1936), de autoria de Ferdinand
de Azevedo (1986), cujo valor maior reside em ser a principal fonte historiográfica
publicada no Brasil sobre o assunto, mas também por conter uma dimensão
retrospectiva daquele episódio, e ter sido escrito por um padre jesuíta, que se serve de
cartas e outros documentos arquivados em Roma pela Companhia de Jesus.
Nesse sentido, trata-se de uma memória histórica da própria Congregação e,
especialmente, sob esta configuração será aqui utilizada. Isto porque interessa-nos
compreender, paralelamente, o modo como os historiadores jesuítas tratam o episódio
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de expulsão de Portugal e de estabelecimento no Brasil e, assim, representam a si


mesmos, como alvo de perseguição do republicanismo português. Esta posição de
vítimas também lhes serve como lugar privilegiado da observação daqueles
acontecimentos, e elemento de aceleração mística para a posterior reconstrução da
Companhia de Jesus.
Já no primeiro capítulo, nas páginas iniciais do seu atento estudo, Azevedo trata
das circunstâncias do exílio e apresenta a sua apreciação daquela conjuntura política,
apoiado em famoso documento, libelo escrito pelo Provincial da Companhia em
Portugal, por ocasião da expulsão; senão, vejamos:

Os republicanos Portugueses, no século XIX e no início do século XX,


descartaram a possibilidade de que o catolicismo algo pudesse
contribuir para a vida nacional. Firmando-se nessa opção ideológica,
miraram a Companhia de Jesus como um adversário mais visível entre
outros, cuja atividade desviava radicalmente Portugal do caminho aonde
o Positivismo, filosofia predileta dos Republicanos Portugueses, estava
apontando. Nos últimos anos do século XIX, os Republicanos estavam
lutando contra o catolicismo e suas expressões culturais em Portugal.
Finalmente, em 1910, conseguiram derrubar uma Monarquia já
desmoralizada.
A miopia dessa apreciação do catolicismo português tornar-se-ia
evidente nos anos seguintes e flagrantes demais em 1917, ano das
aparições da Nossa Senhora de Fátima. A expulsão da Companhia de
Jesus em 1910 seguiu, então, o plano ideológico dos Republicanos que
se sentiram realizados, reativando a legislação contra os Jesuítas, a
tradicional “bête novie” dos inimigos da Igreja em Portugal. (Idem,
p.01/02)

Azevedo traz logo a seguir o famoso manifesto publicado pelo Superior da


Companhia de Jesus em Portugal, o Padre Cabral, quando ocorre a expulsão. É do exílio
que sairá a publicação de um documento que tem o sentido manifesto de defesa pública
dos Jesuítas, combinado com uma astuta acusação de incoerência a uma república que
comete a incongruência de reedição do decreto pombalino de expulsão da Companhia
de Jesus, alinhando-se, portanto, ao absolutismo monárquico ou iluminismo despótico
do século XVIII, que caracteriza o reinado do D. José.
Por ser tomado como um gesto autoritário dos republicanos portugueses, o ato
de expulsão começa a alimentar naquele manifesto uma estratégia por parte dos Jesuítas
de angariar simpatias e até acolhida de outras nações, que julgam portadoras de um
perfil mais verdadeiramente democrático.
Logo depois, Azevedo começa a fazer a sua apreciação do Manifesto, elogiando
as qualidades oratórias do seu Autor e do trabalho educativo dos Jesuítas em Portugal,
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no meio século que antecedera a esta nova expulsão, em meio a dificuldades e ataques
do movimento republicano, antes mesmo do fim do regime monárquico. Salienta a
seguir, apoiado no relato do padre Cabral, as circunstâncias sofridas pelos Jesuítas
quando é decretada a expulsão, através de capturas e invasão de prédios, ao lado de
achaques de populares, como Azevedo mesmo o descreve. Assegura que, entre a
expulsão, o exílio pela Europa e a decisão de deslocar a Província Jesuítica portuguesa
para o Brasil não se passou muito tempo, o que, todavia, não significou uma acolhida
imediata.
Um estudo mais recente feito em Portugal trata do episódio da barragem à
entrada dos Jesuítas portugueses no Brasil republicano, com o intuito de traçar o perfil
político radical do Presidente Nilo Peçanha e indicar a posição de outras autoridades
civis e eclesiásticas, ao lado de segmentos do povo em relação ao caso, em favor da
entrada dos padres jesuítas. A posição de Araújo (2004) revela, por sua vez, a sua
inclinação pela defesa da Companhia de Jesus, em sintonia com o ambiente da peleja
ideológica publicada no já citado libelo Os Proscritos:

(…) Ao chegarem ao Brasil, expulsos de Portugal, são proibidos de


entrar por determinação do Presidente da República, Nilo Procópio
Peçanha, um histórico do republicanismo brasileiro, na sua faceta
radical e jacobina, que integrara o grupo dos chamados “republicanos
puros” e fora uma das personalidades que mais se destacaram no
combate a qualquer fumo de restauracionismo monárquico motivado
pelo episódio de Canudos, eleito em condições tumultuosas, com a
intervenção da tropa e cuja presidência se caracterizou pela
conflitualidade, designadamente entre a federação e os estados. A
interdição de entrada dos Jesuítas levanta um enorme coro de
protestos, com intervenções no Parlamento de Barbosa Lima e Pedro
Moacyr, uma intensa campanha de imprensa, reclamações dos
arcebispos de São Paulo, da Baía, do cabido metropolitano do Rio de
Janeiro, do bispo de Florianópolis, dos centros católicos do Rio
Grande do Sul. O Gymnasio Amazonense aprovará, na ocasião, uma
«monção de solidariedade para com os perseguidos da Sciencia». É
enviado um telegrama de apelo ao Presidente dos Estados Unidos, o
que, uma vez mais, revela a tentativa de recolher apoios internacionais
que também se encontra na «questão da Zambésia». No final, por
decisão de 12 de Novembro de 1910, o Supremo Tribunal Federal
concederia o habeas corpus aos sacerdotes portugueses impedidos de
desembarcar no Brasil.” (ARAÚJO, 2004:248)

Toda essa movimentação ilustra a ambivalência do ideário republicano e


alimenta a nossa curiosidade sobre o significado de um regime político que suscita, por
um lado, a expulsão dos Jesuítas de Portugal e, por outro o impedimento de sua entrada
e, logo depois, a decisão governamental de acolhida no Brasil.
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Civilidade Católica, Instituições e Ação educativa dos Jesuítas no Ceará

A chegada dos Jesuítas ao Ceará tem boa acolhida, sendo eles religiosos
proeminentes na Província Portuguesa, como é o caso do próprio Antonio Pinto e do
Padre Redondo, que antes se ocupara da Revista Brotéria e fora professor
experimentado dos colégios dos jesuítas na Europa. Uma notícia de sua chegada e ação
religiosa encontramos em registro historiográfico:

Catequeses, retiros, missões pelo interior, confissões, Pascoas,


capelanias de colégios e comunidades religiosas: era esse o dia a dia
dos dois ou três padres da pequena comunidade da qual era parte o
Padre Redondo. O Bispo D. Manuel manifestava o maior desvelo aos
inacianos, facilitando-lhes tudo que lhes pudesse trazer resultados
positivos para atuação e desenvoltura dos trabalhos apostólicos. A
instalação da Escola Apostólica de Baturité, que apesar da
grandiosidade da obra conseguia avançar dentro do cronograma
estabelecido pelo padre António Pinto, com a ajuda eficiente e
dinâmica do Coronel Ananias Arruda.
Em 1927, a 3 de novembro, pouco depois da inauguração solene da
ala construída do prédio, retornara a Baturité o padre Redondo, desta
vez transferido e nomeado padre espiritual e professor dos
apostólicos, atividades que estavam muito bem ajustadas às suas
disposições de temperamento e aptidões, e das quais vinha bem
exercitado nos colégios da Espanha e Portugal. ( LEAL, 2006, p.p53-
54)

Os Jesuítas portugueses exilados no nordeste são testemunhos e agentes de ações


de fortalecimento católico no Brasil republicano, ao lado de outras congregações e da
sua Igreja romanizada, o que vai configurando uma espécie de “civilidade católica”,
tanto em sua elite política e intelectual, quanto junto aos demais segmentos de classe.
Sob o lema do “Resurgimento Católico” encontramos notícia de uma matéria
assinada pelo jesuíta, Padre Luis de Gonzaga Cabral, publicado na imprensa da Bahia e
divulgado pela imprensa católica cearense, por meio de um comentário que lhe
confirma a opinião, e dá uma idéia dos espaços ocupados pelos jesuítas exilados no
nordeste brasileiro:
Em primoroso artigo, recentemente publicado na imprensa bahiana,
fazia notar o illustre jesuíta Luis Gonzaga Cabral que, de ultimo, se
observa nos países de língua portuguesa o renascimento moral da sua
literatura.
Adeanta com muita justeza de expressão o notável publicista e grande
apóstolo do Bem:
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“Houve tempos – e não vão longe – que, entre nós, os escrptores de


mais scintillante estilo, ou de mais opulenta vernaculidade,
envenenados pelo virus de um racionalismo escarninho, ou quando
menos de um liberalismo accomodaticio, transfundiam nos leitores a
mesma intoxicação funesta que os minava a elles, ora familiarizando
os espíritos com a falsificação de um Christianismo diminuto, ora
excitando-lhes, pelas scenas lúbricas dos seus romances, os
paroxismos da sensualidade.
Ultimamente, parece ter chegado ao nosso meio literario a vez de
enfileirar no esplendido movimento da intellectualidade, regressando a
Deus pelo caminho de Roma.”
É uma observação em todo ponto procedente a do eminente
jesuíta Padre Gonzaga Cabral. Está cada vez mais desmoralizada entre
os homens de pensamento essa chamada literatura de escândalo, hoje
em dia apenas cultivada pela classe dos cabotinos, dos cavadores de
renome fácil entre o vulgo ignorante.
Ao mesmo passo, nomes dos mais prestimosos no seio das classes
cultas do país adherem á causa catholica e dão-nos paginas
verdadeiramente deslumbrantes de apologia da fé.
Augusto de Lima, Pandiá Calogeras, Afranio Peixoto, Tristão de
Athayde e tantos outros nomes salientes do prestígio mental do Brasil
contemporâneo representam, sem duvida, o mais robusto attestado do
florescimento intellectual catholico em nossa Patria. (...)
Affonso Celso, Felicio dos Santos, Alvaro Bomilcar. Hamilton
Nogueira, papaterra Limongi, Leonel Franca, Lucio dos Santos, Mario
de lIma, Perillo Gomes, Soares Azevedo, Herbert Fortes, Vicente
Melilo, e tantos outros escriptores brasileiros, conhecidos em todo o
país pelo brilho de suas idéas e pela sinceridade das suas convicções
abertamente catholicas, dão plenamente razão aos conceitos do
preclaro jesuíta, padre Gonzaga Cabral, a propósito do magnífico
surto de vitalidade religiosa no domínio das letras nacionaes. (...)
( O Nordeste, 29 de janeiro de 1929)

Foram várias as instituições criadas pelos Jesuítas portugueses no Ceará,


conforme nos informa a própria literatura consultada. Duas delas, no entanto, merecem
destaque por sua importância educativa: 1) a Escola Apostólica, edificada na Serra de
Baturité/Sítio Olho D’água, cuja construção foi iniciada em 1922 e sua inauguração
dada em 1929; 2) a Residência dos Jesuítas em Fortaleza, projeto que dará lugar
também à Igreja e depois Paróquia do Cristo-Rei, na Aldeota, bairro de expansão da
zona central e mais antiga de Fortaleza, onde teve início a Casa de Retiros/Exercícios
Espirituais, a Pré-Escola, Escola-Externato e Ginásio, que seria transformado depois em
colégio.
O assentamento da pedra fundamental da Igreja do Cristo-Rei é noticiado com
grande destaque em jornal católico, e contara com missa campal, donativos, bandas de
música do Regimento policial e do Círculo Operário de Trabalhadores Católicos São
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José; presença de uma multidão de pessoas e principais autoridades da Igreja e do


governo:
Após a solemnidade, o secretario da commissão executiva lavrou a
acta que foi assignada por um grande numero das pessoas presentes,
entre as quaes se notavam o representante do exmo Sr.
Desembargador Moreira da Rocha, presidente do Estado, Sr. Major
Francisco Ribeiro Montenegro; dr. Eduardo Henrique Girão,
presidente da Assembléia Legislativa; desembargador Felix Candido,
presidente do Superior Tribunal da Justiça, Sr. Clovis Mattos,
representante do Sr. Governador da cidade, dr. Abrahão Leite, director
da Rede de Viação Cearense; dr. Barão de Studart. Vice-consul da
Inglaterra; dr. Bernardo Café, administrador dos Correios; dr. Alvaro
Bomilcar, director do Tribunal de Contas; membros do Clero,
desembargadores, deputados, professores da Faculdade de Direito,
commissões das sociedades catholicas e estabelecimentos de ensino,
chefes das repartições públicas federaes e estaduaes, representantes de
associações de classes, do alto commercio (...).(O Nordeste, 19 de
maio de 1928)

Nas décadas seguintes, as citadas instituições jesuíticas darão origem a outras,


inspirando inclusive a criação da Igreja e Paróquia de Fátima, em Fortaleza, movimento
articulado em torno de um altar dedicado ao culto de Nossa Senhora de Fátima, na
Igreja do Cristo-Rei; esta foi entregue em maio de 1930, inconclusa, ao culto católico de
cearenses.
Surge ainda a Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na área de
Mondubim, em 1956, por decreto de Dom António de Almeida Lustosa, Arcebispo de
Fortaleza. Ressalte-se também a fundação de um Colégio, no ano de 1960, denominado
Colégio Santo Inácio, iniciado no terreno da Residência dos Jesuítas, instalada ao lado
da Igreja do Cristo-Rei, à Rua Gonçalves Ledo, e transferido para a Avenida
Desembargador Moreira/ Bairro de Dionísio Torres, em 1963; o qual existe até os dias
atuais, tendo já formado várias gerações de alunos da escola fundamental e média, que
compõem parte da elite intelectual e política de destaque na cidade e no Estado do
Ceará.
Esse conjunto de instituições, arroladas pelo citado Azevedo, favorecerá a
atuação educativa dos jesuítas portugueses na capital e cidades interioranas do Ceará,
reforçada pela sua inserção no movimento nacional e local da ação católica, em
efervescente luta por um lugar político no cenário delimitado pela última década da
Primeira República e a década seguinte, guiada pelos revolucionários de 1930, que
seguem a estrela ascendente do autoritarismo.
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Periódicos e Ações Católicas: os Retiros de homens, a Imprensa e o Integralismo

A Casa de Retiros seria construída ao lado da Igreja do Cristo Rei, em prédio


adequado, com capacidade de acolher dezenas de participantes interessados, em geral,
integrantes da elite política e intelectual católica daquela cidade. Tratava-se de um
trabalho de refinamento espiritual e intelectual daquela elite, estritamente masculina, em
prol do fortalecimento do catolicismo no meio local e em todo o Estado do Ceará,
definido como parte integrante do território da Missão Setentrional da Província
Portuguesa dos Jesuítas Dispersos, com sede em Salvador, Bahia. Vejamos a indagação
maior e a descrição que Azevedo faz dos “retiros fechados”:

De repente, a documentação sobre os Jesuítas em Fortaleza fala


sobre retiros fechados. Donde veio essa idéia? Achamos que
haveria três possibilidades: Dom Manoel, o Padre Vaessen ou os
Próprios Jesuítas. Ou Dom Manoel ou o Pe Vaessen convidou o
Pe Manuel Pacheco para pregar o primeiro retiro fechado para
homens.(Idem, p.232)

O autor salienta, que do primeiro retiro, organizado antes mesmo de ter pronta a
sede da residência e casa jesuítica de retiros, ao lado da Igreja do Cristo Rei,
participaram 52 homens, tendo sido realizado no Seminário Diocesano, em Fortaleza,
no mês de junho de 1927. Prossegue dizendo que em março de 1928, portanto, no ano
seguinte, D. Manoel pediu ao Pe Alexandrino Monteiro que pregasse o retiro pascal da
Catedral para homens, sobre o qual afirma: “não temos certeza de que esse fosse um
retiro fechado” e que “nesta mesma ocasião os Jesuítas do Recife estavam promovendo
retiros fechados e seria natural que os seus colegas em Fortaleza pensassem, também,
nesta possibilidade.”
Lembra ainda que na Encíclica “Mens nostra”, de dezembro de 1929, o Papa
Pio XI incentiva a realização de retiros. Ele lembra ainda que a decisão de construir uma
“Casa de Retiros” foi tomada provavelmente em junho de 1930, salientando que “a
Construtora Odebrecht, também, foi contratada para essa obra, que deveria ter 14
quartos para a comunidade e 30 para os exercitantes”; e que “custou cerca de 145 contos
de réis e foi financiada com um empréstimo de 2.000 libras esterlinas.” (idem, p. 232-
233)
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Na passagem abaixo, Azevedo nos oferece uma série de dados sobre o


funcionamento da “casa de retiros”, o perfil dos seus participantes, a revista da paróquia
de Cristo Rei e seus principais redatores, bem como outras atividades dos Jesuítas aí
residentes, como aquelas relacionadas com o ministério deles em Aracati e de uma
associação mutualista, criada junto à Paróquia do Cristo Rei:

Em janeiro de 1932, os Jesuítas ocuparam a Casa de Retiros e o


primeiro foi pregado em junho de 1932 pelo Pe. Vieilledent. A casa de
Retiros complementou a Igreja de Cristo Rei. Ganhou fama,
popularizando retiros fechados e sua localização “fora” do centro da
cidade a fez até mais atraente.
O nosso estudo termina em 1938 e até esse ano, a Casa de Retiros
abria suas portas a inúmeros grupos de exercitantes: profissionais,
clérigos, militares, colegiais, políticos (naquela época os integralistas
também faziam retiro periodicamente). Através da revista “A Voz do
Cristo Rei” publicada pela Casa de Retiros, o leitor interessado podia
acompanhar todo esse movimento.
A Revista teve início em 1932 e seus redatores foram: o Padre
Vielledent, Dr. M. A. De Andrade Furtado, ilustre advogado e
jornalista; e Francisco Josino da Costa. O objetivo principal como seu
subtítulo indicava, foi “órgão de propaganda dos Exercícios
Espirituais”. É ( p. 234) interessante notar, de passagem, como o
interesse nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de vez em quando
coincidiu com um período de grandes movimentos sociais em
Fortaleza.
A residência dos jesuítas tinha ainda outras duas atividades que
merecem a nossa atenção: os ministérios em Aracati, um município
140 quilômetros a sudeste de Fortaleza e a União Popular Cristo Rei,
uma associação mutualista em Fortaleza. (Op. Cit., p. 234/235)

Essa ação não se limitava à capital e à Baturité, sede da Escola Apostólica,


estendendo-se a outras cidades interioranas. Sobre o vínculo dos Jesuítas da Paróquia do
Cristo Rei e a Paróquia da cidade de Aracati, por exemplo, o autor se refere à ajuda
prestada pela Irmandade ao Padre Monsenhor Bruno, vigário do Aracati; afirma, ainda,
que a cidade do Aracati “forneceu muitos candidatos para a Escola Apostólica de
Baturité”, salientando que ficou sendo forte a ligação dos Jesuítas ao Aracati; além do
Pe Pacheco, assinala que marcavam presença naquela cidade os padres Luís Chéseaux e
José Rodrigues dos Reis. (Idem, Ibidem, Nota 3)
A imprensa católica nas décadas de 1920 e 30, editada em Fortaleza, mostra com
fartura de evidências, uma série articulada de ações e iniciativas de fortalecimento do
seu ideário, em meio às quais, vê-se que os Jesuítas portugueses recebem grande
destaque. Como já o foi demonstrado, eles estão liderando a organização de retiros
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espirituais para jovens de uma elite comerciária e de profissões liberais. Por meio do já
citado jornal católico, temos um sinal da publicidade dessa ação:

Retiro Fechado
A “União Popular Christo Rei” promove para domingo, 25 de
fevereiro, um retiro fechado para a sua directoria e convida os seus
sócios e legionários em geral para participar deste meio incomparável
de renovação espiritual. A tratar, na “Alfaitaria Amancio”, com o
Presidente da U.P.C.R., ou na loja “O Gabriel”, com o seu vice-
presidente. Entrada sabbado, à noite, saída, segunda-feira, ás 5 horas
da manhã. (O Nordeste, do dia 21 de fevereiro de 1934)

O Retiro anunciado se dá no mesmo mês em que se realizara, em Fortaleza, o VI


Congresso Nacional de Educação, dirigido pelo diretor da instrução pública do Ceará,
Joaquim Moreira de Sousa, conforme matéria do mesmo jornal católico: “hoje, ás 20
horas, realizar-se-á a inauguração official do grande certame pedagógico que ora reúne
em Fortaleza elementos de prol, na cultura nacional.” (O Nordeste, 02 de fevereiro de
1934).
Nesse congresso, a celeuma entre laicos e católicos em relação à concepção de
um plano nacional de educação fora bastante acirrada, suscitando nos segundos um
cuidado redobrado, quanto à continuidade do ensino religioso nas escolas e das próprias
instituições educativas confessionais.
O professorado local, filiado a uma organização nacional, também participa do
chamado católico patriótico, em defesa da educação e sociedade brasileira. A respeito
dessa última categoria, o citado jornal, do dia 08 de março de 1934, anuncia, em artigo
de Maria Letícia Ferreira Lima, a atuação da Liga dos Professores Cathólicos:

Iniciará, hoje, os seus trabalhos a Liga dos Professores Cathólicos,


associação que há três anos a esta parte, se vem empenhando,
vivamente, entre nós, pelo avanço das modernas práticas
psicopedagógicas, tomadas no que elas encerram de bom, verdadeiro e
proveitoso.(...) E hoje, mais do que ontem, depois de um congresso de
educação em que ficou patenteada, ao vivo, a hostilidade dos ditadores
educacionais do sul aos sentimentos de catolicidade da família
nacional, hoje mais do que ontem, ele estará a postos, cônscio do
dever que lhe assiste no agitado momento educacional que ora
vivemos.(...) A L.P.C. do Ceará, na compreensão clara dos seus
deveres, tendo em vista o soerguimento da Pátria, pela ação
destemerosa, decidida e patriota dos educadores catholicos, no início
de suas actividades. Dá o sinal de reunir, chamando a linha de frente
os que se sacrificam generosamente pelo Bem do Brasil.

Ao lado disso, o mesmo jornal evidencia a aproximação dos católicos do Ceará


ao movimento integralista, em manchetes do dia 12 de março de 1934: “Padre Helder
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Camara, embaixador do Ceará integralista, entra em contacto com os nossos camisas-


oliva e povo paraense”, e “Movimento integralista de Vitoria (ES) foi uma
consagração.” Traz ainda anúncio do IV Centenário de Anchieta e “Apello para uma
cruzada de orações em todo o Brasil”; no dia seguinte, noticia o “Congresso Nacional
Catholico, organizado pela Juventude Catholica Portuguesa.
No trecho abaixo, vê-se como a historiografia jesuítica trata da participação
política dos padres da Companhia na Liga Eleitoral Católica (LEC) e na Associação
Integralista Brasileira (AIB), através de Azevedo (Op. Cit., p. 240):

Ao nosso ver, a atuação da LEC no Ceará deu mais oportunidade aos


Jesuítas lá interessados em política para participar nela. Afinal de
contas, a estrela clerical ascendente na política no Ceará foi o orador
carismático Pe. Helder Câmara cuja atuação com a AIB merecia,
segundo o então lecista, Luís Sucupira, o título de “Bispo dos
Integralistas”. Certamente esse exemplo não deixou de mexer com os
sentimentos mais nobres dos Jesuítas inclinados a participar no campo
sócio-político no Ceará.

No ano de 1933, Getúlio Vargas e Juarez Távora chegam à Estação ferroviária


de Baturité, sendo ali aclamados por políticos e católicos simpatizantes aos candidatos
da Liga Eleitoral Católica e do fortalecimento do conservadorismo, como marca da
política nacional.

Considerações Finais

A Missão dos Jesuítas Portugueses Dispersos encontrara no Ceará uma boa


acolhida. Os seus frutos podem ser contados por meio das suas instituições e inúmeras
ações em prol do fortalecimento do catolicismo e do conservadorismo político, segundo
indicações das fontes consultadas e aqui, apenas, topicamente, comentadas.
Até hoje, essa presença dos Jesuítas no Ceará é sentida, em especial, através do
bem sucedido Colégio Santo Inácio e de várias paróquias marcadas por sua influência
ou atuação, como a do Cristo-Rei, de Fátima e do Mondubim, em Fortaleza; e na
interiorana Baturité, pela atuação portentosa da sua Casa de Retiros, antiga Escola
Apostólica.
Trata-se de uma rede de instituições com experiência acumulada, conduzidas
hoje por jesuítas brasileiros, que permitem uma ação educativa sistemática, junto a
grupos de jovens, casais e comunidades, onde é feita, incansavelmente, a renovação
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católica, sob inspiração da pedagogia inaciana, mesmo em tempos de crise da Igreja


Católica.
É nosso intuito dar continuidade a este estudo, sob a perspectiva da recepção
católica e republicana no Brasil aos Jesuítas portugueses exilados, para explicar em
parte o sucesso de sua empreitada de retorno missionário, século e meio depois da
famosa expulsão da Companhia, no período colonial.

Referências

ARAÚJO, Antonio de. Jesuítas e Antijesuítas. Lisboa, Roma Editora, 2004, 357 p.

AZEVEDO, Ferdinand. A Missão Portuguesa da Companhia de Jesus no Nordeste


(1911 – 1936). Recife, Fundação Antonio dos Santos Abranches–FASA, 1986, 287 p.

GREVE, Aristides (S.J.). Subsídios para a História da Restauração da Companhia


de Jesús no Brasil, por ocasião do seu 1º Centenário. São Paulo, s.ed., 1942. 137 p.

LEAL, Vinicius Barros. Padre Redondo: um modelo de mansidão e amor a Deus.


Fortaleza, s.e., 2006. 68 p.

Fonte Jornalística:
- O Nordeste, dias 19. 05.1928; 20.01.1929; 02.02.1934; 21.02.1934; 08.03.1934;
12.03.1934.

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