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Escravidão africana no

Recôncavo da Guanabara
Mariza de Carvalho Soares e Nielson Rosa Bezerra
(Organizadores)
Escravidão africana no
Recôncavo da Guanabara
(séculos XVII-XIX)
Niterói, RJ – 2011
Ao Professor Maurício Abreu, um apaixonado pelo
Recôncavo da Guanabara, cujo trabalho inspira a busca
de conexões entre a História e a Geografia.

Ao Professor José Cláudio de Souza Alves referência para


os estudos da Baixada Fluminense nas fronteiras entre a
História e a Sociologia.
Copyright © 2011 by Mariza de Carvalho Soares e Nielson Rosa Bezerra
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S676 Soares, Mariza de Carvalho; Bezerra, Nielson Rosa.
Escravidão africana no Recôncavo da Guanabara (séculos XIII-XIX)/Mariza de Carvalho
Soares e Nielson Rosa Bezerra (organizadores). Niterói, Editora da UFF, 2011.
300 p. 23 cm. (Coleção História, 2, 2011)
Inclui Bibliografia
ISBN 978-85-228-0633-1
1. História do Brasil. 2. escravidão. I. Título. II. Série
CDD 90700

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Sumário
Agradecimentos...............................................................................................5
Apresentação...................................................................................................6
Introdução........................................................................................................9
Mariza de Carvalho Soares e Nielson Rosa Bezerra

Primeira Parte
A escravidão como experiência coletiva

A família escrava em Jacutinga, 1686-1721.....................................................17


Denise Vieira Demétrio

As milícias de cor na cidade do Rio de Janeiro, séculos XVIII e XIX..................40


Michel Mendes Marta

Crise e decadência: a Fazenda do Iguaçu e seus escravos, século XIX..............60


Paulo Henrique Silva Pacheco

Viver na rua, viver a rua: usos e práticas da moradia escrava


na Guanabara oitocentista..............................................................................77
Ynaê Lopes dos Santos

Africanos e crioulos, nacionais e estrangeiros: os mundos do trabalho no Rio


de Janeiro nas décadas finais do Oitocentos...................................................93
Lucimar Felisberto dos Santos

Segunda parte
A escravidão como negócio

A pesca da baleia na capitania do Rio de Janeiro (século XVII)......................120


Camila Baptista Dias

O mercado do Valongo e comércio de escravos africanos – RJ (1758–1831)..138


Cláudio de Paula Honorato

Pombeiros e o pequeno comércio no Rio de Janeiro do século XIX................166


Juliana Barreto Farias

Escravidão, tráfico e farinha: a viagem redonda entre


o Rio de Janeiro e a Baía de Biafra................................................................185
Nielson Rosa Bezerra

Referências................................................................................................... 206
Os autores.................................................................................................... 239
Agradecimentos

A ideia de reunir um grupo de jovens pesquisadores interessados no


estudo do Recôncavo da Guanabara para esta publicação, resultou dos
anos de trabalho conjunto. Este livro é, portanto, fruto da convivência e
do trabalho coletivo. Assim sendo, os agradecimentos começam pela pró-
pria experiência de trabalho e amizade no Programa de Pós-Graduação
em História do Departamento de História da UFF, onde os autores desta
coletânea tiveram a oportunidade de estudar ou frequentar, através de
eventos e encontros informais. Os agradecimentos se estendem a outras
instituições com quem ao longo dos anos temos partilhado nosso traba-
lho, através de eventos acadêmicos que propiciaram uma rica convivência
entre professores e alunos interessados no estudo da escravidão e temas
conexos. Não menos importante foram as instituições de pesquisa, arqui-
vos e bibliotecas cujas respectivas direções e, especialmente, seus quadros
de funcionários, têm sido parceiras fundamentais para o desenvolvimen-
to das pesquisas com resultados ora apresentamos.
Queremos agradecer também às instituições de fomento que têm fi-
nanciado as pesquisas individuais dos autores – CNPq, CAPES, FAPERJ,
FAPESP, Biblioteca Nacional e algumas prefeituras – que vêm, sistematica-
mente, apoiando a divulgação do trabalho dos nossos pesquisadores, por
intermédio de iniciativas diversas. Por fim, agradecemos o apoio acadêmi-
co e financeiro do PPGH que permitiu a edição desta coletânea, enquanto
o trabalho cuidadoso da equipe da EDUFF viabilizou seu resultado.
Apresentação

Este livro é fruto de longos anos de trabalho em ensino e pesquisa


que tenho acompanhado de perto. Em 2005, Mariza de Carvalho Soares
levou para o Brasil o projeto Eclesiastical Sources for Slaves Societies,
dirigido por mim na Vanderbilt University e financiado pelo National
Endowments for the Humanities. Através desse projeto, com a partici-
pação de bolsistas de Iniciação Científica do Departamento de História
da UFF, digitalizamos cerca de 30 mil páginas de documentos referentes
às antigas freguesias do Recôncavo da Guanabara, no período de vigência
da escravidão. Naquela ocasião, foram constituídas séries documentais
digitais de livros de batismo, casamento e óbito, obtidas nos arquivos da
Cúria Diocesana de Nova Iguaçu e da Cúria Arquidiocesana de Niterói. Por
intermédio da professora Mariza Soares o projeto se desdobrou em ativi-
dades de pesquisa e cursos no Departamento de História da UFF. Hoje é
possível afirmar que o projeto não apenas viabilizou a digitalização de do-
cumentos de modo a facilitar o acesso a eles e ao mesmo tempo preservar
os originais, mas também divulgou junto a estudantes e professores a im-
portância dessa documentação e dos arquivos que as abrigam. Duas das
autoras desta coletânea foram bolsistas do projeto: Camila Baptista Dias
e Denise Vieira Demétrio. É com satisfação que registro este fato e des-
taco a importância de projetos coletivos para a formação de jovens pes-
quisadores. Todos os demais autores, direta ou indiretamente, estiveram
próximos dessa experiência ou a nós se juntaram por uma afinidade com
a preocupação de levar o ensino e a pesquisa sobre a escravidão para além
dos limites da cidade do Rio de Janeiro. Aceitar o convite para apresentar
esta coletânea é para mim a renovação dos laços de trabalho e amizade
construídos entre os departamentos de história da UFF e de Vanderbilt.
Pensar o Recôncavo da Guanabara como um recorte importante para
os estudos da escravidão no Brasil resulta de uma linha de trabalho que
se inspira em outras abordagens da escravidão. Desde o inicio foi fun-
damental tomar como referência o marcante livro do historiador ame-
ricano Stuart Schwartz Sugar Plantations in the Formation of Brazilian
Society (1985), publicado no Brasil sob o título Segredos Internos. Engenhos
e escravos na sociedade colonial (1988) onde o autor estudou a produção
açucareira do Recôncavo da baiano. A segunda referência é uma obra re-
cente, Geografia Histórica do Rio de Janeiro (2010), de autoria do geógra-
fo Mauricio Abreu que anos atrás apresentou um pequeno segmento de
sua pesquisa em congresso da BRASA, realizado em Vanderbilt (2006),
onde tive a oportunidade de conhecê-lo. Assim sendo, este livro destaca
a importância de alargar os limites dos estudos da escravidão para além
da cidade do Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, incentiva a pesquisa na
rica documentação histórica disponível sobre o Recôncavo e que foi por
muitos anos negligenciada.
Por fim, a importância da divulgação dos resultados da pesquisa de
jovens historiadores merece nosso especial reconhecimento e tenho cer-
teza de que o público leitor irá reconhecer também a importância dessa
iniciativa na qualidade dos trabalhos apresentados.

Jane G.Landers
Gertrude Conway Vanderbilt
Chair of History, Vanderbilt University
Introdução
Mariza de Carvalho Soares e Nielson Rosa Bezerra

A pesquisa sobre a escravidão no Brasil tem ampliado seus horizon-


tes e contribuído não só para diversificar o debate sobre a escravidão na
historiografia brasileira mas também na historiografia do Atlântico e da
história o debate sobre a África. Tem contribuído, de forma decisiva, para
preservação do patrimônio a ela associado.1 O aprofundamento de todos
esses caminhos de investigação tem sido fundamental para provocar uma
reflexão crítica de parte dos pesquisadores da escravidão, no sentido de
alargar as fronteiras de suas investigações, dialogando sempre com outras
abordagens e temáticas da história. A capitania (posteriormente provín-
cia) do Rio de Janeiro esteve sempre marcada pela presença da escravi-
dão africana. Trabalhos sobre as dimensões demográficas da população
escrava, sobre sua sociabilidade e ações de resistência têm caracterizado
a historiografia da escravidão, mas no caso do Recôncavo da Guanabara,
a maioria deles teve como foco a cidade do Rio de Janeiro.2 São poucos os
livros que focalizam a escravidão fora dos limites urbanos, tendo como
foco da análise outras partes do Recôncavo.3
Já no início do século XVI, podem ser encontrados registros regulares
da presença de escravos africanos no Recôncavo da Guanabara. A justifica-
tiva para o recorte aqui estabelecido pode, portanto, nos remeter aos mais
remotos tempos da ocupação do entorno da baía da Guanabara. O uso de
rios, como Iguaçu, Sarapuí e Meriti, foi fundamental para estabelecer uma
1
Ver como exemplo alguns projetos do LABHOI como o Memória da Escravidão e o Escravidão
Africana nos Arquivos Eclesiásticos. Ver: <www.historia.uff.br/labhoi/>.
2
Dentre eles os que mais influenciaram as pesquisas aqui apresentadas podemos citar SOARES,
Mariza de Carvalho. Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro,
século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000; para o século XIX o trabalho que enfoca
os africanos de modo mais abrangente é de Mary C. Karasch, Slave Life in Rio de Janeiro, 1808-1850.
New Jersey: Princeton University Press, 1987. Para o comércio de escravos africanos na cidade ver
FLORENTINO, Manolo Garcia. Em Costas Negras: uma história do tráfico atlântico de escravos
entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995.
3
Para investigações voltadas para o recôncavo ver GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilom-
bolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX. São Paulo: Companhia
das Letras, 2006; BEZERRA, Nielson Rosa. As chaves da liberdade: confluências da escravidão no
Recôncavo do Rio de Janeiro (1833-1888). Niterói: EdUFF, 2008.
estreita rede de conexões. Os capítulos aqui reunidos mostram trabalhos
recentes e atentos para um novo olhar sobre as relações entre a cidade
do Rio de Janeiro e o entorno da baía. Embora nem sempre tenha sido
este o ponto de partida dos pesquisadores que compõem essa coletânea,
acreditamos que, reunidos, reforçam a proposta de pensar o Recôncavo
da Guanabara em seu conjunto, rompendo com a antiga dicotomia entre
a cidade e seu entorno. Para pensar o recôncavo sob este ponto de vista
partimos de cinco pontos importantes.
O primeiro discute a relação entre historiadores e memorialistas.
Segundo Ana Lucia Ennes,4 a “rede de história e memória da Baixada
Fluminense” possui dois grupos principais: os memorialistas que, fazem
uma crônica da Baixada, enfocam o passado mais distante e uma leitura
pouco crítica dos documentos; e os historiadores acadêmicos representa-
dos pelos pesquisadores oriundos dos programas de pós-graduação, em
especial da UFF, UFRJ e Universidade Severino Sombra/Vassouras. Mais
que uma diferenciação entre memorialistas5 e historiadores6 acreditamos
que o surgimento recente de um grupo de pesquisadores formados pelos
programas de pós-graduação, vêm renovando o interesse pela história e
pela memória da Baixada Fluminense. Como consequência, acreditamos
que, longe de se distanciar dos pesquisadores de outras gerações, esse
4
ENNE, Ana Lucia Silva. Lugar, meu amigo, é minha Baixada: memória, representações sociais e iden-
tidade. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Museu Nacional, Universidade Federal Flumi-
nense, Rio de Janeiro, 2002.
5
Entre os memorialistas destacam-se: FORTE, José Mattoso Maia. Memória da
Fundação de Iguassu. Rio de Janeiro: Typografia do Jornal do Comércio, 1933;
PEREIRA, Waldick. Cana, café e laranja: história econômica de Nova Iguaçu. Rio
de Janeiro: FGV, 1977; PEIXOTO, Rui Afranio. Imagens iguaçuanas. Nova Igua-
çu: IHGNI, 1968; PERES, Guilherme. Baixada Fluminense: os caminhos do ouro.
Duque de Caxias: Consórcio de Edições, 1993; PERES, Guilherme. Tropeiros e
viajantes na Baixada Fluminense. São João de Meriti: IPAHB, 2002; TORRES,
Gênesis (Org.). Baixada Fluminense: a construção de uma história. São João de
Meriti: IPAHB, 2004.
6
Ver FRÓES, Vânia. Município de Estrela 1846-1892. Dissertação (Mestrado em Historia)– Univer-
sidade Federal Fluminense, Niterói, 1974; SOUZA, Marlúcia dos Santos. Escavando o passado da
cidade: Duque de Caxias e os projetos de poder político local, 1900-1964. Dissertação (Mestrado
em História)– Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2002; BEZERRA, Nielson Rosa. As con-
fluências da escravidão no Recôncavo do Rio de Janeiro: Iguaçu e Estrela (1833-1888). Dissertação
(Mestrado)–Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Severino Sombra, Vassouras,
2004; MARQUES, Alexandre dos Santos. Militantes da cultura em uma área periférica: Duque de Ca-
xias, 1950-1980. Dissertação (Mestrado em História)–Universidade Severino Sombra, Vassouras,
2005; GREGÓRIO, Maria do Carmo. Solano Trindade: raça e classe, poesia e teatro na trajetória de
um afro-brasileiro, 1930-1960. Dissertação (Mestrado em História)–Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006; BRAZ, Antonio Augusto. Vidas em transição: a cidade e a vida na
cidade de Duque de Caxias nas décadas de 30, 40 e 50 do século XX. Dissertação (Mestrado em
História)– Universidade Severino Sombra, Vassouras, 2006; PEREIRA, Sandra Godinho Maggessi.
Vozes Afro-Caxienses: ecos político-culturais dos movimentos de resistência negra em Duque de Ca-
xias, 1949-1968. Dissertação (Mestrado em História)–Universidade Severino Sombra, Vassouras,
2006; BEZERRA, Nielson Rosa. Mosaicos da escravidão: identidades africanas e conexões atlânticas
do Recôncavo da Guanabara (1780-1840). Tese (Doutorado)–Programa de Pós-Graduação em His-
tória, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010.
movimento tem aproximado esta nova geração da produção que os prece-
deu e que teve papel determinante na identificação de temas fundadores
da historiografia recente.
O segundo ponto discute a questão da história regional cuja aborda-
gem ainda hoje marca os estudos sobre o Recôncavo da Guanabara.7 Sem
querer desmerecer essa abordagem que tem sido fundamental para o
avanço das pesquisas até agora realizadas, esta coletânea toma um rumo
diferente. Como alternativa para estabelecer o Recôncavo como limite de
análise, demarcando o interior dessa “região” como foco de nossa atenção,
privilegiamos as conexões entre as várias partes do Recôncavo e as cone-
xões do mesmo com o Atlântico, através do comércio de escravos. Assim
sendo, o Recôncavo do Guanabara ganha ênfase não como uma região,
mas como um complexo conjunto de caminhos, redes sociais, pequenos
e grandes negócios, movimento de pessoas e mercadorias que liga suas
partes entre si e com outras partes da capitania, com São Paulo e Minas
Gerais, e mais longe com a África e Portugal, através do Atlântico.8
Um terceiro pilar que sustenta a organização desta obra pode ser perce-
bido através do interesse em oferecer ferramentas para o enfrentamento
do debate que envolve a dicotomia centro/periferia; urbano/rural. Essas
são chaves de leitura das quais até hoje o Recôncavo da Guanabara não
conseguiu se livrar. Toda a historiografia que trabalha o Rio de Janeiro
esbarra numa visão do Recôncavo como periferia rural da cidade, da ca-
pital. Entre os historiadores que trabalham com esta oposição destaco o
artigo do brasilianista A. J. R. Russell-Wood. O historiador sofistica a no-
ção usual de periferia distinguindo três diferentes situações consideradas
periféricas atraves de três termos tomados de empréstimo aos geógra-
fos (umland, hinterland e vorland).9 Sua análise permite entender melhor
a diversidade de espaços e a multiplicidade de situações que podem ser
aí identificadas. De acordo com o autor, o Recôncavo seria uma umland,
próxima ao centro (a cidade do Rio de Janeiro). Apesar de seu esforço,
permanece na oposição centro/periferia a ideia de sujeição da periferia ao
centro. E é justamente este pressuposto que queremos combater.
O quarto pilar está diretamente relacionado às assimetrias sociais que
envolviam escravos, forros e livres em um mesmo ambiente social que
7
Para uma abordagem da história regional ver número especial da revista Estudos Históricos, v. 8, n.
15, Dossiê História e Região, 1995, em especial Francisco Carlos Teixeira da Silva e Maria Yedda
Linhares, em Região e história agrária, p. 17-26; ver também: SILVA, Marcos (Coord.). República em
Migalhas: história regional e local. São Paulo: Marco Zero, 1990.
8
O uso da expressão conexões faz referência a uma já ampla historiografia. Ver como exemplo SU-
BRAHMANYAM, Sanjay. Connected histories: notes towards a reconfiguration of Early Modern
Eurosia. Modern Asian Studies, Cambridge, v. 31, n. 3, Special Issue: The Eurasian Context of the
Early Modern History of Mainland South East Asia, 1400-1800, p. 735-762, jul. 1997. Para os
estudos atlânticos ver CURTO, José C.; LOVEJOY, Paul E. (Ed.). Enslaving connections: changing
cultures of Africa and Brazil during the Era of Slavery. Amherst: Humanities Books, 2004.
9
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Centro e periferia no mundo luso-brasileiro, 1500-1808. Revista Bra-
sileira de História, São Paulo, v. 18, n. 36, Dossiê Do Império Português ao Império do Brasil, p.
187-249, 1998.
Russell-Wood tão bem explorou em seu livro Escravos e libertos.10 A vida
dos escravos não se fazia isolada do conjunto das pessoas que partilhavam
com eles os mesmos espaços e instituições. Ao contrário, eles viviam no
interior de uma sociedade múltipla, marcada justamente pela interação
de seus diferentes segmentos, daí, como nos mostrou Stuart Schwartz em
Segredos internos, tratar-se de uma sociedade escravista.11 Apesar de não
terem trabalhado o Recôncavo da Guanabara, esses autores são aqui invo-
cados por terem sido fundamentais para os novos rumos da pesquisa his-
tórica sobre a escravidão, a partir da década de 1980. Pela atenção que dão
à pesquisa com fontes primárias, inéditas e cuidadosamente recolhidas
em diferentes arquivos e pela suas preciosas análises da sociedade colo-
nial são ambos leitura indispensável. O foco desta coletânea é exatamente
a convivência entre escravos, libertos e livres; a consequente e constante
alteração das fronteiras sociais, étnicas e culturais estabelecidas, de modo
a criar situações de interação nas quais a ação das pessoas (escravos e
livres) exerce papel de destaque.
Por último, o quinto pilar discute a distinção entre os estudos fecha-
dos na análise da escravidão no Brasil e aqueles que se abrem para uma
perspectiva atlântica, em especial os que abordam a questão da diáspora
africana nas Américas. Nesse sentido, para além dos marcos da história
regional e das análises centro/periferia, os capítulos trabalham em escalas
reduzidas para desvendar uma enorme riqueza de situações sociais que
apontam quase sempre para o conjunto do Recôncavo e para o Atlântico.
É importante ainda explicar a escolha dos dois pesquisadores a quem
dedicamos este livro. O geógrafo Maurício Abreu esteve sempre no cam-
po da geografia histórica e seus trabalhos são leitura indispensável, em
particular para os interessados no Recôncavo da Guanabara e na cida-
de do Rio de Janeiro. Desde a publicação de A evolução urbana do Rio de
Janeiro (1987), até seu mais recente trabalho, Geografia Histórica do Rio
de Janeiro. 1502-1700, uma monumental pesquisa sobre o Recôncavo da
Guanabara até o século XVII, Maurício Abreu tem colaborado de forma
determinante para avanço da pesquisa interdisciplinar e para a formação
dos historiadores.12 José Cláudio de Souza Alves, sociólogo é conhecido
por sua atuação na luta pelos direitos humanos na Baixada Fluminense
onde desenvolve uma marcante reflexão sobre a importância da educação
e da cultura como ferramentas para construção da justiça social. Seu livro
Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense é

10
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2005. (primeira edição em inglês, 1982).
11
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial (1550-1835).
São Paulo: Companhia da Letras; Brasília, DF: CNPq, 1988. (primeira edição em inglês, 1985).
12
ABREU, Maurício de Almeida. A evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLAN: Zahar,
1987. (atualmente em sua quarta edição pelo Instituto Pereira Passos); ABREU, Maurício de Almei-
da. Geografia Histórica do Rio de Janeiro: 1502 - 1700. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio,
2010.
referência obrigatória para os trabalhos que a ele se seguiram; e sua traje-
tória, um exemplo para os jovens pesquisadores da Baixada.13
A coletânea reúne nove textos, sendo seis de autores que em algum
momento de sua formação passaram pelo Departamento de História da
UFF ou pelo seu programa de pós-graduação; os outros três são convida-
dos que, oriundos de outras instituições, estiveram em contato conos-
co e têm na bibliografia produzida por nós referência importante para
suas pesquisas. Apresentam cronologias, recortes temáticos e abordagens
diversas, a maioria deles ainda em fase de desenvolvimento. Os textos
foram selecionados e organizados em duas partes de modo a promover
uma aproximação e um diálogo entre as mesmas. A primeira parte trata
da diversidade das vivências coletivas de escravos e libertos, desde suas
relações familiares até esferas de organizações formais e informais; a se-
gunda, enfoca a questão da escravidão como negócio, nas várias esferas
em que seus agentes se apresentam, sejam eles senhores, escravos, co-
merciantes ou outros segmentos da população.
A primeira parte é composta de cinco capítulos. O primeiro, de autoria
de Denise Vieira Demetrio, trata da família escrava na freguesia de Santo
Antonio de Jacutinga, situada no fundo da baía de Guanabara, uma das
mais antigas e representativas freguesias do Recôncavo da Guanabara,
entre 1686 e 1721. Avançando nas análises sobre o tema que enfoca as
relações familiares entre escravos, a autora aborda as conexões entre es-
cravos e homens livres a partir de um diálogo inovador com o segmento
da historiografia brasileira que trabalha com a noção de Antigo Regime.
O segundo, de Michel Mendes Marta, analisa a presença das milícias de
cor na cidade do Rio de Janeiro, nos séculos XVIII e XIX, mostrando-as
como importantes esferas de organização coletiva dos chamados africa-
nos forros da cidade do Rio de Janeiro, em especial os chamados “pretos-
-minas”. O texto abre um novo caminho para as pesquisas sobre africanos
na historiografia brasileira e também a importância desses regimentos na
medida em que colaboravam para a manutenção da ordem na cidade. O
capítulo de autoria de Paulo Henrique Silva Pacheco descreve a vida dos
escravos na Fazenda de Iguaçu, de propriedade da Ordem de São Bento.
Fundada no século XVII, foi uma das fazendas mais importantes do en-
torno da Guanabara tendo concentrado uma significativa mão de obra
escrava. Partindo desta importante presença, o texto explora justamente
a participação dos escravos na organização do cotidiano da congregação
beneditina. No quarto capítulo, Lucimar Felisberto dos Santos trata das
formas de agenciamento junto à população trabalhadora da cidade do Rio
de Janeiro, mostrando que na primeira metade do século XIX os trabalha-
dores escravos atuaram lado a lado com trabalhadores livres, tendo como
perspectiva a possibilidade de qualificação profissional. Situando-se no

13
ALVES, José Cláudio de Souza Alves. Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada
Fluminense. Duque de Caxias: APPH-CLIO, 2003.
campo da história do trabalho, a autora caracteriza a formação da clas-
se operária brasileira como emergente do regime escravista, destacando
a proximidade entre experiência escrava e trabalho livre. Encerrando a
primeira parte da coletânea, Ynaê Lopes dos Santos apresenta casos de
escravos de proprietários do Recôncavo da Guanabara que “moravam”
longe de seus senhores, na cidade do Rio de Janeiro onde eram “colocados
ao ganho”. A questão da moradia é apresentada como um importante e
geralmente desconsiderado aspecto da experiência da escravidão, em es-
pecial àqueles que tinham a rua como lugar de suas lucrativas atividades
econômicas.
A segunda parte é composta de quatro capítulos. O primeiro, de auto-
ria de Camila Baptista Dias, descreve a pesca da baleia, um negócio pouco
explorado pela historiografia e que foi de grande importância na baía da
Guanabara no século XVII. A autora mostra os contratadores da baleia no
quadro dos negócios portugueses e das elites da cidade do Rio de Janeiro,
assim como o uso pouco estudado da mão de obra escrava africana no
beneficiamento do óleo e outros derivados da baleia. Cláudio de Paula
Honorato analisa o funcionamento do Mercado do Valongo. Criado no sé-
culo XVIII para receber os africanos desembarcados, foi fechado em 1831
e sua existência desencadeou grandes debates do ponto de vista econô-
mico, urbanístico e sanitário que merecem a atenção dos historiadores.
Ao estudar o mercado, o autor apresenta também uma nova dimensão
da cidade, assim como a dispersão dos escravos pelo recôncavo através de
uma teia de pequenos negócios. Discutindo o pequeno comércio, o capítu-
lo de Juliana Barreto Farias mostra a atuação dos chamados “pombeiros”
no porto da cidade do Rio de Janeiro do século XIX onde as mercadorias
produzidas no recôncavo eram vendidas aos moradores. O texto mostra
as variadas estratégias de trabalho e sobrevivência desses pequenos co-
merciantes na primeira metade do século XIX. O último texto da coletâ-
nea, de autoria de Nielson Rosa Bezerra, parte das freguesias do fundo
da Baía da Guanabara onde se concentrava a produção de farinha para
mostrar as amplas redes de comércio constituídas por esses produtores.
Nielson Bezerra analisa o caso de um grupo de comerciantes que levou
uma embarcação com um grande lote de farinha de mandioca para ser
vendido nos portos de Bony e Calabar em troca de escravos destinados
aos comerciantes da cidade do Rio de Janeiro. Dessa forma o autor inves-
tiga as conexões atlânticas do Recôncavo da Guanabara e mais uma rota
atlântica minoritária (Rio de Janeiro – Baía de Biafra) frequentada pelos
mercadores de escravos da cidade do Rio de Janeiro, na África Ocidental.
No seu conjunto, os textos abrangem temas variados, mas o diálogo
entre eles pode ser reconhecido através da constante atenção, embora em
medidas variadas, aos temas e abordagens destacados nesta introdução.
Por fim, o conjunto dos capítulos demonstra que todos os autores tiveram
sua formação marcada pela pesquisa documental nos arquivos do Rio de
Janeiro e municípios da Baixada Fluminense, o que faz desta coletânea
uma iniciativa pioneira não apenas por divulgar esse conjunto inédito de
pesquisas cujos autores estão ingressando na vida acadêmica, mas tam-
bém por divulgar uma rica e pouco explorada vertente da historiografia
baseada em pressupostos que trazem ao palco dos estudos da escravidão
um segmento da população escrava e liberta e de suas experiências e ne-
gócios que até agora têm sido pouco explorados pela historiografia.
Primeira Parte
A escravidão como experiência coletiva
A família escrava em Jacutinga, 1686-17211
Denise Vieira Demétrio

Introdução: problemática e fontes

Em 2001, num artigo, o historiador Ronaldo Vainfas alertava:

a imensa maioria das pesquisas sobre família escrava no Brasil se encon-


trava baseada em fontes do século XVIII – via de regra o tardio XVIII – e,
sobretudo, do século XIX, e jamais do século XVII, tempo em que a es-
cravidão africana passou a ser dominante no litoral brasílico, e tempo em
que a estrutura organizativa da Igreja – incluindo a rede paroquial – era
acanhadíssima.2

Quase dez anos se passaram e a realidade dos estudos não é, hoje,


muito diferente.3
1
Este capítulo é parte de uma pesquisa iniciada na graduação em História e que se desdobra no
projeto de doutorado recém-iniciado. Esta versão é um resumo qualificado de três capítulos da
dissertação de mestrado (1, 2 e 3). Para a versão completa da dissertação ver: DEMETRIO, Denise
Vieira. Famílias escravas no Recôncavo da Guanabara: séculos XVII e XVIII. Dissertação (Mestrado)–
Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008. Dispo-
nível em: <http://www.historia.uff.br/stricto/tesesonline.php>. Agradeço à Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro-FAPERJ e ao projeto Ecclesiastical Sources in Slaves Socie-
ties/Vanderbil University pelas bolsas de iniciação científica ao longo do meu curso de graduação
quando iniciei minha pesquisa sobre a escravidão africana na freguesia de Jacutinga. Agradeço
também a Coordenadoria de Ensino e Pesquisa-CAPES pelas bolsas de mestrado e doutorado, a
última ainda em curso. Agradeço ainda a Mariza Soares e Allofs Daniel Batista pela revisão e suges-
tões a este texto.
2
VAINFAS, Ronaldo. Jesuítas, escravidão colonial e família escrava: a especificidade do Nordeste
seiscentista. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; MATTOS, Hebe Maria; FRAGOSO, João.
Escritos sobre História e Educação: homenagem a Maria Yedda Linhares. Rio de Janeiro: FAPERJ:
Mauad, 2001. p. 220. Para os debates historiográficos acerca do tema ver: SLENES, Robert. Na
senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava – Brasil sudeste, século
XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999; SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bau-
ru: Edusc, 2001; FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano
colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
3
Os 23 trabalhos apresentados no I Simpósio Internacional de Estudos Sobre a Escravidão Africana
no Brasil (junho-2010) referentes a família escrava permitem corroborar a crítica do autor. Deles,
apenas dois não focaram o século XIX. Para a listagem completa dos resumos aprovados ver: <www.
cchla.br/isi >.
Os estudos recentes sobre o período colonial4 compreendem a forma-
ção de famílias escravas e livres a partir da perspectiva do Antigo Regime
na América portuguesa5 procurando inserir seus agentes nas redes de
reciprocidades/solidariedades que se formavam no Império português
entre distintos segmentos sociais; no caso deste artigo privilegiaram-se
as relações de compadrio entre famílias escravas e livres.6 O título deste
capitulo revela a preocupação do texto com a implementação de uma pes-
quisa temática, geográfica e temporalmente difícil.
Do ponto de vista teórico-metodológico, a adoção da micro-história
italiana aliada à fontes seriais permitiu conjugar dados qualitativos e
quantitativos. O uso deste procedimento parte do pressuposto de que a
redução de grau de escala permite observar de forma mais acurada fenô-
menos ditos gerais. Para tanto, o conceito de “jogos de escala”,7 cunha-
do por Jacques Revel, permitiu tratar metodologicamente a freguesia de
Jacutinga para mostrar suas configurações econômicas, sociais e políticas
além de compreender as características da escravidão e, consequentemen-
te, da família escrava no Recôncavo da Guanabara.
Os dados aqui apresentados foram obtidos através de um pequeno
banco construído a partir do Livro de Batismos, Matrimônios e Óbitos
de Escravos, de Santo Antônio de Jacutinga (1686-1721), hoje perten-
cente ao Arquivo da Cúria de Nova Iguaçu, o mais antigo até o momento

4
LARA, Silvia Hunold. Conectando historiografias: a escravidão africana e o Antigo Regime na Amé-
rica portuguesa. In: BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Modos de governar:
idéias e práticas políticas no império português: séculos XVI a XIX. 2. ed. São Paulo: Alameda Casa
Editorial, 2007. p. 21-38; LARA, Silvia Hunold. Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e po-
der na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
5
DEMETRIO, Denise Vieira. Famílias escravas: novas perspectivas de análise para o período colo-
nial: Recôncavo da Guanabara, séculos XVII e XVIII. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTU-
DOS SOBRE A ESCRAVIDÃO AFRICANA NO BRASIL, 1., 2010, Natal. Anais... Natal: [s.n.], 2010.
6
Estudos recentes vêem demonstrando tais alianças, destacadamente os de João Fragoso. Dentre
outros trabalhos ver: FRAGOSO, João Luís. Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza
principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750). In: FRAGOSO, João; SAMPAIO, Antônio Carlos
Jucá; ALMEIDA, Carla Maria de Carvalho (Org.). Conquistadores e negociantes: histórias de elites
no antigo regime nos trópicos: América Lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Bra-
sileira, 2007. p. 33-120; FRAGOSO, João. A reforma monetária, o rapto de noivas e o escravo
cabra José Batista: notas sobre hierarquias sociais costumeiras na monarquia pluricontinental lusa
(séculos XVII e XVIII). In: AZEVEDO, Cecília et al. Cultura política, memória e historiografia. Rio
de Janeiro: FGV, 2009. p. 315-341; FRAGOSO, João. Capitão Manuel Pimenta Sampaio, senhor
do engenho do Rio Grande, neto de conquistadores e compadre de João Soares, pardo: notas so-
bre uma hierarquia social costumeira (Rio de Janeiro, 1700-60). In: GOUVÊA, Maria de Fátima;
FRAGOSO, João (Org.). Na trama das redes: política e negócios no império português, séculos XVI-
-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 243-294; DEMETRIO, Denise Vieira. Famílias
escravas no Recôncavo da Guanabara: séculos XVII e XVIII. Dissertação (Mestrado)–Programa de
Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.
7
REVEL, Jacques. Microanálise e construção do social. In: REVEL, Jacques (Org.). Jogos de escalas:
a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 27-28.
encontrado para esta freguesia.8 Também utilizamos as “Estatísticas rea-
lizadas pelo governo do Marquês de Lavradio”9 de finais do século XVIII,
onde podemos visualizar dados referentes à distribuição de engenhos, es-
cravos e produção de açúcar/aguardente, população e produção agrícola
desta freguesia. Estes dados são importantes para dar uma idéia da diver-
sificação do emprego da mão de obra escrava e de como essa economia in-
terferia na organização do trabalho e na vida da população, especialmente
no que diz respeito à sua fixação na região e a constituição de laços dura-
douros como casamento e outros laços familiares, nosso foco privilegiado.
Outra fonte contemporânea desta e imprescindível para qualquer estudo
sobre o recôncavo da Guanabara são os diversos escritos do Monsenhor
José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo.10
Quanto aos engenhos de Jacutinga no século XVII, as fontes pesquisa-
das foram complementadas com informações da Base de Dados para o Rio
de Janeiro da Linha de Pesquisa de Geografia Histórica, organizada por
Maurício Abreu.11 Para conhecimento da trajetória dos personagens da
freguesia e das localidades próximas, dois trabalhos de fôlego – as obras
genealógicas de Carlos G. Rheingantz e Elysio de O. Belchior – foram re-
ferências indispensáveis.12 Ambos serviram enormemente para identifi-
car as genealogias de alguns proprietários para os quais privilegiamos o
cruzamento de dados relativos a casamento, propriedades na localidade e
8
Arquivo da Cúria Diocesana de Nova Iguaçu, doravante ACDNI. Livro de Batismo, Matrimônio e
óbitos de Escravos, Santo Antônio de Jacutinga, 1686-1721. Este livro inclui mais duas folhas que
foram encontradas no Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, por mim transcritas e
cujos dados foram reunidos aos demais. A parte do livro relativa aos mortos, que consta em sua
página de abertura, não foi encontrada. Agradeço a Antonio Lacerda, diretor do referido arquivo,
pela disponibilização da fonte e a Nelson Aranha, paleógrafo, que orientou na transcrição deste e
outros manuscritos.
9
LAVRADIO, Marquês do. Estatística realizada pelo Governo do Marquês do Lavradio, entre 1769-
79. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, São Paulo, t. 76, parte 1, p. 289-360, 1913.
10
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. O Rio de Janeiro nas visitas pastorais de Monsenhor Pi-
zarro: inventário da Arte Sacra Fluminense. Rio de Janeiro: INEPAC, 2008. 2 v; ARAÚJO, José de
Souza Azevedo Pizarro e. Livro de visitas pastorais na Baixada Fluminense no ano de 1794. Nilópolis:
Prefeitura de Nilópolis, 2000; ARAÚJO. José de Souza Azevedo Pizarro e. Memórias históricas do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1948. 10v; ARAÚJO. José de Souza Azevedo
Pizarro e. Relação das Sesmarias da Capitania do Rio de Janeiro. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 63, v. 1, 1900.
11
Maurício Abreu, Base de Dados para o Rio de Janeiro da Linha de Pesquisa de Geografia Histórica,
Núcleo de Pesquisas de Geografia Histórica do Departamento de Geografia Universidade Federal
do Rio de Janeiro, 2008 (ainda não disponível), doravante citada como Abreu, BDGHRJ. A Base de
Dados agrega livros cartoriais, inventários, verbas testamentárias, livros de tombo das ordens re-
ligiosas, autos de medição de terras, autos de demandas judiciais etc., de diferentes instituições, e
nas preciosas genealogias das famílias fluminenses dos séculos XVI e XVII, obra de Carlos G. Rhein-
gantz, e tem neste segmento por objetivo a identificação e a localização dos engenhos fluminenses
dos séculos XVI e XVII. Para consulta a esta base ainda em fase de finalização pude contar com a
generosidade do professor Maurício de Almeida Abreu, em cuja pesquisa colaborei transcrevendo
escrituras no Arquivo Nacional, ocasião em que pude tomar conhecimento das atividades e da
pesquisa por ele coordenada.
12
Elysio de Oliveira Belchior. Conquistadores e Povoadores do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Livraria
Brasiliana Editora. 1965; RHEIGANTZ, Carlos. Primeiras famílias do Rio de Janeiro: séculos XVI e
XVII. Rio de Janeiro: Livraria Brasiliana, 1965. 2 v.
ocupação de cargos no governo da capitania. Desse modo pudemos aliar
os dados qualitativos aos quantitativos.

A Freguesia

Santo Antônio de Jacutinga foi uma das freguesias do Recôncavo da


Guanabara criadas no século XVII, cuja economia estava voltada para o
abastecimento da cidade do Rio de Janeiro. Dos nove engenhos identi-
ficados por Mauricio Abreu, apenas um não possuía invocação a Nossa
Senhora: São eles: N. S. do Rosário e S. Antônio, N. S. da Conceição dos
Gaias, São Miguel, N. S. da Batalha, N. S. da Conceição da Cachoeira, Sem
identificação, N. S. do Bonsucesso, N. S. da Conceição e São Francisco,
Santo Antônio de Jacutinga.13
Diferentemente das demais capelas e freguesias do recôncavo que pos-
suíam invocação mariana, Jacutinga foi dedicada a Santo Antônio, sendo
ainda a única a incorporar o nome de uma antiga aldeia indígena ao seu
orago. Segundo as Cartas do padre José de Anchieta (1584), os benediti-
nos franceses realizavam um trabalho de catequização e de plantio nas
margens do rio Iguaçu junto aos jacutingas.14 A atuação francesa, porém,
foi interrompida durante a guerra contra os portugueses, o que acarre-
tou a morte ou a fuga desses indígenas para o interior. No Auto de São
Lourenço, escrito também por Anchieta (1587), consta o seguinte trecho,
esclarecedor da posição que os índios Jacutingas ocupavam durante o
conflito.

Também São Sebastião valente santo soldado, que aos tamoios rebela-
dos deu outrora uma lição hoje está do vosso lado E mais — Paranapucu,
Jacutinga, Morói, Sariguéia, Guiriri, Pindoba, Pariguaçu, Curuça, Miapei E
a tapera do pecado, a de Jabebiracica, não existe. E lado a lado a nação dos
derrotados no fundo do rio fica. Os franceses seus amigos, inutilmente
trouxeram armas. Por nós combateram Lourenço, jamais vencido, e São
Sebastião flecheiro.15 (grifos do autor)

A importância dessa freguesia pode ser ressaltada pela presença de


seus rios: Cachoeira de Santo Antonio do Mato, D’Ouro e Riachão que,
engrossados por outros, desde as serras da Cachoeira e de Tinguá, despe-
jam volumosas águas nos rios Iguaçu, Sarapuí, Meriti, importantes vias
13
Ver Abreu. BDGHRJ. O fato é significativo, uma vez que os índios jacutingas, como já mencionado,
emprestaram seu nome à freguesia. Sua presença deve ter sido marcante e, sobretudo, a conversão
dos sobreviventes ao catolicismo pode indicar porque foram incorporados ao nome dela.
14
José de Anchieta. Cartas Jesuíticas III. Cartas de Joseph de Anchieta S. J. Cartas, informações, frag-
mentos históricos e sermões. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. 1933. Disponível em: <http://
purl.pt/155>.
15
ANCHIETA, José de, Padre. Auto representado na Festa de São Lourenço. Rio de Janeiro: Serviço
Nacional de Teatro, Ministério da Educação e Cultura, 1973. Disponível em: <http://www.domi-
niopublico.gov.br/download/texto/bv000145.pdf >.
de transporte e comunicação que cortavam o território de Jacutinga. É a
partir dos rios que se inicia a ocupação dessa região com as doações de ses-
marias. A primeira sesmaria foi dada a Cristóvão Monteiro em 1565, no
mesmo ano da fundação da cidade do Rio de Janeiro, o que mostra a liga-
ção entre a cidade e seu entorno através das doações de sesmarias. Santo
Antônio de Jacutinga foi o núcleo originário dos territórios de partes
dos atuais municípios de Nova Iguaçu, Belford Roxo, São João de Meriti
e Duque de Caxias, Nilópolis e Mesquita hoje integrantes da Baixada
Fluminense. Já em 1686 a então chamada Igreja de Santo Antônio (da
aldeia) de Jacutinga constava como Paróquia e segundo cálculos de mon-
senhor Pizarro teria sido criada em 1657.16
A partir do final do século XVII a região passou a integrar os circuitos
econômicos do império português, voltado para a descoberta do ouro em
Minas Gerais, tornando-se uma área de passagem estratégica, por conta
de seus rios e das estradas que foram abertas serra acima para que o trân-
sito de pessoas e mercadorias fosse dinamizado. No livro de André João
Antonil Cultura e opulência do Brasil, de 1711, o Caminho Novo é dividido
em quatro jornadas, partindo do Rio de Janeiro “a primeira jornada se vai
a Irajá; a segunda ao engenho do alcaide-mor, Tomé Correia; a terceira ao
porto do Nóbrega no rio Iguassu, onde há passagem de canoas e savei-
ros; a quarta ao sítio que chamam de Manuel do Couto”.17 O mencionado
Tomé Correia era Tomé Correia Vasques, alcaide-mor, casado com a filha
de Garcia Rodrigues Pais, responsável pela abertura do dito caminho.18

Os engenhos

Na ausência de informações sistematizadas sobre os engenhos do sécu-


lo XVII começamos pelas estatísticas realizadas pelos Mestres de Campo
a pedido do Marquês de Lavradio, então vice-rei, entre 1769 e 1779. Ali
podemos encontrar dados referentes à distribuição de engenhos, escra-
vos e produção de açúcar/aguardente, população e produção agrícola des-
ta freguesia. Ainda que avançadas no tempo em relação ao período aqui
16
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de visitas pastorais na Baixada Fluminense no ano
de 1794. Nilópolis: Prefeitura de Nilópolis, 2000. p. 26-27. Ainda segundo Pizarro a ela pertenciam
as seguintes capelas: Nossa Senhora do Rosário, na fazenda que pertenceu à Ordem de São Bento,
fundada depois de 1600; Nossa Senhora da Conceição de Sarapuí, construída por Afonso de Gaya;
N. S. do Livramento, construída por João Ferreira; Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira,
construída antes de 1731 por Manoel Correa Vasques, em substituição a capela que Manoel de
Marins construíra na fazenda de Maxambomba; Nossa Senhora da Madre de Deus, construída
antes de 1743 por João de Veras Nascente na fazenda da Posse; Nossa Senhora da Conceição do
Pantanal, fundada por Antonio Ferreira Quintanilha, antes de 1753.
17
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia: Edusp, 1982.
cap. 12: roteiro do caminho novo da cidade do Rio de Janeiro para as minas. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000026.pdf >.
18
Sobre os caminhos ver: OLIVEIRA, Rafael da Silva. O ouro e o café na região de Iguaçu: da abertura
de caminhos à implantação da estrada de ferro. Revista Pilares da História, [S.l.], p. 7-21, maio
2004; SOUZA, Marlúcia S. de Souza; OLIVEIRA, José C.; BEZERRA, Nielson R. Os caminhos do
ouro na Baixada Fluminense. Revista Pilares da História, [S.l.], v. 6, p. 7-21, 2007.
tratado, essas informações mostram o perfil da freguesia e permitem con-
jecturar sobre o perfil da freguesia um século antes. Segundo aquele re-
latório, Jacutinga tinha sete engenhos: Madureira, Posse, Maxambomba,
Brejo, Cachoeira, Santo Antonio do Mato e N. S. da Conceição. Juntos
reuniam um total de aproximadamente 236 escravos (uma média de 39
escravos em cada propriedade), produzindo 163 caixas de açúcar e 77 pi-
pas de aguardente.19 Em síntese podemos afirmar que, comparada às de-
mais freguesias do entorno do Iguaçu citadas no relatório, Jacutinga se
sobressaía por sua produção de gêneros alimentícios e açúcar; e por sua
densidade demográfica.20
É marcante em todo o relatório a produção de farinha da capitania do
Rio de Janeiro, superior à de outros alimentos. Apenas em Inhomirim
e Marapicu ela é menor do que a de outros gêneros.21 No que toca a
Jacutinga merece destaque sua produção de farinha (25.000 alqueires),
enquanto outras freguesias produziam bem menos: Guaratiba/Itaguaí
(5.440 alqueires), Campo Grande (2.500 alqueires), Jacarepaguá (2.888
alqueires), Piedade de Iguaçu (10.000 alqueires) e Marapicu (150 alquei-
res). Jacutinga equipara-se à Angra dos Reis da Ilha Grande (25.736 al-
queires), cuja diferença não é tão significante.22 Este dado torna-se im-
portante para que se tenha uma ideia da diversificação do emprego da
mão de obra escrava e de como essa economia interferia na organização
do trabalho e da vida da população, especialmente no que diz respeito à
sua fixação na freguesia e a constituição de laços familiares duradouros.
A partir da comparação com as demais freguesias do Recôncavo da
Guanabara, Jacutinga não pode ser considerada uma grande produtora
dos produtos famosos destinados à exportação – açúcar e cachaça –, mas
destaca-se como a mais importante no contexto local devido à sua im-
portância para o abastecimento de gêneros alimentícios.23 Infelizmente
não dispomos de dados socioeconômicos para o século anterior, mas

19
LAVRADIO, Marquês do. Estatística realizada pelo Governo do Marquês do Lavradio, entre 1769-
79. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, São Paulo, t. 76, parte 1, p. 289-360, 1913.
20
A produção anual de gêneros alimentícios da freguesia de Jacutinga constava de 25.000 sacas de
farinha (de mandioca), 1.000 de milho, 1.000 de feijão e 10.000 de arroz num total de 37.000 sacas
por alqueire destacando-se entre as demais freguesias que compunham o distrito ao qual pertencia
(Marapicu com 2.750; Meriti com 4.190; Pilar com 19.963 e Iguaçu com 20.800 sacas, por alquei-
re). (GOMES, Flávio dos Santos. Quilombos do Rio de Janeiro no século XIX. In: GOMES, Flávio
dos Santos; REIS, João José (Org.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. Rio de
Janeiro: Companhia das Letras, 1996. p. 263-290).
21
Sobre a farinha no Rio de Janeiro ver: SOARES, Mariza de Carvalho. O vinho e a farinha, ‘zonas de
sombra’ na economia atlântica no século XVII. In: SOUSA, Fernando de (Coord.). A companhia e as
relações econômicas de Portugal com o Brasil, a Inglaterra e a Rússia. Lisboa: CEPESE: Afrontamento,
2008. p. 215-232; SOARES, Mariza de Carvalho. Engenho sim, de açúcar não: o engenho de farinha
de Frans Post. Vária Historia, Belo Horizonte, v. 25, n. 41, p. 61-83, jan./ jun. 2009..
22
LAVRADIO, ibidem.
23
BEZERRA, Nielson Rosa. Tensões e interações das relações sociais em torno do regime escravista
na Freguesia de Santo Antônio de Jacutinga. Revista Pilares da História, [S.l.], ano 2, n. 2, maio
2003. p. 9.
acreditamos que o perfil consolidado em meados do século XVIII, já deve-
ria caracterizar a freguesia no século anterior.
Ainda segundo cálculos de Monsenhor Pizarro, o templo original da
igreja de Jacutinga fora elevado em Jambuí, em data desconhecida ao lon-
go do século XVII, e dali transferido em 1733 para o sítio denominado
“Calhamaço” (Brejo), próximo ao rio Santo Antônio.24 Como isso acon-
tecera cerca de 68 anos antes do dito relatório, deduz-se que a Capela de
Santo Antônio de Jacutinga fora elevada a Paróquia entre 1653 e 1663,
mais precisamente, 1657. Em 1641 o Capitão Manoel Homem Albernaz
e sua mulher Maria Cubas venderam ao Capitão Bento do Rego Barbosa
um engenho “de invocação de Santo Antônio, sito em Jacutinga, com uma
ermida de taipa de mão coberta de telhas havido por títulos de heran-
ça e de compra”. Tudo indica terem Manoel e Maria erguido a primitiva
ermida de Santo Antônio de Jacutinga que deu origem à sede da futura
freguesia.25 Entretanto, os nomes do casal não foram encontrados na ge-
nealogia de Rheingantz; mas havendo indícios de que, pelo nome, fossem
parentes das famílias Albernaz e Cubas, já que ambas receberam sesma-
rias no século XVI e XVII na região do rio Iguaçu.26 No Livro de Batismos
de Jacutinga consta um Manoel Cardoso Albernaz anotado como tendo
servido de padrinho em dois registros, para os quais não foi encontrada
nenhuma informação até o momento.
Em 1668, Salvador Mendes e Vicente Rodrigues vendem este engenho
ao coronel Manoel Martins Quaresma, que, com sua esposa Domingas
do Amaral, vende-o novamente em 1679 ao capitão Custódio Coelho
Madeira. Em 1681, a metade do engenho é vendida a Manoel de Pontes de
Labrit para estabelecimento de parceria e sociedade, transação que será
cancelada, de comum acordo, em 1683. Entre 1681 e 1685 o mesmo enge-
nho volta às mãos do Capitão Manoel Martins Quaresma que o vende ao
Capitão Manoel da Guarda Muniz em 1685.27 Em 1698 a filha de Manoel
da Guarda, Brígida da Guarda, casa-se, em Jacutinga, com João Maciel
da Costa que em 1709 hipoteca a metade do engenho. Este casal teve seis
filhos, todos nascidos em Jacutinga.28
João Maciel da Costa nasceu no arcebispado de Braga, por volta de
1668 e faleceu no Rio em 1723. Ao todo somam 68 registros em que apa-
rece como proprietário de escravos. Há três registros de padrinho (1688,
24
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de visitas pastorais na Baixada Fluminense no ano
de 1794. Nilópolis: Prefeitura de Nilópolis, 2000. p. 26-27.
25
Base de Dados da Linha de Pesquisa de Geografia Histórica do Rio de Janeiro, Departamento de
Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, elaborada pelo Prof. Maurício
Abreu.
26
BELCHIOR, Elysio de Oliveira. Conquistadores e povoadores do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Livra-
ria Brasiliana, 1965. p. 28-30, 142-151.
27
BELCHIOR, Elysio de Oliveira. Conquistadores e povoadores do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Livra-
ria Brasiliana, 1965. p. 28-30, 142-151.
28
RHEIGANTZ, Carlos. Primeiras famílias do Rio de Janeiro: séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Livra-
ria Brasiliana, 1965. p. 495-497.
1712, 1710) com o nome João Maciel sendo um deles (1710) acrescido
do termo “o mosso”, indicando ser provavelmente seu filho de mesmo
nome, nascido em Jacutinga em 1701, então com nove anos. Já o registro
de 1688 é anterior ao seu nascimento, portanto, deve ser o próprio João
Maciel da Costa, que apadrinha um escravo de Antonio Gonçalves Freire.
Outro filho seu, de nome José Maciel da Costa, nascido em Jacutinga em
1705, também foi padrinho de escravo, pertencente a Manoel Alves de
Góis, em 1714. João Maciel da Costa serviu ainda como testemunha de
três casamentos entre cativos.29
O engenho de São Miguel pertence, em 1652, a Francisco de Araújo
Caldeira. Durante sua trajetória ocorreram duas hipotecas de um partido
de canas sito no engenho: em 1685 e 1690. Em 1694 é vendida a meta-
de do mesmo pela viúva de Francisco (falecido em 1681), Francisca de
Araújo, a João Gonçalves Viana e a outra metade passa para seus filhos
Bartolomeu de Araújo Caldeira e Miguel de Araújo Caldeira. Há outra hi-
poteca de um partido de canas em 1697, na metade que coube aos filhos.
Bartolomeu de Araújo Caldeira casa-se no Rio, em 1647, com Ana Cabral
de Melo (proprietária em Jacutinga) e não deixam geração; o mesmo fale-
ce em 1701.30 Já em 1718, seu irmão, o capitão Miguel de Araújo Caldeira
e sua mulher Brigida da Guarda, vendem terras e um engenho “velho e
desfabricado” ao alcaide-mor Tomé Correia Vasques.31 Todos esses per-
sonagens frequentam a paróquia de Jacutinga para batizar escravos.
Francisca de Araújo possuía 29 escravos; seu filho Bartolomeu, 33, e sua
nora Ana Cabral, três escravos; seu outro filho Miguel, 33.
O Engenho Nossa Senhora da Batalha é vendido em 1652 por João
Coelho e sua mulher Bárbara de Brito, a Estevão de Vasconcelos. O mes-
mo Estevão, para comprar o engenho de João Coelho, se endividou com
o Capitão Gaspar de Mariz de Almeida, que em 1670 vende o engenho a
Bento Garcez de Araújo que ainda em 1676 continua fazendo pagamentos
a Gaspar Mariz de Almeida. Bento Garcez falece em 1676 e em 1685 é
vendido um partido de canas no dito engenho que nessa ocasião já per-
tencia a outro proprietário, João Rodrigues do Vale. Este aparece como
padrinho de um escravo de D. Catarina Colaça em 1691 em Jacutinga. É
seu único registro. No inventário de João, informa que ele possuía um
engenho em Jacutinga, vendido a Domingos da Costa, lavrador. João e
a mulher Leonor Guterres foram presos pela Inquisição.32 Segundo Lina
Goreinstein em Jacutinga haviam três senhores de engenho cristãos-
29
ACDNI. Livro de Batismos e Matrimônios de escravos de Santo Antônio de Jacutinga. 1686-1721.
30
RHEIGANTZ, ibidem, p. 130.
31
RHEIGANTZ, Carlos. Primeiras famílias do Rio de Janeiro: séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Livra-
ria Brasiliana, 1965. p. 130.
32
NOVINSKY, Anita. Inventários de bens confiscados a cristãos novos no Brasil. Lisboa: Imprensa Nacio-
nal, Casa da Moeda, 1978. p. 148-149; e Lina Goreinstein Apud Base de Dados da Linha de Pesqui-
sa de Geografia Histórica do Rio de Janeiro, Departamento de Geografia, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, elaborada pelo Prof. Maurício Abreu.
-novos: Diogo de Lucena Montarroio e Bento de Lucena, além de João
Rodrigues do Vale.33 Não há registro de batismos de nenhum escravo dos
Lucena na freguesia, o que pode redimensionar a questão da prática reli-
giosa católica dos cristãos novos.
O engenho de Nossa Senhora da Conceição dos Gaias pertencia a
Alonso de Gaia e sua mulher Maria de Aguiar, que o comprara a Jordão
Homem da Costa em 1668. Este, por sua vez, havia comprado o dito
engenho em 1652 de Antônio de Aguiar e sua mulher Marcelina da
Costa. Consta em Monsenhor Pizarro que a Igreja de Nossa Senhora da
Conceição [dos Gaias] sita em Sarapuí, fora erecta por Afonso de Gaia e
criada como Capela Curada em 1674. Desde 1691 a Capela já necessitava
ser reedificada e em 1736 a mesma fora extinta por sentença, pela qual
o bispo D. Antônio de Guadalupe a aniquilou e uniu seu território ao da
Matriz de Santo Antônio de Jacutinga, de quem se havia desmembrado
em 1674.34 Após a morte de Alonso de Gaia o engenho é passado a vários
proprietários dentre eles ao capitão Manoel Cabral de Melo e sua mulher
Vitória de Azedias Machado que o possuía em 1696. Manoel era irmão
de Ana Cabral de Melo, casada com Bartolomeu de Araújo Caldeira, do-
nos do engenho São Miguel. No Livro de Batismos de Jacutinga há vários
indivíduos com o sobrenome Cabral e Azedias Machado, mas que ainda
não puderam ser considerados parentes pela quantidade de homônimos
nas duas famílias. Importa dizer apenas que dois engenhos de Jacutinga
pertenciam a parentes consanguíneos.
Na capela de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira foram realiza-
dos 11 batismos e três casamentos de escravos entre 1708 e 1720 que ora
são registrados como pertencentes ao alcaide-mor Tomé Correia Vasques,
ao sargento-mor Martim Correia Vasques (filho natural do alcaide com
Ana Soares de Matos), a D. Guiomar (filha do Alcaide com D. Antonia
Tereza Maria Pais), à D. Antônia Tereza Maria Pais (viúva de Tomé Correia
Vasques, falecido em 1718), ao capitão Salvador Correia de Sá (irmão de
Tomé C. Vasques; aqui aparece o apelido de Sá, acrescentado por analogia
com os parentes do primeiro matrimônio de Gonçalo Correia, tronco da
família)35 e ainda simplesmente “escravos da Cachoeira”, o que dificulta
identificar claramente a quem pertencia o engenho em determinados
momentos.
Em 1692 o sargento-mor Martim Correia Vasques, herdeiro de Pedro
de Souza Pereira, recebe terras e sobejos entre seus engenhos da Cachoeira
e Maxambomba, o que sinaliza que ambos lhe pertenciam antes desta
33
GOREINSTEIN, Lina. Heréticos e impuros. Rio de Janeiro: AGCRJ, 1995. Cap. 3: os engenhos,
os partidos, os negócios, p. 59-80. Disponível em: <http://www.rumoatolerancia.fflch.usp.br/
node/838>.
34
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de visitas pastorais na Baixada Fluminense no ano
de 1794. Nilópolis: Prefeitura de Nilópolis, 2000. p. 36-37.
35
RHEIGANTZ, Carlos. Primeiras famílias do Rio de Janeiro: séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Livra-
ria Brasiliana, 1965. p. 374-375.
data. Já em 1731, segundo Pizarro, uma Provisão do bispo D. Fr. Antônio
de Guadalupe, autoriza o Dr. Manoel Correia Vasques, senhor e possuidor
que foi desta fazenda e engenho, a demolir a capela de Nossa Senhora
da Conceição, arruinada, para construir outra, junto à sua casa de vi-
venda, por ser mais cômoda.36 Ainda sobre esta Capela, Pizarro informa
que foi construída antes de 1731 para substituir outra dedicada a Nossa
Senhora do Bonsucesso na Fazenda de Maxambomba, pouco distante da
Cachoeira37 que segundo Matoso Maia Forte seria fundada por Manoel de
Mariz [de Brito],38 mas não podemos afirmar a partir da documentação
disponível que o engenho Machambomba pertencera a Manoel de Mariz
de Brito, antes de passar para Martim Correia Vasques.
É importante destacar aqui a importância da família Correia Vasques
tanto para a Capitania quanto para a região.39 Os Correia Vasques tinham
influência, projeção política e social no Rio de Janeiro. O sargento-mor
Martin Correia Vasques foi provedor da Santa Casa de Misericórdia (1662-
1663), bem como seu pai Manoel Correia (1629-1632); igualmente seu
irmão Tomé Correia de Alvarenga, por três vezes (1641-1655; 1656-1660;
1671-1674) e também seu filho o Dr. Manoel Correia Vasques (bacharel,
laureado em Coimbra) por duas vezes, (1732-1735 e 1737-1742).40 Pela
documentação dos engenhos reunida por Maurício Abreu em sua base de
dados, dos nove engenhos aqui tratados, os únicos que permanecem com
seus proprietários originais ou membros da mesma família e que chegam
ao século XVIII são os engenhos da Cachoeira e Maxambomba. Além des-
ses, em 1718 o alcaide-mor Tomé Correia Vasques compra do Capitão
Miguel de Araújo Caldeira o engenho São Miguel.41
Manoel de Mariz de Brito nasceu no Rio por volta de 1637. Bisneto de
Antônio de Mariz ou Marins e Isabel Velha; faleceu em sua fazenda em
Moquetá em 1722 onde recebeu uma sesmaria e uns sobejos em 1679.
Era casado com D. Jerônima Correia Ximenes, cristã-nova. Em 1714 seu
engenho, de invocação de Nossa Senhora do Bonsucesso, é confiscado pelo
Fisco Real a mando da Inquisição.42 D. Maria de Mariz, sua filha, casou-
36
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de visitas pastorais na Baixada Fluminense no ano
de 1794. Nilópolis: Prefeitura de Nilópolis, 2000. p. 34.
37
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Memórias históricas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1945. v. 3, p. 145-46.
38
FORTE, José Mattoso Maia. Memória da Fundação de Iguassu. Rio de Janeiro: Typografia do Jornal
do Comércio, 1933. p. 28.
39
DEMETRIO, Denise Vieira. Martim Correia Vasques: trajetória política e redes clientelares. Comuni-
cação apresentada no Simpósio Temático Poderes, Riquezas e Saberes: elites plurais num império
multifacetado do 3º Encontro Internacional de História Colonial – Cultura, Poderes e Sociabilida-
des no Mundo Atlântico (séc. XV-XVIII), Recife, Universidade Federal de Pernambuco, 2010.
40
FAZENDA, José Vieira. Os provedores da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Typographia do Jornal do Commercio, 1912.
41
Base de Dados da Linha de Pesquisa de Geografia Histórica do Rio de Janeiro, Departamento de
Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, elaborada pelo Prof. Maurício
Abreu.
42
Ibidem.
-se com Antônio da Cunha Falcão em 1703, em Jacutinga, e deste casal a
única filha, D. Micaela Arcângela, nasceu também em Jacutinga em 1704.
Antônio possuía 29 registros de batismos de escravos em Jacutinga.
Em 1726, esta filha do casal casou com Henrique Alfradique de Souza,
nascido em Meriti por volta de 1690. Membros da família Alfradique apa-
recem também no livro de batismos de Jacutinga, como o próprio capitão
Inácio Alfradique, patriarca da família, cuja primeira esposa, Bárbara de
Araújo era filha de Francisco de Araújo Caldeira e Francisca de Araújo,
donos do engenho São Miguel, com a qual teve Antônio Alfradique. Este
tinha filha e neta nascidas em Jacutinga.43 E também teve com a segun-
da esposa, Margarida de Mendonça, Manuel Alfradique. Inácio e Antônio
Alfradique possuíam, respectivamente, quatro e 19 registros de escravos
em Jacutinga e Manuel aparece duas vezes como padrinho de escravos.
Em 1720 são realizados dois batismos de escravos de Manoel de Mariz
na Capela de Nossa Senhora do Bonsucesso (seu engenho) na Freguesia
de Jacutinga.44 Os outros registros somam 91 escravos na paróquia de
Jacutinga. Após sua morte, em 1722, seu filho Manoel Correia de Mariz
vende terras e o engenho a Nicolau de Bittencourt Heredia em 1735, que,
no mesmo ano, vende a Manoel Martins Margaça.
O capitão Inácio de Madureira Machado e sua esposa Águida Faleiro
possuíam em 1697 seu engenho no Cabuçu, indo para Marapicu, na estra-
da que hoje recebe o nome de Estrada de Madureira. Em 1728 o engenho
pertencia a seu filho João de Madureira Machado, que fora hipotecado em
dois momentos: em 1708 e 1714, primeiro pelo pai, depois pelo filho. O
capitão Inácio de Madureira era filho de Bárbara de Madureira e José de
Barcelos Machado, nascido no Rio em 1647 e casado com Agueda Faleiro
em 1668, filha do capitão Fernão Faleiro Homem e Inês de Andrade. Inácio
de Madureira possuía 28 registros de escravos na paróquia de Jacutinga;
sua esposa, oito e seu filho João, 15.
Sobre o engenho de Antônio de Azeredo Coutinho, sabe-se ape-
nas que, em 1718, o mesmo já era senhor de engenho, posto que os li-
mites de suas terras confrontavam com as compradas pelo alcaide-mor
Tomé Correia Vasques ao capitão Miguel de Araújo Caldeira. Monsenhor
Pizarro, ao relatar os bens patrimoniais da Paróquia de Jacutinga, diz que
a mesma possuía apenas 50 braças de terras em quadra, doadas por José
de Azeredo, senhor e possuidor delas no engenho Santo Antonio, no lugar
do Calhamaço, quando ali existiu a Freguesia. Depois de transferida para
o segundo lugar que ocupou, Antônio de Azeredo, seu filho, comutou por
aquelas 50 braças, situadas no morro ao pé do Rio de Santo Antônio, outra
igual porção no lugar em que se fundou de novo a Matriz.45 Infelizmente
43
RHEIGANTZ, Carlos. Primeiras famílias do Rio de Janeiro: séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Livra-
ria Brasiliana, 1965. p. 32-33.
44
ACDNI. Livro de Batismo e Matrimônio de escravos de Santo Antônio de Jacutinga. 1686-1721.
45
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de visitas pastorais na Baixada Fluminense no ano
de 1794. Nilópolis: Prefeitura de Nilópolis, 2000. p. 31-32.
tanto a doação quanto a comutação não possuem documento algum, ba-
seando-se monsenhor Pizarro apenas na tradição oral dos mais antigos.
De fato: é marcante a presença de membros da família Azeredo
Coutinho em Jacutinga, que pode ser confirmada também pelos registros
de batismo e matrimônio da freguesia. O próprio Antônio de Azeredo apa-
drinhou escravos em seis ocasiões entre 1686 e 1718 e serviu como tes-
temunha em quatro registros de casamento entre 1713 e 1720. 46 Outros
membros da família aparecem ocasionalmente: Luiz de Souza Coutinho,
Luiz Matoso de Azeredo, Úrsula de Azeredo, Joana de Azeredo e Luiz de
Azeredo, como padrinhos de escravos, e Baltazar de Azeredo e João de
Azeredo como proprietários de escravos.47
A trajetória das famílias locais, sobretudo no tocante a sua vivência
econômica, tornou-se fundamental para esta pesquisa. Os contatos en-
tre esses proprietários imputam papel decisivo e estratégico também na
relação com os escravos. No dizer de Sheila Faria: a família exerceu funda-
mental importância na montagem e funcionamento das atividades eco-
nômicas coloniais, em particular às ligadas ao mundo agrário. É pela fa-
mília, não necessariamente a consanguínea, que todos os aspectos da vida
cotidiana, pública ou privada, originam-se ou convergem. É a família que
confere aos homens estabilidade ou movimento, além de influir no status
e na classificação social. Pouco, na Colônia, refere-se ao indivíduo enquan-
to pessoa isolada – sua identificação é sempre com um grupo mais amplo.
O termo “família” aparece ligado a elementos que extrapolam os limites
da consanguinidade – entremeia-se à parentela e à coabitação, incluindo
relações rituais.48 Pelo que expusemos até aqui, as famílias até agora en-
contradas em Jacutinga (livres e escravas) não fugiram a esta regra.
O que é importante observar: o número de engenhos até o momento
encontrados em Jacutinga no século XVII não difere muito dos que foram
relatados no final do século XVIII pelo Marquês do Lavradio, nem dos
de Monsenhor Pizarro, contemporâneo do vice-rei. E também fica claro
pela documentação de Maurício Abreu que os engenhos foram passan-
do de mão em mão, sendo divididos, provavelmente reagregados, ven-
didos ou hipotecados. Essas transferências de titularidade parecem ser
um indício de que a implantação da economia canavieira no século XVII
na região era dificultada por algum fator, seja financeiro ou até mesmo
natural, que necessita ser analisado mais detidamente. O principal a ser
destacado aqui é que tudo indica que essas transferências podem estar
46
Sobre os Azeredo Coutinho e o Morgadio de Marapicu, cf. RIBEIRO, Gisele Martins. Família es-
crava e a decretação da liberdade dos ventres: Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Mara-
picu,1871-1888. Monografia (Bacharelado em História)–Departamento de História,Universidade
Federal Fluminense, Niterói, 2006.
47
ACDNI. Livro de Batismo e Matrimônio de Escravos de Santo Antônio de Jacutinga. 1686-1721. Como
a descendência dos Azeredo é numerosa e existem muitos homônimos, ainda não foi possível iden-
tificar genealogicamente o grau de parentesco desses indivíduos.
48
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p. 21.
indicando a realização efetiva de negócios cuja proporção no conjunto das
atividades econômicas precisa se avaliado. Se os proprietários estavam
constantemente comprando e vendendo terras e engenhos é possível que
os negócios com os créditos imobiliários garantissem pelo menos parte da
sustentabilidade econômica desse segmento da sociedade local, ao lado
da produção de açúcar e aguardente.
Mas, apesar de passarem adiante seus engenhos, essas famílias con-
tinuaram na região, batizando e casando seus escravos, como já foi de-
monstrado. Caberia então perguntar: o que os mantinha ali? Não é demais
lembrar que no Relatório do Marquês do Lavradio é pujante a capacidade
da freguesia de Jacutinga, no final do século XVIII, para a produção de
alimentos e farinha, o que já afirmamos. De fato, essa capacidade provavel-
mente venha desde o século XVII, já que os derivados da cana não parecem
ser o seu forte, ou melhor, o principal produto. Numa carta dos oficiais da
Câmara do Rio de Janeiro, dirigida ao Governador D. Álvaro da Silveira,
de 1702, atesta-se a capacidade do Recôncavo da Guanabara para a pro-
dução de farinha de mandioca, expondo-se, entre outras informações que
todas [as mandiocas] se plantam [...] pelos rios acima Aguassu, Inhomirim,
Morobahy, Magé, Sernambitina, Guapehy, Suruí e Macacu [...] e nelas não há
engenhos que prejudiquem as suas plantas” e mais adiante “[...] nem na
terra ou terras em que elas se plantam haja canaviais que divirtam a sua
cultura [...]”. Dá conta ainda que

(por razão do exorbitante preço em que hoje se compram os escravos) são


poucos os lavradores de canas, que possam ter no benefício delas seis pe-
ças, quanto mais passar delas [...] porque todos eles (como também é no-
tório) se compõe de semelhantes lavradores com poucos escravos, poucas
posses e todo falto de cabedais.49 (grifos do autor)

Na afirmativa fica claro tratar-se de um discurso que privilegiava os


senhores de engenho em detrimento dos lavradores – o que é compatível
com outros documentos até aqui observados, assim como as informações
encontradas nos livros eclesiásticos analisados adiante. Não dispomos
de nenhum testamento que nos assegure a quantidade exata de escravos
de um proprietário. Sabemos que os registros paroquiais poderiam não
cobrir toda a escravaria de um senhor, mas num esforço interpretativo,
vamos considerar que os registros eclesiásticos refletem significativa par-
cela da escravaria que foi privilegiada com o acesso a dois sacramentos:
batismo e matrimônio.
49
Consulta do Conselho Ultramarino acerca da informação do governador do Rio de Janeiro sobre
os inconvenientes que oferecia a execução naquela capitania da lei sobre a plantação de mandioca.
Lisboa, 7 de setembro de 1703. Carta dos oficiais da Câmara do Rio de Janeiro, dirigida ao Gover-
nador, na qual ponderam os prejuízos que causaria aos lavradores daquela capitania a execução da
lei sobre a plantação de mandioca. Rio de Janeiro, 6 de novembro de 1702. Alvará expedido por S.
M. para a cidade da Bahia e ampliado para a cidade do Rio de Janeiro segundo o qual todo lavrador
de cana que tiver menos de 6 peças se ocupe na lavoura de mandioca (AHU, cx. 13, doc. 2673).
Do total de 196 proprietários declarados nos registros, 92 (58,9%)
possuíam pelo menos um casal de cativos. Quando consideramos a con-
centração de registros por proprietários percebemos uma concentração
de famílias nas mãos de poucos proprietários, mas, por outro lado, uma
distribuição – em menor número, claro – de uma a três famílias para 83%
de donos, o que indica que a instituição familiar era comum à maioria dos
cativos da região; mesmo mães sozinhas, ainda que solteiras, poderiam
coabitar com um companheiro estável; os casais são os responsáveis pelos
maiores índices de filhos batizados. Os dados sugerem uma certa disper-
são da propriedade cativa e o peso dos donos de pequenos plantéis, como
sugere o documento da Câmara exposto acima.

Os batismos e matrimônios de africanos

Os casamentos legítimos se deram majoritariamente entre escravos


do gentio de Guiné (28) seguidos de perto pelas uniões entre escravos
crioulos (25). A união de escravos da Guiné e crioulos deu-se em 17 regis-
tros. Os demais casamentos (14) ocorreram entre indivíduos de diferen-
tes denominações étnicas e condições jurídicas, totalizando 84 uniões le-
gítimas ocorridas no período.50 Destes 14 registros, nota-se a diversidade
de arranjos. Os noivos escravos são seis, destes, dois são pardos; casam-se
com escravas pardas ou africanas forras. Há também três noivos forros,
destes, um pardo e um índio; os três casam-se com escravas não denomi-
nadas quanto a cor/procedência. Finalmente dois são livres: um deles par-
do que se casa com escrava parda e outro que se casa com mulher escrava.
É de se notar aqui que temos três situações distintas nas uniões envol-
vendo escravos (africanos, índios, pardos ou crioulos), livres e forros: A
opção do matrimônio é maior para os negros da Guiné, que como vimos,
casam-se dentro do grupo de procedência; depois para os crioulos que
representam uma categoria próxima ao universo africano, uma vez que
são brasileiros, mas descendem diretamente de uma mãe africana; isso
sem dúvida favoreceu as uniões de africanos(as) e crioulos(as). Por fim
temos os outros grupos, minoritários, situados fora desses circuitos, aos
quais restavam poucas opções, mas que compõem um quadro qualitativo
importante: pardos, forros e índios situam-se juridicamente numa órbi-
ta um pouquinho mais distante da escravidão africana, mostrando que o
casamento era um privilégio para poucos; para os africanos, o casamento
era uma forma de deixar de ser estrangeiro.
Quanto à socialização de africanos adultos que foram batizados no
Brasil, a presença de padrinhos também escravos tem sido interpretada
pela historiografia como sinal de que a escolha seria feita pelo proprietá-
rio, que, normalmente, indicava outro cativo seu, já antigo na escravaria,

50
ACDNI. Livro de Batismos, Matrimônios e Óbitos da freguesia de Santo Antônio de Jacutinga. 1686-
1721.
como padrinho, objetivando que este ajudasse o afilhado a se ambientar
no cativeiro.51
Os escravos adultos em Mariana, na primeira metade do XVIII, pre-
feriram tecer relações com outros companheiros de cativeiro, como mos-
trou Moacir Rodrigo de Castro Maia. Segundo o autor, os 1.351 homens
escravos foram acompanhados no batismo por 1.227 padrinhos com o
mesmo status social, representando mais de 90% dos batizados. As 280
batizandas também seguiram o padrão encontrado para o sexo masculi-
no, estabelecendo vínculos com 180 cativos (64,28%).52 Esses dados su-
peram os números encontrados por Stephen Gudeman e Stuart Schwartz
para o Recôncavo Baiano, de 1723 a 1816, que constataram que: 70% dos
casos os padrinhos pertenciam ao universo do cativeiro e em 10% eram
ex-escravos.53 Em trabalho posterior, Stuart Schwartz, em 1835, encon-
trou dados que reforçaram as relações entre padrinhos e afilhados cativos.
Segundo o autor, “está claro que, na integração à Igreja e ao mundo secu-
lar dessa sociedade escrava, outros escravos assumiam ou recebiam um
papel importante na integração dos africanos recém-chegados”.54
Ao contrário dessa tendência, Maria de Fátima Neves apontou que na
cidade de São Paulo, no final do período colonial, os padrinhos eram em
sua maioria (60,5%) homens livres. Para a autora, a reduzida população
escrava paulistana e as aproximações sociais entre forros, livres e escravos
que, o núcleo urbano possibilitava, poderiam explicar a realidade do com-
padrio na cidade de São Paulo.55 Vamos às nossas fontes.
Dos 14 africanos adultos de Jacutinga, um não teve padrinho. Dos
restantes, quatro eram escravos sendo dois do mesmo proprietário que o
batizando e dois diferentes, ou seja, os demais eram livres e foram iden-
tificados como proprietários de escravos no mesmo livro de batismos.
Assim suas ligações com os donos dos adultos ficam evidente. No caso
das madrinhas, a situação quase se inverte: sete eram escravas, seis livres
e uma não declarada. Lucrécia Correia foi madrinha de um escravo adulto
de Salvador Correia de Sá e de outro adulto de Manuel Correia Vasques
51
Roberto Guedes Ferreira, citando o viajante Debret, destaca o costume dos senhores escolherem
escravos mais “velhos” ou “virtuosos” para apadrinharem africanos adultos; bem como a responsa-
bilidade dos padrinhos para com os afilhados em sua adaptação ao cativeiro (FERREIRA, Roberto
Guedes. O parentesco ritual na Freguesia de São José no Rio de Janeiro (séc. XIX). Sesmaria: Revisa
do Núcleo de Estudos Históricos e Pesquisas Sociais, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, 2001. p. 53-54).
52
MAIA, Moacir Rodrigo de Castro. Por uma nova abordagem da solidariedade entre escravos afri-
canos recém-chegados a América (Minas Gerais, século XVIII). In: ENCONTRO ESCRAVIDÃO E
LIBERDADE NO BRASIL MERIDIONAL, 3., 2007, [S.l.]. Anais... [S.l.: s.n.], 2007. p. 6. Disponível
em: <www.labhstc.ufsc.br/pdf2007/51.51.pdf>.
53
GUDEMAN, Stephen e Stuart B. Schwartz. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de
escravo na Bahia do século XVIII. In: REIS, João José (Org.). Escravidão e invenção da liberdade. São
Paulo: Brasiliense, 1988. p. 43.
54
SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru: Edusc, 2001. p. 289.
55
1997. NEVES, Maria de Fátima R. Ampliando a família escrava: compadrio de escravos em São
Paulo do século XIX. In: HISTÓRIA e população: estudos sobre a América Latina. Belo Horizonte:
SEADE/ABEP/IUSPP, 1990. p. 242-243.
que eram parentes, demonstrando que possivelmente ela fosse também
parente de ambos. O único caso em que padrinhos e madrinhas perten-
ciam ao mesmo proprietário do batizando, referia-se a João Maciel da
Costa. Cabe a ressalva que nenhum padrinho ou madrinha era africano.
De uma maneira geral, constata-se um predomínio de pessoas de fora
da escravaria atuando no apadrinhamento de escravos adultos, africanos
ou não. Também chegou a esta conclusão Silvia Maria Jardim Brugger,
estudando a escravaria de São João Del Rei.56 Primeiramente precisamos
considerar que o pequeno número de adultos no cômputo geral dos batis-
mos indica que a economia das regiões aqui tratadas não estavam poten-
cialmente em expansão o que corrobora a nossa afirmação anterior acerca
das pequenas e médias propriedades. Em segundo, podemos conjecturar
que, se o grupo dos recém-chegados da África possuía padrinhos fora das
suas senzalas, talvez explique porque, no futuro, quando fosse escolher
padrinhos para seus filhos, também seguisse o mesmo critério, valendo-
-se de contatos estabelecidos desde que foram batizados. Por outro lado
também significa que os contatos de seus proprietários com outros fa-
cilitavam essa situação. Os casamentos também explicam essa tendên-
cia: os africanos escolhiam outros africanos para casar e os demais para
padrinhos.
Uma vez aqui chegados, os africanos interagiam em várias esferas da
vida, criando opções de sociabilidade que – com base na procedência co-
mum – lhes possibilitassem compartilhar diversas formas de organização,
passando a constituir um grupo social de caráter profissional, religioso ou
de parentesco.57 Os registros de casamento são uma ótima oportunidade
para a análise dessas formas. Dos 84 casamentos realizados entre 1686
e 1721, em 45 (53,5%) as uniões se deram entre escravos do “gentio de
Guiné”, revelando uma endogamia entre a procedência majoritária. Além
dos africanos do “gentio de Guiné” há apenas um registro da união de uma
escrava luanda com um escravo sem denominação de cor ou procedência.
Este dado também pode ser observado nos registros de batismo: das 191
mães do gentio de Guiné que batizaram seus filhos, 68 eram casadas com
homens também do “gentio de Guiné”. Esse padrão também ocorre nas
freguesias do Rio de Janeiro estudadas por Mariza Soares.58
Ainda assim, esses números precisam ser relativizados pois do “gentio
de Guiné” partiram africanos de diferentes pontos do território, portanto,
encobrindo diferentes grupos étnicos; assim a endogamia de um grupo de
procedência não significa a de um grupo étnico. Certamente os escravos
do “gentio de Guiné” não estão se unindo somente por pertencerem ao
56
BRUGGER, Silvia M. J. O apadrinhamento de escravos adultos (São João Del Rei, 1730-1850). In:
SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23., 2005, [S.l.]. Anais... [S.l.: s.n.], 2005. Disponível em:
<www.anpuh.uepg.br/Xxiii-simposio/anais/anaistitulo.htm>.
57
SOARES, Mariza de Carvalho. Mina, Angola e Guiné, nomes d’África no Brasil setecentista. Tempo,
Rio de Janeiro, v. 3, n. 6, dossiê: Escravidão e Africa Negra, p. 73-93, dez. 1998. p. 8.
58
SOARES, ibidem, p. 11.
“gentio de Guiné”; digo isso porque à primeira vista tendemos a homo-
geneizá-los pelas suas definições tornando-nos reféns desta miragem da
etnicidade.59 De acordo com Fredrik Barth “a persistência de grupos ét-
nicos em contato implica não apenas a existência de critérios e sinais de
identificação, mas também uma estruturação das interações que permita
a persistência de diferenças culturais”.60
A dita “miragem” (que não é só étnica) – que projetamos em nossos ob-
jetos de pesquisa – também ocorre no estudo da própria África. Segundo
Joseph Miller, uma maneira convencional de entender a África no contex-
to histórico do Atlântico é como “instituição”, ou parte de uma estrutura
mais ou menos estática, ou ainda de um sistema equilibrado formado por
açúcar, escravos e engenhos; é preciso romper com esta imagem generali-
zada para revelar as dimensões cronológicas de um processo contínuo, ou
seja, histórico.61 Paul Lovejoy alerta para o fato de que a migração forçada,
por meio da qual milhares de indivíduos foram transplantados da África
para as Américas, pode ter tido como resultado o surgimento de identifi-
cações étnicas mais inclusivas que fazem emergir esferas de solidariedade
entre diferentes grupos étnicos, mesmo quando não existem condições
previamente determinadas para isso.62
Daí ser tão crucial a diferenciação e as fronteiras entre procedências e
etnias. Para isso, temos de partir da perspectiva de que o tráfico e os rear-
ranjos que dele decorrem reconfiguram a composição dos segmentos dos
grupos étnicos africanos traficados; nas palavras de Mariza Soares

as “nações” possuem, sim, um componente étnico e cultural, mas também


redefinem as fronteiras entre os grupos étnicos: a “nação” acaba sendo in-
corporada pelos grupos organizados no cativeiro e servindo como ponto
de referência tanto para o reforço de antigas fronteiras étnicas e territo-
riais, como para o estabelecimento de novas configurações identitárias,
sejam elas étnicas, ou não.63

O que os registros paroquiais mostram – para além de sistemas de clas-


sificação dos escravos nascidos ou não no âmbito da sociedade colonial –,
é exatamente como eles se apropriam desse sistema em benefício próprio,
cuja evidência maior é a socialização entre indivíduos de diferentes “na-
ções”, procedências, grupos étnicos, engendrada pelo cativeiro. O fato de

59
LOVEJOY, Paul E. Identidade e a miragem da etnicidade. Afro-Ásia, Salvador, p. 9-39, n. 27, 2002.
60
BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra-Capa,
2000. p. 35.
61
MILLER, Joseph C. O Atlântico escravista: açúcar, escravos e engenhos. Afro-Ásia, Salvador, Rio de
Janeiro, n. 19-20, p. 9-36, 1997.
62
Citado por Mariza de C. Soares, em A nação que se tem e a terra de onde se vem. Estudos Afro-
-Asiáticos, Rio de Janeiro, ano 26, p. 307-308, maio/ ago. 2004.
63
SOARES, Mariza de C. A nação que se tem e a terra de onde se vem. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de
Janeiro, ano 26, p. 307-308, maio/ ago. 2004. p. 308.
alguns escravos sempre serem padrinhos de muitas crianças pode ser um
exemplo desta socialização. Uma melhor compreensão dessas vivências
no cativeiro requer que sejam abordadas as teias constituídas no interior
de cada escravaria no âmbito de suas famílias.

Famílias escravas

Até o momento, já compreendemos dois dados significativos quanto


às propriedades e aos escravos (índios e africanos) da região em foco: o
predomínio das pequenas propriedades, provavelmente produtoras de
alimentos (sobretudo a farinha de mandioca, cujo cultivo demandava
uma infraestrutura menor do que o de cana) e a baixa concentração de
africanos. Também temos de considerar que tais características podem in-
dicar um traço urbano da freguesia por conta de seus rios e caminhos, in-
dicando pouca fixação e grande trânsito de pessoas. A partir disso, como
se comportavam as famílias escravas? Dos inocentes batizados, 49,2%
possuíam pai e mãe no registro; já em 48% deles havia menção apenas
à mãe; em dois registros contou-se com a presença apenas do pai. Em
Jacutinga houve um certo equilíbrio entre os filhos legítimos e naturais,
ou melhor, nascidos dentro de uma família resultado de um casamento
oficial ou união consensual.
Na primeira parte demonstramos que prevalecia na região os peque-
nos proprietários. Em alguns casos eles não chegam a registrar o batismo
de nenhuma criança escrava. Dos 196 proprietários declarados, 30 pos-
suíam apenas um escravo adulto; quatro deles, apenas dois; um possuía
três; três possuíam quatro e um possuía seis adultos. Por alguma razão
que desconhecemos a formação de famílias não encontrava lugar nessas
propriedades. Outros 60 proprietários batizaram apenas um inocente.
Nas propriedades com um total superior a dez escravos é que o número
de batismos começa a aumentar e existem propriedades em que o número
de crianças é igual ou superior ao total de adultos, mostrando que nessas
posses a taxa de natalidade era boa. É a partir do compadrio que come-
çamos a visualizar as características mais interessantes relativas à socia-
bilidade escrava. Na Tabela 1 separamos a condição jurídica e sexual dos
envolvidos no ritual do batismo.
Tabela 1 – Condição jurídica dos padrinhos e madrinhas.
Santo Antônio de Jacutinga, 1686-1721
Condição Padrinhos Percentual Madrinhas Percentual
Livres* 520 73,5 378 54,0
Escravos 156 22,6 221 32,0
Forros 3 0,5 6 0,7
Criado 1 0,2 – –
Ausente 23 3,2 91 12,5
Total **702 100 696 100,0
Fonte: ACDNI. Livro de Batismos de Escravos da Freguesia de Santo Antônio de Jacutinga. 1686-1721.
* São considerados livres aqueles sem menção à proprietários;
** Houve seis registros de padrinhos duplos, ou seja, com dois padrinhos e nenhuma madrinha (696+6=702).

O grande número de padrinhos e madrinhas livres em relação aos es-


cravos não surpreende se comparado a outros trabalhos que se dedicaram
ao tema nos séculos XVII e XVIII e que constataram a mesma situação.64
Outra informação significativa dessa mesma tabela é que o número de
assentos em que não houve madrinhas é maior que o de padrinhos e os
casos de assentos duplos (que foram seis para os homens), ou seja, em que
houve dois padrinhos, não ocorre para as madrinhas, ou seja, os homens
têm uma presença muito forte no apadrinhamento, o que também não é
de causar espanto tratando-se de uma sociedade colonial, e não é exclusi-
vidade de Jacutinga. Silvia Brugger também encontra a mesma situação
para São João del Rei no século XVIII o que, segundo ela, reforça a impor-
tância dos padrinhos naquela sociedade.65
A ausência de padrinhos e/ou madrinhas, assim como os assentos
duplos não eram permitidos pelas Constituições Primeiras do Arcebispado
da Bahia66 que regulavam os sacramentos da Igreja Católica no Brasil.
Segundo Stuart Schwartz essas irregularidades só aconteciam nos ba-
tismos de escravos.67 Porém, em São João Del Rei, estudado por Silvia,
também ocorre entre os livres.68 O que é que a Bahia tem não sei; mas
até o momento a escravidão do Recôncavo da Guanabara tem diferido em
muito do Recôncavo baiano.

64
Refiro-me especialmente aos trabalhos de Silvia Maria Jardim Brugger, Minas patriarcal: família e
sociedade (São João Del Rei, séculos XVIII e XIX). Tese (Doutorado)–Programa de Pós-Graduação
em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2002; FARIA, Sheila de Castro. A colônia
em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
65
BRUGGER, Silvia M. J. O apadrinhamento de escravos adultos (São João Del Rei, 1730-1850). In:
SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23., 2005, [S.l.]. Anais... [S.l.: s.n.], 2005. p. 330. Disponível
em: <www.anpuh.uepg.br/Xxiii-simposio/anais/anaistitulo.htm>.
66
VIDE, Sebastião Monteiro da, Dom. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo: Ty-
pographia Dois de Dezembro, 1853. Livro Primeiro, Tít. XVI. Em Jacutinga temos ainda outro
descumprimento canônico que é em relação aos padres-padrinhos.
67
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial (1550-1835).
São Paulo: Companhia da Letras; Brasília, DF: CNPq, 1988. p. 65.
68
BRUGGER, ibidem, p. 330 et passim.
Porém o que torna o compadrio em Jacutinga algo singular é que es-
ses padrinhos livres, olhados mais de perto, dividem-se entre aqueles
que possuem ou não sobrenome e referências de prestígio social antes
do nome (padres, capitães, alferes, donas, tenentes, coronéis, etc.), ou
seja, os livres, assim como os africanos, possuem suas procedências que
os diferenciam dentro de uma mesma classificação, que só aparentemente
homogeneíza, mas que contém gradações que fazem parte desse universo
social desigual marcado pelo Antigo Regime.
Há ainda outra característica desses padrinhos/madrinhas livres que
merece referência: o fato de serem proprietários de escravos. De um to-
tal de aproximadamente 196 proprietários em todo o livro (incluindo-se
os proprietários de padrinhos, madrinhas, batizandos, pais e mães) 89
(45,6%) serviram como padrinhos/madrinhas em 180 registros (26,6%).
E, o que pode ser surpreendente se comparado a outros trabalhos e regi-
ões, é que desses 89 padrinhos que possuíam escravos, 12 (13,4%) servi-
ram como padrinho/madrinha de seus próprios escravos.69 Sendo assim,
os outros 77 padrinhos-proprietários (86,5%) apadrinharam escravos de
outros proprietários, demonstrando indícios das relações dos proprietá-
rios entre si e com escravos de outros donos. Interessante que a maioria
desses 12, dez indivíduos, exerceu esta função nos registros dos filhos
de pais incógnitos, indicando uma possível paternidade ilícita, mas al-
gum prestígio por parte da mãe escrava, de seu proprietário ou do pai
incógnito.
Enquanto no Recôncavo Baiano, estudado por Stuart Schwartz, não
houve casos em que os padrinhos livres de um escravo desfrutassem de
status social igual ou superior ao do proprietário do cativo,70 o que ocorre
aqui é exatamente o contrário: os escravos estão sendo apadrinhados em
maior medida por pessoas livres e com prestígio, ou seja: o fato de terem
os livres como compadres/comadres já representava uma aliança para ci-
ma.71 Também em Minas, Silvia Brugger afirma que em primeiro lugar
estão os padrinhos livres, brancos e de prestígio social, mas não para os
escravos: mães escravas foram as que, proporcionalmente, menos tive-
ram filhos apadrinhados por livres.72 Fosse para livres ou para escravos, o
importante é que o compadrio representou sempre uma aliança vertical
ascendente.
Já no grupo dos padrinhos/madrinhas escravos (segundo grupo em
preferência), também temos considerações importantes a fazer. Para
69
Na Bahia, Stuart Schwartz não encontra nenhum registro em que o padrinho é o próprio proprie-
tário do batizando.
70
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial (1550-1835).
São Paulo: Companhia da Letras; Brasília, DF: CNPq, 1988. p. 334.
71
Ibidem, p. 324
72
BRUGGER, Silvia M. J. O apadrinhamento de escravos adultos (São João Del Rei, 1730-1850).
In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23., 2005, [S.l.]. Anais... [S.l.: s.n.], 2005. p. 321, 342.
Disponível em: <www.anpuh.uepg.br/Xxiii-simposio/anais/anaistitulo.htm>.
compreendermos tais incidências devemos levar em consideração dois
fatores: a cor/procedência e os proprietários desses cativos que atuaram
como padrinhos/madrinhas. 82% deles e 84% delas são escravos sem de-
nominação quanto à cor/procedência, indicando certa antiguidade no ca-
tiveiro, pessoas com experiência para ajudar os pais na criação dos filhos.
Africanos vêm em segundo lugar com um percentual de 13% de padri-
nhos e 12% de madrinhas, indicando, além de seu pequeno número no to-
tal dos batismos, possíveis disputas dentro do cativeiro (entre os antigos
e os recém-chegados), como já demonstrou a historiografia.73
Apesar de não possuir dados sobre a entrada de africanos na freguesia,
prefiro considerar que, por ser uma região de economia periférica, com
características urbanas, marcada por entrepostos comerciais e de grande
movimentação devido à seus rios, não receberia fluxos intensos de africa-
nos, ou seja, estes deveriam ser minoria entre a população escrava como
um todo. Assim sendo, esta população era marcada pela presença de es-
cravos mais antigos provenientes de uma segunda ou terceira geração. O
que chama a atenção ainda nesses padrinhos/madrinhas africanos é que
apenas quatro padrinhos pertenciam ao mesmo senhor que o afilhado e
entre as madrinhas africanas, também apenas quatro eram do mesmo
proprietário que o batizando. Ou seja: há aí mais um indicativo da dinâ-
mica dos escravos na região, dos contatos com outras escravarias, facili-
tados, provavelmente pelas relações de parentesco entre os proprietários.
Aliás, ao considerar os proprietários dos padrinhos, podemos matizar
ainda mais as relações entre os escravos e seus donos.
Alguns proprietários destacam-se não só pela posição de prestígio que
ocupam, como pelo número de vezes em que aparecem como senhores de
padrinhos e madrinhas escravos: em 156 registros de padrinhos escra-
vos, 65 (41,6%) pertenciam a indivíduos de prestígio como também em
221 registros de madrinhas escravas, 67 (30,3%) deles o eram. De acordo
com Silvia Brugger, estar ligado pelo compadrio a um grande número de
famílias tornava-se um poderoso mecanismo de ampliação de redes clien-
telares, ou seja: era um recurso político, pois, para os padrinhos era extre-
mamente interessante contar com as famílias de seus afilhados em suas
redes.74 Eu acrescento que esse interesse aplica-se tanto às famílias livres
quanto às escravas; e mais: o interesse nessas conexões não é apenas dos

73
Segundo Manolo Florentino e José Roberto Góes o tráfico gerava uma forte tensão política no
mundo das senzalas. Em outras palavras, na época de chegada intensa de cativos, a rivalidade
interétnica aumentava, colocando em risco a sobrevivência de grupos crioulos e africanos rivais.
Uma resposta a essa situação de crise consistia na intensificação de alianças entre os cativos. Isso
se refletiria nas relações de compadrio, que se tornariam mais intensas entre escravos na mesma
proporção que a intensidade do tráfico (FLORENTINO, Manolo e José Roberto Góes. A paz nas
senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1850. Rio de Janeiro: Civi-
lização Brasileira, 1997).
74
BRUGGER, Silvia M. J. O apadrinhamento de escravos adultos (São João Del Rei, 1730-1850).
In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23., 2005, [S.l.]. Anais... [S.l.: s.n.], 2005. p. 346-349.
Disponível em: <www.anpuh.uepg.br/Xxiii-simposio/anais/anaistitulo.htm>.
padrinhos/madrinhas, mas também de seus proprietários, também eles
beneficiários de uma extensa rede clientelar.
Assim, poderíamos pensar no parentesco dos proprietários como uma
das explicações para as estratégias de escolha de padrinhos para crianças
escravas, tanto por parte de seus pais quanto dos proprietários destes;
tudo dependia do quanto conseguiam negociar. Finalmente, voltando à
questão da mobilidade, também fica evidente a busca por padrinhos/ma-
drinhas escravas de fora das propriedades originais dos pais das crianças.
Os números quase se equiparam, mas há o predomínio de compadres e
comadres exógenos, como vemos pela tabela a seguir:

Tabela 2 – Relação entre os proprietários dos pais e padrinhos dos


batizandos Santo Antônio de Jacutinga, 1686-1721
Padrinhos Percentual Madrinhas Percentual
Mesmo proprietário 64 42 87 41
Proprietário diferente 90 58 125 59
Totais 154 100 212 100
Fonte: ACDNI. Livro de Batismos de Escravos da Freguesia de Santo Antônio de Jacutinga. 1686-1721.

Em síntese, esse seria o critério de escolha de padrinhos/madrinhas


pelos escravos de Jacutinga: em primeiro lugar os homens e mulheres li-
vres com sobrenome (tomado o nome/titulo como indicativo de distinção
social), depois os livres sem sobrenome e em terceiro os escravos, dentre
estes os considerados “sem denominação”, talvez aqueles mais velhos que
deviam já ter acumulado alguns privilégios (não sem negociação75) den-
tro do cativeiro. A escolha de um padrinho/madrinha poderia ultrapassar
alianças entre escravos dentro ou fora do cativeiro e estar ligada também
à posição social dos proprietários, dos futuros compadres e comadres; e
que essas alianças podem ser explicadas em função do grau de reciproci-
dade/solidariedade entre os proprietários dos compadres/comadres.
Com essa análise, acredito ter mostrado que o compadrio escravo era
um importante componente na construção das alianças no interior da
elite local, cujas redes clientelares ultrapassavam suas propriedades e se
ampliavam numa intrincada malha que em muito contribuía para a cons-
trução da legitimidade social do grupo. Através dessa estratégia, amplia-
vam-se a um só tempo o espaço social de senhores e escravos, assim como
os benefícios e privilégios que cada um deles podia obter, conectando se-
nhores e escravos e, em menor grau, pessoas livres não proprietárias de
terras e cativos.

75
Faço aqui menção ao trabalho de João José Reis e Eduardo Silva, Negociação e conflito: a resistência
negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
Conclusão

Caberiam aqui basicamente dois posicionamentos paradigmáticos,


cada um com implicações historiográficas próprias. O primeiro afirma
que as famílias escravas do final do Seiscentos e do início do Setecentos
foram “vítimas” dos interesses e alianças senhoriais e não tiveram opção
de escolha; o compadrio com os livres ou escravos de fora, os casamentos
endogâmicos por procedência, foram opções impostas pelos senhores; de
acordo com a historiografia pretérita, tributária da década de 1770/1780,
esta conclusão seria perfeita. O segundo, cuja propriedade procuramos
demonstrar com este capítulo, argumenta que os escravos, por meio de
suas famílias, puderam influir nas estratégias senhoriais; e ainda que fos-
sem obrigados a aceitá-las, puderam ressignificar o cativeiro dentro do
universo cristão.
Numa sociedade de Antigo Regime, ainda que nada mudasse na vida
dos escravos pelo fato de terem um compadre/padrinho abastado, isso
marcava uma diferença dentro do próprio cativeiro. Se até então as dis-
putas entre escravos pareciam se resumir às diferenças entre antigos e
novos, este trabalho pretende acrescentar outro elemento: o da distin-
ção social alcançada através dos ritos católicos. E, por outro lado, ao in-
corporar os escravos à sua família extensa, à parentela, as elites locais
diferenciavam-se ainda mais. Ou seja, nem só dádiva, nem só conquista.
Mais que isso: as famílias escravas extensas, aí incluídas suas relações de
compadrio, foram um espaço social para a reafirmação da noção de privi-
légio, tão cara àquela sociedade.
As milícias de cor na cidade do Rio de
Janeiro, séculos XVIII e XIX1
Michel Mendes Marta

Introdução

Criadas em Pernambuco, no contexto das guerras luso-holandesas, no


século XVII, as milícias Henriques se mantiveram ativas, durante um lon-
go período, em diferentes capitanias da América portuguesa (São Paulo,
Rio de Janeiro, Minas Gerais). No século XVIII, o termo milícia foi utiliza-
do para designar as tropas regulares (forças pagas pela Fazenda Real) e as
auxiliares (forças de serviço não remunerado); já no século XIX, o termo
era empregado exclusivamente para os corpos auxiliares. Graça Salgado
informa que os auxiliares “organizavam-se em terços, sendo seu contin-
gente recrutado junto à população civil e alistado em categorias: brancos,
pardos e pretos”.2 As milícias Henriques, portanto, estavam inseridas en-
tre os corpos auxiliares. Segundo A. J. R. Russell-Wood a documentação
de época usava os termos “milícia” e “auxiliares” de modo indeterminado.3
Seguindo sua análise, utilizo a designação genérica milícias de cor para de-
finir o corpo dos Henriques. No século XVIII, mais especificamente na
segunda metade do século, as milícias Henriques tiveram um crescimen-
to numérico bastante significativo. No entanto, o silêncio sobre o tema,
principalmente no que diz respeito ao Rio de Janeiro, é uma lacuna a ser
1
Uma primeira versão deste artigo está em: MARTA, Michel Mendes. As milícias de cor na cidade do
Rio de Janeiro, meados do século XVIII e início do XIX. Monografia (Bacharelado)–Departamento de
História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009. A pesquisa que deu origem a esse texto
foi desenvolvida no âmbito do projeto dirigido pelo professor Maurício Abreu através do Programa
Cientista do Nosso Estado-FAPERJ, sob coordenação da professora Mariza de Carvalho Soares.
Agradeço, assim, o financiamento concedido pela FAPERJ através de uma bolsa de Iniciação Cien-
tífica no âmbito do referido projeto.
2
SALGADO, Graça (Coord.). Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro:
INL, Nova Fronteira, 1985. p. 98.
3
Ver RUSSELL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-
leira, 2005. p. 131.
preenchida. Este artigo é um esforço inicial e está dividido em duas partes.
Na primeira, analiso o silêncio historiográfico em relação as milícias de
cor; e na segunda estudo os milicianos Henriques, situando-os – enquan-
to indivíduos e grupos – nas hierarquias tão próprias de uma sociedade
do Antigo Regime, como é o caso da cidade do Rio de Janeiro na segunda
metade do século XVIII. Como contraponto, analiso ainda a tentativa de
retração das milícias cor nos primeiros anos do século XIX.

As milícias Henriques e a historiografia

Durante um longo período a historiografia brasileira dedicou pouca


atenção ao estudo das milícias de cor. Como indica Russell-Wood, “em-
bora as irmandades tenham atraído o interesse dos historiadores, as
companhias da milícia foram em grande parte ignoradas”.4 Nesse mesmo
sentido, Silvia Lara aponta que a presença dos Henriques “nas cidades e
nas áreas rurais é ainda pouco estudada”, sendo um importante objeto
de análise.5 O silêncio sobre o tema gera certa dificuldade para a elabora-
ção de um estudo bibliográfico mais sistemático. No entanto, ainda que
de modo bastante sumário, é possível estabelecer um mapeamento de al-
guns autores que, mesmo não contribuindo de forma mais incisiva para a
reflexão, enfocaram o tema.
A exposição do levantamento bibliográfico está dividida em dois mo-
mentos. O primeiro tem início com a história produzida por Francisco
Adolfo de Varnhagen até a produção historiográfica do início dos anos de
1980. Nessa década, com a publicação do clássico Slavery and Freedom,6 de
A. J. R. Russell-Wood, acontece uma importante modificação no patamar
do estudo das milícias de cor. O segundo momento abarca os trabalhos
produzidos pela historiografia recente.
Os estudos iniciais tratam especificamente da formação das milí-
cias Henriques em Pernambuco, no contexto das guerras de expulsão
Holandesa, no século XVII. Em sua maioria apresentam análises pontu-
ais sobre as milícias de cor, não sendo seu estudo o objetivo central dos
autores. O trabalho de Varnhagen está inserido neste nível de análise.
Promovendo um elogio à colonização portuguesa, em sua História Geral
do Brasil (1854-57),7 ao tratar da guerra contra os holandeses, o autor rela-
tiviza sua avaliação das “raças inferiores” e argumenta que a participação

4
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2005. p. 129.
5
LARA, Silvia Hunold. Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa.
São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p.167.
6
RUSSELL-WOOD, A. J. R. The black man in slavery and freedom in colonial Brazil. Nova York: St.
Martin`s Press, 1982.
7
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História geral do Brasil: antes da sua separação e independência
de Portugal. Revisão e notas de J. Capistrano de Abreu e Rodolfo Garcia. 7. ed. São Paulo: Melhora-
mentos, [200-]. 3 tomos. p. 99-107.
do “negro” Henrique Dias na guerra de restauração Pernambucana teria
marcado a vitória portuguesa na construção de um Brasil-português.
Seguindo a linha interpretativa de Varnhagen, em 1868, o cônego J. C.
Fernandes Pinheiro publica uma biografia de Henrique Dias na Revista
do IHGB.8 Plenamente imbuído dos objetivos de construção de modelos
exemplares para as gerações futuras, Pinheiro inicia um trabalho elogioso
em relação aos feitos de Henrique Dias e finaliza a biografia lamentando
a extinção dos regimentos de homens pretos “que com vantagem ao país
serviam.” Assim como Varnhagen, o cônego Pinheiro vê uma vitória lusa
na busca pela construção de um Brasil-português.
Em seus Capítulos de História Colonial, em 1907, Capistrano de Abreu
também se refere às milícias Henriques. Seguindo um caminho oposto
ao de Varnhagen, o autor vê a derrota do inimigo holandês como uma
vitória do “espírito nacional”. Em sua leitura, a vitória portuguesa não
teria colaborado para a construção de um Brasil português, mas da nação
brasileira: “Venceu o espírito nacional. Reinóis como Francisco Barreto,
ilhéus como Vieira, mazombos como André Vidal, índios como Camarão,
negros como Henrique Dias, mamelucos, mulatos, caribocas, mestiços de
todos os matizes combateram unânimes”,9 vencendo assim o “espírito na-
cional”, brasileiro. Para provar seus argumentos (cada um com seu modo
de fazer História) Varnhagen e Capistrano tratam o tema de modo pouco
descritivo e muito instrumentalizado. Acabam, assim, por não aprofun-
dar uma análise sobre as milícias de cor.
Já em 1935, Gustavo Barroso publica a História Militar do Brasil.10 O
livro segue a tradição de estudos que enfoca a análise minuciosa das guer-
ras, campanhas, batalhas e táticas militares. O autor fez parte de uma es-
cola interpretativa surgida nos anos de 1890, composta por historiadores
militares e produziu o que se costuma classificar como uma “história mili-
tar tradicional”. Barroso define seu livro como “resultado duma campanha
nacionalista”, onde procura apresentar um resumo histórico das guerras,
batalhas e táticas militares ao longo da história.11 Remontando ao período
colonial, Gustavo Barroso trata brevemente das milícias Henriques. Com
um texto ufanista, empreende uma análise anacrônica do que considera o
“exército brasileiro” e exalta a tradição que incorporava “soldados negros”

8
PINHEIRO, J. C. Fernandes, Cônego. Biografia de Henrique Dias. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 31, p. 365-383, 1868.
9
ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial. 7. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:
EdUSP, 1988. p. 139.
10
BARROSO, Gustavo. História militar do Brasil. Rio de Janeiro: Bibliex, 2000.
11
Gustavo Barroso foi deputado federal de 1915 a 1918. Em 1923, foi eleito para a Academia Brasilei-
ra de Letras. Foi diretor do DIP na ditadura Vargas. Hendrik Kraay, Vitor Izecksohn e Celso Castro
informam que o autor “publicou uma série de histórias anedóticas das campanhas militares, além
de uma História militar do Brasil, assim colaborando também para a ressurreição de antigas tradi-
ções militares.” Ver CASTRO, Celso, Victor Izecksohn; KRAAY, Hendrik (Org.). Nova história militar
brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p. 15.
nas milícias.12 O trabalho de Barroso pode servir de referência para con-
sulta de termos e expressões militares, mas é destituído de interesse para
maiores preocupações analíticas.
Caio Prado Júnior, em Formação do Brasil Contemporâneo, de 1942, tra-
ta topicamente sobre as milícias Henriques. Buscando um enquadramen-
to geral, o autor indica sua formação no contexto das guerras pernambu-
canas e sua existência nas diversas capitanias da América portuguesa. Em
uma breve nota explicativa, aponta que “Henriques” seria a “designação
de muitos corpos de escravos libertos organizados por Henrique Dias nas
guerras holandesas”.13 Preocupado com questões mais amplas, buscando
promover uma análise sobre administração colonial, as milícias de cor são
descritas de modo geral, sem haver uma problematização do tema.
Raymundo Faoro, buscando uma interpretação sobre o Brasil – no
livro Os Donos do Poder, publicado em 1958 – considera que as milícias
tiveram papel fundamental para manter a ordem pública e conter a tur-
bulência social. Em sua leitura, ao alcançar os maiores postos do oficialato
miliciano, “o mulato ganhava atestado de brancura.” E aqui o autor iden-
tifica o que seria um ponto de tensão: a concessão de patentes. Afinal, “as
patentes afidalgam, levam o mulato e o negro livre a desprezar o trabalho
para se elevar verticalmente, com o galão nobilitador”.14 Ainda que não
aprofunde a análise (e trate brevemente do tema) é interessante notar a
compreensão das milícias de cor como um meio de busca por prestígio e
status social. Ao contrário de Caio Prado, cuja análise se sustenta numa
abordagem voltada para o econômico, Faoro aponta caminhos a serem
seguidos e identifica questões de ordem política e social que serão discuti-
das pela historiografia recente (a busca por prestígio e distinção social, o
branqueamento através dos cargos do oficialato superior, a tensão provo-
cada pela concessão de patentes etc).
Os anos de 1980 foram um marco fundamental para os estudos da es-
cravidão no Brasil, de um modo geral, e das milícias em particular.15 Como
indica a historiadora da escravidão Silvia Lara:

A partir da década de 1980, os estudos sobre a escravidão dos africa-


nos e seus descendentes no Brasil passaram por transformações que

12
BARROSO, Gustavo. História militar do Brasil. Rio de Janeiro: Bibliex, 2000. p. 16.
13
PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 2007. p. 312.
14
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. São Paulo:
Ed. Globo, 2001. p. 226.
15
O livro de Russell-Wood foi tardiamente traduzido e publicado no Brasil em 2005. Para um estudo
detalhado da historiografia da escravidão ver capitulo 1 “Africanos e europeus: historiografia e per-
cepções da realidade” e o Epílogo, preparado para finalizar e atualizar o debate historiográfico do
livro na edição brasileira )”Considerações retrospectivas, atuais e prospectivas”. Ver A. J RUSSELL-
-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. Ver
também, Stuart B. Schwartz, B. A historiografia recente da escravidão brasileira. In: SCHWARTZ,
Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru: Edusc, 2001. p. 21-82; e LARA, Sílvia Hunold. Escravi-
dão no Brasil: balanço historiográfico. Revista de História, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, 1992.
redimensionaram a abordagem do tema. Questionando amarras estru-
turais de paradigmas explicativos fixados na década de 1960, vários pes-
quisadores enfatizaram a necessidade de procurar outras perspectivas de
análise. Ao criticar o enfoque estritamente macroeconômico e a ênfase no
caráter violento e inexorável da escravidão, observaram que o resultado da
maior parte da produção sobre o tema era uma história que, mesmo sem
o desejar, apoiava-se numa ótica senhorial que era, inevitavelmente, ex-
cludente. Recuperando movimentos e ambiguidades que antes poderiam
parecer surpreendentes, valorizaram a experiência escrava, que passou a
ser analisada a partir de outros parâmetros.16

Temáticas como a família escrava, as irmandades católicas leigas, aco-


modações e solidariedades, entre outras, foram responsáveis por uma
nova compreensão da escravidão na historiografia brasileira.17 Nesse
contexto, aproximadamente 24 anos depois da publicação do livro de
Raymundo Faoro, A. J. R. Russell-Wood aprofunda a análise e enfatiza as
tensões provocadas pelas ações dos livres e libertos, africanos e seus des-
cendentes. A forte presença destes segmentos da população teria como
expressão mais reconhecida as milícias de cor e as irmandades católicas
leigas, espaços que serviriam para uma vivência de sociabilidade que,
em outras esferas da sociedade, dificilmente escravos e forros encontra-
riam.18 A argumentação básica do autor valoriza as milícias de cor como
“porta-vozes das aspirações e reivindicações dos negros e mulatos livres”.

16
LARA, Silvia Hunold. Conectando historiografias: a escravidão africana e o Antigo Regime na Amé-
rica portuguesa. In: BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Modos de governar:
idéias e práticas políticas no império português: séculos XVI a XIX. 2. ed. São Paulo: Alameda Casa
Editorial, 2007.
17
ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro
1808-1821. Petrópolis, RJ: Vozes, 1988; Azevedo Célia Maria de. Onda negra, medo branco: o negro
no imaginário das elites século XIX. Campinas, SP: Anablume, 1987; CHIAVENTO, Júlio José. O negro
no Brasil: da senzala à guerra do Paraguai. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1980; CUNHA, Manuela
Carneiro da. Negros estrangeiros: os escravos libertos e sua volta à África. São Paulo: Brasiliense,
1985; FRAGOSO, João Luís; FLORENTINO, Manolo G. Marcelino, filho de Inocência crioula, neto
de Joana Cabinda: um estudo sobre famílias escravas em Paraíba do Sul (1835-1872). Estudos Eco-
nômicos, [S.l.], v. 17, n. 2, p. 151-74, 1987; GOLDSCHMIDT, Eliana. A motivação matrimonial nos
casamentos mistos de escravos. Revista da SBPH, Curitiba, v. 3, p. 1-16, 1986-87; KARASCH, Mary.
Slave Life in Rio de Janeiro, 1808-1850. New Jersey: Princeton University Press, 1987; LARA, Sílvia
Hunold. Campos de violência: escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1988; LARA, Sílvia Hunold. Escravidão. Revista Brasileira de História, São
Paulo, v. 16, 1988; MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense,
1988; MOTT, Luiz R. B. Uma santa africana no Brasil colonial. D. O. Leitura, São Paulo, v. 6, n. 62,
1987; MOTT, Luiz R. B. Escravidão, homossexualidade e demonologia. São Paulo: Ícone, 1988 REIS,
João José. Poderemos brincar, folgar e cantar...: o protesto escravo nas Américas. Afro-Ásia, Salva-
dor, v. 14, p. 107-120, 1983; REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos
Malês (1835). São Paulo: Brasiliense, 1986; REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociação e conflito:
a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989; GOMES, Flávio
dos Santos; REIS, João José (Org.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996.
18
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2005. p. 129-142.
Três das principais reivindicações seriam: soldo, privilégios e ascensão
aos postos superiores de seus regimentos.19
Russell-Wood avançou de modo substancial em relação às análises an-
teriores. Sua obra pode ser vista como um divisor de águas na historio-
grafia no que diz respeito aos estudos das milícias de cor no Brasil. Depois
dele alguns estudos bastante recentes têm dedicado análises sobre os mi-
licianos Henriques. Tratando das vilas canavieiras de Pernambuco, Kalina
Vanderlei Silva debate a possibilidade de ascensão social dos homens de
cor (escravos ou libertos) através da organização militar portuguesa. A
autora entende que, “longe de serem compostas com os marginais e ex-
cluídos, como o exército regular, esses terços representam um espaço de
assimilação e ascensão.”20 Francis Albert Cotta trata das milícias de cor
numa capitania que considera sui generis: Minas Gerais. De acordo com
o autor, “por ser uma capitania de centro, isso é, não ter litoral ou fa-
zer fronteira com as possessões da Espanha, os seus corpos militares,
e consequentemente as milícias negras ali formadas, se especializaram
na manutenção da ordem”.21 Cotta entende que os milicianos negros, ao
conquistarem relativa mobilidade social através dos cargos que exerciam,
estavam se inserindo na sociedade escravista. No entanto, acredita que
“não se pode desprezar o fato de que alguns negros ao se alistarem nos
corpos militares estariam desenvolvendo estratégias de resistência ao sis-
tema escravista”.22
De modo geral, focalizando diferentes capitanias, os trabalhos recen-
tes sobre as milícias apresentam um consenso quanto às pretensões de as-
censão social dos homens de cor ao procurarem se integrar na “estrutura
militar” portuguesa. As milícias amorteciam possíveis tensões e ao mes-
mo tempo abriam um canal para o desenvolvimento de solidariedades en-
tre forros e libertos, africanos e seus descendentes. Um ponto pouco va-
lorizado nos estudos, sejam os mais recentes ou os clássicos, é a presença
diferenciada de africanos alforriados nas milícias. O foco deste trabalho
são as milícias de cor na capitania do Rio de Janeiro, onde há uma forte
presença de africanos alforriados nos altos cargos do oficialato miliciano.
São em sua maioria homens vindos da Costa da Mina, que obtiveram sua
19
O autor valoriza as tensões que os privilégios concedidos aos homens de cor ocasionavam. No ano
de 1796, em Salvador, tais tensões ficam evidentes. O governador apresenta ao príncipe regen-
te uma proposta de reforma da estrutura de comando do regimento dos Henriques. A proposta
defendia a abolição dos postos superiores (coronel e tenente-coronel) que eram ocupados por ho-
mens de cor e a substituição por um sargento-mor branco. Tal reforma foi implementada, o que
gerou uma série de insatisfações. A oficialidade de cor protestou junto a coroa e, em 23 de julho de
1802, o príncipe regente revogou a reforma retomando, assim, à organização prévia de comando
(RUSSELL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasilei-
ra, 2005. p. 140-142).
20
SILVA, Kalina Vanderlei. Os Henriques nas vilas açucareiras do Estado do Brasil: tropas de homens
negros em Pernambuco, séculos XVII e XVIII. Estudos de História, [S.l.], v. 9, n. 2, 2002. p. 18.
21
COTTA, Francis Albert. Milícias negras na América Portuguesa. Klepsitra: Revista Virtual de His-
tória, [S.l.], v. 27, p. 3, 2007. p. 3
22
Ibidem, p. 21.
alforria por aquisição (o que indica capacidade de acumulação de recur-
sos) e ocuparam cargos de importância tanto na direção das irmandades
quanto na oficialidade “de cor”, de onde derivava sua posição de destaque
no conjunto da escravaria africana e também junto a outros setores da
sociedade.

As milícias Henriques no Rio de Janeiro

Durante a segunda metade do século XVIII, por conta do conflito luso-


-castelhano e a consequente necessidade de milícias nas partes extremas
dos domínios americanos, ocorreu um crescimento substancial das mi-
lícias de cor existentes na América portuguesa.23 A Carta Régia de 22 de
março de 1766 – publicada no Rio de Janeiro pelo Conde da Cunha em 14
de Janeiro de 1767 – é bastante clara em suas pretensões:

Mandeis alistar todos os moradores das terras da vossa jurisdição, que se


acharem em estado de poderem servir nas Tropas Auxiliares, sem exce-
ção de Nobres, Plebeus, Brancos, Mestiços, Pretos, Ingênuos e Libertos e a
proporção dos que tiver cada uma das referidas classes, formeis os Terços
de Auxiliares e Ordenanças, assim de cavalaria como de Infantaria, que vos
parecerem mais próprios para a defesa de cada uma das comarcas de seu
Estado: criando os oficiais competentes; e nomeando para disciplinar cada
um dos ditos Terços.24

Segundo Russell-Wood, foi a partir desta ordem régia que o número


de Terços25 de homens de cor aumentou significativamente. Não existem
registros que indiquem a formação exata das milícias de cor no Rio de
Janeiro. Este é, aliás, um problema que perpassa praticamente todos os
trabalhos sobre os Henriques. Excetuando a cidade de Salvador, onde o
Terço de Henrique Dias se formou, não foi encontrada documentação
sobre essas milícias propriamente. No entanto, através da biografia de
alguns oficiais, é possível saber que o corpo dos Henriques já estava em
23
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2005. p. 133. Ver também, Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
FI
GUEIREDO, Christiane Pagano de Mello. A guerra e o pacto: a política de intensa mobilização militar
nas Minas Gerais. In: CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Victor; KRAAY, Hendrik. Nova história militar
brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
24
AN/RJ, códice 73, vol 1, Secretaria de Estado do Brasil. fl. 243.
25
É importante destacar que a documentação de época usava os termos “Terços ou Regimentos” de
modo indeterminado. Segundo Rafael Bluteau, em seu Vocabulário Portuguez e Latino, Terço corres-
ponde ao que os Romanos chamavam Legião e os Alemães, Franceses, etc, chamam Regimento. Dividiam
os Romanos em determinadas porções toda a Infantaria do Exército, e lhe chamavam Legiões, mas eram
muito numerosas, tanto que a Legião antiga contava com 3 mil infantes; os Regimentos dos Alemães,
Franceses, etc, a que nós chamamos Terços, por ser a terça parte de um Regimento Francês ou Alemão. R.
Bluteau, Vocabulário portuguez e latino, verbete “Terço”. Moraes e Silva define Terço “como uma por-
ção de soldados, que tem variado no número de companhias, quase um regimento.” Os dicionários
consultados estão digitalizados na íntegra no portal do Instituto de Estudos Brasileiros da USP,
disponível em: <http://www.ieb.usp.br/online/index.asp>.
atividade no Rio de Janeiro em 1759. Naquele ano, Ignácio Gonçalves
do Monte era descrito em sua Habilitação Matrimonial como Capitão do
Terço dos Homens Pretos.26
Quem eram os homens livres e libertos que ingressavam nas milícias?
Quais os significados de suas escolhas? A microanálise, através da elabo-
ração de biografias, pode ser um importante método de estudo para a ob-
tenção de algumas respostas. Segundo Mariza de Carvalho Soares,

no que diz respeito ao estudo das biografias no campo da escravidão, um


conjunto de trabalhos abriu caminho para a produção biográfica recente.
A leitura destes trabalhos solidificou a idéia de que a sociedade colonial
impõe certos limites à formas de organização da população escrava e forra,
mas, por outro lado, eles aprendem a se mover e se organizar no interior
da ordem colonial – hierárquica e escravista –, de modo a criar alternativas
concretas de vida e ascensão social, de acordo com as condições particula-
res, que cada caso oferece.27

O primeiro ponto fundamental a ser compreendido diz respeito ao ca-


ráter “simbólico” de que estava revestida a inserção em tais companhias de
milícias. Os homens que nelas se inseriam estavam em busca de privilégios
e distinções que os mais altos postos do oficialato miliciano propiciavam.
Estavam plenamente “impregnados” de certos códigos hierárquicos tão
característicos de uma sociedade de Antigo Regime, onde era possível de-
finir a posição de um indivíduo por suas insígnias, seus privilégios e suas
obrigações. Segundo Schwartz, trata-se de uma sociedade que “viabiliza
legalmente, na prática, as hierarquias de graduação, privilégio e honra”.28
Um aspecto deve ser ressaltado ao analisarmos algumas destas bio-
grafias: muitos oficiais das milícias de cor, como o próprio caso de Ignácio
Gonçalves do Monte, eram africanos. Esses homens, vindos particular-
mente da Costa da Mina,29 parecem formar um grupo coeso, estabelecen-
do uma série de redes de relações (pessoais, financeiras etc) por meio das
irmandades e dos corpos de milícias. Em sua maioria eram homens bem
26
SOARES, Mariza de Carvalho. A biografia de Ignácio Monte, o escravo que virou rei. In: VAINFAS,
Ronaldo; SANTOS, Georgina Silva dos; NEVES, Guilherme Pereira das (Org.). Retratos do Império:
trajetórias individuais no mundo português nos séculos XVI a XIX. Niterói: EdUFF, 2006. p. 47-68.
27
SOARES, Mariza de Carvalho. A biografia de Ignácio Monte, o escravo que virou rei. In: VAINFAS,
Ronaldo; SANTOS, Georgina Silva dos; NEVES, Guilherme Pereira das (Org.). Retratos do Império:
trajetórias individuais no mundo português nos séculos XVI a XIX. Niterói: EdUFF, 2006. p. 48.
28
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial (1550-1835).
São Paulo: Companhia da Letras; Brasília, DF: CNPq, 1988. p. 210.
29
Grande parte da escravaria vinda para o Brasil saiu da Costa da Mina nos séculos XVIII e XIX.
Sobre os chamados “pretos-minas” na cidade do Rio de Janeiro, ver SOARES, Mariza de Carvalho.
Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. Ver da mesma autora: O Império de Santo Elesbão na cidade
do Rio de Janeiro, no século XVIII. Topoi – Revista de História do Programa de Pós-Graduação em
História Social da UFRJ, Rio de Janeiro, v. 4, p. 59-83, 2002; A ‘nação’ que se tem e a ‘terra’ de onde
se vem: categorias de inserção social de africanos no Império português século XVIII. Estudos Afro-
-Asiáticos, Rio de Janeiro, ano 26, p. 303-330, maio/ ago. 2004.
sucedidos na hierarquia miliciana e estabeleciam vínculos de grupo (ao
serem testemunhas de casamento, testamenteiros, fiadores etc). A análi-
se do tripé milícias, irmandades30 e “ofícios mecânicos”31 é um importante
objeto de pesquisa para a melhor compreensão de uma parcela de homens
de cor livres e libertos que buscaram prestígio e distinções, acumularam
pecúlio e formaram, assim, uma elite não-branca.32
A Irmandade de Santo Elesbão e Santa Efigênia, no Rio de Janeiro,
era um dos espaços onde os pretos-minas construíam sua sociabilidade.33
Muitos dos oficiais dos Henriques ocupavam cargos de destaque nas ir-
mandades, complexificando ainda mais as redes de relações que os unem.
Tais redes ficam ainda mais claras ao seguirmos os movimentos do Capitão
Ignácio Gonçalves do Monte, que pode ser considerado a síntese perfeita
dos bem sucedidos componentes do oficialato miliciano. Africano, trafica-
do da baía do Benim para o Rio de Janeiro, Monte tem uma história bas-
tante representativa. É batizado no ano de 1742, na Freguesia de Nossa
Senhora da Candelária, e em 1757 recebe sua alforria. Em 1759, forro,
Ignácio se casa com Victória Correa. Em sua habilitação de casamento já
é identificado como capitão do Terço dos Homens Pretos. Em 1762, se
torna rei da Folia dos Mahi na Igreja de Santo Elesbão e Santa Efigênia.
Ao analisar o caso de Ignácio Mina, Mariza de Carvalho Soares vê uma
estreita relação entre irmandades, regimentos de milícia e o ofício de bar-
beiro, que desempenhou ao longo de sua vida. Relação que, nas palavras
da autora, faz “surgir um tipo de poder tão próprio à sociedade colonial
em que religião, hierarquia social, profissão e outros fatores concorrem

30
Sobre as irmandades, ver as análises clássicas de BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmanda-
des leigas e política colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986. Ver também SCARANO,
Julita. Devoção e escravidão: Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Distrito Dia-
mantino no século XVIII. São Paulo: Companhia Ed. Nacional, 1978. (Brasiliana, v. 357); e também
o já citado SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravi-
dão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000..
31
Tratando da primeira metade do Oitocentos, ver PIMENTA, Tânia Salgado. Sangradores no Rio de
Janeiro na primeira metade do oitocentos. In: PORTO, Ângela (Org.). Doenças e escravidão: sistema
de saúde e práticas terapêuticas. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, 2007. 1 CDROM.
32
Não só os homens de cor acumularam “riqueza”. Sobre as mulheres que acumularam pecúlio e for-
maram uma “elite de cor”, ver FARIA, Sheila de Castro. Sinhás pretas, damas mercadoras: as pretas
minas nas cidades do Rio de Janeiro e de São João Del Rey (1700-1850). Tese para concurso de
titularidade defendida junto ao Departamento de História da UFF, Universidade Federal Flumi-
nense, Niterói, 2004. Também da autora, FARIAS, Juliana B. Sinhás pretas: acumulação de pecúlio
e transmissão de bens de mulheres forras no sudeste escravista (sécs.XVIII-XIX). In: SILVA, Fran-
cisco Carlos Teixeira da; MATTOS, Hebe Maria; FRAGOSO, João (Org.). Ensaios sobre História e
Educação. Rio de Janeiro: Mauad: FAPERJ, 2001. p. 289-329.
33
As chamadas “irmandades de homens pretos” apresentam-se inseridas num contexto mais geral
das instituições coloniais, estas confrarias – utilizando-se dos argumentos de Russell-Wood – ofe-
recem espaços que serviriam para a defesa de interesses coletivos e individuais. Tratarei aqui da
Irmandade de Santo Elesbão e Santa Efigênia que foi formalmente criada, na cidade do Rio de
Janeiro, no ano de 1740. Sobre o tema ver o conjunto de trabalhos de Mariza Soares, em especial,
Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
para situar pessoas, famílias e grupos na hierarquia social”.34 O capitão
guardava consigo a poupança dos irmãos da Irmandade de Santo Elesbão
e Santa Efigênia e também lhes emprestava dinheiro; em 1763 era inven-
tariante da preta forra Quitéria Fernandes da Silva; redige e é testemunha
no testamento de Luiz Francisco do Couto (Mina forro); compra fazendas
para sua casa com André Correa Brandão e José Duarte de Almeida com
casa na Rua do Rosário; ambos são seus fregueses de barba e sangria; em 8
de dezembro de 1764 foi testemunha do casamento dos pretos mina Luiz
da Costa e Tereza de Jesus.35
Em sua habilitação de casamento, Luiz da Costa declara ser Mina for-
ro, morador na cidade do Rio de Janeiro, na rua da Pedreira. Afirma ain-
da que “vive de ser cozinheiro” e que morou “dois anos na Freguesia das
Mercês e depois veio para esta Cidade aonde até o presente só tem assisti-
do na Freguesia de Santa Rita.”36 Para afiançar suas palavras foi chamado
como testemunha oaquim José, o capitão dos Henriques J:

Aos dois dias do mês de maio de mil setecentos noventa e sete o Capitão
Joaquim José [Mahu], do terço dos Henriques, solteiro, natural da Costa
da Mina, e morador nesta Cidade na Rua dos Quartéis do Regimento de
Bragança, que vive do ofício de Pasteleiro, testemunha jurada aos Santos
Evangelhos em que pôs sua mão direita e prometeu dizer verdade, de idade
que disse ser de cinquenta e seis anos.37

Sendo perguntado a respeito do conteúdo na petição de casamento de


Luiz da Costa, o capitão revela que o conheceu, “há oito anos pouco mais
ou menos”, na cidade de Lisboa, e que Luiz da Costa é de nação Mina,
batizado na Cidade de Lisboa, onde foi liberto, “e daí a um ou dois anos
saiu em direção desta cidade, para onde também veio ele testemunha na
mesma ocasião em outro Navio, e daqui não saiu mais a parte alguma”.38
Luiz da Costa estabelece uma série de relações de “apadrinhamento” com
os oficiais dos Henriques.
Gonçalo Cordeiro (mina-mahi forro), além de ser o secretário da
Congregação Mahi,39 ocupa o posto de alferes dos Henriques. Em sua ha-
34
Ver a biografia completa e detalhada de Ignácio Monte em Soares. “A biografia de Ignácio Monte”.
pp. 48-52.
35
As informações estão num banco de dados biográfico, de africanos minas forros na cidade do Rio
de Janeiro no século XVIII que conta atualmente com cerca de mil nomes e dados biográficos cor-
respondentes. O referido banco ainda está em fase de elaboração e o trabalho sobre os milicianos
aqui apresentado surgiu de sua representativa presença no conjunto das biografias por mim orga-
nizadas através do já mencionado projeto coordenado pelo professor Maurício Abreu.
36
ACMRJ - Habilitações Matrimoniais, notação 9908, cx. 1300.
37
Ibidem.
38
Ibidem.
39
Gonçalo Cordeiro é amigo de Ignácio Monte e membro da Congregação Mahi estudada por Soares.
Ver SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no
Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. cap. 6.
bilitação de casamento declara “que vive de ser Barbeiro”. Ao ficar viúvo
pede que a Irmandade de Santa Efigênia lhe passe por certidão do dia,
mês e ano em que foi sepultado sua falecida esposa, Joana do Prado. João
Luiz de Figueiredo escrivão da Irmandade certifica que

revendo o Livro em que se lançam os assentos que se fazem dos falecidos


que se sepultaram na capela desta Irmandade consta que no dia cinco de
Agosto de mil setecentos noventa e dois deram sepultura nesta capela, a
Joana do Prado, mulher do suplicante a qual é Irmão desta Irmandade.40

João Luiz de Figueiredo (mina forro) é outro personagem impor-


tante nesta teia de relações. Além de ocupar cargo de vice-regente
da Congregação Mahi,41 é capitão da terceira companhia das milícias
Henriques do Rio de Janeiro. No ano de 1803, assina a lista de dispensas
de soldados de sua companhia.42 Em 1805, é o terceiro testamenteiro de
Vitória Rodrigues (mina forra) e irmã da Irmandade de Santo Elesbão e
Santa Efigênia.43 A irmandade ainda possuía outros membros com hon-
ras militares: Manoel Martins da Fonseca e Manoel Mendes da Conceição
eram capitães dos Henriques.44 Ambos africanos alforriados, vindos da
Costa da Mina. Temos ainda João Fogaça, preto forro Mina, morador
na Rua dos Pescadores, que “vive de sua agência”. Em 9 de dezembro de
1771 se casa com Maria da Ressurreição, crioula forra. Em sua habilita-
ção de casamento declara ser segundo ajudante do Terço dos Henriques.
Aproximadamente 26 anos depois, em 1797, é elevado ao posto de pri-
meiro ajudante do “Batalhão de Infantaria Auxiliar dos homens pretos
desta Cidade de que é capitão comandante José dos Santos Teixeira”. Não
encontrei informações detalhadas do dito capitão. Em 1797, consultando
a lista de nomeação de oficiais, José dos Santos Teixeira já assinava como
comandante dos Henriques. Tendo em vista que o cargo de comandante,
antes de 1802, era ocupado pelo capitão mais antigo do Regimento, supo-
nho que Teixeira já desempenhava o cargo há um longo período.45
Como todas as tropas auxiliares, as milícias representavam forças que
não eram remuneradas. Dessa forma, em paralelo ao posto ocupado na
milícia, esses homens mantinham um ofício mecânico indispensável para
seu sustento. Ofício que serviria ainda como importante maneira de fazer
contatos sociais e acumular pecúlio. É interessante notar que, ao mesmo
tempo que se dedicavam a uma atividade mecânica especializada (o que
40
ACMRJ - Habilitações Matrimoniais, notação 27653, cx. 1799.
41
Ver SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no
Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. cap. 6.
42
AN/RJ, cx. 484, pct 02. Vice-Reinado. Correspondência de capitães-mores e comandantes de regi-
mentos de vilas do Rio de Janeiro.
43
ACMRJ. Livro de Testamentos e Óbitos da Sé, 1776-1784, fl. 144.
44
ACMRJ. Habilitações Matrimoniais, notação 32100.
45
AN/RJ, cx. 501, pct 01. Vice-Reinado.
lhes conferia um status socialmente inferior em relação aos “brancos”,
mas elevado no conjunto da escravaria), através das milícias alcançavam
os mais altos postos do oficialato miliciano. Seguindo as análises desen-
volvidas por Russell-Wood e Soares, reforço aqui que esses “homens de
cor” estavam em busca de distinções e privilégios que os afastassem tanto
quanto possível de seu ponto de partida: escravos e trabalhadores braçais
sem qualquer qualificação profissional que os distinguisse.
Parto do pressuposto que a massa da soldadesca não alcançava a pos-
sibilidade real de ascensão. Ao contrário da oficialidade, os soldados pare-
cem viver em situação de pobreza. Exemplo disto é André Pires Sardinha,
crioulo forro, soldado do corpo dos Henriques. André recebe sua alfor-
ria em 1794. Um ano depois, em 1795, em sua habilitação de casamen-
to André declara que “é um pobre preto que há pouco tempo se libertou
do Cativeiro” e não tem como arcar com as despesas dos banhos. Mesmo
considerando que a retórica da pobreza é uma constante na época, o mes-
mo argumento não aparece em outras petições do período.46
Meu interesse é o oficialato (superior e inferior) dos Henriques – sar-
gento-mor comandante, ajudantes, capitães, tenentes, alferes etc. Meus
estudos estão voltados para esse oficialato, uma minoria, por certo, mas
é entre eles que se pode encontrar maior volume de informação e tam-
bém situações extremamente ricas para pensar a questão da mobilida-
de desses africanos alforriados. Os postos mais cobiçados na hierarquia
miliciana eram os de sargento-mor comandante e ajudante, pois, além
dos privilégios naturais que os cargos conferiam, ainda proporcionavam
soldo. Em provisão do Conselho Ultramarino de 26 de Julho de 1797, é
determinado que se iguale em soldos, graduações e honras os sargentos-
-mores e ajudantes do Terço dos Henriques do mesmo modo feito em
Pernambuco.47 O posto de sargento-mor era a maior qualificação possí-
vel dentro da hierarquia miliciana. Tratando da Revolta dos Alfaiates, de
1798, em Salvador, Russell-Wood afirma que

umas das principais testemunhas foi Joaquim José de Sant`Anna, “bar-


beiro” negro que comprara sua alforria e que era, na época, capitão de uma
companhia do Regimento Henrique Dias. Os conspiradores contavam com
seu apoio e de sua companhia e tentaram minar-lhe a lealdade insinuando
que um branco seria nomeado sargento-mor de seu regimento, posto este
que Sant`Anna cobiçava a ponto de frequentar cursos extras com as tropas
regulares para melhorar seu conhecimento militar.48

46
ACMRJ. Habilitações Matrimoniais, maço 88, doc. 34.
47
AN/RJ, Secretaria de Estado do Brasil, códice 204, vol. 04.
48
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2005. p. 125-126.
É interessante notar o quão cobiçado era o posto quanto o fato de José
de Sant`Anna ser “barbeiro”. O provimento do posto mais alto da hierar-
quia miliciana envolvia uma série de questões. Incluindo, como no caso
do Rio de Janeiro, o bom relacionamento estabelecido com o comandan-
te geral das tropas, homem branco, nobre, que mantinha estreita relação
com o Vice-Rei.49
Se em meados do século XVIII ocorria uma expansão das milícias
de cor, na virada para o século XIX, o caminho seria inverso. No Rio de
Janeiro, o corpo dos Henriques era organizado em 16 companhias. Sete
estavam estabelecidas na cidade (incluindo uma companhia de granadei-
ros) e outras nove foram espalhadas pelas diferentes “freguesias desta
circunvizinhança”.50 Cada companhia era composta por seus três respecti-
vos oficiais (capitão, tenente, alferes), dois sargentos, um porta bandeira
e quatro cabos de esquadra. Com a chegada do novo comandante geral
das tropas José Narcizo de Magalhães de Menezes, foi implementado um
importante plano de reforma que reduzia significativamente o número
das companhias Henriques.
Em abril de 1802, o comandante geral envia ao vice-rei, D. Fernando
José de Portugal, uma correspondência contendo informações sobre os
regimentos de milícias da cidade do Rio de Janeiro. Junto da carta, vi-
sando obter “maior vantagem do seu Real Serviço”, envia um plano cujo
principal objetivo seria dar fim “a falta de constituição e regularidade”
em que se encontrava o Corpo dos Henriques, visando assim que “o dito
Corpo tomasse uma formatura que pudesse ser análoga às idéias comuns
de um arranjamento militar e aos fins de sua destinação”.51
Segundo Magalhães Menezes, as milícias Henriques não eram con-
sideradas “em nenhuma classe das outras Corporações Militares.” Aqui,
podemos retomar o clássico argumento de Russell-Wood sobre as tensões
provocadas pelos milicianos negros. Como indica o autor, muitos oficiais
de cor da Milícia se queixavam à Coroa alegando que “seu posto não era
reconhecido pelos oficiais brancos e que os soldados das tropas regulares
se recusavam a saudá-los”.52 A oficialidade branca e os soldados pareciam
respeitar pouco os Henriques, não por questões militares de constituição
interna, como informou o comandante geral, mas pela marca da escravi-
dão. Para além da questão da cor, a marca da escravidão era fator de ten-
sões. Não se pode esquecer que muito da oficialidade dos Henriques era
composta por africanos alforriados, portanto, ex-escravos.

49
AN/RJ, cx. 484, doc. 1. Vice-Reinado, Correspondência de capitães-mores e comandantes de regi-
mentos de vilas do Rio de Janeiro.
50
De acordo com a documentação, as “freguesias da circunvizinhança” seriam as “freguesias de fora
da cidade”, não fornecendo maiores informações sobre o tema.
51
AN/RJ, cx. 484, doc. 1. Vice-Reinado. Correspondência de capitães-mores e comandantes de regi-
mentos de vilas do Rio de Janeiro.
52
Russell-Wood, Escravos e Libertos. p. 138.
Tratando do fardamento dos Henriques, Magalhães Menezes aponta
que:

Eles debaixo de um uniforme, que geralmente tem adaptado por toda a


parte os denominados Henriques, isto é, fardas verdes e guarnições en-
carnadas, tinham contudo poucos soldados fardados, esses mesmos
com pouca regularidade e com mal gosto; porém a zelosa eficácia do seu
Comandante, o Capitão de Granadeiros José dos Santos Teixeira, [...] fi-
zeram que em pouco tempo se fardasse tudo, principalmente aqueles que
eram empregados no serviço das peças e na sua reserva, para o que se lhe
deu um padrão, que foi seguido com exata uniformidade: vem a ser uma
farda curta à Caçadora, verde segundo a cor estabelecida, com banda gola
canhão e forro encarnado; veste branca e pantalona de pala, barreteira de
couro preto com penacho encarnado.53

Foi possível localizar três conjuntos de pranchas com uniformes mili-


tares, aí incluídos os dos regimentos dos pretos forros, ou henriques, que
passo a descrever.
A prancha mais antiga é de autoria de Carlos Julião54 e está publicada
em seu Album de figurinhos dos uzos do Rio de Janeiro e Serro Frio.55 Julião
produziu cinco aquarelas tratando dos figurinos militares. Em apenas
uma temos um oficial do Terços dos Homens Pretos.
O segundo conjunto é composto pelas pranchas de José Correa Rangel,
também parte da coleção da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, que
retrata os figurinos militares de oficiais do Rio de Janeiro, intitulada
“Guarnição do Rio de Janeiro: com seus uniformes e mapas do número de
Homens, tanto dos regimentos pagos como dos auxiliares”. Nos interes-
sa, em particular, a aquarela que retrata o figurino do Terço de Homens
Pretos registrado como “Oficial do Terço dos Pretos forros.”

53
AN/RJ, cx. 484, doc. 1. Vice-Reinado. Correspondência de capitães-mores e comandantes de regi-
mentos de vilas do Rio de Janeiro.
54
Silvia Lara indica que “assim como muitos jovens europeus do período, Carlos Julião, nascido Carlo
Juliani em Turim, em 1740, havia se alistado em busca de fortuna, iniciando sua carreira militar no
exército português por volta dos 23 anos. Serviu em Mazagão, feitoria lusitana nas costa marro-
quina, esteve na Índia por seis anos, visitou a China, realizando um levantamento cartográfico da
região de Macau por ordem do secretário de Estado português, e andou pelo Brasil por diversas ve-
zes, fazendo levantamentos topográficos ou vistoria de fortificações.” (LARA, Silvia Hunold. Frag-
mentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007. p. 241-242, 245-246).
55
JULIÃO, Carlos (aquarelas por). Riscos iluminados de Figurinhos de Brancos e Negros dos Uzos do
Rio de Janeiro e Serro do Frio. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1960. Prancha IV.
Figura 1 – Detalhe da aquarela de Carlos Julião (ca. 1780) mostrando à direita oficial
do regimento do pardos, e à esquerda dos pretos forros. Trata-se de uma prancha sem título,
como todas as demais que compõem o album original.
Fonte: JULIÃO, Carlos (aquarelas por). Riscos iluminados de Figurinhos de Brancos e Negros dos Uzos do Rio de Janeiro e Serro do Frio. Rio
de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1960. Prancha IV.

Figura 2 – “Guarnição do Rio de Janeiro com seus uniformes e mappas do número de homens
tanto dos regimentos pagos como dos auxiliares feito por José Correa Rangel ajudante de infantaria
com exercício de engenheiro 1786”.
Fonte: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. (original em cores)

Datada de 1786 deve ser posterior à de Julião, estimada para 1780.


Assim como Julião, Rangel era militar e seu trabalho mostra a tradição
iconográfica dos cartógrafos das academias militares. As imagens são es-
táticas, sem um cenário para contextualizá-las. O uniforme do oficial do
Terço dos pretos apresenta sapatos curtos; meias brancas; calças verdes;
uma espécie de colete vermelho; casaca verde com forro vermelho; gola;
chapéu, etc. Nele estão presentes os símbolos da oficialidade, marcada-
mente a espada. O oficial ainda apresenta uma bengala na mão esquerda,
dando-lhe uma postura de nobreza e altivez.
No Arquivo Histórico do Exército, também mostrando os oficiais dos
Terços Auxiliares do Rio de Janeiro (1786), existe uma aquarela de data
posterior, de autoria de J. Wasth Rodrigues. Nela estão representados,
lado a lado, vários oficiais, sendo que na fila inferior aparecem o Oficial do
Terço Auxiliar dos Pardos, o Oficial do Terço Auxiliar dos Pretos-Forros.

Figura 3 – Prancha “Terços Auxiliares – 1786 - Rio de Janeiro”, aquarela de J. Wasth Rodrigues.
O uniforme do regimento assinalado em baixo como dos “pretos forros”
segue o padrão dos anteriores, mas sem a espada ou espadim.
Fonte: Arquivo Histórico do Exército (original em cores)

Nessa última prancha é interessante notar que o oficial negro apare-


ce com a bengala e sem a espada (símbolo da oficialidade). Assim sendo,
em Julião o oficial negro aparece com um espadim (arma menor que a
espada); em Rangel com espadim e bengala; e em Wasth apenas com uma
bengala. Na coleção de Rangel consta ainda o “Mappa do Batalhão de
Infantaria Auxiliar dos homens pretos de que hé comandante o capitão
Thomé Galvão. Agosto de 1789”, indicando que na ocasião o regimento
tinha um total de 434 praças, aí incluídos oficiais e soldados, sendo que
do total 343 deles ditos “prontos”.56 Não fica clara a jurisdição desse re-
gimento, mas ao que tudo indica atuava principalmente na cidade do Rio
de Janeiro, já que – à diferença dos outros regimentos - não há na coleção
registro desse regimento em outras partes da capitania. Um de seus en-
cargos era o controle dos escravos presos.
Magalhães Menezes segue seu plano de reforma indicando que o Corpo
dos Henriques “pouco avultava a respeito das prisões” e portanto não ser-
viria ao serviço. Uma das funções destinadas aos milicianos forros era a
vigilância da cidade. Cabia a eles vigiar os escravos condenados. Em sua
dissertação sobre o sistema prisional no Rio de Janeiro Carlos Eduardo
Moreira de Araújo informa que

uma das atribuições desse batalhão a época era vigiar os escravos conde-
nados a galés e os libambos. Os escravos eram retirados todos os dias pela
manhã do Calabouço na Fortaleza de Santiago em magotes de 4 a 6 ata-
dos por correntes e acompanhados pelos Henriques para a realização dos
trabalhos.57

Tendo como fonte os escritos dointendente de polícia Paulo Fernandes


Viana, homem que como ouvidor do crime cuidava da segurança do Rio
desde 1800, Carlos Eduardo Moreira indica também que

os Henriques foram tirados desse serviço ainda no governo do Marquês do


Lavradio (1769–1779), segundo Paulo Viana, devido as constantes fugas
ocorridas, muita delas facilitadas pelos próprios vigilantes. As tropas de
linha substituíram os Henriques. Com o tempo, as fugas recomeçaram só
que desta vez com maior frequência. [...] As constantes fugas dos apena-
dos fez com que o Marquês do Lavradio entregasse a vigilância às tropas
regulares, pois temia que a solidariedade da cor continuasse a libertar di-
versos condenados.58

56
BN/RJ. José Correa Rangel, capitão do Real Corpo de engenheiros. Guarnição do Rio de Janeiro
com seus uniformes e mapas do número de homens dos regimentos pagos e dos auxiliares. Orig.
Ms. e aquarela sobre papel. 43 estampas de uniformes de regimentos, aquarela sobre papel, 16,00
x 09,50 cm. Consta na lombada:” J. C. Rangel/Guarnição do Rio de Janeiro, 1786”. Folhas soltas.
57
ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira de. O duplo cativeiro: escravidão urbana e o sistema prisional no
Rio de Janeiro 1790 – 1821. Dissertação (Mestrado)–Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004. p. 76.
58
Ibidem, p. 77.
Talvez sejam estes os reais motivos que levaram ao novo comandan-
te geral das tropas a desprezar o trabalho de vigilância dos Henriques.
Magalhães Menezes propõe que os milicianos de cor sejam empregados,
então, como Regimentos de Artilharia:

Eu me deliberei em mandar aprender aos ditos Henriques o serviço das


peças de campanha e executá-los em toda manobra respectiva. Os meios
que busquei para adiantar a sua instrução de os fazer entrar com gosto
neste trabalho e para o que encontrei neles a melhor disposição, concorreu
tudo de maneira que em pouco tempo eles foram vistos sair do Trem de
baixo da inspeção de um Oficial de Artilharia que tem sido o seu Mestre
[...] numa marcha regular apresentaram-se no grande Campo de exercício,
formaram-se em Bateria e executaram os fogos. [...] finalmente tem-se vis-
to pela continuação dos mesmos exercícios chegarem eles a tanta perfeição
como os soldados dos Regimentos de Artilharia.59

Ao falar da nova função dos Henriques, o comandante geral informa


que os mesmos executavam os exercícios de artilharia “com tão boa von-
tade e com um capricho digno de consideração que tem merecido não só o
aplauso público mas justamente os meus louvores particulares”.60 Após os
elogios entusiasmados, o plano de reforma é encaminhado:

as sete Companhias, que até aqui se consideravam desta Cidade, serão re-
duzidas a quatro sem destinação e compostas de um Capitão, um Tenente
e um Alferes, dois Sargentos, um Furriel, quatro Cabos de Esquadra, um
Tambor, e cinquenta Soldados.61

A reforma, datada de 1802, visa reduzir de modo significativo o ofi-


cialato de cor. Se anteriormente, com sete companhias, os milicianos
­possuíam 21 oficiais, com a reforma, passariam ao número de 12 ho-
mens. Já os soldados, que anteriormente chegaram ao número de apro-
ximadamente 430 (variando para mais ou para menos), seriam reduzi-
dos a 200 homens. Para justificar tal redução, o comandante geral recor-
re aos cálculos feitos pelo capitão comandante dos Henriques José dos

59
AN/RJ, cx. 484, doc. 1. Vice-Reinado. Correspondência de capitães-mores e comandantes de regi-
mentos de vilas do Rio de Janeiro. O referido Trem na fonte é a Casa do Trem: “Em 1762, o então
Vice-rei Conde de Bobadela manda erigir a Casa do Trem, ao lado do Forte de Santiago, destinado à
guarda dos armamentos (trens de artilharias) das novas tropas enviadas por Portugal para reforçar
a defesa da cidade, ameaçada por corsários em busca do ouro vindo das Minas Gerais. Com a ele-
vação do Rio de Janeiro à condição de capital do Estado do Brasil, foi construído, em 1764, junto à
Casa do Trem, o Arsenal de Guerra destinado ao reparo de armas e fabricação de munições”. Fonte:
<www.museuhistoriconacional.com.br>.
60
AN/RJ, cx. 484, doc. 1. Vice-Reinado. Correspondência de capitães-mores e comandantes de regi-
mentos de vilas do Rio de Janeiro.
61
AN/RJ, cx. 484, doc. 1. Vice-Reinado. Correspondência de capitães-mores e comandantes de regi-
mentos de vilas do Rio de Janeiro.
Santos Teixeira. Segundo Teixeira, o número de pretos forros existentes
na cidade “hábeis e robustos” não poderia fornecer uma constituição de
maior força. Parece um contra-senso já que em momentos anteriores os
Henriques alcançaram um número elevado de praças.62
Após expor o plano de redução, Magalhães Menezes inicia suas “últimas
reflexões”. Começa indicando que o corpo dos Henriques tira de si mesmo
todos os seus oficiais até mesmo os ajudantes e sargento-mor comandan-
te, diferente das outras milícias a que se dão ajudantes e majores tirados
dos Regimentos de Linha e pagos pela Fazenda Real. Diferente também
do Corpo dos Pardos Libertos63 que, em sua primeira Constituição, for-
mava-se de um sargento-mor comandante pago e dois ajudantes, todos
extraídos igualmente dos Regimentos de Linha. O comandante geral das
tropas, tratando dos Henriques, informa ainda que “esta gente presta a
todas as funções do Real Serviço e busca adquirir conceito a favor da sua
corporação”.64 A busca por “conceito” confirma a ideia do uso das milícias
como fonte importante para alcançar honras e privilégios.
A ordem de confirmação do novo plano das milícias Henriques não foi
encontrada. No entanto, é possível imaginar que tal confirmação possa ter
ocorrido por conta de um cancelamento de patente. Manoel Nascimento,
preto forro, foi provido em 31 de janeiro de 1793, com a patente de capi-
tão da Quarta Companhia dos Henriques:

Faço saber aos que esta minha Carta Patente virem que, sendo convenien-
te ao Real Serviço prover-se o Posto de Capitão da Quarta Companhia do
Batalhão de Infantaria de Milícias dos Homens pretos forros desta Cidade
de que é Comandante o Capitão José dos Santos Teixeira vago por passar
a Capitão da Companhia de Granadeiros Aleixo Teixeira que o era, aten-
dendo a concorrerem as circunstâncias necessárias na pessoa de Manoel
do Nascimento para o exercitar, e a ter servido de Tenente, e por esperar
dele que em tudo de que for encarregado do Real Serviço se haverá muito
conforme a confiança que faço de sua pessoa. Hei por bem nomear e pro-
ver como por esta faço em virtude do Alvará de dezoito de Dezembro de
mil oitocentos e dois ao dito Manoel do Nascimento no Posto de Capitão
da Quarta Companhia do referido Batalhão.65

62
O próprio Magalhães Menezes informa que em abril de 1800 o corpo dos Henriques chega “ao
número de 583 soldados”. AN/RJ, códice 88, vol 01, Secretaria de Estado do Brasil.
63
No relatório que fez para seu sucessor, ao deixar o governo em 1777, o Marquês do Lavradio relata
que formou um terço de homens pardos, dando-lhe por comandante um Sargento-mor, homem
branco, e oficial tirado das tropas, e por Ajudante dois oficiais inferiores, também brancos, tira-
dos das tropas, para deste modo melhor poder estabelecer a disciplina e conservá-los em sujeição.
Marquês do Lavradio. “Relatório do marquês de Lavradio, vice-rei do Rio de Janeiro, entregando o
governo a Luís de Vasconcelos e Souza, que o sucedeu no vice-reinado” [1779], Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 4, p. 413, 1843.
64
AN/RJ, cx. 484, doc. 1. Vice-Reinado. Correspondência de capitães-mores e comandantes de regi-
mentos de vilas do Rio de Janeiro.
65
AN/RJ. Secretaria de Estado do Brasil. códice 73, vol 30. fl. 32 (verso).
Em janeiro de 1805, tem sua patente cancelada. A portaria ao tesourei-
ro geral das Tropas informa que Manoel Nascimento:

em todo este tempo não exercera o Posto nem se apresentara no Batalhão, se


não agora depois que aquele Corpo se acha reduzido a quatro Companhias
cada uma com o Capitão que se lhes destinou na Conformidade do Plano
que subiu a Real Presença: mandei cassar e recolher a Secretaria deste
Estado a referida Patente.66

Portanto, tendo sido oficialmente confirmado ou não, o plano foi pos-


to à efeito. A justificativa oficial para a redução do Corpo dos Henriques
– aquela de que o número de pretos forros “hábeis e robustos” não se-
ria suficiente para compor o Regimento – não parece se sustentar. Creio
que, muito além das justificativas de caráter militar, a redução que tem
início em 1802 representa o início do desmantelamento do C orpo dos
Henriques que vai acontecer em meados do século XIX. Era como o pre-
lúdio do fim.

Considerações finais

Ao término desse artigo, vimos que ainda há muito que desvendar so-
bre as milícias de cor e, principalmente, sobre as teias de relações que
envolviam o oficialato de cor, as irmandades e os ofícios mecânicos. Este
é um trabalho em andamento, através do qual venho tentando contribuir
no sentido de destacar uma relação pouco estudada pela bibliografia: a
presença de africanos no oficialato das milícias de cor, aprofundando, as-
sim, o entendimento sobre parte do conjunto da população alforriada na
cidade do Rio de Janeiro.

66
Ibidem.
Crise e decadência: a Fazenda do Iguaçu
e seus escravos, século XIX1
Paulo Henrique Silva Pacheco

Em 1581 a Ordem de São Bento chegou ao Brasil, expandindo-se por


diversas capitanias. Até o século XVIII essa ordem regular possuía con-
ventos na Bahia (1581), Espírito Santo (1589), Rio de Janeiro (1590),
Olinda (1596), Paraíba do Norte (1596), São Paulo (1598) e Brotas (1670).
Esses mosteiros eram administrados de forma independente pelos aba-
des locais, estando subordinados a um superior, o abade geral – também
chamado provincial – que residia no mosteiro da Bahia, instituído como
“cabeça”. A administração do abade geral respondia diretamente às inten-
ções da Congregação Portuguesa e por isso o Breve Apostólico de 1612
determinou que o provincial “teria todas as regalias de abade sem o ser de
abadia alguma”.2
No Rio de Janeiro a Ordem de São Bento adquiriu diversas proprieda-
des. Inicialmente, a maior parte de suas aquisições foi por meio de ver-
bas testamentárias, como capelas, casas e terras. Na freguesia de dentro,
onde encontrava-se o mosteiro, vários prédios localizados na antiga Rua
Direita (atual Primeiro de Março) foram doados aos monges. Entre as cha-
madas “freguesias de fora”, áreas rurais da capitania,3 a Ordem possuiu as
chamadas “propriedades rúticas”, distribuídas nas regiões do Recôncavo
da Guanabara (Inhomerim, Iguaçu, Ilha do Governador e Pasto de São
Domingos, hoje Niterói); ao sul em Campo Grande, Ilha Grande e Angra
dos Reis; e ao norte em Cabo Frio, Maricá, Campos Novos e Camorim.
1
Durante o processo de elaboração do capítulo 3, parte do material referente às fazendas benediti-
nas, localizado no Arquivo do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro (AMSB/RJ), foi interditado
à pesquisa. Tal surpresa levou ao uso de uma reduzida documentação, parte dela não diretamente
relacionada à Fazenda do Iguaçu. Cabe ainda informar ao leitor que este é um estudo preliminar,
uma proposta de análise que buscará por novas fontes sobre o assunto. Este trabalho contou com
o apoio da Fundação Biblioteca Nacional e da CAPES.
2
LUNA, Joaquim G. de, Dom. Os monges beneditinos no Brasil: esbôço histórico. Rio de Janeiro: Lu-
men Christi, 1947. p. 20.
3
Eram denominadas “freguesias de fora” aquelas localizadas além dos limites da cidade do Rio de
Janeiro, chamadas “de dentro”.
As propriedades rústicas dos beneditinos tiveram como objetivo su-
prir as necessidades materiais e econômicas da Ordem, o que contribuiu
para torná-la mais independente da Congregação Portuguesa. Para a
construção de engenhos, sítios e fazendas proveram os monges de recur-
sos financeiros que possibilitaram, além das várias reformas realizadas no
mosteiro da cidade do Rio de Janeiro, aumentar ainda mais o seu territó-
rio. Tais rendimentos provinham da produção de açúcar, arroz, farinha de
mandioca, aguardente, tijolo, criação de gado e também do arrendamen-
to de terras, sendo que a agricultura se concentrou nas terras de Iguaçu.
Dentre as provisões, é importante inserir a produção das propriedades
de Inhomerim, onde as terras impróprias ao cultivo4 possuíam solo com
grande concentração de conchas, favorecendo a fabricação de cal para
as suas obras.5 Em um relatório produzido pelo abade Fr. Inácio de São
Bento (1657-1660), cujo governo deu continuidade às obras do dormitó-
rio e da torre do mosteiro, mostrou a quantidade estimada de extração de
conchas para uma atividade de grande porte.

[...] Comprou cinquenta e dois escravos por preço de 2:335$500 réis, dei-
xando para as obras e mais serviços do mosteiro trinta e três escravos.
Deixou mais na fazenda de Inhomerim quantidade de ostra tirada e limpa
para uma caldeira que daria pouco mais ou menos 1000 moios de cal. No
Mosteiro deixou para as obras 25 milheiros de tijolos pouco mais ou me-
nos e uma pouca de cal.6

Assim, a ordem beneditina integrou não só a lista dos grandes proprie-


tários de terra, mas também a dos grandes senhores de escravos da capi-
tania. Neste caso, um importante aspecto a ser estudado é o tratamento
dado à mão de obra escrava do mosteiro, considerando as particularidades
pertinentes à área de atuação. No trabalho História da Igreja no Brasil, o pes-
quisador Eduardo Hornaert tratou genericamente dos cativos das ordens
religiosas, considerando que eles tiveram certos privilégios em relação aos
demais, dentre eles o de receber maior instrução religiosa e direito ao matri-
mônio.7 Já o viajante inglês Henry Koster, que residiu em Pernambuco no
início do século XIX, apontou o zelo que os beneditinos tinham para com os
escravos de mais idade e as crianças, além da concessão de alforrias.8
4
Arquivo do Mosteiro de São Bento, doravante AMSB/RJ. Códice 1161. Dietário do Mosteiro de São
Bento. 1589-1792. p. 6.
5
Mateus Ramalho Rocha (Dom). O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, 1590/1990. Rio de Janei-
ro, Ed. Studio HMF. 1991. p. 56.
6
AMSB/RJ. Estados. p. 72.
7
Eduardo Hoornaert e outros. História da Igreja no Brasil: ensaio de interpretação a partir do povo:
primeira época, Período Colonial. Petrópolis, Vozes. 2008. p. 40.
8
Henry Koster (Travels in Brasil, 1816). Estas afirmações foram revistas a partir de uma historiogra-
fia mais moderna no trabalho de Paulo Henrique S. Pacheco. Moral e disciplina: monges e escravos
no espaço monástico beneditino na Corte Imperial. 2010. Dissertação de Mestrado em História.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2010.
Todo esse ordenamento monástico foi transformado a partir das me-
didas aplicadas pelo governo português às ordens religiosas brasileiras.
Vale considerar que a conquista econômica e o grande número de monges
nos claustros durante o século XVIII proporcionaram certa autonomia po-
lítica a essas instituições. As aquisições territoriais, a prestação de servi-
ços à população e a regulamentação de algumas ações sociais atribuíram à
Igreja a possibilidade de executar um poder paralelo ao do Estado. Neste
caso, coube à administração do ministro Sebastião José Carvalho e Mello
(futuro Marquês de Pombal) intervir no poder eclesiástico. A partir das
medidas impostas ao longo da segunda metade do século XVIII é que ana-
liso os escravos que pertenceram a Fazenda do Iguaçu, considerando toda
a conjuntura desfavorável à administração das propriedades rústicas da
Ordem. Uma época de desordem para a organização beneditina.

O desenrolar de uma crise

Diante da situação exposta anteriormente, coube à Coroa intervir no


poder eclesiástico. As disposições aplicadas visavam restringir a parti-
cipação dos religiosos na jurisdição administrativa do governo, a curto
e longo prazos. O exemplo disso foi a expulsão da Companhia de Jesus
(cuja consequência exigiu uma ampla reforma religiosa e educacional), a
subordinação do Tribunal da Santa Inquisição ao Estado, as várias ten-
tativas para obter o controle das propriedades eclesiásticas e a proibição
da renovação dos claustros. Essa última medida acarretou na escassez de
religiosos e é a partir dela que estudo o início de um conjunto de deter-
minações que condicionaram uma série de acontecimentos descritos em
registros e outras produções monásticas como desfavoráveis ao cotidiano
das propriedades beneditinas.
O Capítulo Geral era a assembléia de dignitários eclesiásticos que
tratavam dos assuntos referentes à organização e a unificação dos mos-
teiros. A partir de 1829, dois anos após a constituição da Congregação
Beneditina do Brasil, essa reunião era formada apenas por abades, que
ocupavam as funções de relator, vogais, definidores, procurador, visita-
dores e presidentes,9 monges conhecidos como capitulares eleitos a cada
três anos. A referência para essa estrutura organizacional provinha do
Conselho Beneditino Português, a quem a província brasileira esteve sujei-
ta por 246 anos. Portanto, todas essas cadeiras estavam submetidas a um
superior, o abade geral, também eleito nessa reunião. Os resultados des-
sas assembléias eram as Atas dos Capítulos Gerais e das Juntas Capitulares,
mantidas na Abadia de São Sebastião da Bahia e encaminhadas aos mos-
teiros, onde cada secretário deveria fazer uma cópia. Inicialmente tra-
balhei com as Atas Capitulares e o Livro de Provimento da Ordem de São

9
Presidentes: abades responsáveis pelos mosteiros autônomos que possuíam um número de mon-
ges superior a cinco, também chamada de presidências.
Bento do Rio de Janeiro, em seguida com uma crônica publicada em 1879,
produzida por Benjamim Flanklim Ramiz Galvão. Assim aparece a deter-
minação para a feitura das cópias enviadas ao Rio de Janeiro, por mim
consultadas:

Manda o presente Capítulo, em conformidade do que determinou o pas-


sado, que o Secretário mande tirar duas cópias das Atas do Capítulo Geral,
um que mandará para o Rio de Janeiro, que depois de escriturada no Livro
competente remeterá ao mais vizinho, este fará o mesmo, e o passará a
outro Mosteiro, e assim por diante a última Presidência; outra mandará
para Pernambuco, que fará o mesmo, que fica determinado.10

O objetivo desse “regulamento capitular” foi o de registrar as ações do


governo geral da Congregação, o regimento interno pertinente a situação
de cada mosteiro, “as eleições, tratarem e resolverem [de] tudo o que [for
para o] bem do regime e aumento”11 da Congregação. Os assuntos trata-
dos foram distribuídos por sessões, no primeiro momento ocorriam as
eleições e uma sindicância para averiguar se o monge estava ou não hábil
a ocupar tal função. Em seguida, era realizada a leitura dos Estados, relató-
rios trienais realizados ao final de cada governo ao qual resumia a conta-
bilidade geral dos mosteiros e das suas propriedades rústicas, do Guião do
Estado e a eleição de cinco definidores para então ser tratado das questões
relativas ao espiritual e temporal de toda a Congregação.
O Livro de Provimento constitui uma documentação distinta. A sua fun-
ção era controlar a distribuição das roupas e panos, provimentos, dados
a cada três anos aos monges e escravos do mosteiro do Rio de Janeiro.
Assim, essa fonte está dividida em duas partes, na primeira está a relação
dos religiosos e o que eles receberam, além de diversos recibos de com-
pra de material fornecidos aos beneditinos;12 na segunda, referente aos
triênios correspondentes entre os anos de 1819 e 1842, encontram-se os
“provimentos repartidos pelos escravos”, neste caso, baeta, algodão, li-
nho, olanda e pano. O que torna essa fonte importante para esse estudo
é a maneira como foram organizadas as informações. Os cativos foram
registrados de acordo com a propriedade na qual se encontravam,13 sendo
organizados por idade e sexo; em alguns casos foi especificado o estado
civil e os ofícios que praticavam. Ao quantificar os dados contidos nesse
livro foi possível levantar o número de escravos, homens e mulheres, que
10
AMSB/RJ. códice 1143. Livro de Atas dos Capítulos Gerais e das Juntas Capitulares, 1829-1866, fl.
20v.
11
Ibidem.
12
Dentre os recibos estão pares de meias, retros e linhas, chapéus e tecidos como linho, baeta (tecido
de lã), algodão e chita.
13
Neste caso, foram descritas as propriedades do Mosteiro (dividas em Guindaste, Horta e Enferma-
ria), Iguaçu (composta pelas fazendas do Tijolo, Gônde e Telha), Fazenda do Outeiro, Maricá, Ilha
do Governador, Camorim, Vargem Pequena, Vargem Grande, Cabo Frio e Campos.
atuaram em todas as propriedades beneditinas. Assim como no Quião, re-
latórios que resumem as despesas, dívidas, criações de animais, licenças,
cartas de liberdade, venda de escravos, alforrias votadas e uma relação
geral de escravos referente aos últimos anos que antecederam a concessão
compulsória de 1871, são assuntos a serem tratado mais adiante.
Uma fonte que introduz a temática da escassez de religiosos nos claus-
tros beneditinos é a publicação do Dr. Benjamim Franklin Ramiz Galvão,
Aponctamentos Históricos sobre a Ordem Benedictina em Geral.14 Dividida
em duas partes, a obra se dedicou à Ordem de São Bento instalada no
Brasil. Ramiz Galvão foi médico, professor, filólogo, biógrafo e orador e
atuou nas principais instituições brasileiras do Império e da República. Foi
presidente da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, sendo responsável
pela publicação dos Anais; diretor da Academia Brasileira de Letras, onde
sucedeu Carlos de Laet, em 1928; e também dirigiu o Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro. Lamentavelmente ainda não encontrei sua ligação
com a Ordem, de modo a justificar seu interesse por um tema tão particu-
lar aos anseios desse grupo religioso. A primeira parte apresenta uma bio-
grafia do patriarca Bento de Núrcia, durante a construção e instituição da
Regra Beneditina a partir do desenvolvimento da vida monacal na Europa.
A segunda, que mais nos interessa aqui, está dividida em duas seções,
ambas tratando do Mosteiro de Nossa Senhora de Monserrate, no Rio de
Janeiro. A divisão proposta por Ramiz Galvão não é cronológica, mas pau-
tada pelos “primeiros sinais de animosidade contra as ordens regulares
em Portugal.”15 A dita “animosidade” pode ser entendida como as medi-
das restritivas que tinham como objetivo controlar o poder exercido pelas
ordens. Essa segunda seção trata das consequências das medidas aplica-
das no século XVIII e das novas relações estabelecidas entre a Ordem e o
governo Imperial, no período de 1808 a 1869. A narrativa utilizada parte
de um sentimento escatológico para com o cotidiano monástico, no qual
identifiquei que a publicação de Ramiz Galvão atuou como uma reivindi-
cação para a situação da Ordem, denunciando o constante interesse do
governo sobre os bens dos beneditinos.
O fim do chamado período pombalino não possibilitou a completa
revogação da medida que restringiu a entrada de noviços nos claustros
brasileiros, como esperavam os religiosos. Ao assumir o trono de Portugal
em 1777, D. Maria I revogou este e alguns outros avisos instituídos. Em
1780, pela assinatura de um decreto, entraram os primeiros novatos após
a interdição. Uma “conquista” – na visão dos religiosos – que não pas-
sou de 1789, quando foi instituída a Junta do Exame do Estado Atual
14
GALVÃO, Benjamim F. R. Aponctamentos históricos sobre a Ordem Benedictina em Geral e em parti-
cular sobre o Mosteiro de N. S. do Monserrate da Ordem do Patriarcha S. Bento d’esta cidade do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger & Filhos, 1879.
15
GALVÃO, Benjamim F. R. Aponctamentos históricos sobre a Ordem Benedictina em Geral e em parti-
cular sobre o Mosteiro de N. S. do Monserrate da Ordem do Patriarcha S. Bento d’esta cidade do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger & Filhos, 1879. p. 66.
e Melhoramento Temporal das Ordens Regulares. Esta Junta, que deve-
ria se encarregar de melhorar o desempenho das ordens diante da nova
organização do Estado e da sociedade, “alimentou a crítica de seus de-
tratores que a acusavam de se autoperpetuar, quando tinha sido criada
como comissão temporária, e de se imiscuir em matérias que não eram
da sua alçada.”16 Laurinda Abreu, professora da Universidade de Évora,
cuja produção acadêmica restringe-se à análise social, política e religiosa
do século XVIII, trabalhou com o Resumo das consultas especiaes da Junta
(sic). Essa fonte caracteriza-se por ser uma síntese, um relatório, da Junta
que avaliava o estado temporal das ordens e propunha soluções para a
sua sobrevivência. Segundo a pesquisadora, em 1834 um plano geral de
reestruturação previu a

redução dos encargos pios e a substituição dos dotes por prestações regu-
lares, passando a exercer um controle direto sobre os religiosos, nomeada-
mente em relação à entrada de noviços, aos processos de secularização e às
estadas fora dos conventos.17

Tais medidas acarretaram a “racionalização de recursos, a contenção


dos gastos, o equilíbrio do número de casas e de religiosos que as ocupa-
vam, a moralização de hábitos e o respeito por compromissos sociais as-
sumidos, nomeadamente em relação ao ensino”.18 A Junta atuou de 1789
a 1834. Com o seu processo de extinção, entre os anos de 1829 a 1834, a
medida foi novamente revogada voltando a ser autorizado o ingresso de
noviços. A razão indicada por Ramiz Galvão para esse ato foi o reconheci-
mento da Coroa pelos serviços prestados pela Ordem beneditina, durante
as invasões francesas a Portugal (1807-1810).
Segundo a historiadora Maria Rachel Fróes da Fonseca dos Santos, hou-
ve um intento do governo Imperial para a formação de um clero nacional.
Para tal, havia sido determinado que “as ordens religiosas deveriam se des-
vincular de suas ‘matrizes’ européias, para assim poderem permanecer no
país”.19 Para os beneditinos essa medida não traria desvantagens por duas
razões: esta separação já havia sido objetivada em 1656, quando alguns
monges da Província expuseram que as suas necessidades distinguiam-se

16
ABREU, Laurinda. Um parecer da Junta do Exame do Estado Actual e Melhoramento Temporal das
Ordens Regulares nas vésperas do decreto de 30 de Maio de 1834. In: ESTUDOS em homenagem
a Luís Antônio de Oliveira Ramos. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004. p.
119-120.
17
ABREU, Laurinda. Um padecer da Junta do Exame do Estado Actual e Melhoramento Temporal
das Ordens Regulares nas vésperas do decreto de 30 de Maio de 1834. In: ESTUDOS em homena-
gem a Luís Antônio de Oliveira Ramos. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004.
p. 119.
18
Ibidem, p. 120.
19
SANTOS, Maria Rachel Fróes da Fonseca. Contestação e defesa: a Congregação Beneditina Brasileira
no Rio de Janeiro (1830-1870). Dissertação (Mestrado)–Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1986. p. 15.
das que envolviam o Reino. Por conseguinte, com o direito de se auto-
-governarem, os religiosos acreditavam no restabelecimento do número
de monges nos seus claustros. Com essa iniciativa, a partir de 1826, os
monges iniciaram o processo de separação entre a Província Beneditina
Brasileira e a Congregação Portuguesa. Não cabe nesse artigo apresentar
uma análise mais detalhada acerca desse processo.20 Entretanto, é rele-
vante saber que a Congregação de São Bento do Brasil só foi instituída em
novembro de 1827, quando chegaram às mãos de frei Antonio Carmo as
autorizações da Santa Sé, a bula Inter Gravíssimas Curas, e o Beneplácito
do Império. O Beneplácito, que custou para os monges 504$401 réis –
relativos às despesas do ministro em Roma, para a expedição do docu-
mento – dava plenos direitos ao exercício das atividades religiosas dessa
Ordem.

Sua Magestade o Imperador foi servido mandar-nos pela Secretaria


de Estado dos da justiça e Eclesiásticos, munida com o seu Imperial
Beneplácito, uma Bulla do Sumo Pontífice Leão XII, ora Presidente na
Santa Igreja Católica, pela qual Sua Santidade houve por bem separar esta
nossa antiga Província Beneditina da Congregação de S. Bento de Tibães,
criando nela a nova Congregação de S. Bento do Brasil, o que tudo será
presente a Vossa Reverendíssima, logo que se imprima a referida Bulla, e
Beneplácito Imperial. [...] e formalizem um regulamento capitular, análo-
go ao nosso estado presente para nos dirigirmos na celebração deste pri-
meiro Capítulo Geral, [...].21

Todo esse investimento serviu para a construção de uma administração


desvinculada dos interesses da Ordem portuguesa. Para tal, o Mosteiro do
Rio de Janeiro atuou como intermediário entre a Ordem de São Bento
e o governo Imperial. Além do seu destaque econômico, já que possuía
uma renda maior do que a produzida pela abadia da Bahia, foi aprovada
em Capítulo a sua promoção para ocupar o “segundo lugar entre os mais
da Congregação”,22 ou seja, entre os demais mosteiros. Na realização do
primeiro Capítulo Geral, em junho de 1829, a assembléia contou com um
número reduzido de monges. Neste caso, houve a preocupação quanto às
tarefas que seriam distribuídas pelos 11 conventos que constituíram a
nova Congregação Beneditina do Brasil, dentre eles: sete abadias (Abadia
de S. Sebastião da cidade de Salvador, de Nossa Senhora do Monserrate
20
Para uma análise mais detalhada do assunto consulte: PACHECO, Paulo Henrique Silva. Moral e dis-
ciplina: monges e escravos no espaço beneditino da Corte Imperial. Dissertação (Mestrado)–Pro-
grama de Pós-Graduação em História, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2010.
21
LEÃO BISPO. Bulla do S.P. Leão XII. Inter Gravissimas Curas de 1 de julho de 1827 relativa à Separa-
ção da Província do Brasil da Congregação Beneditina de Portugal. In: MOSTEIRO DE SÃO BENTO
DO RIO DE JANEIRO. Abbadia Nullius de N. S. do Monserrate: o seu histórico desde a fundação até
o anno de 1927. Rio de Janeiro: Papelaria Ribeiro, 1927. p. 271.
22
AMSB/RJ. códice 1143, fl. 20v.
do Rio de Janeiro, de Olinda – Pernambuco, da Paraíba, de Nossa Senhora
Assunção da cidade de São Paulo, de Nossa Senhora da Graça – Bahia – e
de Nossa Senhora das Brotas – vizinha da Vila de S. Francisco na mes-
ma região), e quatro presidências, mosteiros com número de monges su-
perior a cinco membros, (Mosteiro da Vila de Santos, em Sorocaba, em
Jundiaí e na Paraíba).
Uma medida de regularização dos claustros ocorreu apenas em 1835,
quando foi concedido às ordens religiosas um ato adicional da Constituição,
autorizando a admissão de 30 noviços. Estes deveriam ser divididos igual-
mente entre os mosteiros de São Bento, São Francisco e Nossa Senhora
do Carmo. Porém, em 1855, foi decretado o Aviso do Ministro da Justiça,
José Thomaz Nabuco de Araújo, que cassava as licenças outorgadas: “S. M.
o Imperador há por bem cassar as licenças concedidas para a entrada de
noviços nessa Ordem Religiosa até que seja resolvida a Concordata que à
Santa Sé vai ao Governo Imperial propor.”23
Ainda não encontrei informações referentes à convenção do Estado
com a Igreja, mencionada na referida licença. A determinação que, tinha
o seu caráter intermitente, passou a ser definitiva. Em 1868, todos os
11 mosteiros da Congregação possuíam 41 religiosos. Sobre esse perío-
do, dom Joaquim Granjeiro de Luna, um cronista beneditino, afirmou
que apenas duas abadias conseguiram, com muitas limitações, manter a
vida regular monástica, era “a do Rio de Janeiro, que contava com quinze
monges e a da Bahia, onze; na de Olinda havia só quatro e nas outras
abadias e presidências apenas um ou dois.”24 A falta de monges nos claus-
tros beneditinos comprometeu significativamente o cotidiano monástico
nas fazendas e também no mosteiro, instaurando um processo de crise.
Tal afirmação toma como base a documentação já mencionada, o Livro de
Provimentos e as Atas Capitulas, que permite analisar as consequências
dessa medida, mesmo quando ainda era intermitente no início do século
XIX.
A partir de agora caberá analisar como a maior dependência do traba-
lho escravo e as ações do governo contra os bens monásticos geraram um
crescente estado de decadência na organização da Congregação benediti-
na, especificamente à Fazenda do Iguaçu no Rio de Janeiro.

A decadência como consequência

A escassez de religiosos não demorou a refletir na administração da


ordem. Mediante a carência de monges para cuidar dos bens localizados
nas áreas “rústicas”, o então Capítulo Geral da Congregação Beneditina
23
BETTENCOURT, Estevão, Dom. A reestruturação dos Mosteiros Beneditinos do Brasil em fins do
século XIX. In: ALMEIDA, Emanuel (Org.). Coletânea Tomo II: 400 anos Mosteiro de São Bento Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro. [S.l.]: “Lúmen Christi”, 1991. p. 9-10.
24
LUNA, Joaquim G. de, Dom. Os monges beneditinos no Brasil: esbôço histórico. Rio de Janeiro: Lu-
men Christi, 1947. p. 36-37.
do Brasil optou por vendê-las. A justificativa também estava embasada
pelo alto custo da manutenção das fazendas e as muitas ameaças de inva-
sões, feitas por produtores leigos, além da infidelidade dos procuradores
das abadias. Com essa disposição, o intento dos capitulares era reduzir as
“rendas incertas e falíveis a um produto certo ou ao menos aproximado”:25

Considerando o Capitulo Geral como vantajoso ao bem espiritual e tem-


poral do Mosteiro, a venda de algumas terras, e fazendas, convertendo o
seu produto em Patrimônio mais sólido na Cidade, que, tornando-se de
mais fácil Administração não só nos poupe os poucos monges que temos,
como nos livre de uma infinidade de pleitos, que é preciso sustentar para
rechaçar as contínuas invasões dos ambiciosos. Manda principiando pe-
las mais remotas ao N. R.mo P. M. G. que obtida a licença da Assembleia
Provincial [...], ponha a venda o mais breve que lhe for possível todas as
terras e Fazendas [...] Manda porém em virtude de Santa obediência que
este dinheiro seja imediatamente recolhido ao cofre donde não o poderá
tirar algum Prelado a não ser para pagamento de dívidas, ou melhoramen-
to do Patrimônio em casas na Cidade.26

Uma análise pautada apenas nas Atas Capitulares permitiria afirmar


que a falta de monges contribuiu para a diminuição da produção das fa-
zendas beneditinas. Assim, a “troca” de parte desse patrimônio para a
aquisição de prédios urbanos pareceria mais lucrativa, já que os custos se-
riam menores e o retorno garantido. Entretanto, cartas apresentadas por
Ramiz Galvão permitem considerar que as disposições administrativas
dessa Congregação, principalmente a partir de 1830, eram contrárias às
determinações do governo Imperial. As ações governamentais do século
XIX, consideradas pelos religiosos como “meticulosas”, não objetivaram
apenas o controle das organizações, mas a apropriação dos seus bens. Em
1833 o Governo pediu, por meio de um aviso, que as ordens religiosas in-
teirassem o conselho imperial da sua atual situação. O abade do Mosteiro
do Rio de Janeiro, frei José Polycarpo e Santa Gertrudes, respondeu ao
conselheiro Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, em 23 de setembro
do mesmo ano. Nesse período a comunidade beneditina da Corte imperial
possuía a maior produtividade da Ordem no Brasil, superior à da abadia
de Salvador. Para a decepção de todos, em 8 de agosto de 1834, o Ministro
da Justiça apresentou uma nova proposta à assembléia, dessa vez, su-
gerindo a transferência imediata dos bens monásticos em benefício da
nação. Mediante a essa determinação, caberia ao Governo

[...] dar a cada religioso uma pensão anual e dois escravos para serviço:
prometia breve de perpétua secularização aos que o quisessem, asilo aos

25
AMSB/RJ. códice 1143, fl 4.
26
AMSB/RJ. códice 1143, fl. 33v.
religiosos valetudinários e mentecaptos, emprego em benefícios ou cadei-
ra de ensino público aos secularizados idôneos. [...] Ficavam para a manu-
tenção do culto divino os vasos, utensílios e mais preparatórios que havia
nas igrejas; [...] Quanto aos conventos, que em virtude desta lei revertiam
aos domínios da nação, seriam aplicados pelo governo a objetos de utilida-
de pública, segundo julgasse mais conveniente.27

A pesquisadora Maria Rachel Fróes da Fonseca dos Santos, em sua dis-


sertação, considerou que a alienação dos bens das ordens religiosas ape-
nas aconteceria a partir de uma situação própria da instituição, como a
necessidade de liquidar dívidas, de se desfazer de prédios devido ao seu
mau estado de conservação e ainda, para ajudar outros (homens ou de-
mais instituições) que a necessitem. No caso da Congregação Beneditina
Brasileira, uma ordem regular, deveria ter a permissão do abade do mos-
teiro e do Capítulo Geral, pois “os bens da Igreja, tanto do clero secular
quanto do regular, constituem realmente uma verdadeira propriedade,
não sendo, então, de domínio da comunidade.”28 Quanto à doação de es-
cravos para os religiosos vale mencionar que essa prática integrou-se ao
cotidiano dos monges beneditinos desde a chegada da Ordem no Brasil,
tendo sido utilizados índios e africanos. Entretanto, até o final do século
XVIII, os poucos registros que tratam do assunto indicam que os escravos
atuavam mais nas fazendas e na horta (área que cercava o edifício e tam-
bém servia para o plantio) do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro do
que na capela-mor e nos claustros.29
D. Mateus Ramalho Rocha, em sua obra já apresentada, O Mosteiro de
São Bento do Rio de Janeiro 1590/1990, fez uma análise mais detalhada
dos escravos da Ordem. Utilizando-se dos Estados e do Livro do Tombo,
constituído de diversas escrituras, inventários e várias notas de compra e
venda, o autor intentou uma breve quantificação.

27
GALVÃO, Benjamim F. R. Aponctamentos históricos sobre a Ordem Benedictina em Geral e em parti-
cular sobre o Mosteiro de N. S. do Monserrate da Ordem do Patriarcha S. Bento d’esta cidade do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger & Filhos, 1879. p. 95.
28
SANTOS, Maria Rachel Fróes da Fonseca. Contestação e defesa: a Congregação Beneditina Brasileira
no Rio de Janeiro (1830-1870). Dissertação (Mestrado)–Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1986. p. 94.
29
A documentação mencionada, localizada no AMSB/RJ, refere-se a: Estados 1 e 2; códice 1161.
Dietário do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, 1589-1792; MACEDO, Dioclécio Leite de
(Org.). Segundo Livro do Tombo, 1688-1793. Rio de Janeiro: Mosteiro de São Bento, 1981; códice
1148. Livro das Atas do Conselho do Mosteiro do Rio de Janeiro, 1700-1835.
Tabela 1 – Escravos adquiridos pela
Ordem de São Bento do Rio de Janeiro (1623-1870)
Ano Número de escravos
1623 200
1652 250
1657 300
1666 321
1763 487
1787 901
1800 1.176
1830 1.097
1832 1.217
1870 918
Fonte: ROCHA, Mateus Ramalho. O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro 1590/1990. Rio de Janeiro: Studio HMF, 1991. p. 83.

O crescente aumento do número de escravos, apresentado por Ramalho,


permitiu construir a hipótese de que essa mão de obra passou a ser inserida na
administração do universo monástico beneditino no Rio de Janeiro, sendo uti-
lizada para suprir a carência de noviços em certas atividades. No entanto, a fal-
ta de uma descrição referente à distribuição desses escravos nas propriedades
não a sustenta. Entre os anos de 1763 e 1787, quando foi instituído o aviso de
proibição de ingresso de noviços nos conventos brasileiros e, dois anos antes
da criação da Junta do Exame do Estado Atual e Melhoramento Temporal das
Ordens Regulares, houve um aumento de aproximadamente 50% no número
de escravos. Já nos últimos anos, de 1862 a 1870, houve uma queda de 24% na
mão de obra, correspondendo a uma época na qual a maioria das fazendas já se
encontrava desativada, assunto que será tratado mais adiante,
O Livro de Provimentos possibilitou saber o número de escravos empre-
gados por ano em cada propriedade monástica, por sexo e idade. O resultado
da análise desse documento apontou dados distintos dos apresentados por
Rocha. Primeiramente, o aumento do número de escravos mostra-se significa-
tivo apenas no período que antecede a instituição da Congregação Beneditina
Brasileira: comparado a 1819, o ano de 1822 apresentou um aumento de 250%
da mão de obra, fato que não se repetiu posteriormente, pois em média, até
1832, as novas aquisições não passaram de 5% por triênio. A fase que determi-
na uma diminuição dos cativos iniciou-se em 1835, não havendo queda maior
do que 10% do total. Nesse período, havia 532 escravos, aproximadamente
10% a menos do que no triênio anterior, 1832, quando os religiosos contaram
com 588 “peças de serviço”. Esses acontecimentos podem estar relacionados à
concessão gradativa de alforrias. (Tabela 2)
O acréscimo de escravos desencadeou medidas que interferiram na admi-
nistração do espaço e das propriedades beneditinas. Estas passaram a ser no-
tadas ao longo das reuniões capitulares, cuja preocupação com os cativos que
serviam à religião mostraram-se constantes. Os religiosos atentaram para os
procedimentos de como lidar com a mão de obra cativa, sendo muitas vezes
recomendado que fosse oferecida aos escravos instrução primária, religião e
até assistência médica. Assim, os monges acreditavam que neutralizavam as
agitações ou organizações que caracterizavam os escravos considerados in-
corrigíveis. Apesar da Ordem sempre ter possuído escravos, a urgência para
com os procedimentos disciplinares dessa mão de obra foi maior nos Capítulos
instituídos a partir de 1829. Naquele período, os mosteiros brasileiros já se
constituíam como uma Congregação, adquirindo uma liberdade para resolver
as suas próprias questões. Quanto a isso, havia a necessidade de suprir as ca-
rências existentes em algumas funções que garantiriam a manutenção do con-
vento e também das suas propriedades.

A Fazenda de Iguaçu

Os beneditinos possuíram três fazendas na região do Iguaçu. Na primeira


metade do século XIX, o Livro dos Provimentos faz referência à Fazenda do
Tijolo, do Gondê e da Telha. A partir de 1850, Flávio dos Santos Gomes con-
sidera que “a de Iguaçu, com cerca de sessenta escravos, que fabricava telha e
tijolo, a do Outeiro, com dez escravos, que produziam mandioca, juntamen-
te com a do Gondê, com nove escravos”.30 O espaço monástico construído no
Recôncavo da Guanabara não correspondeu às especificidades propostas no
convento. A casa grande da fazenda do Iguaçu, cuja construção foi iniciada
em 1688, foi reconstruída em 1754 para melhor atender as realizações das
práticas litúrgicas dos religiosos. Frei Manuel do Espírito Santo, acabou por
construir uma casa com o formato do mosteiro, tendo pátio e cômodos se-
melhantes ao claustro, na qual passou a funcionar o hospício (casa de hospe-
dagem). De acordo com o Dietário, livro que descreve o governo dos prelados
e resume a vida dos monges falecidos, esta casa em Iguaçu foi melhor do que
muitos conventos beneditinos: “Os mosteiros pequenos da Província não são
tão bons como este edifício.”31
D. Clemente da Silva Nigra, um historiador beneditino, descreveu a seme-
lhança que essa construção tinha com o Mosteiro:

A fachada, além do frontispício da igreja, tem em cada canto, duas janelas-


-portas de sacada (dos dois grandes salões), ficando no meio as seis janelas das
respectivas celas. A disposição obedece, por conseguinte, à construção de cada
lanço do mosteiro de S. Bento do Rio. Na parte da Guanabara corre em toda a
extensão do edifício a grande varanda, posta sobre um corredor de extensas
arcadas. Por falta do último lanço (paralelo ao da fachada), a quadra claustral
não está completa.32
30
GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio
de Janeiro, século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 46.
31
AMSB/RJ. códice 1161, fl. 30.
32
NIGRA, Clemente Maria da Silva, Dom. A antiga fazenda de São Bento em Iguaçu. Revista do Ser-
viço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 7, p. 257-282, 1943. p. 277.
Tabela 2 – Escravos da Ordem de São Bento do Rio de Janeiro*
1819 1822 1825 1829 1832 1835 1839 1842
Propriedades h m h m h m h mos m mas h mos m mas mes h mos m mas h mos m mas h mos m mas
Guindaste 98 81 66 55 53 73 66 64
Horta 4 3 6 14 7 3
Enfermaria 2 2 5 2 7 7 8 4 5 7 19 5 5 4 4 5 2
Faz. Tijolo 37 43 97 44 40 11 31 11 45 31 27 7 22 7 27 7 22 6 26 10 16
Faz. Gondê 6 27 24 34 28 28 16 7 21 10 15 29 7 7 16 9 7 7 16 9 7 12 18 8
Faz. Telha 19 22 17 21 12 27 14 22 5
Faz. Outeiro 14 24 11 1 21 2 11 1 21 2 10 3 18 1
Maricá 17 19 20 15 21 3 15 9 28 28 17 11 19 11 13 15 17 24 23
Ilha Gov. or 12 7 9 8 4 6 5 3 5 6 9 2 2 2 6 8 7 15 11 15 12 10 12 13
Camorim 39 56 27 42 36 14 33 11 57 41 31 13 27 10 31 15 26 17 31 20 26 21
Vargem Peq. 56 56 56 61 26 22 44 15 45 51 17 23 41 16 25 22 42 1 16 26 38 21
Vargem Gde 10 19 11 17 7 11 13 7 18 18 5 13 17 9 13 12 10 5 11 7
Cabo Frio 2 4 2
Campos 3
TOTAL 129 51 301 257 339 249 241 74 188 71 292 6 238 2 21 200 85 178 62 198 65 154 63 196 103 165 103
* h=homens; m=mulheres; mos=meninos; mas=meninas; mes=menores
Fonte: AMSB/RJ, códice 147. Livro dos provimentos (peças de fazenda para roupas) dos monges e escravos do Mosteiro do Rio de Janeiro. 1787-1848.
A capela foi nomeada em 1695 como Nossa Senhora do Rosário do
Iguaçu. Entretanto, há registros de que apenas em 1760 recebeu uma
imagem nova da Virgem do Rosário, conservando no altar-mor a sua an-
tiga invocação, Nossa Senhora do Iguaçu. Addim informa o códice 1161:
“[...] na fazenda do Iguaçu colocou-se no altar uma imagem nova de N.
Snrª do Rosário muito bem estofada com o seu diadema de prata.”33
Não cabe neste capítulo tratar com maior detalhe dos cativos que atu-
aram no mosteiro do Rio de Janeiro. Porém, para facilitar a compreensão
dos efeitos das disposições impostas pelo Capítulo Geral na Fazenda de
São Bento em Iguaçu vale comparar alguns valores encontrados. Por esse
motivo, optei por considerar a mão de obra dos religiosos que atuaram na
propriedade da Corte imperial. O aumento de cativos nas “propriedades
rústicas” em Iguaçu foi maior do que no mosteiro, com exceção de 1819.
Cabe ressaltar que, na lista de entrega de provimentos referente ao tri-
ênio de 1819 a 1822, foram registrados apenas os escravos beneditinos
de Iguaçu, o que não significa que essa fazenda contava apenas com 78
escravos. Aos escravos que se mostrassem indisciplinados, colocando o
cotidiano religioso em risco, era aplicado o castigo físico:

Sendo o mal exemplo um contágio pestífero, que se comunica facilmente,


manda o presente Capítulo que nenhum Abade, ou fazendeiro, consinta
nas fazendas escravos mal procedidos, incorrigíveis, vendendo infalivel-
mente os que tiveram esta nota, com consentimento do Concílio. Declara
outro sim, que o dinheiro que resultar tanto das vendas como das alforrias
dos escravos, se empregue na compra de outros, que os substituam.34

As alforrias eram concedidas tanto por compra quanto por mérito.


Ambas as determinações deveriam ser aprovados pelo Capítulo. Outra
medida que aliviava os cativos dos trabalhos pesados era o direito de se
isentarem dos serviços, sem que lhes fossem dada a condição de forros.
Esta, para ser adquirida, deveria ser apresentada nas assembléias por
meio de um requerimento, documentação esta não encontrada no arqui-
vo beneditino. Acredita-se que a possibilidade de liberdade e de “isenção”
das tarefas constituíram-se como incentivos positivos ao bom comporta-
mento dos escravos. Apesar de ser uma prática comum no mosteiro, essa
medida disciplinar também era aplicada na Fazenda do Iguaçu.

33
AMSB/RJ. códice 1161, fl. 109.
34
AMSB/RJ. códice 1143, fl. 6-6v.
Tabela 3 – Alforrias do Conselho pela Ordem de São Bento
aos escravos da Fazenda Iguaçu
Data de concessão das alforrias Número de alforrias
18/11/1856 55
14/7/1869 13
22/6/1870 39
Fonte: códice 55. Guião do 2º ano do 3º triênio do Abade Frei José da Purificação Franco, 1870-1871.

Esse estímulo, particularmente, não tinha somente a intenção de inserir


a mão de obra em um sistema disciplinar comum aos modos beneditinos. A
sua mão de obra era composta, quase que proporcionalmente, de homens e
mulheres. Isso favorecia a realização de matrimônios, tornando-se uma es-
tratégia para evitar os “excessos” e também servia para aumentar as “peças
de serviço”. Assim, suponho que essa era uma maneira de garantir escravos,
sem que houvesse custos, pois as crianças não nasciam livres. Os ditos in-
centivos positivos também foram percebidos nos investimentos intelectual
e espiritual dispostos aos cativos. No primeiro, a instrução primária e o en-
sino de “profissão”, dentre essas: pedreiro, carpinteiro, campeiro, da olaria,
servente de sobrado (no qual empregavam crianças) e servente. Além de
ferreiro, sapateiro, barbeiro, carroceiro, cocheiro, barqueiro, cozinheira, re-
feitor (aquele que servia as refeições), alfaiate, sineiro e marceneiro e algu-
mas ocupações na sacristia da Capela. Quanto à instrução religiosa, dava-se
pelo ensino da doutrina cristã aos domingos, pela convocação para rezar
o terço às quartas-feiras e aos domingos (diária, a partir de 1833) e pela
prática da confissão, ao menos uma vez ao ano. Há indícios de que poucos
escravos de Iguaçu pertenciam a Confraria do Rosário instituída na capela-
-mor do Mosteiro de São Bento. Devido à falta de documentação não se tem
mais informações a respeito.
O processo de emancipação da mão de obra escrava, fosse pela compra
da alforria ou para serviços prestados, já existia nas propriedades benediti-
nas, porém, a partir da segunda metade do século XIX essas medidas se tor-
naram cada vez mais constantes, principalmente com a Guerra do Paraguai
em 1864 quando, segundo Ramiz Galvão, foi necessário levantar exércitos
que corressem aos campos da peleja em desafronta da honra nacional. [...]
mas o monge beneditino, filho do retiro e apostolado da paz, [...] deu um
exemplo digno de admiração e uma prova inconcussa de seu amor à causa
do estado – abrindo os horizontes da liberdade aos seus escravos, que qui-
sessem alistar-se nas fileiras do exército e da armada nacional.35
A partir da década de 1860, com a baixa produção nas fazendas, o gover-
no imperial voltou a ambicionar os territórios da Ordem. Em junho de 1869,
uma deliberação propunha que os bens das corporações religiosas deveriam
adicionar ao orçamento do Império pela conversão dos seus bens em apóli-
ces da dívida pública. Essa medida previa um aumento de até 30% sobre os
35
GALVÃO, Benjamim F. R. Aponctamentos históricos sobre a Ordem Benedictina em Geral e em
particular sobre o Mosteiro de N. S. do Monserrate da Ordem do Patriarcha S. Bento d’esta cidade
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger & Filhos, 1879. p. 129.
terrenos, prédios urbanos e das fazendas e escravos. Lamentavelmente as
fontes consultadas não apresentam dados que comprovem a existência de
escravos após 1871. Esse fato decorreu da Lei Imperial nº 1764, de 1870,
que obrigava as ordens religiosas a converterem os seus bens em favor do
Império. Contra essa medida, o Mosteiro da Bahia decretou alforria a to-
dos os seus cativos, incentivando os demais mosteiros a fazerem o mesmo.
A decadência das “propriedades rústicas”, principalmente da Fazenda do
Iguaçu, de onde provinha a segunda maior renda da Congregação, não tar-
dou a chegar. Mediante a situação, as olarias da fazenda de Iguaçu foram
desativadas e as demais atividades decaíram por conta da “febre do café”.36
De fato, a libertação desses escravos “trouxe como consequência o aniquila-
mento desta fazenda”37 e também de tantas outras, como por exemplo, a de
Campos Novos, a maior fonte renda da Ordem.
O fim das atividades econômicas das propriedades rústicas da Ordem
de São Bento do Rio de Janeiro não foi analisado neste capítulo a partir da
carência da mão de obra cativa, mas pelo processo ao qual essa Congregação
esteve envolvida. A medida aplicada ainda no século XVIII, que previa a es-
cassez de religiosos nos claustros, produziu uma série de acontecimentos,
desde a instituição de uma ordem beneditina brasileira até conflitos com
o governo Imperial. Questões que acarretaram o desenrolar de uma crise
durante o século XIX. Como resultado, as poucas fontes encontradas regis-
traram um constante interesse do Governo para com os bens materiais da
Ordem e também um aumento significativo do número de escravos. Isso
me fez questionar como o cotidiano da Fazenda do Iguaçu, uma das maio-
res fontes econômicas do mosteiro, se adaptou a todo esse processo.
A partir disso, trabalhei com a referida fazenda considerando as dispo-
sições impostas pelo Capítulo Geral, comparando os tratamentos ofereci-
dos pelos monges aos escravos do mosteiro e aos da propriedade rústica.
Em ambos constatei a necessidade de maior rigor disciplinar, entretanto,
cada qual pertinente ao seu espaço. A concessão da liberdade aos escravos,
ao contrário do que as recentes produções beneditinas mostram, não se
apresentou como uma adesão da Ordem ao movimento abolicionista, mas
uma reação às medidas imperiais. O que não previram era que tal decisão
deixaria suas fazendas vulneráveis às ações do Estado, comprometidas que
ficaram com a falta de quem as cuidasse.
Não foram localizadas imagens de época da fazenda, por isso, a título
de ilustração, apresentamos a seguir duas fotografias recentes publicadas
no artigo de Dom Clemente Maria da Silva Nigra na Revista do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional:

36
ROCHA, Mateus Ramalho. O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro 1590/1990. Rio de Janeiro:
Studio HMF, 1991. p. 62.
37
AMSB/RJ. códice 39, fl. 78v.
Figura 1 - Fachada principal da Igreja e casa da Fazenda de São Bento do Iguaçú.
Fonte: NIGRA, Clemente Maria da Silva, Dom. A antiga fazenda de São Bento em Iguaçu. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 7, p. 257-282, 1943. p. 257-282.
Original: Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (foto em p&b)

Figura 2 – Varanda da fachada lateral da casa da Fazenda de São Bento do Iguaçú.


Fonte: NIGRA, Clemente Maria da Silva, Dom. A antiga fazenda de São Bento em Iguaçu. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 7, p. 257-282, 1943.
Original: Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (foto em p&b)
Viver na rua, viver a rua: usos
e práticas da moradia escrava
na Guanabara oitocentista1
Ynaê Lopes dos Santos

No ano de 1836, os escravos Silvestre e Domingos foram detidos pela


polícia do Rio de Janeiro, na Praia Formosa, enquanto abasteciam uma
canoa com diferentes tipos de mantimento. Ainda que a detenção tenha
ocorrido em freguesia distante do centro da cidade, o motivo das prisões
era o mais frequente na documentação policial da época quando o assunto
era a população escrava urbana: tanto Silvestre como Domingos estavam
foragidos.2 O anonimato experimentado por grande parte dos cativos que
vivia nas grandes cidades brasileiras, sobretudo no Rio de Janeiro, foi um
dos principais responsáveis pelo grande número de fugas de escravos nos
centros urbanos. Embora houvesse uma preocupação constante das auto-
ridades em controlar os escravos nos espaços públicos, era impossível evi-
tar que parte deles fugisse. No Rio de Janeiro eles podiam se embrenhar
nas matas e morros que circundavam a cidade, permanecer na própria
urbe (valendo-se do anonimato), ou rumar para freguesias mais distan-
tes. Silvestre e Domingos optaram pela terceira alternativa.
A canoa com mantimentos encontrada junto aos dois escravos fugi-
dos na Praia Formosa tinha como destino o quilombo de Iguaçu, local de
moradia de ambos. Ao que tudo indica, aquela era uma das frequentes
viagens que realizavam com o intuito de negociar os produtos do quilom-
bo: alimentos, cestaria, animais de pequeno porte. Dessa feita, é possível
aventar que mesmo em se tratando de escravos fugidos para uma fregue-
sia rural às margens da baía da Guanabara, Silvestre e Domingos ainda
1
A pesquisa que resultou neste capítulo contou com o financiamento da Fundação de Amparo a Pes-
quisa do Estado de São Paulo-FAPESP. Para uma analise mais detalhada sobre os arranjos escravos
de moradia ver: SANTOS, Ynaê Lopes dos. Além da senzala: arranjos escravos de moradia no Rio de
Janeiro (1808-1850). Dissertação (Mestrado)–Programa de Pós-Graduação em História, Universi-
dade de São Paulo, São Paulo, 2007.
2
Arquivo Nacional, doravante AN/RJ. IJ6 172, 1836.
mantinham familiaridade com a vida urbana. Mais do que isso, a fuga e
a prisão dos dois cativos sugerem uma estreita conexão entre a cidade do
Rio de Janeiro e as freguesias rurais do seu entorno.
O incidente envolvendo os dois escravos torna-se, assim, especialmen-
te interessante para pensar a escravidão no Rio de Janeiro na medida em
que permite, a um só tempo, analisar a pluralidade dos arranjos escravos
de moradia – que eram consequência direta da maior mobilidade escrava
no espaço urbano e uma característica inerente do cativeiro citadino –
como também examinar as complexas redes sociais tecidas pelos escravos
que viviam na Corte e em seu entorno, extrapolando os muros da cidade.
O objetivo do presente capítulo é utilizar os diversos arranjos escravos
de moradia no mundo citadino como ferramentas para pensar as dinâmi-
cas que configuraram a escravidão no Rio de Janeiro e na relação que os
escravos dessa cidade estabeleceram com a baía da Guanabara durante a
primeira metade do século XIX.

Viver na rua, viver a rua

A beleza natural era, em definitivo, um dos primeiros aspectos a cha-


mar a atenção de quem chegasse no Rio de Janeiro pela baía de Guanabara.
A combinação de morros, mar e cidade parecia insuperável. O inglês
Luccock, que aportou em 1808, relatou que

o estrangeiro [...] entrará no porto do Rio da maneira mais agradável pos-


sível, descendo desde Ponte Negro, rente à praia, até que a Ilha Pay seja
trazida ao encontro do Pão de Açúcar. Isso lhe dará a oportunidade de avis-
tar todas as enseadas da costa...3

Vinte sete anos depois, o norte-americano Thomas Ewbank, um pouco


insatisfeito com sua viagem ao Brasil, descreveria sua chegada à capital do
país com certa surpresa, não tão ruim como esperava: “a baía, triangular
em seus contornos, é considerada uma das mais seguras e mais lindas que
a presente disposição das águas no globo terrestre formou.”.4
No entanto, ao desembarcar na região portuária, a visão idílica que
inicialmente embevecera Luccock e Ewbank, dava lugar a uma percepção
mais pragmática do Rio de Janeiro, sobretudo para esses visitantes es-
trangeiros, que se surpreendiam com a quantidade de escravos que viam.
E não era preciso mais que um breve passeio pelo centro para confirmar
a força de seu pragmatismo: a escravidão estava em todo lugar. Em 1808,

3
LUCCOCK John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. v. 21. São Paulo: EDUSP;
Belo Horizonte: Itatiaia, 1975. (Coleção Reconquista do Brasil). p. 22.
4
EWBANK, Thomas. Vida no Brasil. São Paulo: EDUSP; Belo Horizonte: Itatiaia, 1976. (Coleção Re-
conquista do Brasil). v. 28, p. 51.
Luccock chegou a comparar o Rio de Janeiro ao coração da África,5 com a
particularidade, porém, de que, como ressaltou Leithold, “negros e negras
se cumprimentam ao estilo europeu: os homens tirando o chapéu com
uma inclinação na cabeça; as mulheres fazendo uma reverência”.6 Debret,
no início do Oitocentos, relatou que “percorrendo as ruas fica-se espanta-
do com a prodigiosa quantidade de negros, perambulando seminus e que
executam os trabalhos mais penosos”.7 A surpresa quase pitoresca com a
qual os viajantes descreviam a presença escrava e africana nas ruas do Rio
de Janeiro não era resultado apenas da estranheza causada pela “vida nos
trópicos”. De fato, desde finais do século XVIII, mas, sobretudo a partir do
Oitocentos, o número de escravos na cidade do Rio de Janeiro cresceu de
forma significativa.
Inúmeros estudiosos vêm demonstrando que, ao contrário do que
aconteceu em grande parte do continente americano, no processo de in-
dependência do Brasil a instituição escravista foi um dos amálgamas que
permitiu a formação do Estado nacional.8 Sem exagero algum, Luis Felipe
de Alencastro afirmou que no contexto da formação do Estado nacional, a
escravidão foi “compromisso para o futuro”, tendo em vista que o Império
do Brasil retomou e reconstruiu a escravidão (rural e urbana) nos quadros
do direito moderno.9 Como consequência direta do quadro mais amplo
das decisões políticas tomadas pelas elites do Brasil, uma segunda razão
para a significativa quantidade de escravos (africanos e crioulos) na cida-
de do Rio de Janeiro, capital do Império, era a própria vivência urbana
que, desde a centúria anterior se caracterizava como escravista. Embora o
número de cativos na cidade do Rio de Janeiro tenha aumentado expres-
sivamente durante o século XIX – o que rendeu à cidade o título de maior
urbe escravista das Américas –, é possível afirmar que desde o Setecentos
a cidade já tinha estabelecido uma estreita relação com a mão de obra
escrava.10

5
LUCCOCK John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. v. 21. São Paulo: EDUSP;
Belo Horizonte: Itatiaia, 1975. (Coleção Reconquista do Brasil). p. 74.
6
LEITHOLD, Theoder Von Leithold; RANGO, L.V. O Rio de Janeiro visto por dois prussianos em 1819.
São Paulo: Companhia Ed. Nacional, 1966. p. 85.
7
DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e Histórica ao Brasil. São Paulo: Circulo do Livro. 1985. p.
126.
8
BERBEL, M. R.; MARQUESE, Rafael B. A escravidão nas experiências constitucionais ibéricas 1810-
1824. Texto apresentado no Seminário Internacional Brasil: de um Império a outro (1750-1850),
São Paulo, setembro de 2005. Disponível em: <www.estadonacional.usp.br>; JANCSÓ, Istvan; PI-
MENTA, J.P.G. Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade
nacional brasileira). In: MOTTA, Carlos Guilherme (Org.). Viagem incompleta: a experiência brasi-
leira (1500-2000) – Formação: história. São Paulo: Ed. SENAC, 2000.
9
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. A Vida Privada e a Ordem Privada no Império. In: .
(Org.). História da vida privada no Brasil. v. 2: Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo:
Companhia das Letras, 2004. p. 17.
10
Sobre escravidão e espaço urbano na América portuguesa setecentista ver o recente trabalho:
LARA, Silvia Hunold. Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa.
São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Os escravos podiam ser vendidos no mercado do Valongo, em leilões
públicos ou através do contrabando feito, especialmente, por ciganos.11
A comercialização dos crioulos e ladinos se dava geralmente por meio
das casas de leilão, de consignação e das lojas de varejo espalhadas pelo
Rio, que nem sempre tinham autorização para trabalhar.12 Os africanos
recém-chegados eram levados ao Valongo. Segundo Mary Karasch, entre
1795 e 1811, 96% dos navios que transportavam africanos escravizados e
que aportavam no Rio de Janeiro vinham de Angola. Esse número sofreu
uma queda com o passar dos anos, mas ainda em 1850 por volta de 70%
dos negreiros eram originários do centro oeste africano.13 Os africanos
que desembarcavam no Rio de Janeiro juntavam-se aos crioulos e ladinos
na execução das mais variadas tarefas, sendo responsáveis pelo funciona-
mento de diversos setores da cidade.
Graças à demanda interna e à escala de operação do tráfico negreiro
transatlântico, a obtenção de cativos no Rio de Janeiro era relativamente
fácil. Mesmo face aos riscos da viagem e à pressão antiescravista inglesa,
o tráfico negreiro se manteve como negócio atrativo para os comerciantes
responsáveis pelo transporte de milhares de africanos para o Brasil. O
avultado volume desse comércio na primeira metade do século XIX, so-
bretudo nas décadas de 1820 a 1840,14 manteve o preço do cativo acessí-
vel para as camadas média e baixa da sociedade, a ponto de o escravo se
constituir como a principal – quando não a única – forma de propriedade
desses segmentos sociais.15
Depois do desembarque na zona portuária, a compra dos cativos podia
ser feita por meio legal ou não: o mercado lícito de escravos novos era o
Valongo, palco de cenas que horrorizaram os estrangeiros que lá estive-
ram. Spix e Martius descreveram que

Logo que estes escravos chegam ao Rio de Janeiro, [os escravos] são aquar-
telados em casas alugadas para tal fim, na rua do Valongo, junto do mar.
Vêem-se ali crianças, desde os seis anos de idade, e adultos de ambos os
sexos, de todas as idades. Eles jazem meio nus, expostos ao sol nos pátios,
ou fora, em volta das casas, ou separados segundo os sexos, distribuídos
em diferentes salas.16

11
ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro
1808-1821. Petrópolis, RJ: Vozes, 1988. p. 75.
12
KARASCH. Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 87-91.
13
Ibidem, p. 52.
14
Vale lembrar que nesse período (1820 até finais de 1840), o café começa a ser produzido em grande
escala na província do Rio de Janeiro, o que explica boa parte do crescimento do tráfico de escravos.
15
FRANK, Zephir. Dutra’s World: wealth and family in nineteenth-century Rio de Janeiro. Albuquer-
que: University of New México, 2004. p. 58-59.
16
SPIX, C. F. P. von; MARTIUS, J. B. von. Viagem pelo Brasil 1817-1820. Trad. Lúcia Furquim Lah-
meyer. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1981. p. 66.
Embora parte significativa dos quase um milhão de escravos que de-
sembarcaram no Valongo tivesse como destino as plantações de café ou as
pequenas propriedades da região sudeste do Brasil, parte importante de-
les era adquirida por senhores que moravam no Rio de Janeiro. O intuito
principal desses compradores era colocar seus escravos no aluguel ou na
atividade do ganho. No aluguel, também comum nas regiões rurais, o ca-
tivo era cedido por tempo determinado e mediante pagamento ao seu se-
nhor para desempenhar variada gama de atividades. Já no caso do ganho
– característico dos grandes centros urbanos do Brasil, como Salvador,
Recife e a Corte –, o escravo teria que dispor de sua força de trabalho, pas-
sando a maior parte do tempo nas ruas à procura de serviços e, portanto,
longe das vistas de seu senhor, trabalhando por conta própria.17 Devido
à mobilidade inerente ao ganho, muitas vezes o escravo era responsável
pelo seu próprio sustento. Além disso, deveria entregar periodicamente a
seu senhor (por semana ou quinzena, geralmente) a quantia previamente
estipulada por ele, não importando os meios pelos quais esse dinheiro
fosse obtido. Portanto, neste acerto o proprietário ficava isento das pre-
ocupações frequentes das plantações escravistas, referentes às despesas
com o sustento de seus trabalhadores (alimentação, vestuário, doenças
etc.). Sendo assim, não era de estranhar que as ruas cariocas estivessem
repletas de escravos de ganho, realizando as mais diferentes atividades.
Na realidade, a rua constituiu-se como espaço de trabalho do escravo
urbano por excelência. Nas vias que circundavam o porto, ou então nas
ruas de forte comércio (Rua Direita e Rua do Ouvidor), nos inúmeros cha-
farizes da cidade... A rua era o local de trabalho do cativo citadino e, por
isso, o lugar onde ele permanecia a maior parte do seu tempo. Todavia, as-
sim como ocorria nas demais camadas da sociedade, a rua não era apenas
o local de trabalho para o escravo; era ali que esses homens e mulheres se
encontravam para fazer seus batuques e suas cantigas, dançando e jogan-
do. Como bem ressaltou Debret, era “principalmente na praça em torno
dos chafarizes, lugares de reunião habitual de escravos, que muitas vezes
um deles, inspirado pela saudade da mãe-pátria, recordava algum canto”.18
Ao contrário do que possa parecer, a modalidade do ganho em nada
suavizou a escravidão na Corte imperial, mesmo que tenha ampliado o

17
Para compreender com mais detalhes a atividade do ganho e a diferença com a escravidão de alu-
guel, ver: ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de
Janeiro 1808-1821. Petrópolis, RJ: Vozes, 1988. p. 70; SILVA, Marilene Rosa Nogueira. O negro
na rua: a nova face da escravidão. São Paulo: HUCITEC, 1988. p. 87-89; SOARES, Luiz Carlos. Os
escravos de ganho no Rio de Janeiro do século XIX. Escravidão – Revista Brasileira de História, [S.l.],
v. 16, p. 107-142, 1988. p. 107-142.
18
DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo: Circulo do Livro, 1966. p. 306.
número de alforrias nos centros urbanos.19 Em primeiro lugar, porque o
serviço estava atrelado à condição direta do cativo sustentar seu senhor,
sendo muitas vezes o único meio de sobrevivência de seu amo. Além
disso, em seu amplo estudo sobre os escravos no Rio de Janeiro, Mary
Karasch mostrou que, mesmo gozando de certa facilidade de trânsito, os
escravos sabiam muito bem os limites institucionais, físicos e sociais que
os rondavam. Não era preciso ver a figura do feitor (mediador da relação
escravo x senhor), para saber qual era a sua condição dentro da cidade; as
fronteiras se faziam sentir nos mais variados níveis.20
No entanto, é inegável que a maior mobilidade da atividade ao ganho
alargou as possibilidades de ação dos escravos, principalmente no que diz
respeito às negociações e relações com outros segmentos sociais. No es-
tudo sobre capoeira escrava no Rio de Janeiro, Líbano Soares mostrou
algumas das formas de articulação e resistência cativa. Responsável por
cerca de 9% das prisões feitas pela polícia no período joanino,21 os capoei-
ras trouxeram muita dor de cabeça para os governantes da cidade. E não
foram apenas os diversos conflitos travados entre as diferentes maltas ou
contra a polícia que preocupavam as autoridades. Para além da luta, do
jogo e do relaxamento do trabalho, a capoeira evidenciava uma rede de
sociabilidade entre escravos, livres e libertos com a própria dinâmica do
cativeiro na Corte.22
As tabernas do Rio também facilitaram a formação e comunicação
dos capoeiras. Servindo como ponto de ajuntamento, nesses locais eles
não só bebiam e se divertiam para esquecer as mazelas de sua condição,
mas também se socializavam com outros cativos, forros e homens livres.
Flávio Gomes ressaltou o papel dessas casas comerciais no planejamento
de fugas coletivas, assim como na comercialização de mercadorias pro-
duzidas pelos quilombolas.23 Junto a esses locais, as casas de molhados e
de jogos de azar, além das praças, ruas e chafarizes, serviam como ponto
de encontro de escravos e libertos, transformando a relação do Rio de
19
A dinâmica da escravidão urbana fez com que o Rio de Janeiro, assim como Salvador e Recife, ti-
vesse um significativo número de libertos. Sobre o tema ver: FLORENTINO, Manolo. Sobre minas,
crioulos e a liberdade costumeira no Rio de Janeiro, 1789-1871. In: FLORENTINO, Manolo (Org.).
Tráfico, cativeiro e liberdade: Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2005; PATTERSON, Orlando. Slavery and social death: a comparative study. Cambridge: Harvard
University Press, 1982; MARQUESE, Rafael de Bivar. Resistência, tráfico negreiro e alforrias, sécu-
los XVII e XIX. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 74, p. 107-123, 2006. No entanto, é importan-
te salientar que a carta da alforria não foi uma realidade na vida da maior parte dos africanos que
aportaram no Rio de Janeiro durante a primeira metade do século XIX (KARASCH. Mary. A vida
dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das Letras, 2000. cap. 10-11).
20
KARASCH. Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 99 -100.
21
ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro
1808-1821. Petrópolis, RJ: Vozes, 1988. p. 209.
22
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. Capoeira Escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808-
1850). Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2002. p. 77.
23
GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio
de Janeiro: século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. Ver principalmente capítulo 1.
Janeiro com o cativeiro numa verdadeira via de mão dupla. Ao mesmo
tempo em que a cidade necessitava do trabalho escravo, essa mesma ma-
lha urbana permitia maior encontro dos cativos tanto nos momentos de
trabalho como de descanso. A vida do escravo urbano era na rua. E por
isso a rua deveria ser vigiada.
A despeito da variedade de motivos que levavam escravos às prisões, o
maior número de recolhimentos feitos pela polícia da Corte no período jo-
anino decorreu de fugas.24 Apontada como a principal forma de resistência
escrava no espaço urbano, a fuga evidenciou a tensão inerente à relação es-
cravista, assim como o próprio dinamismo do cativeiro na cidade. Também
é importante lembrar que a própria geografia do Rio de Janeiro potencia-
lizava as fugas. No dia 16 de julho de 1812, Francisco Benguela, escravo
de Rodrigo Ramalho, foi preso por estar refugiado no quilombo de Macaé,
local próximo da Corte.25 Menos de um mês depois, seis escravos (dentre os
quais duas mulheres) também foram detidos por estarem aquilombados no
mesmo local.26 Em 1813, Domingos Ambaca e Antonio Benguela, ambos
cativos do capitão Antonio Cardozo, foram levados para prisão junto com
um preto monjolo, estavam refugiados num mato da Tijuca.27
Além das matas e morros do Rio, que se tornaram boa oportunida-
de para a formação de quilombos,28 a própria urbanidade permitia fugas
“internas”, na medida em que aumentava a possibilidade de trânsito e
anonimato escravo. O caso a seguir é bem elucidativo das diversas fugas
possíveis no Rio de Janeiro. No dia 22 de dezembro de 1813, foi preso:
“Feliciano Crioulo, que se diz forro, por ser encontrado na chácara de José
Joaquim de Magalhães, esta em Catumbi, de madrugada, fazendo-se sus-
peitoso [de] ser escravo e andar fugido a seu senhor”.29
Preso como suspeito de fuga, o exemplo de Feliciano evidencia uma
das maiores dificuldades do Estado em controlar os cativos: a possibili-
dade de eles serem libertos. De fato, não havia nenhuma característica
física que diferenciasse os negros escravos daqueles que transcenderam
a condição do cativeiro. E mais, para além dessa semelhança, muitas ve-
zes forros e cativos exerciam as mesmas atividades pelas ruas cariocas.
Essa era apenas uma das facetas da maior mobilidade escrava no espaço
urbano: a possibilidade dela homogeneizar a população negra e mestiça
do Rio. Como as autoridades resolveram esse problema? Prisões, diversas

24
Segundo Leila Algranti, 751 escravos foram aprisionados por estarem fugidos. Esse número repre-
sentou 15,5% do total das prisões feitas (ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente: estudo sobre a
escravidão urbana no Rio de Janeiro 1808-1821. Petrópolis, RJ: Vozes, 1988. p. 209).
25
AN/RJ. códice 403, vol. 1, (16/07/1812), fl. Ilegível.
26
AN/RJ. códice 403, vol. 1, (13/08/1812), fl. Ilegível.
27
AN/RJ. códice 403, vol. 1, (13/02/1813), fl. 123.
28
Para mais informações sobre a formação de quilombos no Rio de Janeiro e suas articulações com
a cidade, ver: GOMES, Flávio dos Santos; REIS, João José (Org.). Liberdade por um fio: história dos
quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 263 - 290.
29
AN/RJ. códice 403, vol. 1, (22/12/1813), fl. 168.
vezes arbitrárias, rondas noturnas, toques de recolher, exigência de licen-
ças para andar à noite, dentre outras medidas paliativas.
Em estudo sobre o papel da Polícia no Rio de Janeiro durante o século
XIX, o historiador estadunidense Thomas Holloway apontou que o Estado
dividia com os proprietários as responsabilidades em relação aos escravos
do Rio.30 Claro está que a autonomia de trânsito vivenciada pelos cativos
urbanos fazia parte da própria instituição escravista nas grandes cidades.
No entanto, a recorrência de crimes envolvendo cativos, a frequência com
que eram encontrados nas tabernas, casas de molhados, e, até mesmo,
a significativa incidência de fugas, colocam a seguinte questão: afinal de
contas, onde moravam tais escravos?
As décimas urbanas analisadas por Nireu Cavalcanti apontam que, além
das diferentes casas do Rio, também existiram construções específicas, de-
signadas como senzalas.31 Mesmo diante da impossibilidade de se analisar
como seriam tais construções (inclusive em termos arquitetônicos) e suas
possíveis localizações, é plausível afirmar que dificilmente elas teriam outro
objetivo que não abrigar escravos urbanos. Além dessas senzalas compar-
timentadas, é preciso lembrar que as residências senhoriais provavelmente
teriam um espaço designado para a habitação de seus cativos.
Uma vez mais, os relatos deixados por viajantes estrangeiros consti-
tuem importante fonte documental. Como bem lembrou Robert Smith,
“nem os portugueses nem os brasileiros do passado foram dados a es-
crever sobre arquitetura. Temos que procurá-la nos relatos de visitantes
estrangeiros”.32
Frequentador da Academia Francesa de Belas-Artes, Debret foi con-
vidado a participar da missão artística francesa no Brasil em 1816, cujo
principal objetivo era fundar uma Escola de Belas-Artes na nova sede do
Império português, uma das muitas formas de empregar o conceito euro-
peu de civilização nos trópicos. Sua estadia foi longa (18 anos no total) e
atribulada, mas permitiu que o francês tivesse a oportunidade de viajar
por boa parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.33 Nesses mo-
mentos, Debret pode observar diferentes aspectos dessa sociedade tão es-
tranha e pitoresca aos seus olhos, observações essas que, em parte, foram
posteriormente registradas e compiladas no seu livro Viagem Pitoresca e
Histórica ao Brasil.
30
HOLLOWAY, T. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de
Janeiro: FGV, 1997.
31
Infelizmente essa fonte esteve indisponível no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro e não foi
possível acessar a coleção na atual etapa da pesquisa.
32
SMITH, Robert C. Arquitetura civil no Período Colonial, Rio de Janeiro. Revista do Patrimônio His-
tórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, v. 17, 1969. p. 111.
33
A importância dos registros e da própria trajetória de Debret no Brasil é tamanha, que já se tornou
objeto de diversas pesquisas. Ver em especial LIMA, Valéria A. E. A viagem pitoresca e histórica de
Debret: por uma nova leitura. Tese (Doutorado)–Programa de Pós-Graduação em História, Univer-
sidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2003; e STRAUMANN, Patrick (Org.). Rio de Janeiro,
cidade mestiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
Formada por 149 litografias, normalmente acompanhadas de comentá-
rios do artista, a obra de Debret é contundente em mostrar a forte e dissemi-
nada presença do cativo no Rio de Janeiro. “Negros carregando cangalhas”;
“Aplicação do castigo da chibata”; “Negros serradores de tábua”; “Negros
vendedores de aves”; “O colar de ferro, castigo dos negros” são exemplos
de litografias nas quais o cativo foi retratado como personagem principal,
mesmo que submetido à autoridade senhorial ou do Estado. Tal submissão
aparece de forma mais tênue nas imagens que retratam aspectos da inti-
midade da família brasileira. E, ainda que quase desapercebidas, questões
relacionadas à moradia escrava no espaço urbano são tangenciadas.
Ao analisar parte da estrutura arquitetônica das casas brasileiras, sobre-
tudo no que diz respeito ao legado das técnicas de construção herdadas dos
portugueses e da influência moura, o francês examinou duas casas, uma
urbana e outra de campo, fazendo algumas distinções entre elas, sobretudo
no que diz respeito à situação socioeconômica de seus proprietários. No pri-
meiro caso, Debret retratou uma residência de um andar que, segundo ele,
era muito comum nas ruas cariocas. Geralmente habitadas por uma única
família, essas construções eram profundas e estreitas, conforme a planta
da Figura 6:

Figura 6 – “Planta baixa de casa térrea comumente encontrada nas ruas do Rio de Janeiro.
Fonte: DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo: Circulo do Livro, 1966. v. 3, p. 305-306. (edição em
cores)
Legenda: As letras presentes em cada cômodo indicam seus respectivos usos. Na planta do rés-do-chão: a – Vestíbulo ou corredor.
b – Sala de visitas. c – Quartos de dormir, espécies de alcovas. d – Sala de Jantar. e – Copa. f – Área, poço. g – Cozinha. h - Quartos de
Negros. i – Jardim. k – Estrebaria. Já o primeiro andar é formado por: A - Quatros com 4 janelas. B – Espécie de corredores escuros para
os quartos de dormir. C – Gabinete com 4 janelas. D – Telhado dos cômodos próximos ao poço. E – Telhado do hangar.”

A frequência desse tipo de casa no Rio de Janeiro, de acordo com o


francês, sugere que os segmentos médio e alto da sociedade moravam em
residências que tinham um espaço reservado à sua escravaria, totalmente
atrelado ao “mundo” doméstico, a ponto de existir uma subdivisão das
áreas da casa. Cozinha, sala de jantar e quarto de escravos estavam apar-
tados do restante da casa, por um corredor, e deveriam ser ocupados pelas
pessoas responsáveis por tal serviço: os escravos.
As descrições feitas pelo viajante não permitem examinar com deta-
lhes como eram esses quartos de escravos – suas dimensões, a existência
ou não de janelas etc. –, mas deixam claro que a função escrava nessas
casas estava assentada no trabalho, que era parte organizadora da estru-
tura de muitas residências cariocas. A segmentação do interior dessas ca-
sas era tamanha, que é possível que nesses cômodos também ficassem
os cativos que executavam tarefas nas ruas cariocas, já que a mobilidade
característica da atividade do ganho não atrapalharia a circulação nos es-
paços das casas senhoriais. Assim como parcela significativa dos cativos
domésticos, os escravos ao ganho que habitassem a casa senhorial apenas
circulariam no que Debret chamou de área de serviço. Baseando-se nesses
relatos, Karasch afirmou que, no Rio, a moradia escrava era muito ruim,
pois os cativos estavam destinados aos porões das casas de dois andares,
ou então aos “cubículos escuros” separados por finas divisões e localiza-
dos perto da cozinha.34
Viajantes que estiveram no Rio de Janeiro depois de Debret parecem
corroborar a existência de cômodos destinados aos escravos nas casas se-
nhoriais. Maria Graham, que esteve no Brasil entre os anos de 1821 e
1823, observou que, no Rio de Janeiro,

as melhores casas são feitas ou com uma bela pedra azul tirada da praia
de Vitória, ou de tijolos. São todas caiadas; onde o chão não é calçado de
madeira, há um belo tijolo vermelho, de seis por nove polegadas e três
de grossura; são cobertas com telhas vermelhas redondas. As casas são
geralmente de um só andar, com um ou dois quartos em cima com sótão.
Em baixo da casa há geralmente uma espécie de porão no qual vivem os
escravos. Realmente fiquei às vezes a imaginar como é que entes humanos
poderiam existir em tais lugares.35

Três anos depois, em 1824, Ernest Ebel relatou que:

[...] a maioria das casas no Rio tem apenas sobre a rua três janelas de fren-
te ou portas, melhor dito, que abrem para pequenas sacadas em balanço
com seus gradis de ferro, limitando-se o mesmo a uma única peça, por as-
sim dizer, comunicante por duas portas envidraçadas com outro compar-
timento, que é uma alcova e faz as vezes de dormitório. A área que sobra
dá comumente para um pequeno pátio e consiste, além da cozinha de tipo
34
KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 185.
35
GRAHAM, Maria D. Diário de uma viagem ao Brasil e de uma estada nesse país durante os anos de 1821,
1822 e 1823. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1990. p. 183.
econômico inglês, de escuros cubículos - maiores e menores - divididos por
partições delgadas, os quais servem unicamente para quartos de criados
ou para despejo.36

No mesmo ano, Schlichthorst fez menção à influência da presença es-


crava nas casas cariocas:

Cozinhas e quartos sujos da criadagem se distribuem por ali e têm aspecto


repelente. Em resumo, tanto no Palácio Imperial como em qualquer casa
brasileira, sempre se encontram vestígios da influência dos negros. A su-
jeira, a falta de ordem, o mais berrante contraste entre a sovinice e o es-
banjamento, serviço péssimo apesar da quantidade de escravos pretos e
brancos, o ralhar e o bater sem fim são coisas insuportáveis para o europeu
recém-chegado, o qual só com o tempo a elas se acostuma.37

A despeito dos adjetivos utilizados para caracterizar a presença es-


crava nas casas senhoriais, é importante reter que essas residências da
década de 1820 também eram vistas pelos viajantes como espaços de mo-
radia dos cativos, que habitavam pequenos cômodos – quartos, porões
ou sótãos. Tais observações lembram uma realidade do Rio, apontada por
Rugendas em 1821, de que “grande parte da população escrava do Rio de
Janeiro acha-se empregada em serviços domésticos, com pessoas ricas ou
de posição. É um artigo de luxo, inerente antes à vaidade do senhor do que
as necessidades da casa”.38 Todavia, conforme mencionado anteriormen-
te, esses escravos domésticos do mundo urbano nem sempre se limitavam
às cozinhas e pátios das casas senhoriais. Além dos serviços domésticos
que precisavam ser realizados na rua (compra de alimentos, transporte
dos senhores e lavagem de roupa), existiam aqueles cativos que realiza-
vam jornada dupla.
Se por um lado a mesma casa senhorial poderia representar diferentes
tipos de moradia para os escravos da família, um único cativo poderia ter
mais do que uma forma de morar. Essa possibilidade aparece atrelada,
mais uma vez, às atividades exercidas por eles. Os escravos domésticos de
famílias pobres são exemplos potenciais disso. Além dos serviços domés-
ticos esses cativos muitas vezes saíam à procura de trabalho pelas ruas, o
que diminuía o pouco tempo de tinham para si. Ao retratar a decadência
de uma família brasileira, Debret mostrou esse trânsito entre o mundo da
rua e o mundo da casa feito por diversos escravos.

36
EBEL, Ernest. O Rio de Janeiro e seus arredores em 1824. São Paulo: Companhia Ed. Nacional, 1972.
p. 25-26.
37
SCHICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824 –1826): huma vez e nunca mais. Contribui-
ções dum diário para a História atual, dos costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira
na capital do Brasil. Rio de Janeiro: Getúlio Costa, 1937. p. 52.
38
RUGENDAS, Johann M. Viagem pitoresca através do Brasil. São Paulo: Martins, 1941. p. 187, 203.
Figura 7 – Interior de casa de família pobre com escrava entregando dinheiro.
Fonte: DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e Histórica ao Brasil. São Paulo: Circulo do Livro, 1985. v. 3, prancha 54. (edição em cores)

A cena retratada mostra uma escrava na sala da casa, com um cacho


de bananas na cabeça entregando algumas moedas à sua jovem senhora.
Segundo a imagem e os comentários de Debret, é evidente que se trata de
uma família humilde. A própria casa dá os sinais de pobreza: casa ao rez
do chão, com sala e cozinha em pau a pique; a presença das galinhas no in-
terior reforça a rusticidade da moradia. Debret ainda afirmou que aquela
única escrava era responsável pelo sustento da família, pois era ela quem
saía às ruas em busca de trabalho, e por isso mesmo, quem trazia dinhei-
ro para suas senhoras, sem especificar que atividades a cativa realizava.39
Mesmo retratando uma família pobre em cuja residência as senhoras e a
escrava dividiam o mesmo espaço, por meio da postura e da posição das
personagens, o francês deixou claro que estava mostrando uma relação de
poder independentemente da condição econômica. O exame dessa cena
indica a complexidade dos arranjos domésticos. Os cativos da casa e do
ganho que habitavam a mesma residência que seus senhores tinham de
“se arranjar” – fosse nos porões e sótãos reservados para sua estada, nas
esteiras colocadas sob o chão da cozinha, ou então nos corredores das
casas menos abastadas.
Mas será que todos os cativos aceitaram viver nos espaços oferecidos por
seus donos? Será que a todos foi cedido um espaço? Esta é outra história.

39
DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e Histórica ao Brasil. São Paulo: Circulo do Livro, 1985. v.
1, p. 304.
Escravidão nas fronteiras da Baía da Guanabara

Em outubro de 1842, José Félix encaminhou à Câmara Municipal do


Rio de Janeiro um pedido para que seu escravo Pedro Criollo saísse às
ruas da Corte como escravo de ganho.40 Até então, nenhuma novidade.
Conforme visto, o ganho era extremamente vantajoso para os senhores
de escravos. Além isso, desde finais da década de 1830, o pedido de li-
cença para escravos saírem ao ganho era uma norma vigente no Rio de
Janeiro. O que diferenciava esse caso dos demais era o fato de que o se-
nhor José Felix – morador da freguesia rural de São João de Meriti – es-
tava requerendo uma licença para que seu cativo trabalhasse na cidade.
E mais, segundo o documento, o escravo Pedro Criollo vivia na rua da
Quitanda, no centro da cidade do Rio de Janeiro, próximo ao porto. Ou
seja: um proprietário de escravo morador de uma freguesia afastada, com
características rurais, permitia que seu escravo vivesse longe dele, numa
das principais e mais movimentadas ruas da capital do Império. Esse caso
demonstra não só a eficácia da atividade de ganho (pois se trata de um
caso no qual escravo e proprietário habitam separados), mas também das
diferentes relações estabelecias entre a Corte e outras núcleos do entorno
da baía da Guanabara oitocentista, como era o caso de Meriti.
Os termos que chamada “abonação” consistiam na autorização do
poder público, pela letra do documento, de que senhores alugassem ou
“emprestassem” seus cativos para terceiros, prática comum em toda a so-
ciedade escravista brasileira – tanto no campo, como na cidade. Tratava-
se de um acordo firmado entre dois homens livres (ou libertos) perante a
Intendência Geral de Polícia, no qual o proprietário permitia que outrem
usufruísse do trabalho de seu escravo, provavelmente em troca de algum
tipo de remuneração. Como exemplo de abono, em fevereiro de 1825 o
proprietário Antonio José Moreira morador na Rua do Sacramento, na
cidade do Rio de Janeiro, abona Manuel Joaquim Martim para seu escra-
vo para trabalhar na vila de Maricá, distante não só desta cidade mas do
recôncavo.41 Dois dias depois, José Manoel Ferreiro Salgado, morador da
Rua da Quitanda, abonou Francisco Ignácio Sebastião da Silva, para seus
escravos mascatearem pela cidade, freguesia de Inhaúma (que na época
fazia parte da zona rural da província do Rio de Janeiro), e terra firme até
o município de Itaboraí.42
Esses dois termos exemplificam que o aluguel de escravos mascates era
relativamente simples: bastava nome e endereço do senhor, nome do lo-
catário e locais em que os escravos iriam trabalhar. A ausência de menção
a qualquer característica do escravo (nome, idade, possíveis sinais) reafir-
ma que se tratava de um acordo entre dois cidadãos, sacramentado pelo
40
AGCRJ. Pedidos de licença para escravos ao ganho, códice 6.1.44 (1841-1855).
41
AN/RJ. Termos de bem viver. Coleção Polícia da Corte. códice 410, vol. 2. p. 274.
42
AN/RJ. Termos de bem viver. Coleção Polícia da Corte. códice 410, vol. 2. p. 275.
poder público.43 Interessante notar que esses termos de fiança ou abono
não apenas mostram as nuances da escravidão urbana (escravos que tra-
balhavam no comércio para senhores que não eram seus proprietários),
como também a complexidade dos arranjos de moradia escrava. Em todos
os casos de abonação lidos, o senhor permitiu que seu escravo vivesse com
outra pessoa. Dessa forma, o escravo saía da casa de seu proprietário para
viver com a pessoa que recebeu a abonação, ou sob seus cuidados.
A maior parte dos “termos de abonação” se remete ao mascate (cuja
atividade consiste na venda ambulante de produtos) em diferentes loca-
lidades da baía da Guanabara. Isso sugere que o cativo ficaria sem pouso
certo, dormindo aqui e ali nas vilas por onde passasse. E o mais intrigante
é que essa instabilidade do morar escravo não aparecia como um proble-
ma para o cativo, para o abonado, para o senhor, e muito menos para a
Intendência de Polícia que podia entender essa prática como excelente
oportunidade para a fuga escrava.
A leitura realizada a respeito dos chamados “termos de bem viver”
também vale para a análise dos termos de abonação: até meados da dé-
cada de 1820, o Estado – representado pela Intendência e seus funcioná-
rios – não se preocupou em controlar os locais de moradia dos cativos,
pois essa função cabia ao senhor – o único responsável real pelo escravo,
tanto que era seu nome e endereço que constavam nos termos. O papel
da Intendência era apenas garantir o controle, o que, nesse caso, ocorria
por meio da própria redação dos termos de abonação. No âmbito nacio-
nal, o Estado brasileiro tomou algumas medidas com o intuito de admi-
nistrar e manter a ordem. A partir de 1826, quando as atividades par-
lamentares foram reiniciadas, boa parte dos deputados e senadores que
exerciam o poder legislativo era partidária de um projeto de Estado nacio-
nal que pregasse maior autonomia das províncias e, consequentemente,
a descentralização do poder. Em outubro de 1827, conforme previsto na
Constituição, foi criado o cargo de juiz de paz, que passou a exercer as
funções que antes cabiam aos juizes ordinários, juizes de vintena e ao al-
motacés.44 Diferentemente do que ocorrera no período colonial, esses ma-
gistrados seriam eleitos pelos cidadãos brasileiros e responderiam sobre
os assuntos menores de cunho judicial de sua freguesia, inclusive aqueles
que diziam respeito à escravidão. De maneira geral, tal medida deixava
parte do poder judiciário do Brasil relativamente autônomo, tendo em
vista que, a partir de então, esses juízes não seriam mais nomeados pelo
monarca.

43
Não foi encontrada nenhuma documentação complementar que esclarecesse se os termos eram fei-
tos apenas pela vontade dos senhores em garantir um negócio, ou se havia algum tipo de imposição
do Estado. Contudo, o estudo de outras fontes documentais, como as posturas e pedidos de licença
para escravos ao ganho, sugere que a primeira hipótese é mais plausível, já que o proprietário do
escravo era quem mais corria risco nessa negociata.
44
FLORY, Thomas. El juez de paz y el jurado en el Brasil Imperial, 1808-1871: control social y estabilidad
política en el nuevo Estado. México: Fundo de Cultura Econômica, 1986. p. 86.
A criação do cargo de juiz de paz, que não se enquadrava na hierarquia
judicial vigente, teve fortes repercussões. Por um lado, obteve apoio de
muitos jornalistas, já que era uma forma de controlar o Imperador e fazer
a sociedade civil ficar mais próxima do poder. Por outro, foi desaprovada
por políticos mais moderados que defendiam a centralidade do poder no
Rio de Janeiro. Plataforma dos liberais reformistas, o juiz de paz era uma
das peças que compunham o projeto de Estado que, como se verá mais
adiante, não vingou. De todo modo, tal cargo foi fundamental para o an-
damento e conhecimento da vida cotidiana do país, já que dentre suas
obrigações estava a promoção de conciliações entre partes envolvidas em
potenciais litígios, brigas domésticas, disputas por danos causados por
escravos, aplicação de posturas municipais, destruição e prevenção de
quilombos, etc. Segundo Flory, os juízes de paz eram verdadeiros pacifi-
cadores sociais da comunidade, uma espécie de “autoridades de bairro”.45
Ao que tudo indica, a Intendência Geral de Polícia (tanto do Império
português, até 1822, como do Império do Brasil), teve de lidar com os dois
lados da moeda de uma cidade escravista: de uma lado a necessidade cons-
tante da mão de obra escrava; de outro as estratégias de burla do controle
ou mesmo de fuga.
Se o Estado brasileiro optou por manter muitas leis e práticas que re-
giam o sistema escravista como um todo, no caso urbano não foi dife-
rente. Desde 1822, como sede do Império do Brasil, a cidade do Rio de
Janeiro manteve sua dependência em relação ao trabalho escravo. A ma-
lha urbana da cidade continuava se desenvolvendo desde 1808, levando à
criação, na década de 1820, da freguesia de Sacramento. O volume do trá-
fico, que já tinha aumentado com a transferência da Corte joanina, cres-
ceu ainda mais: em 1822 cerca de 23.280 cativos desembarcaram no porto
carioca, ultrapassando o número de 47 mil em 1826.46 Sob a égide de um
Estado independente que se formava, a polícia passou a controlar com
maior assiduidade a movimentação escrava nas ruas do Rio. Posturas mu-
nicipais pretendiam delimitar o horário no qual os cativos poderiam cir-
cular pela cidade, além de proibir a entrada deles em armazéns, tavernas
e botequins. Também foi preocupação do estado nacional brasileiro (via
Intendência de Polícia) assegurar que interesses pessoais não interferis-
sem na manutenção da ordem social, diminuindo com isso a violência ar-
bitrária que caracterizou a prisão de escravos durante o período joanino.47
O terceiro volume do códice 403 – onde se encontram os registros das
prisões feitas entre 1825 e 1826 é um exemplo desse duplo movimento
45
FLORY, Thomas. El juez de paz y el jurado en el Brasil Imperial, 1808-1871: control social y estabilidad
política en el nuevo Estado. México: Fundo de Cultura Econômica, 1986. p. 95-97.
46
FLORENTINO, Manolo Garcia. Em Costas Negras: uma história do tráfico atlântico de escravos
entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. p.
51.
47
HOLLOWAY, T. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de
Janeiro: FGV, 1997. p. 57-58.
das autoridades policiais. Junto ao menor número de ocorrência de es-
cravos detidos e de certa reorganização no registro dos locais e datas das
detenções,48 também se observa a manutenção do mesmo padrão dos de-
litos cometidos por cativos no período joanino. Brigas nas ruas, vadia-
gens, capoeiras, pequenos furtos e, sobretudo, fugas, continuaram a ser
os principais motivos para a reclusão escrava.49 Nesses casos, o Estado,
via Intendência de Polícia, era acionado a fim de devolver os cativos a seus
senhores e prevenir possíveis “ajuntamentos” ou formação de quilombos.
Sendo assim, o escravo continuava a ser responsabilidade do seu pro-
prietário que, a partir de 1822, tinha esse direito garantido por meio da
defesa constitucional da propriedade (artigo 179).50 Ao analisar a ordem
nacional e o “governo dos escravos”, Marquese afirmou que os senhores
faziam questão de exercer sua soberania doméstica, ficando a cargo do
Estado auxiliar no controle dos cativos no espaço externo às casas.51 No
que tange à escravidão urbana, esse espaço externo era deveras amplo e
diversificado. Justamente por isso, nesses locais, o “governo dos escra-
vos” era dividido entre proprietários e Estado, cabendo ao último entrar
em ação quando o controle senhorial não fosse suficiente para garantir o
bem público.
A fluidez característica da vida do escravo urbano e a possibilidade do
“morar sobre si” – ou seja, por sua própria conta – permite pensar o en-
torno da baía da Guanabara como um espaço analítico próprio. Escravos
que moravam no Rio e trabalhavam em diferentes lugares da baía com a
anuência senhorial; cativos fugidos que se embrenhavam nas matas do
Iguaçu, mas que mantinham estreita relação com a vida e, sobretudo com
o comércio realizado na Corte; pequenos proprietários que viviam nos
engenhos da Guanabara e que muitas vezes enviavam seus escravos ao
Rio de Janeiro com a esperança que eles conseguissem pegar algum ser-
viço ou se colocar no ganho. Além da dificuldade conceitual de se definir
os limites entre espaço urbano e espaço rural, tomar a Guanabara como
base para a análise da escravidão urbana, permite uma ampliação signifi-
cativa da compreensão do cativeiro citadino, bem como das diversas teias
socioeconômicas estabelecidas entre escravos, libertos e senhores. Fica o
convite para pesquisas futuras que tomem a Guanabara como entremeio
do mundo urbano e do mundo rural.

48
A organização desse volume, produzido sob a égide de um Estado independente, demonstra uma
preocupação a mais das autoridades responsáveis: passou a ser importante saber onde os delitos
ocorreriam, bem como quais os oficiais de polícia realizaram as prisões.
49
AN/RJ. Relação de presos feita pela polícia, 1810-1821. códice 403, vol. 3.
50
Ver: Carta Constitucional do Brasil outorgada em 1824. Artigo 179.
51
Nesse artigo, o autor também demonstrou, por meio do exame de textos prescritivos, que o Estado
deveria ficar isento das responsabilidades sobre os cativos, a não ser que a propriedade e a nação
fossem ameaçadas: MARQUESE, Rafael de Bivar. Governo dos escravos e ordem nacional: Brasil e
Estados Unidos, 1820-1860. In: JANCSÓ, István (Org.). Brasil: formação do Estado e da Nação. São
Paulo: Hucitec, 2003. p. 258-260.
Africanos e crioulos, nacionais e
estrangeiros: os mundos do trabalho no Rio
de Janeiro nas décadas finais do Oitocentos
Lucimar Felisberto dos Santos

O dia 3 de janeiro de 1873 não era atípico no Município Neutro. Na


tentativa de conseguir, naquela praça, braços para a obra de construção
da estrada de ferro que ligaria Friburgo a Cantagalo, o provável adminis-
trador da obra, José Maria Fernandes, pelo terceiro dia consecutivo, soli-
citava a publicação do anúncio abaixo:

Precisa-se de trabalhadores, cavouqueiros, pedreiros e canteiros, para es-


trada de ferro de Friburgo a Cantagalo, pagando no dia 18 de cada mês;
trata-se com José Maria Fernandes à Rua das Violas n. 82.1

Tudo indica que faltavam indivíduos dispostos a negociar sua força de


trabalho com o contratante. Vários seriam os prováveis motivos da di-
ficuldade de encontrar trabalhadores. O pagamento no “dia 18 de cada
mês” poderia ser um deles. Talvez a lógica econômica dos trabalhadores
urbanos do Rio de Janeiro ainda fosse informada naquela da remuneração
diária, o jornal, vestígios da relações celebrada pelos escravos ganhadores
que circulavam pelas ruas da cidade e tinham prazos mais estreitos para o
“acerto” com seus senhores. Outra causa provável do não atendimento ao
anúncio seria o afastamento da área central da cidade. Afastar-se da rede
de relações construídas na cidade, que permitia mobilidades diversas,
presumivelmente não estava entre os objetivos de alguns. O isolamento
no canteiro de obra possivelmente contraporia noções de liberdades cons-
truídas pelos trabalhadores desta sociedade escravista. O tipo de trabalho
que era oferecido, não ligado à mercancia do meio urbano carioca, tam-
bém, retiraria as chances de se recrutar trabalhadores.

1
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, doravante BN/RJ, Jornal do Commercio, 03/01/1873.
Por outro lado, a obra de abertura da estrada Friburgo-Cantagalo po-
deria estar sofrendo mesmo com a falta de braços habilidosos. Afinal, da
totalidade de anunciantes que recorriam às colunas de “procura-se” do
Jornal do Commercio, periódico que circulou pelas ruas da Corte desde os
anos finais de 1820,2 buscando suprir suas necessidades de trabalhadores
para exercer as mais diferentes funções, como fez José Maria Fernandes –
em média, 110 anúncios diários – 30% dos casos, nos anos iniciais da dé-
cada de 1870, exigiam algum tipo de destreza. Denunciando o dinamismo
dos mundos do trabalho carioca,3 bem como alguns dos sentidos de suas
re-configurações, para além da conduta “afiançada” e da morigeração,4 são
solicitados para compor as relações de trabalho indivíduos que tenham
alguma “habilidade”, “com prática” n’alguma atividade, que “sejam perfei-
tos em seus afazeres”, “peritos em sua arte”, sendo escusado apresenta-
rem-se quem não estiver nestas “circunstâncias”.
Sem também se isentar de sua “circunstância”, o senhor José Maria
Fernandes investe nos anúncios para recrutar o pessoal necessário à
construção. Sua escolha dependeria de algumas noções específicas.
Certamente a primeira delas relativa ao cumprimento do acordo firmado
no que diz respeito ao prazo de execução e à qualidade do trabalho. No
entanto, a preferência poderia ser informada por fatores conjunturais e
noções próprias deste empregador; estaria sujeita à reserva de mão de
obra disponível; dependeria também da representação construída por ele,
e das noções disponíveis na sociedade, acerca do tipo de trabalhador ca-
paz de realizar o trabalho com desenvoltura e eficiência.
Partindo do exame das escolhas dos “procuradores”, analisando a
composição social dos mundos do trabalho carioca no inicio da década
de 1870, neste trabalho tratarei das possibilidades de diferentes sujeitos,
diferenciados a partir de critérios jurídicos, de cor, nacionalidade e por
suas habilidades manuais, participarem, como trabalhadores livres e/ou
assalariados, na economia urbana do Rio de Janeiro nas décadas finais do
século XIX. Ressaltando estas escolhas como mais uma das chaves de lei-
tura capazes de iluminar aspectos da formação e da evolução das classes
trabalhadoras livres e assalariadas no Rio de Janeiro.

2
O Jornal do Commercio foi fundado no dia 1.º de outubro de 1827, pelo francês Pierre Plancher.
3
De acordo com estudos feitos por um grupo de pesquisadores sobre as categorias socioprofissio-
nais, os salários e os custos com alimentação no Rio de Janeiro, apenas um tímido “avanço técnico”
teria sido observado no setor fabril-manufatureiro até os anos de 1870. Por outro lado, os dados do
censo de 1872 sobre as categorias profissionais “indicariam grande dinamismo do setor tradicional
de artesanato”. Ver: LOBO, Eulália Maria L. et al. Estudos das categorias socioprofissionais, dos
salários e do custo da alimentação no Rio de Janeiro de 1820 a 1930. Revista Brasileira de Economia,
Rio de Janeiro, v. 27, n. 4, out./dez. 1973. p. 159.
4
Referente aos bons costumes, a ter vida exemplar.
Escravizados, libertos e livres “nos mundos do trabalho”
do Rio de Janeiro

O estudo sobre o Oitocentos tem despertado o interesse de um signi-


ficativo número de pesquisadores.5 Este período tem, também, atraído a
atenção dos historiadores da história do operariado não só na Inglaterra6
como, mais recentemente, no Brasil.7 Interessam processos de formação e
evolução das classes trabalhadoras e, particularmente, a formação da clas-
se operária em contextos históricos específicos. Na experiência histórica
brasileira sobressai o impacto da escravidão no “fazer-se” dessa classe.
Uma vez que as experiências sociais de trabalho que antecederam a for-
mação de uma classe de trabalhadores livres e assalariados, no caso brasi-
leiro, embaraçavam formas de relações de trabalho diversas, cabalmente
estruturadas em lógicas forjadas nas relações escravistas,8 faz sentido
buscar apreender nas vivências, nas reciprocidades entre os trabalhadores
de diferentes condições sociais e entre estes e os senhores e empregado-
res, elementos característicos desta formação.
Para além de o escravo ter sido por excelência o “trabalhador”, “mãos
e pés” de senhores de distintos estratos sociais, durante os períodos co-
lonial e imperial, outras formas de pactuar a relação entre os donos dos
meios de produção e os que tinham somente a força de trabalho foram ce-
lebradas. Trabalhadores livres, brancos e não brancos, eram empregados
em atividades agrárias ou artesanais em troca de remuneração monetária
ou não. A coexistência destas formas de relações de trabalho torna frou-
xas análises relativas a um “mundo do trabalho” no singular, mesmo no

5
Exemplo profícuo vem daqueles que organizaram na Universidade Federal Fluminense o Centro
de Estudo do Oitocentos-CEO, um espaço de trabalho coletivo e interinstitucional, que concentra
estudos do Chamado “grande Oitocentos”, referentes ao período de fins do século XVIII até o final
da República Velha.
6
Refiro-me aos trabalhos de E. J. Hobsbawm e E. P. Thompson. Conquanto haja divergências sobre
quando as classes trabalhadoras se singularizaram em classe operária, para ambos, a segunda é
um fenômeno histórico que ocorreu na sociedade inglesa, mas enquanto para Thompson a classe
operária se formou de 1780 a 1832, para Hobsbawm isso somente ocorreu bem mais tarde, de
1870 a 1914. Ainda que considerem que as classes nunca estão prontas e acabadas, no sentido em
que suas formações não devam ser pensadas como um processo com início, meio e fim, Hobsbawm
e Thompson viram sentido em delinear a emergência da classe operária britânica enquanto grupo
social, por entendê-la como um fenômeno historicamente novo. Para tanto, recuaram suas análises
para um período anterior ao marco histórico de sua formação. Ver: Hobsbawm, Eric J. Mundos do
trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000; THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária
inglesa: a árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
7
Ver: Góes, Maria da Conceição Pinto. A formação da classe trabalhadora: o movimento anarquista
no Rio de Janeiro, 1888- 1911. Rio de Janeiro: Zahar: Fundação José Bonifácio, 1988; Batalha,
Cláudio de Moraes. Sociedade de trabalhadores no Rio de Janeiro no século XIX: algumas reflexões
em torno da formação da classe operária. Cadernos do AEL, Campinas, SP, n. 10-11, 1999; Batalha,
Cláudio de Moraes; SILVA, Fernando Teixeira da; FORTES, Alexandre (Org.). Cultura de classes:
identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas, SP: EdUnicamp, 2004; Mattos,
Marcelo Badaró. Escravizados e livres experiências comuns na formação da casse operária trabalhadora
carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2008.
8
Ver Gebara, Ademir. O mercado de trabalho livre no Brasil (1871-1888). São Paulo: Brasiliense, 1986.
contexto da escravidão. Direcionando tal argumento para a proposta des-
te artigo, importa destacar que, ao desconsiderar a presença do elemen-
to escravo no “fazer-se” da classe operária brasileira, pode-se incorrer no
risco de perder algumas das características fundamentais deste processo.
Daí, Marcelo Badaró Mattos, seguindo essa tradição historiográfica
inglesa, ser bem-sucedido na defesa de sua hipótese de que, no Rio de
Janeiro

a presença da escravidão, as lutas dos escravos pela liberdade e as formas


pelas quais as classes dominantes locais buscaram controlar seus escravos
e conduzir um processo de desescravização sem maiores abalos em sua
dominação foram fatores decisivos para a conformação do perfil da nova
classe de trabalhadores assalariados.9

Se o controle a que Badaró Mattos se refere, analisando as décadas


finais do século XIX, é aquele baseado na coerção a fim de disciplinar para
o trabalho, que teria extrapolado as relações de trabalho escravista, outro
tipo de controle declinaria nos anos iniciais do século XIX, corroborando
paulatinamente para “conformação do perfil da nova classe de trabalha-
dores assalariada”: o exercido por meio das Corporações de Ofícios.10 De
acordo com Marcelo Mac Cord, com o fim do aparato legal que oficialmen-
te sustentava as corporações, que possuíam o monopólio dos processos de
aprendizagem das ditas ‘artes mecânicas’, “os mestres artesãos perderam
o privilégio de monopolizar o ensino de suas artes e controlar seus respec-
tivos mercados”.11 O artigo 179 da lei constitucional de 1824 permitiria
então o alargamento da participação escrava em uma economia monetá-
ria. Uma vez que, ainda na primeira metade do século, segundo Eulália M.
Lahmeyer Lobo, o trabalho escravo era “empregado nos serviços públicos
urbanos, doméstico, no comércio, tanto nas lojas como na qualidade de
mascates, na produção artesanal, doméstica e manufatureira”, 12 a legis-
lação abria oportunidade para os trabalhadores escravos qualificarem sua
mão de obra. Sem correr o risco de ser multado, um alfaiate poderia en-
tão mandar publicar em 1873 o seguinte anúncio: “Precisa-se, na Rua do
Sabão 119, 2º andar, de um pequeno de qualquer cor, livre ou escravo para
9
Mattos, Marcelo Badaró. Escravizados e livres: experiências comuns na formação da casse operária
trabalhadora carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2008. p. 21.
10
As Corporações de Ofícios eram irmandades organizadas em torno de um ofício mecânico, que
controlavam o processo de produção e de comercialização das obras artesanais. Eram responsáveis
pela qualidade da obra e pelo aprendizado dos futuros artesãos.
11
O Estudo se refere a um grupo de artífices “de pele escura” que teriam, na Recife do Oitocentos,
criado uma associação promovendo, entre outras providências, o aperfeiçoamento artístico e so-
corros mútuos (Mac Cord, Marcelo. Andaimes, casacas, tijolos e livros: uma associação de artífices no
Recife, 1836-1880. Tese (Doutorado)–Programa de Pós-Graduação em História, Universidade de
Campinas, Campinas, SP, 2009. p. 3).
12
LOBO, Eulália Maria L. et al. Estudos das categorias socioprofissionais, dos salários e do custo da
alimentação no Rio de Janeiro de 1820 a 1930. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 27,
n. 4, out./dez. 1973. p. 132.
aprender o ofício de alfaiate, quem estiver nestas condições pode aparecer
para tratar”.13
Sobressai, a partir de então, o empenho dos senhores na tarefa de trei-
nar seus escravos, valorizando assim seus investimentos, e o do próprio
Estado imperial, que treinava os “escravos da nação” que atuavam em es-
tabelecimentos manufatureiros estatais.14 Somam-se também, no caso
particular do Rio de Janeiro, a conjuntura urbana e a ação consciente dos
próprios cativos que, vivendo “sobre si” nos “labirintos” da cidade, perce-
biam a “lógica do mercado” e podiam consagrar suas horas de folga para o
aprendizado de uma das chamadas “habilidades mecânicas” para aumen-
tar a possibilidade de amealhar o suficiente para o seu pecúlio. Atuando
dentro dos limites de sua época, os escravizados podiam aprender na ex-
periência cotidiana de trabalho como aprendiz ou observando o ofício dos
trabalhadores mais qualificados.
Nas páginas do Jornal do Commercio são estampados anúncios que per-
mitem perceber o exposto anteriormente. É o caso dos anúncios de ven-
das mandados publicar no dia 17 de janeiro de 1873.

Vende-se dois crioulos de bonitas figuras e de bom comportamento, peri-


tos oficiais pedreiros de toda obra. Vende-se juntos ou separados; na Rua
do Visconde do Rio Branco, n. 34, sobrado; antiga do Conde.
Vende-se um preto, de nação, bastante robusto, oficial ferreiro, também
cozinha o trivial; negócio decidido por ser de precisão; na Rua Gonçalves
Dias, n. 32.15

Os números do Censo populacional de 1872, relativa à participação es-


crava na economia urbana do Rio de Janeiro, corroboram essa proposição.
Para o município do Rio de Janeiro os recenseadores arrolam como operá-
rios 2.135 indivíduos escravizados, sendo 1.862 residentes nas freguesias
urbanas e 273 nas freguesias rurais. (Tabela 1)

13
Jornal do Commercio, 07/01/1873.
14
Sobre o assunto ver: Soares, Luiz Carlos. Escravidão Industrial no Rio de Janeiro do século XIX.
In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA ECONÔMICA, 5., 2003, Caxambu; CONFERÊNCIA
INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DE EMPRESAS – ABPHE, 6., 2003, Caxambu. Anais... Caxambu:
[s.n.], 2003.
15
Jornal do Commercio, 17/01/1873
Tabela 1 – População escrava do município do Rio de Janeiro
considerada em relação às profissões (por sexo)
Profissões Homens Mulheres Total
Freguesias urbanas      
Artistas 463 3 466
Marítimos 524   524
Pescadores 52   52
Costureiras 1.217 1.217
Operários 1.862   1.862
Lavradores 149 15 164
Criados e jornaleiros 4.203 709 4912
Serviço doméstico 8.098 12.727 20.825
Sem profissão 3.491 4.054 7.545
Total 18.842 18.725 37.567
Freguesias rurais      
Artistas 31   31
Marítimos 3   3
Pescadores 122   122
Costureiras 167 167
Operários 273   273
Lavradores 3.059 2.472 5.531
Criados e jornaleiros 794 79 873
Serviço doméstico 560 1.458 2.018
Sem profissão 1.203 1.151 2.354
Total 6.045 5.327 11.372
Total Geral 24.887 24.052 48.939
Fonte: Recenseamento da população do Império do Brasil a que se procedeu no dia 1º de agosto de 1872, volume XIX. Rio de Janeiro,
1873-1876, p. 2 apud SOARES, Luiz Carlos. O “Povo de Cam” na capital do Brasil: a escravidão urbana no Rio de Janeiro do século XIX.
Rio de Janeiro: FAPERJ/ Sete Letras, 2007.

Outros que não podem ser desconsiderados ao se pensar na “confor-


mação do perfil da nova classe de trabalhadores assalariados” são os tra-
balhadores nacionais livres, cuja grande parcela era de descendentes de
escravos. O aumento proporcional no número de livres na composição
da sociedade carioca, vertiginoso nos anos posteriores a 1850 (Tabela 2),
indica ser imprescindível dar atenção à participação destes elementos na
economia ainda escravista, assim como sugerido por Peter Eisenberg ao
analisar o contexto paulista do período.16 Era neste conjunto da popula-
ção que os empreendedores tinham nas últimas décadas do século XIX,
teoricamente, maiores possibilidades de encontrar oferta de mão de obra,

16
Eisenberg, Peter. Homens esquecidos: escravos e trabalhadores livres no Brasil – séc. XVII e XIX.
Campinas, SP: Ed. da Unicamp, 1989.
uma vez que em 1872 este grupo representava o maior contingente popu-
lacional residindo na Corte Imperial: 152.722 indivíduos.17

Tabela 2 – População livre e escrava no Rio de Janeiro: 1821-1849-1872


Anos População total População livre População escrava
1821 116.444 58.895 50,60% 57.549 49,40%
1849 266.466 155.864 58,49% 110.602 41,51%
1872 274.972 226.033 82,20% 48.939 17,80%
Fonte: AN/RJ – Estatísticas: 1790-1865; Recenseamento da população do Império do Brasil 1872 apud SOARES, Luiz Carlos. O “Povo
de Cam” na capital do Brasil: a escravidão urbana no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: FAPERJ/ Sete Letras, 2007. Anexos.

Para além das motivações de senhores, escravos, Estado e até mesmo


dos trabalhadores libertos e livres no sentido de formar quadros de mão
de obra com o objetivo de atender as demandas por qualificação para os
ainda toscos setores fabril e industrial do Rio de Janeiro do Oitocentos, é
possível observar nos anúncios dos classificados do Jornal do Commercio a
preocupação dos empregadores com a formação destes quadros, ou seja,
demandas específicas iam formatando o “mercado”, cujos participantes
buscavam criar condições para capacitar novos braços de acordo com ne-
cessidades concretas.

Precisa-se de um pequeno para aprender o ofício de chapeleiro de sol, tra-


tar na Rua da Quitanda, n. 184. (1873)
Precisa-se aprendizes para uma oficina de costura, podendo morar na mes-
ma. Na Rua São Cristóvão n. 93. B. (1890)
Precisa-se de uma pequena para aprender a coser e alguns serviços leves de
casa de pequena família, paga-se 10$ e dá-se roupa; carta neste escritório
a DSLDM. (1895)
Precisa-se de rapazes para aprender ofício de fundidor, ganhando desde
logo bom salário e aprendendo um bom ofício, na Rua do Espírito Santo
n. 30.18 (1895)

A competição pelos indivíduos mais qualificados e os benefícios da


qualificação podem ser percebidos também nos enunciados dos próprios
anúncios. “Precisa-se aprendizes com prática de fundição ganhando mais
do que em qualquer fábrica por seu trabalho de empreitada; na Rua do
Espírito Santo n. 30”,19 anunciava certo empregador em 1895.
A participação dos cativos na produção industrial no Rio de Janeiro foi
verificada também por Luiz Carlos Soares. Segundo o autor de O “povo de
17
Como demonstrado na Tabela II, os escravizados constituíam 48.939, 17,8% da população. Dos
226.033, 82,2% da população constituída por pessoas livres, 73.311 eram de estrangeiros. Entre os
estrangeiros 56.008 eram homens e 17.303 eram mulheres. Entres os nacionais livres havia 77.872
homens e 74. 850 mulheres.
18
Jornal do Commercio, 18/01/1873, 19/01/1890, 05/01/1895 e 06/01/1895, respectivamente.
19
Jornal do Commercio, 03/01/1895.
Cam” na capital do Brasil, a revogação do decreto que proibia instalações
industriais no Brasil incentivaria um maior grupo de pessoas a adotar a
prática de comprar “escravos para o fim especial de instruí-lo n’alguma
arte útil ou ofício, vendendo-os em seguida por preços elevados, ou alu-
gando seus talentos e trabalho”.20 Detecta a presença de trabalhadores
escravos nos mais variados empreendimentos industriais, sobretudo en-
tre as décadas de 1840 e 1860, entretanto, argumenta que ocorre uma
“transmutação” no perfil dos trabalhadores e, nos anos que antecederam
a Abolição, o número de cativos ocupando cargos nos setores industriais
reduz sensivelmente. Esta “transmutação” refletiria o aumento do núme-
ro de libertos, em decorrência das políticas de alforria, o volume de entra-
da de imigrantes e a inclusão de brasileiros nascidos livres, empobrecidos
nas relações de trabalho manufatureiros e fabris. Segundo a linha argu-
mentativa que venho buscando desenvolver, na conformação das classes
trabalhadoras estas transformações teriam contribuído para o acirramen-
to das disputas por ocupar posições e, no preterimento da mão de obra
africana e crioula nos estabelecimentos industriais do Rio de Janeiro.21
Eulália M. L. Lobo contribui também para esta análise. Em outro es-
tudo que desenvolve, relativo à capital do Império, indica que no período
de 1840 a 1888, em decorrência de uma expansão econômica, ocorreu
um crescimento nas atividades comerciais que concorreu para as mudan-
ças das estruturas sociais expandindo as oportunidades de trabalho.22 Na
contramão do sugerido por Eisenberg – que discorre sobre o surgimento
de uma “brecha assalariada” entre a população cativa em decorrência do
mesmo processo –,23 Lobo argumenta que a intensificação da utilização
da força de trabalho livre e assalariada, na economia urbana escravista do
Rio de Janeiro, teria contribuído na monetarização do trabalho da mão
de obra escrava. A análise revela a complexidade e o entroncamento entre
as modalidades de trabalho livre e escrava; sobressai que eram os valores
cobrados como aluguel dos escravos que serviriam de patamar para a fi-
xação e compressão dos valores dos jornais dos trabalhadores livres. Na
experiência do trabalho conformavam-se as novas relações sociais.
Ressalto ainda que, a escravidão, enquanto instituição plenamente
disseminada, interferiu nas definições de hierarquias sociais e raciais,
forjou sentimentos, valores e etiquetas de mando e obediência para além
20
John Luccock, Notas sobre o Rio de Janeiro apud SOARES, Luiz Carlos. O “Povo de Cam” na capital do
Brasil: a escravidão urbana no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: FAPERJ/ Sete Letras,
2007. p. 150.
21
Ver SOARES, Luiz Carlos. O “Povo de Cam” na capital do Brasil: a escravidão urbana no Rio de Janei-
ro do século XIX. Rio de Janeiro: FAPERJ/ Sete Letras, 2007. p. 146-159.
22
LOBO, Eulália M. Lahmeyer. História do Rio de Janeiro: do capital comercial ao capital industrial e
financeiro. Rio de Janeiro: IBMEC, 1978.
23
O autor parafraseia Ciro F. S. Cardoso, quando este cria a categoria “brecha camponesa” para dar
conta de explicar a existência de uma economia escrava, autônoma e rendosa, no mundo rural. Ver:
SOARES, Luiz Carlos. Os escravos de ganho no Rio de Janeiro do século XIX. Escravidão – Revista
Brasileira de História, [S.l.], v. 16, p. 107-142, 1988.
dos seus marcos e limites. Tendo a classe operária brasileira emergido do
seio de uma sociedade escravista, para tornar possível esta emergência e
o seu “fazer-se”, trabalhadores, libertos e livres, nacionais e estrangeiros,
presentes neste processo, participaram, juntos aos escravizados, no jogo
político para “abolir” as relações sociais de trabalho baseadas no regime
de escravidão, uma vez que a disciplina que garantiu e consolidou a for-
mação das relações de trabalhos livres e assalariados herdou muito daque-
la utilizada naquele regime.24
Tendo em vista estas confluências, concordo com abordagens que su-
gerem o reexame do papel de africanos e crioulos,25 escravos e libertos,
e dos nacionais livres, na formação da livre e assalariada classe operária
brasileira.26 Convergindo interesses e perspectivas entre a história do tra-
balho e da escravidão – cuja tradição mais recente insiste em considerar
a atuação política dos escravizados na superação das mazelas do cativeiro
e em denunciar o processo que exclui o trabalhador escravo da história
social do Brasil –,27 faz-se necessário buscar compreender em que medida
as experiências dos trabalhadores foram compartilhadas neste processo.
Por conseguinte, analisar a especificidade da dinâmica da experiência his-
tórica brasileira, destacadamente a verificada no Rio de Janeiro urbano
nas últimas décadas do século XIX, se apresenta como possibilidade de
participar deste diálogo mais amplo.

A composição social dos trabalhadores


nas páginas do Jornal do Commercio

Discorrer acerca da formação da classe operária carioca implica refle-


tir sobre a complexidade e a diversidade do mundo de trabalho urbano e
das classes trabalhadoras envolvidas neste processo. Como já foi comen-
tado, no perímetro urbano do Rio de Janeiro no século XIX, os “mundos
do trabalho” dialogavam entre si. Não podemos precisar o estágio desse
fenômeno social, mas podemos tentar perceber a dinâmica desta con-
juntura histórica particular, permeada pela lógica da dominação escrava
que estruturava um conjunto de significados gerais. Ainda de acordo com
Marcelo Badaró Mattos, na capital do Império, os “trabalhadores, fossem
escravos ou livres, compartilhavam não apenas os ambientes de trabalho
urbanos, como também modelos de organização, bem como estratégias de

24
Gebara, Ademir. O mercado de trabalho livre no Brasil (1871-1888). São Paulo: Brasiliense, 1986.
25
As categorias são utilizadas neste texto para designar o conjunto da população que viveu a experi-
ência da escravidão, os nascidos na África e no Brasil, escravizados e libertos.
26
GOMES, Flávio; NEGRO, Antonio Luigi. Além de senzalas e fábrica: uma história social do traba-
lho. Tempo Social: revista de sociologia da USP, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 217-240, 2006. p. 217-240.
27
LARA, Silvia Hunold. Escravidão, cidadania e história do trabalho no Brasil. Projeto história: Revis-
ta do Departamento de pós-graduação da PUC-SP, São Paulo, n. 16, p. 25-38, 1997.
luta e resistências às formas de exploração a que estavam submetidos”,28
ou seja, tinham comunidade de interesse. Afinal, como nos chama aten-
ção Marx, em O 18 Brumário, quando analisa as comunidades camponesas
francesas em meados do século XIX, os grupos só se constituem em classe
quando em defesa de seus interesses enquanto grupo.29
Quiçá incipientemente “maravilhosa” para aqueles que a viam como
potencializadora de seus desígnios pessoais e coletivos, a cidade do Rio de
Janeiro – cidade negra30 em muitos de seus significados culturais e práticas
sociais – em meados do século XIX ostentava o título de maior cidade es-
cravista das Américas. Neste período, de acordo com o levantamento feito
em 1849,31 pelo menos 110.602 cativos (41,5% da população) constituí-
am a soma total dos 266.466 residentes. A condição de centro administra-
tivo e a qualidade urbana imputavam ao Município Neutro características
que conformavam novas formas às relações escravistas.
Em 1872, um total de 274.972 pessoas residia na província do Rio
de Janeiro. Destes, 228.743 habitavam em áreas urbanas – que se divi-
diam em 12 freguesias: Sacramento, Candelária, São José, Santa Rosa,
Sant’Ana, Lagoa, Glória, Engenho Velho, Santo Antônio, São Cristovão e
Espírito Santo – e, 46.229 habitavam em áreas suburbanas ou semirrurais
– que se dividiam em oito freguesias: Irajá, Jacarepaguá, Campo Grande,
Inhaúma, Guaratiba, Ilha do Governador, Paquetá e Santa Cruz.
Boa parte desta população era empregada nas diversas atividades do
setor secundário dos mais variados estabelecimentos da cidade, resulta-
do de sua condição de “maior centro de consumo e atração de negócio
do país, no que contribuía a expansão cafeeira, que transformara seu

28
MATTOS, Marcelo Badaró. Trabalhadores escravos e livres no Rio de Janeiro da segunda metade
do século XIX. In: JORNADA NACIONAL DE HISTÓRIA DO TRABALHO, 1., 2002, Santa Catarina.
Anais... Santa Catarina: ANPUH, 2002. GT Mundos do Trabalho. Disponível em: <www.labhstc.
ufsc.br/jornadaI.htm>. Acesso em: 10 set. 2009.
29
MARX, Karl. O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. In: MARX, Karl; ENGELS,
Friedrich. Textos. São Paulo: Ed. Sociais, 1977, v. 3, p. 203-285. Nesta estei-
ra desta interpretação, E. P. Thompson argumentaria que “a classe acontece
quando alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas
ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si,
e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos
seus” (THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa: a árvore da
liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 10).
30
Esta categoria elaborada por Sidney Chalhoub não se refere ao quantitativo, mas as marcas intro-
duzidas pela experiência de africanos e crioulos nas lógicas sociais nas grandes cidades escravistas.
Ver: Chalhoub Sidney, Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
31
BURMEISTER, Hermann. Viagens ao Brasil apud SOARES, Luiz Carlos. O “Povo de Cam” na capital
do Brasil: a escravidão urbana no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: FAPERJ/ Sete Le-
tras, 2007.
cais na porta de entrada e saída da maior parte da riqueza nacional”.32
Conquanto a prioridade fosse dada à produção agrícola exportadora e à
importação, para onde confluíam os lucros auferidos pelo sistema bancá-
rio e de crédito. A opção por importar aprazou o desenvolvimento de es-
tabelecimentos fabril-manufatureiros, que receberam relativo impulso no
contexto da Guerra do Paraguai, retraído, todavia, no período pós-guer-
ra.33 Analisando o montante de operários das dez profissões manuais ou
mecânicas que foram arroladas no Censo de 1872, Eulália M. L. Lobo e
seus colaboradores observam o seguinte: “do total de 17.059 a maioria
concentrava-se nos seguintes setores: metais (928), madeira (5.920), ves-
tuário (2.519), chapéus (498), calçados (2.000), couro e peles (479, car-
teiros, calceteiros, mineiros e cavouqueiros (928), construção (2.738)”.34
Nos anúncios publicados no Jornal do Commercio, é possível observar
a fluidez da relação de procura e oferta de mão de obra. Sendo um veículo
voltado para as demandas comerciais, registrou, também, as transações
envolvendo uma das principais mercadorias negociadas na Corte durante
o período imperial: a humana. Nas páginas do Jornal, além dos já mui-
to pesquisados anúncios de fugas, encontramos anúncios de ofertas de
compra e venda de cativos e, de procura e aluguel da força de trabalho
escrava, liberta e livre.35 Valendo-se desta dinâmica construída na experi-
ência da escravidão, os anúncios traziam ofertas de indivíduos livres que
desejavam alugar a sua força de trabalho e, também, de empreendedores
que procuravam por indivíduos cativos, libertos e livres para compor seu
quadro de trabalhadores.36
Os dados sobre o comércio de cativos, bem como de agenciamento dos
libertos e livres, fornecem importantes informações sobre o valor do paga-
mento do aluguel, habilidades dos indivíduos e outros aspectos da demo-
grafia da mão de obra carioca. Diariamente, no início dos anos 1870, eram
publicados em média 110 anúncios de empregadores desprovidos de bra-
ços, habilidosos ou não, para compor sua força de trabalho e, 80 anúncios
32
SOUZA Juliana Teixeira de. Dos usos da lei por trabalhadores e pequenos comerciantes na Corte
Imperial. In: AZEVEDO, Elciene et al. Trabalhadores na cidade: cotidiano e cultura no Rio de Janeiro
e em São Paulo, séculos XIX e XX. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2009. p. 189.
33
Este impulso teria sido observado do ponto de vista quantitativo, permanecendo a mesma estru-
tura artesanal nestes estabelecimentos (LOBO, Eulália Maria L. et al. Estudos das categorias so-
cioprofissionais, dos salários e do custo da alimentação no Rio de Janeiro de 1820 a 1930. Revista
Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 27, n. 4, out./dez. 1973. p. 159).
34
LOBO, Eulália Maria L. et al. Estudos das categorias socioprofissionais, dos salários e do custo da
alimentação no Rio de Janeiro de 1820 a 1930. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 27,
n. 4, out./dez. 1973. p. 159.
35
Gilberto Freyre é o principal expoente na defesa da utilização dos anúncios para a pesquisa his-
tórica. Ver: Freyre, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX: tentativa de
interpretação antropológica, através de anúncios de jornais, de característicos de personalidade e
de deformações de corpo de negros ou mestiços, fugidos ou expostos à venda, como escravos, no
Brasil do século passado. Recife: Imprensa Universitária, 1963.
36
Sobre a conformação do mercado de trabalho no Rio de Janeiro ver: VITORINO, Artur José Renda.
Cercamento à brasileira: conformação do mercado de trabalho livre na Corte das décadas de 1850 a
1880. Tese (Doutorado em História)–Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2002.
de indivíduos interessados em auferir seu jornal. As vagas oferecidas pelos
anúncios dos classificados poderiam interessar a um complexo e diversifica-
do conjunto de trabalhadores: em cor, condição social, status, nacionalidade
e naturalidade.
Os “procurados”, em sua maioria, eram homens e mulheres sem es-
pecialização para ocupar postos de domésticos, cozinheiros, caixeiros,
criados, vendedores de quitanda, copeiros, padeiros, lavadeiras, engo-
madeiras e outras funções cuja principal exigência era a boa conduta, a
“proficiência”.37 Para preencher as vagas, os candidatos deveriam ser per-
feitos nos afazeres, desembaraçados, fiéis, inteligentes e honestos.38 Não
obstante, cerca de 30% dos anúncios faziam referências a critérios como
cor, condição jurídica, habilidade ou nacionalidade.

Tabela 3 – Anúncios mandados publicar no mês de fevereiro de 1873


Total de anúncios 3.554
Anúncios sem especificação 2.660
Anúncios que fazem referência à cor
Preta 230 22,7%*
Parda 48 4,8%
Branca 172 17,0%
Qualquer cor 145 14,3%
Anúncios que fazem referência à condição
Escravo 44 4,4%
Livre 156 15,4%
Qualquer condição 127 12,6%
Outras especificações
Estrangeiro 56 5,5%
Aprendiz 22 2,2%
Alfabetizado 11 1,1%
Fonte: BN/RJ - Jornal Commercio, jan. 1873
* Os percentuais foram computados a partir do total de 1.011 referências a cor, condição, nacionalidade, aprendizado e alfabetização
verificadas em 894 anúncios.

Com relação aos anúncios que exigiam especialização, que em janei-


ro de 1873 representavam 32,7% do total, o principal critério para ser

37
Conhecimento perfeito, capacidade, competência.
38
É o caso da publicação do dia 2/1/1870, que trazia o seguinte enunciado: “Precisa-se de uma cos-
tureira que corte por figurino e que seja desembaraçada e perfeita em seus trabalhos; não se faz
questão de cor ou condição, quem estiver nas circunstancias de preencher o lugar dirija-se à Praia
de Botafogo n. 18”.
selecionado era mesmo o da proficiência.39 Naquele mês, numa amostra
de 3.554 anúncios de “procura-se” mandados publicar nas páginas dos
classificados do Jornal do Commercio, 2.660 não faziam referência à cor, à
condição, à nacionalidade ou à necessidade de alfabetização do “procura-
do”. Por outro lado, 894 anúncios traziam explícitos algum tipo de critério
referente ao perfil social desejado. Foram 1.011 casos que traziam espe-
cificação. Nestes, 14,3% trazia a resolução do empregador de preencher a
vaga sem levar em conta a cor do indivíduo, 12,6% ignoraria a sua con-
dição, 15,4% dos empregadores demandavam trabalhadores de condição
livre, 17% de cor branca, de cor parda 4,8% e 5,5% de outras nacionalida-
des. Dialogando com a estrutura social de uma cidade negra e escravista, a
maioria dos anunciantes, 22,7%, declarava preferir trabalhadores pretos.
Somente 1,1% indicava necessitar de um indivíduo alfabetizado. Do que
se pode inferir que o mercado de trabalho da cidade do Rio de Janeiro, no
mês de Janeiro de 1873, era acessível a qualquer um que estivesse “nas
circunstâncias” de preencher as exigências do empregador.
Ainda que os níveis de alfabetização fossem bastante tímidos entre a
população escravizada, a ela se encaminhavam diversas ofertas de trabalho
que criavam oportunidades dos cativos darem à escravidão significados de
liberdade. Muitos dos escravos cariocas urbanos mantinham com seus
senhores relações que intercambiavam noções de cativeiro e liberdade.
Usufruíam de “doses de liberdade”.40 Possuíam relativas possibilidades de
mobilidade. Eram alugados para exercerem diversas atividades ou postos
para vender os mais variados produtos, atividade que, de acordo com a ter-
minologia da época, era designada como ao ganho. Enquanto ganhadores,
em muitos casos, podiam “viver sobre si”, ou seja, decidir onde iriam tra-
balhar ou residir, comprometendo-se junto ao senhor a cumprir, semanal-
mente ou mensalmente, o pagamento de uma quantia a título de “acerto”.

39
Foram 1.162 anúncios publicados à procura por mão-de-obra especializada ou semiespecializada.
Os ofícios ou especialidade demandados eram: administrador, alfaiate, Arregaçadeira, barbeiro,
cafeteiro, caixeiro, carpinteiro, cavouqueiro, chacareiro, chineleiro, charuteiro, chapeleiro, charu-
teiro, cigarreiro, colchoeiro, confeiteiro, carroceiro, copeiro, costureira, encadernador, enfermeiro,
professor, farmacêutico, feitor, ferrador, forneiro, ferreiro, fundidor de metal, funileiro, jardineiro,
garçom, imprensador, limador, lustrador, malhador, marceneiro, oficial de forja, padeiro, pedreiro,
pianista, pintor, professor, sapateiro e serralheiro, tanoeiro, trabalhador de masseira e vendedor.
40
Temática abordada por mim em outro trabalho. Ver SANTOS, Lucimar Felisberto dos. Cor, identi-
dade e mobilidade social: africanos e libertos no Rio de Janeiro, 1870 – 1888. Dissertação (Mestra-
do)–Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.
Figura 8 – Escravo leitor do jornal O Paiz. Seus ouvintes, sete homens, duas mulheres e uma criança,
ouvem atentamente sua leitura de primeira natureza. A imagem chama atenção para as relações com a
leitura desenvolvidas por sujeitos de diferentes gradações de letramento. A legenda da gravura diz: “Um
fazendeiro também fez uma descoberta que o deixou embatudado! Um escravo lia no eito para os seus
parceiros ouvirem, um discurso abolicionista do Conselheiro Dantas”.
Fonte: Revista Illustrada, 15 out. 1887 (edição em p&b)

Alguns limites da participação escrava na economia brasileira foram


fornecidos através da Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871, limites esses
alargados quotidianamente pelos escravizados. A chamada “Lei do Ventre
Livre”, para além de tratar diretamente da organização do trabalho do
ex-escravo – regulando os termos de sua prestação de serviço, tornando
obrigatória a contratação sob pena de sofrerem constrangimento ao se-
rem acusados de vadiagem e postos a trabalhar em obras públicas – ao
tratar de um assunto específico referente aos cativos, a legitimação do
pecúlio escravo, validava a prática de se remunerar os mesmos pelos ser-
viços prestados. Além de incluir este conjunto da população definitiva-
mente nas novas relações assalariadas, facultaria aos cativos, a partir de
então, o direito legítimo ao acúmulo do valor necessário para resgatar sua
liberdade.41
O indivíduo na condição de escravo estava entre as preferências dos re-
crutadores. Embora em número bastante reduzido: somente 44 casos em
janeiro de 1873, num total de 3.554 anúncios levantados. Em verdade,
na maioria dos casos, foram solicitados indivíduos naquela condição para
exercerem atividades que dispensam especialização – criados, cozinhei-
ros, domésticas, trabalhadores de masseira etc. No entanto, a alusão ao
41
LIMA, Henrique Espada. Sob o domínio da precariedade: escravidão e os significados da liberdade
de trabalho no século XIX. Topoi, Rio de Janeiro, v. 6, n. 11, p. 289-326, jul./ dez. 2005. Ainda sobre
o efeito da lei 2040 no quotidiano da escravidão ver SANTOS, Lucimar Felisberto dos. Os basti-
dores da lei: estratégias escravas e o Fundo de Emancipação. Revista de História da Universidade
Federal da Bahia, Salvador, v. 1, p. 18-39, 2009.
estatuto jurídico pode ser explicada pelos critérios de diferenciação social
operado naquela sociedade que se moveria primeiramente pela cor/con-
dição, para na segunda metade do século XIX, se referenciar em catego-
rias socioprofissionais. Este argumento, que será desenvolvido neste tra-
balho, tem por referencia a participação escrava na economia registrada
pelos recenseadores em 1872: 498 artífices ou oficiais; 527 marítimos;
174 pescadores; 1.384 costureiras; 5.695 lavradores; 22.842 domésticos;
5.785 criados e jornaleiros e 9.899 sem profissão.
Os libertos, depois de quase meio século da data em que a Constituição
do Império brasileiro lhes estendeu a condição de cidadão – investida de
precariedade –, a julgar pela avaliação dos recenseadores que não os dife-
renciaram da população livre, provavelmente estavam entre os números
de trabalhadores nacionais arrolados pelo Censo e entre os “procurados”
pelos empregadores que anunciavam no periódico. O aumento no núme-
ro das alforrias obtidas por trabalhadores escravizados que circulavam
pela Corte contribuía para o aumento vertiginoso na parcela da população
livre observada ao longo do século XIX (Tabela 2).
Apesar de serem “cidadãos do império” algumas restrições eram pos-
tas à sua cidadania. Algumas nada sutis como, por exemplo o caso de um
contrato de concessão de recurso apresentado à Assembléia Geral, o qual
Luiz Antônio Cunha analisa em seu estudo sobre o ensino de ofícios arte-
sanais e manufatureiros no Brasil escravocrata: “o Relatório do ministro
do Império, apresentado à Assembléia Geral, em 1850, transcreve o con-
trato de concessão dos recursos obtidos em uma loteria por empresários
do setor têxtil do Rio de Janeiro”. Na transcrição podemos observar algu-
mas manobras para promoção do desenvolvimento fabril e para definir a
composição social dos trabalhadores.

O concessionário é obrigado: 1º) A aplicar as quantias que receber ao


melhoramento da Fábrica. 2º) A não permitir trabalhar nela escravos ou
africanos libertos. 3º) Conservar nela gratuitamente e pelo tempo que o
governo arbitrar, 10 meninos brasileiros, aos quais alimentará e dará ins-
trução religiosa, elementar e industrial.42

Talvez este “africano liberto”, referido no texto, seja antes o “africano


livre”, aquele indivíduo que por força da Lei 1.831 adquiria sua liberdade
por ter sido trazido para o Brasil ilegalmente e que, por um período, fica-
va sob a tutela do Estado imperial, sendo durante este tempo explorado
em obras públicas ou alugado a particulares.43 Entretanto, essas medidas,
assim como aquela que proibiu a utilização da mão de obra escrava em
42
Cunha Luiz Antônio, O ensino de ofícios artesanais e manufatureiros no Brasil escravocrata. São Paulo:
Ed. UNESP; Brasília, DF: FLACSO, 2005. p. 142-143.
43
Sobre africanos livres ver SOUZA, Jorge Luiz Prata de. Africano livre ficando livre: trabalho, coti-
diano e luta. Tese (Doutorado em História)–Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
obras públicas, restringiam a participação dos escravizados e, também,
de libertos, associados à escravidão, das relações de trabalho assalariadas.
Sobressai ainda na condição imposta ao concessionário para receber os
recursos, a sua participação na tarefa de qualificar a mão de obra nacio-
nal para atender as demandas da nação. A ausência de trabalhadores com
“habilidades técnicas” era sentida nos novos estabelecimentos fabris e
comerciais instalados na Corte. 44 Ainda que a política de imigração come-
çasse a ganhar vulto nas últimas décadas do século XIX, houve também a
aposta na adaptação da mão de obra não especializada. Segundo Cunha,

O período 1870-1914 foi, sobretudo, o período em que a indústria confia-


va em um influxo maciço de trabalhadores inexperientes, mas fisicamente
fortes para realizar a proporção muito grande de tarefas relativamente não
especializadas que exigiam muita mão-de-obra; período em que o ambien-
te dramático de escuridão, chama e fumaça caracterizou a revolução na
capacidade do homem produzir através da indústria movida a vapor.45

É importante ressaltar que durante o período destacado levas cada vez


maiores de imigrantes chegavam ao Império do Brasil para atender às ne-
cessidades gerais da agricultura e, às mais específicas de alguns setores
industriais. Os ingleses, por exemplo, tiveram seu recrutamento facili-
tado pela Depressão ocorrida na Inglaterra, que obrigou muitas fábricas
a fechar e um grande contingente de seus operários a emigrar. No en-
tanto, ainda na década de 1890, a presença do trabalhador especializado
inglês foi praticamente eliminada. As taxas de câmbio eram desfavoráveis
a quem recebia o pagamento em libras esterlinas. Italianos e espanhóis
foram recrutados após esse período para suprir a demanda por braços
qualificados, apesar de serem provenientes de regiões onde os padrões
de vida eram mais baixos. No caso específico do Rio de Janeiro, eram os
portugueses os mais procurados e os que mais se ofereciam em aluguel
nos anúncios de jornais. Anúncios em que o critério nacionalidade figura-
va como principal exigência também eram encontrados nas páginas dos
jornais. Transcrevo alguns exemplos:

Quem precisar de um rapaz de 21 para 22 anos de idade, para caixeiro ou


para qualquer administração de porta fora, anuncie: o dito rapaz se obriga
a servir de graça um ano, sendo caixeiro, e sendo para outro oficio, será o
que se ajustar; é português e desembarcou no dia 16 do corrente, não tem
conhecimento algum nesta capital. (1850)

44
No ano de 1873 foram levantados 965 estabelecimentos do ramo industrial, número que chegaria
a 1.242 no ano de 1881 (SOARES, Luiz Carlos. O “Povo de Cam” na capital do Brasil: a escravidão
urbana no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: FAPERJ/ Sete Letras, 2007. Anexos).
45
Cunha, Luiz Antônio. O ensino de ofícios artesanais e manufatureiros no Brasil escravocrata. São Paulo:
Ed. UNESP; Brasília, DF: FLACSO, 2005. p. 143.
Precisa-se trabalhadores portugueses ou alemães para estrada de ferro de
Macaé e Campos na Rua Uruguaiana 131. (1873)
Precisa-se de um português de meia idade para uma estalagem que saiba
ler alguma coisa e com prática de venda; São Cristóvão 132. (1873)
Precisa-se de um moço português de 15 a 18 anos de idade para criado, é
inútil que se apresente quem não tiver informação a dar sobre a sua con-
duta, exige-se também bons atestados, para tratar no Largo do Paço, n. 12,
hotel, quarto n. 107. (1873)
Precisa-se de moço português de 18 a 20 anos de idade, para criado, com
ou sem prática; se não for de boa conduta e morigerado é inútil apresentar-
-se, tratar-se no Largo do Paço n. 12, hotel, quarto n. 107. (1873)
Precisa-se de um moço português de 16 anos de idade, que saiba bem as
ruas da cidade, e que tenha aqui família, para caixeiro e agente de um es-
critório; na Rua Uruguaiana n. 131 informa.46 (1873)

Os portugueses perfaziam 76,3% do total de 73.311 estrangeiros livres


residentes no Rio de Janeiro, de acordo com o Censo de 1872. Eram 45.497
homens e 10.441 mulheres, totalizando 55.938 lusos. Representavam
cerca de 20% da população.47 Provavelmente, no imaginário de uma parte
dos setores formados pelos detentores dos meios de produção que se ins-
talavam no Rio de janeiro a partir da segunda metade do século XIX, so-
bretudo daqueles também estrangeiros estabelecidos na cidade – é o caso
de uma Agência Portuguesa localizada na Rua Uruguaiana, número 131,
que recorrentemente expressa nos anúncios mandados publicar a opção
por portugueses e portuguesas – os imigrantes europeu seriam os deten-
tores das habilidades manuais advindas da experiência de trabalho da
nova economia industrial. Contribuiria nesta concepção não só o conhe-
cimento das recentes alterações industriais ocorridas na Europa, como
também um “imaginário social” que passaria classificar o lugar social dos
sujeitos de acordo com a sua cor e “raça”,48 delegando aos nacionais e, so-
bretudo, aos de origem africana, a inferioridade biológica e cultural.49 Daí
importa analisar os significados dados nesse contexto não à “raça” pro-
priamente dita, mas à cor enquanto critérios de diferenciação utilizados
pelos anunciantes para determinar a escolha de seu trabalhador.

46
Jornal do Commercio, 21/01/1850, 01/01/1873, 19/01/1873/ 19/01/1873, 20/01/1873 e
30/01/1873, respectivamente.
47
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Proletários e escravos: imigrantes portugueses e cativos africanos
no Rio de Janeiro, 1850-1872. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 21, p. 30-56, jul. 1988.
48
Sobre o discurso racial no século XIX, ver: Schwarcz Lilia M. O espetáculo das raças. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996. Sobre a questão dos negros no imaginário das elites, ver Azevedo
Célia Maria de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites século XIX. Campinas,
SP: Anablume, 1987.
49
MAGGIE, Yvonne. Aqueles a quem foi negado a cor do dia: as categorias cor e raça na cultura bra-
sileira. In: MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Ricardo (Org.). Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro:
CCBB, 1996.
Alguns significados de cor, condição e profissão

Uma vez enunciado que o item cor era um dos componentes que infor-
mava o critério de escolha dos empregadores, é importante saber alguns
dos sentidos de determinados termos que compunham este juízo crítico.
De acordo com Sheila de Castro Faria, os critérios de cor no Brasil foram
extremamente elásticos. Termos como “negro”, “preto”, “pardo”, “mulato”
e “cabra” tiveram vários sentidos que foram utilizados para designar in-
divíduos dependendo da época e da região. Sendo seus significados in-
formados, sobretudo até a primeira metade do século XIX, pela condição
jurídica, e não preferencialmente pela cor da pele.50
Interpretando a condição social como representação que separava e
definia os indivíduos segundo a sua situação jurídica – livre, liberto ou
escravo –, procurarei seguir de perto as argumentações de Faria. Segundo
verifica a pesquisadora em suas análises sobre as relações escravistas
na sociedade brasileira do período anterior a 1850, as hierarquias se es-
truturavam menos em torno da cor da pele do que da condição social.
Ressalta que os termos designadores da cor/condição tinham operacio-
nalidade para demarcar diferenças entre os mundos de livres e escravos.
Eram chaves de leitura das etiquetas que diferenciavam as duas realida-
des. Por exemplo, os termos “negro”, “preto” e “crioulo” eram operados
sobretudo no mundo dos escravos. O termo “negro” agregava sentidos
que remetiam essencialmente a experiência da escravidão, podia ser as-
sim percebido e se perceber aquele indivíduo como cativo, nunca um li-
berto ou livre.51 Sentidos análogos foram percebidos em relação ao termo
“crioulo”: segundo Sheila de Castro Faria, designaria o escravo nascido no
Brasil. Entretanto, os termos “preto” e “crioulo” marcariam, também, efe-
tivas diferenças de origem de nascimento; referiam-se, respectivamente,
ao africano e à sua descendência. Sendo chamados crioulos os filhos de
africanos nascidos no Brasil, independentemente da cor de sua pele e de
sua condição social.52

50
Em sua análise, a autora examina registros paroquiais de batismo, casamentos e óbitos de livres e
libertos, mapeamentos populacionais por domicílios e testamentos e inventários post-mortem de
forros em diferentes regiões brasileiras (Faria Sheila de Castro. Cotidiano do negro no Brasil escra-
vista. In: ANDRÉS-GALLEGO, José (Org.). Tres grandes cuestiones de la historia de iberoamérica. v. 1.
Madrid: Fundación Mapfre Tavera: Fundación Ignacio Larremendi, 2005. v. 1, p. 1-163).
51
Observação que pode causar estranhamento aos que aderiram à apropriação e ressignificação do
termo feita pelo movimento negro que, no afã de atribuir “empoderamento” a este conjunto da
população, classifica como negros o somatório da população preta e parda no Brasil.
52
Segundo Hebe M. Mattos, “a designação ‘crioulo’ era exclusiva de escravos e forros nascidos no
Brasil e o significante preto, até a primeira metade do século, era referido preferencialmente aos
africanos. A designação de ‘negro’ era mais rara e, sem dúvida, guardava uma componente racial,
quando aparecia nos censos da época, qualificando a população livre” (MATTOS, Hebe Maria. Das
cores do silêncio: os significados da liberdade no sudoeste escravista – Brasil século XIX. Rio de Ja-
neiro: Arquivo Nacional, 1995. p. 30). Neste trabalho, temporalmente situado na segunda metade
do século XIX, utilizo o termo “crioulo” no sentido mais abrangente, designando subsequentes
gerações de descendentes de africanos nascidos no Brasil.
Movendo-se em direção aos mundos dos livres, o termo ‘pardo’ desig-
naria preferencialmente os filhos de mães libertas. Não traduzia a priori
uma possível mestiçagem, antes marcava distanciamento da experiência
escrava e africana. A designação criava uma condição social intermediá-
ria entre os dois mundos. Pardo designaria aos que não eram africano ou
crioulo na escravidão, e aos filhos dos alforriados, na liberdade,53 ou um não
branco que não vivenciou a experiência do cativeiro na interpretação de
Hebe Mattos. Segundo esta,

A designação de ‘pardo’ era usada, antes, como forma de registrar uma


diferenciação social, variável conforme o caso, na condição mais geral de
não-branco. Assim, todo escravo descendentes de homem livre (branco)
tornava-se pardo, bem como todo homem nascido livre, que trouxesse a
marca de sua ascendência africana – fosse mestiço ou não.54

Faria observou ainda que a designação “forro”, alcunha daqueles in-


divíduos que haviam alcançado a liberdade, sendo agregada à de “pardo”
por casais africanos, proprietários de escravos, que almejavam suas crias
distanciadas das experiências do cativeiro, denominando-as de “pardos
forros”. Mesmo o termo “branco” não tinha sentido em si mesmo, mas
significados de liberdade. Por ostentar esta condição, vários filhos de indi-
víduos livres teriam assim sido assentados nos registros de batismo ainda
que a cor de sua pele não fosse condizente. Em resumo: “a cor da pele, o
passado escravo ou sua descendência e a propriedade de escravos tiveram
de se organizar para fazer uma pessoa branca, negra ou parda”.55
Ponderando que esses eram códigos também entendidos pelos em-
pregadores, ou que pelo menos estas noções ainda estavam presentes no
imaginário social do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, po-
demos rever, nestes termos, outros sentidos para os critérios de escolha
da mão de obra observados no Jornal do Commercio. Antes, porém, veja-
mos algumas das consequências do “reflexo da nova conjuntura” observa-
das por Sheila Castro Faria que resultaram em mutações na qualificação
por cor/condição.
Ancorada nas análises sobre as “cores do silêncio” de Hebe M. Mattos,56
Faria argumenta que o critério cor/condição perdeu muito dos seus sen-
tidos nos anos finais da escravidão. A conjunção de circunstâncias – o au-
mento gradativo no número de alforrias e a impossibilidade de se adquirir
escravos devido à alta do seu valor de compra – rearranjou as designações
53
Faria Sheila de Castro. Cotidiano do negro no Brasil escravista. In: ANDRÉS-GALLEGO, José
(Org.). Tres grandes cuestiones de la historia de iberoamérica. v. 1. Madrid: Fundación Mapfre Tavera:
Fundación Ignacio Larremendi, 2005. p. 66.
54
MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudoeste escravista -
Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. p. 30.
55
Faria Sheila de Castro, ibidem, p. 73.
56
MATTOS, ibidem.
das categorias de status. Aqueles critérios baseados menos na cor do
que na condição social não davam mais conta das diferenciações sociais.
Sobressai dessas análises a fragilidade da identidade branca que perdia a
supremacia no que diz respeito a dar significado à acepção de liberdade,
que por sua vez não era mais embasada pela identidade senhorial. Assim,

o silêncio sobre a cor/condição, tanto de brancos quantos de negros e mes-


tiços libertos, significou que a liberdade não era mais somente branca e
que a propriedade de escravos, cada vez mais restrita a um pequeno grupo,
não era mais um objetivo a ser esperado.57

Engendrando novos campos de sentidos para “além da escravidão”,


outros significados estavam sendo produzidos e se organizavam em torno
das relações de trabalho livre e assalariado. O que possibilita inferir que,
para as classes trabalhadoras despossuídas, sobretudo de títulos honorífi-
cos legais ou informais, as qualificações profissionais despontariam como
recursos diferenciadores dos lugares ocupados pelo indivíduo nos mun-
dos do trabalho, designando status sociais.58
Voltando então para os anúncios de “procura-se” nas páginas do Jornal
do Commercio, uma coisa chamou a atenção na análise do mês de janeiro
de 1873: o fato de que, entre a totalidade de 3.554 anúncios analisados,
os que informavam a preferência por diversas categorias socioprofissio-
nais, não necessariamente especializadas – 1.161 dos casos (32,7%), so-
mente uma ínfima parcela dos recrutadores fizeram referência à cor do
procurado: 37 casos. As ocorrências podem ser destacadas: caixeiro (1),
chacareiro (2), cigarreiro (1), colchoeiro (2), copeiro (10), costureira (16),
feitor (1), trabalhador de masseira (1) e vendedor (2). Nenhum outro dos
1.124 anúncios que procuravam por mão de obra especializada ou semies-
pecializada mencionava a cor do procurado. Diferentemente dos casos em
que não se exigia especialização alguma, como por exemplos, criados e
diversas atividades executadas no âmbito doméstico. Nesses casos, ainda
que sobressaísse a exigência de qualificação, são utilizados vários crité-
rios definidores da escolha. Ou seja, cor, condição e nacionalidade ten-
dem a influir na decisão de empregar um indivíduo nas atividades não
especializadas.

57
Faria Sheila de Castro. Cotidiano do negro no Brasil escravista. In: ANDRÉS-GALLEGO, José
(Org.). Tres grandes cuestiones de la historia de iberoamérica. v. 1. Madrid: Fundación Mapfre Tavera:
Fundación Ignacio Larremendi, 2005.
58
Este rearranjo de sentido é observado por Hebe Mattos no que se refere à identidade socioprofis-
sional dos homens livres proprietários de lavouras, feitorias e escravos em oposição aos cativos,
segundo a historiadora nas regiões por ela pesquisada, após 1850, “a qualificação socioprofissional
começa a tornar-se designadora de status social (além, obviamente, dos títulos honorários legais
ou informais, como ‘comendador’, patentes da Guarda Nacional, dona e outros), desconstruindo-
-se a igualdade que o ‘viver de’ emprestava” (MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio: os signi-
ficados da liberdade no sudoeste escravista - Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,
1995. p. 96).
Os dados poderiam apontar para uma “democracia racial” no topo da
hierarquia socioprofissional, no caso desta amostra, se não fossem in-
terpretados à luz das análises esboçadas anteriormente. Tudo indica que
os indivíduos com qualificação profissional já começariam a se perceber
como uma categoria que se diferenciava por suas habilidades manuais e
assim seriam reconhecidos na sociedade. Daí a não referência a cor da
pele ou condição para recrutá-los – sendo a especialização o critério defi-
nidor de sua distinção.
No entanto, se as designações socioprofissionais indicavam prestígio
social naquele contexto, também escamoteavam as classificações raciais e
mesmo as condições sociais dos indivíduos que comporiam as classes tra-
balhadoras daquela sociedade. Os trabalhadores com especialização com-
partilhavam experiências com outros recrutados “livremente” através dos
anúncios e, que recebiam outras designações antes de serem reconhecidos
socialmente pelas suas habilidades profissionais. Nos anúncios eram de-
nominados “moços”, “homens”, “trabalhadores”, “pequenos”, “meninos”,
“pessoas” e, constituem 16% do total (528 casos). São trabalhadores que
muito provavelmente representariam a composição social da população
urbana do Rio de Janeiro e que aprenderiam o ofício na prática, obser-
vando os mais qualificados, representantes também daquela composição
social. São exemplos destes tipos de anúncios:

Precisa-se de aprendizes para ofício de chapéus de sol, moços de 14 a 18


anos, que de fiador a sua conduta, pagando-lhes ordenados; na Rua da
Quitanda, n. 114. (1873)
Precisa-se de dois aprendizes de funileiro que já trabalham, ou mesmo que
nada saibam, na Rua da Princesa dos Cajueiros n. 1 – loja. (1873)
Precisa-se de um menino, dos últimos chegados, para aprender o ofício de
ferreiro; na Rua Nova do Livramento, n. 56. (1873)
Precisa-se de uma pessoa que saiba ou queira aprender a trabalhar em
coletes de homem, e também se anime a coser em máquina, na Rua da
Imperatriz. 35, sótão.59 (1873)

“Querer aprender”, “animar-se” em aprender, também atenderia às


necessidades dos novos arranjos organizados em torno das relações de
trabalho. Os homens e mulheres60 proprietários de estabelecimentos ma-
nufatureiros, fabris e industriais, providenciavam meios de qualificarem
a mão de obra necessária às suas demandas. Afinal, muito provavelmente
ocorreu no Rio de Janeiro o que Marcelo Mac Cord observou nas suas aná-
lises para o Recife do Oitocentos, onde não verificou “contundentes ini-
ciativas oficiais que substituíssem processos de aprendizagem das ditas

59
Jornal do Commercio, 3/1/1873, 19/1/1873/ 22/1/1873 e 30/1/1873, respectivamente.
60
Foram localizados nos anúncios endereços de oficinas de costuras com nomes de algumas “mada-
mes”.
‘artes mecânicas’”, ficando as medidas desta ordem “somente no campo
das ideias”.61
A utilização de categorias profissionais na hierarquização das relações
sociais de trabalho, enquanto designadoras de status, não se deu somente
no que alguns historiadores chamariam de “atividades de porta a fora”,
nas “atividades de porta adentro”,62 naquelas realizadas no âmbito do-
méstico, esta diferenciação também foi operada. O termo “criado” que
de acordo com Olívia Maria Gomes da Cunha, encobria as mais diversas
modalidades e relações de trabalho,63 foi ressignificado para dar conta de
nomear aqueles trabalhadores que não necessariamente executavam ati-
vidades domésticas, mas que trabalhavam na “órbita” do lar, recebendo
para isto um salário. Ou seja: estando as categorias de trabalho se mo-
vendo em direção à designação de status; tendo aumentado o número de
trabalhadores que realizavam atividades remuneradas de “porta adentro”
(mesmo na condição de cativos), os legisladores representantes do poder
público, que percebiam as mudanças conjunturais nas relações sociais de
trabalho, interfeririam nas relações intermediárias entre privado e públi-
co. Em Santa Catarina, por exemplo, em 8 de junho de 1883 foi decretado
o seguinte:

É considerado criado ou criada, para todos os efeitos desta postura quem


quer que, sendo de condição livre ou escrava, tiver ou tomar, mediante
salário, a ocupação de moço de hotel, casa de pasto e hospedaria, ou de co-
zinheiro, copeiro, cocheiro, hortelão, ou de ama de leite, ama seca, lacaio,
e, em geral, o de qualquer serviço domestico.64

O assalariamento no plano doméstico, ainda que as atividades como


cocheiro, moço de hotel, casa de pasto e hospedaria aparentem atividades
além da domiciliar, seria a referencialidade desta que agora seria oficial-
mente reconhecida como uma nova categoria de trabalho. O fato de ser
uma categoria que nomeava trabalhadores do mundo de trabalho escravo
e livre, pode ser esclarecedor de ser esta a que mais aparece entre as pro-
curadas numa sociedade que traz ambiguidades diversas nas suas relações
de trabalho. Na amostra do mês de janeiro de 1873, que vem sendo mais
explorada neste trabalho, dez anos antes do Decreto-lei 1.039, de Santa
61
Mac Cord, Marcelo. Andaimes, casacas, tijolos e livros: uma associação de artífices no Recife, 1836-
1880. Tese (Doutorado)–Programa de Pós-Graduação em História, Universidade de Campinas,
Campinas, SP, 2009. p. 13
62
As atividades realizadas no âmbito doméstico eram em alguns casos assim denominadas, a exem-
plo do anúncio de 22/1/1873: “Precisa-se de uma negrinha de 14 a 16 anos para o serviço de portas
adentro, na Rua da Assembléia n. 64, sobrado”.
63
Cunha, Olívia Maria Gomes. Criadas para servir: domesticidade, intimidade e retribuição. In:
CUNHA, Olívia Maria Gomes; GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Quase cidadão: história e antro-
pologias da pós-emancipação no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2007. p. 379-380.
64
Lei n. 1039 de 8 de junho de 1883. Legislação. Decretos, leis e resoluções. Caixa 04. Centro de
Memória da Assembléia Legislativa de Santa Catarina.
Catarina, criadas e criados representariam mais de 20,% da amostra.
Neste curto período são publicados 709 anúncios. Confirmando nestes
casos a diversidade das preferências e/ou a necessidade dos donos dos
estabelecimentos ou domicílios, 58% dos anúncios especificam a prefe-
rência no que se refere também à cor, condição, nacionalidade e/ou alfa-
betização. São 483 referências em 413 anúncios. Os dados demonstram
também que o termo já era operado para agregar diferentes tipos de traba-
lhadores. Criados, criadas e domésticas – no caso dos anúncios à procura
de domésticas, 75% traziam especificação, foram 176 referências em 156
anúncios – são as atividades nas quais os critérios de escolha mais oscilam
(ver tabelas 4 e 5) São nesses anúncios onde mais se observa a diversidade
racial do conjunto de trabalhadores da província do Rio de Janeiro. O que
não significa que estas diferenciações não fossem expressas nas outras
formas de relações sociais de trabalho na sociedade. O fato de um escravo
ou um indivíduo dito “de cor” possuir um ofício, por si só não garantiria
distinção social, o domínio de outros códigos sociais de distinção deveria
ainda ser agregado e, importa destacar: não garantiria o apagamento e o
peso da sua cor e/ou condição.65
Serviu, no entanto, para apagar a participação de certos elementos na
formação da classe trabalhadora, a saber: africanos, crioulos – pensados
aqui como a descendência dos africanos escravizados – e os nacionais
livres.

Tabela 4 – Anúncios de “procura-se” por criada(o)s


Total de anúncios 709
Anúncios sem especificação 296
Anúncios que fazem referência à cor
Preta 70 14,5%*
Parda 24 5,0%
Branca 102 21,1%
Qualquer cor 89 18,4%
Anúncios que fazem referência à condição
Escravo 18 3,7%
Livre 91 18,7%
Qualquer condição 59 12,2%
Outras especificações
Estrangeiro 30 6,2%
Aprendiz  - -
Alfabetizado 1 0,2%
Fonte: BN/RJ, Jornal Commercio, janeiro de 1873
* Os percentuais foram computados a partir do total de 483 referências a cor, condição, nacionalidade, aprendizado e alfabetização
verificados em 413 anúncios.

65
Albuquerque, Wlamyra R. de. O jogo de dissimulação: abolição e cidadania
negra no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
Tabela 5 – Anúncios de “procura-se” por doméstica
Total de anúncios 206
Anúncios sem especificação 50
Anúncios que fazem referência à cor
Preta 84 47,8%*
Parda 8 4,5%
Branca 18 10,2%
Qualquer cor 20 11,4%
Anúncios que fazem referência à condição
Escravo 18 10,2%
Livre 5 2,8%
Qualquer condição 20 11,4%
Outras especificações
Estrangeiro 3 1,7%
Aprendiz   2,2%
Alfabetizado 1 0,2%
Fonte: BN/RJ, Jornal Commercio, janeiro de 1873
Os percentuais foram computados a partir do total de 179 referências a cor, condição, nacionalidade, aprendizado e alfabetização
verificados em 156 anúncios.

De volta ao senhor José Maria Fernandes

Abordagens historiográficas produziram silêncios sobre importantes


aspectos na formação das classes trabalhadoras assalariadas brasileiras
– quando se optou por interpretar as experiências dos trabalhadores a
partir das organizações sindicais; quando elegeram para protagonistas de
suas análises os trabalhadores imigrantes; quando escolheram o “chão das
fábricas” de grande porte –, resultando no esquecimento das contribui-
ções dos trabalhadores nacionais e escravizados neste processo. Os novos
caminhos que vêm sendo percorridos por respeitáveis estudiosos da his-
tória do trabalho e da escravidão asseguram que eles estavam lá.66 Faziam
parte das opções de escolha dos empregadores e/ou de seus recrutadores
de mão de obra.
Subjaz, na finalização desse trabalho, o interesse de acompanhar estes
trabalhadores no momento em que se apresentam atendendo ao anúncio.
Circunscrevendo a arena de luta, interessa questionar: que tipo de nego-
ciação seria possível ao trabalhador no momento da suposta contratação?
Até que ponto haveria flexibilidade por parte do contratante? Transitaria
o indivíduo por quais ofertas? A falta de mão de obra levaria os emprega-
dores a que tipos de adequação nas suas exigências? Estas questões gerais

66
Vide notas 7 e 27.
que se somam a outras mais específicas,67 não cabem no espaço de um ar-
tigo. Entretanto, propô-las enquanto reflexão, além de ratificar a propos-
ta deste trabalho – de chamar atenção para a complexidade dos mundos
do trabalho carioca nas últimas décadas do século XIX –, colabora com um
último exercício: tentar imaginar as possibilidades de escolhas do senhor
José Maria Fernandes a partir das circunstâncias.
Se levarmos em conta as preferências manifestadas pelos agenciadores
da Agência Portuguesa, as expectativas de experiência de trabalho tra-
zidas com a política de imigração e os números do Censo de 1872 – que
arrolou os trabalhadores estrangeiros entre aqueles empregados nas pro-
fissões mais qualificadas –, podemos supor que o estrangeiro branco era o
modelo de trabalhador que Fernandes procurava, afinal estes eram “civili-
zados”, peritos em sua arte. No entanto, sabendo que foi facultado às em-
preiteiras participar na política de imigração, sendo-lhes possível o recru-
tamento fora do país de braços estrangeiros e que o número de imigrantes
não atendia as demandas no início da década de 1870, é bem provável
que este “procurador” estivesse utilizando um periódico que circulava na
cidade do Rio de Janeiro para recrutar trabalhadores que lhe interessaria
entre os nacionais, demonstrando assim confiança na qualificação e, so-
bretudo, na adaptação do trabalhador nacional às novas relações de traba-
lho, no que se refere à capacidade técnica e à disciplina. Obviamente, pode
indicar simplesmente que ele ou a firma que ele representava não tinham
cacife para cobrir as despesas da imigração. Ou, ainda, que ele julgava ser
possível uma “repescagem” na qual pudesse localizar alguns daqueles tra-
balhadores imigrantes disponíveis na Praça do Rio de Janeiro.
Acreditando ser possível que José Maria Fernandes de fato confiasse
na qualidade do trabalho exercido pelo trabalhador nacional, ele poderia
estar interessado em que o anúncio que mandou publicar fosse lido por
vários indivíduos, afinal os jornais cumprem estes objetivos. Assim sen-
do, operando dentro da lógica do período, os cavouqueiros, pedreiros e
canteiros, que se apresentariam atendendo ao anúncio seriam ­indivíduos
de diversas cores, condições sociais e naturalidade que, aproveitando-
-se das oportunidades criadas, principalmente nas relações de trabalho,
adquiriram habilidades, enquadrando-se nessas categorias socioprofis-
sionais procuradas por esse contratador. Homens que poderiam em al-
gum momento de seu percurso histórico perceber a comunidade de seus

67
Pensar os papéis sociais dos diversos sujeitos que contribuíram na conformação do perfil das no-
vas classes de trabalhadores, que se “faziam” no Rio de Janeiro nas décadas finais do século XIX,
está entre os principais objetivos da minha tese de doutoramento. Interessa-me não só recuperar
aspectos da história do operariado, mas, sobretudo, lançar luz sobre o seu caráter heterogêneo e
sobre as interseccionalidades que permeavam as relações sociais em termos de classe, gênero e
raça. Com o título A negação da herança social. Africanos e crioulos no âmbito de uma economia
em expansão. Rio de Janeiro 1870-1900. O trabalho vem sendo desenvolvido junto ao programa de
Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia, com bolsa concedida pelo Programa
Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford.
interesses, virem a se organizar e reivindicar junto ao senhor José Maria
Fernandes, ou a quem ele representasse, o alargamento de seus direitos.

Conclusão

Este estudo trabalhou com uma amostragem de anúncios de jornal das


colunas “procura-se”. Com essas informações, foi possível estabelecer a
composição social do conjunto da população que negociava a sua força
de trabalho nas áreas urbanas do Rio de Janeiro no período analisado.
Primeiramente tentei mostrar que tal negociação dependeria da conjuga-
ção de uma série de fatores. A preferência explicitada pelos anunciantes
poderia ser informada em visão de mundo muito particular, articulada
com possibilidades circunstanciais. Por exemplo, em atenção à expansão
da economia, dispor da reserva de mão de obra disponível, provavelmente
era a alternativa dos empregadores, priorizando, entretanto, o indivíduo
capaz de realizar o trabalho com desenvoltura e eficiência.
A “proficiência” era um recurso que, independentemente da cor/condi-
ção de seu possuidor, determinava a participação do indivíduo nos mun-
dos do trabalho. E, desde a instalação de manufatura com alguns níveis
de especialização, indivíduos escravizados provaram estarem nas “cir-
cunstâncias” de substituírem os artesãos livres em suas artes mecânicas.
Imigrantes e nacionais livres, muitos dos últimos com estreitas relações
com o passado escravista, juntos, tiveram de, na experiência do trabalho,
aprender a qualificar sua mão de obra para atender as demandas por um
trabalhador mais especializado. Assim, diferentes sujeitos, diferenciados
a partir de critérios jurídicos, de cor, nacionalidade e por suas habilidades
manuais, participaram, como trabalhadores escravizados e livres, assala-
riados ou não, na economia urbana do Rio de Janeiro nas décadas finais
do século XIX.
Indubitavelmente, ainda que a condição social, a naturalidade e a na-
cionalidade interferissem na definição do lugar social ocupado pelo indi-
víduo também nas relações de trabalho, a cor era a marca mais premen-
te, aquela da qual não podia se distanciar. Se o silêncio sobre a cor teve
significados de liberdade em contextos históricos específicos, o fato de
Marcelo Badaró Mattos considerar que o racismo “espraiou-se” “de tal
forma nas relações sociais do pós-Abolição que seria difícil não encontrá-
-lo como parte do “senso comum” da época”,68 indica que os significados
de liberdade operados por esse sigilo não resultaram em relações sociais
mais igualitárias. Não apagaram os significados da escravidão. Daí a ne-
cessidade de se desnaturalizar este “senso comum”.

68
Mattos, Marcelo Badaró. Escravizados e livres: experiências comuns na formação da casse operá-
ria trabalhadora carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2008. p. 211.
Segunda parte
A escravidão como negócio
A pesca da baleia na capitania do Rio de
Janeiro (século XVII)1
Camila Baptista Dias

Introdução

A partir de 1614, os contratos da pesca da baleia com vistas princi-


palmente à comercialização de produtos dela derivados, principalmente o
chamado “óleo de baleia”, ficaram submetidos ao monopólio régio. Outros
monopólios são bem conhecidos como o do pau-brasil (1502), do sal
(1658) e do tabaco (1642).2 Esse feito justifica a importância da atividade
e demonstra que a prática baleeira era também um rendoso e lucrativo
negócio a ser desenvolvido no litoral do Brasil. Tendo começado na Bahia,
após o período da União Ibérica, a atividade se expandiu para a capitania
do Rio de Janeiro e nela ganhou maior visibilidade e importância, não só
em termos do aumento do volume de óleo produzido, mas também de
ampliação de sua comercialização.
O presente artigo apresenta a atividade de pesca da baleia realizada
no Brasil desde o início do século XVII, com especial atenção para a pre-
sença de escravos africanos como mão de obra utilizada no interior das
armações, sobretudo na capitania do Rio de Janeiro na segunda metade
do Seiscentos. Para tanto é necessário compreender as especificidades na
prática dessa atividade num período onde as características que norte-
avam a América portuguesa pautavam-se em peculiaridades típicas de
1
Este capítulo apresenta um segmento de minha dissertação de mestrado. Para leitura complemen-
tar ver Camila Baptista Dias. A pesca da baleia no Brasil colonial: contratos e contratadores do Rio
de Janeiro no século XVII. Dissertação de mestrado em História. Niterói, Universidade Federal
Fluminense, 2010. Na trajetória de construção desse trabalho não poderia deixar de agradecer a
professora Mariza Soares que, não só me orientou, mas colaborou de modo decisivo para a conclu-
são dessa pesquisa. Também gostaria de agradecer aos professores Maria Fernanda Bicalho, Carlos
Gabriel Guimarães e Maurício Abreu, que, gentilmente, cederam textos e fontes utilizados nesse
trabalho.
2
Para uma detalhada cronologia dos séculos XVI e XVII ver JANCSÓ, Istvan (Dir.). Cronologia de
História do Brasil Colonial (1500-1831). São Paulo: Departamento de História-USP, 1994.
uma sociedade de Antigo Regime. A todo o momento, a relação colônia-
-metrópole precisa ser analisada, assim como o contexto político-social
dos períodos da União Ibérica e da Restauração portuguesa.3 Também
não podemos deixar de questionar o caráter diferenciado da participação
dos diferentes produtos derivados da baleia no comércio da época, nem
tampouco a variedade de atividades envolvidas desde a pesca da baleia
propriamente até o processamento dos produtos dela derivados e sua
comercialização.
Foi num contexto de intensas transformações político-sociais ocorri-
das no Império português no qual a atividade baleeira se desenvolveu no
Brasil, sobretudo a partir de 1644. Os primeiros acordos firmados entre
a Coroa e os contratadores da pesca da baleia ocorreram no período da
União Ibérica, mas a atividade cresceu a partir da segunda metade do
Seiscentos, principalmente na capitania do Rio de Janeiro, fato certamen-
te relacionado à mudança dos interesses de Portugal da Índia para o Brasil
e também à presença holandesa no Nordeste.4 Desse modo, vemos que o
desenvolvimento da atividade baleeira no Rio de Janeiro ocorreu conco-
mitantemente ao crescimento da capitania. Ainda que o Nordeste fosse
o maior produtor de açúcar da colônia, a partir da segunda metade do
século XVII, o Rio de Janeiro tornou-se o centro político-administrativo
mais importante da América portuguesa.5
O texto se concentra na segunda metade do século XVII na medida em
que foi neste período que a atividade convergiu para as imediações da baía
da Guanabara. Dentre as antigas armações, a carta de Albernaz aponta a
mais conhecida, situada em uma ilha no interior da baía, então conhecida
como Ilha das Baleias. Ao longo do século XVIII as armações se desloca-
ram para o norte da capitania, quando se instalou a primeira armação
para a pesca da baleia no litoral de Cabo Frio, localidade posteriormente
denominada Búzios.6
Datada de 1666, a carta de João Teixeira Albernaz, conhecido como “o
Moço” mostra a chamada “Ponta das Baleias” à frente da Capela de São
Lourenço, no litoral leste da baía.

3
Sobre o período da União Ibérica e da Restauração portuguesa ver NOVAIS, Fernando. Portugal e o
Brasil na crise do antigo sistema colonial. São Paulo: HUCITEC, 1983.
4
Sobre esse assunto ler: RUSSELL-WOOD, A. J. R. Centro e periferia no mundo luso-brasileiro,
1500-1808. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 36, Dossiê Do Império Português ao
Império do Brasil, p. 187-249, 1998.
5
Sobre a importância do Rio de Janeiro ver BICALHO, Maria Fernanda. As Câmaras Municipais no
Império Português: o exemplo do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n.
36, p. 251-280, 1998. p. 260.
6
Em Buzios, ainda hoje, são bem conhecidas as chamadas Praia da Armação e a Praia dos Ossos que
fazem referência justamente à pesca da Baleia. Para uma analise mais detalhada sobre a atividade
baleeira no litoral do Brasil no século XVII ver DIAS, Camila Baptista. A pesca da baleia no Brasil colo-
nial: contratos e contratadores do Rio de Janeiro no século XVII. Dissertação (Mestrado–Programa
de Pós-Graduação em História da UFF, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010.
Figura 9 – Atlas do Brasil, de autoria de João Teixeira Albernaz,
conhecido como “o Moço”, composto de 31 cartas, 1666.
Fonte: CRULS, Gastão. Aparências do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: J. Olímpio, 1949.
Original: Mapoteca do Ministério das Relações Exteriores, no Rio de Janeiro (original em cores)

Na virada do século, com a descoberta de ouro na região das minas, o


número de embarcações presentes na baía da Guanabara aumentou sig-
nificativamente, acarretando a diminuição do número de cetáceos que
frequentavam o litoral. A partir de 1729, os investimentos na pesca da
baleia se dispersaram para áreas mais afastadas. Isso ocorreu como con-
sequência do aumento da circulação de embarcações no interior e nas pro-
ximidades da baía de Guanabara. Esse movimento crescente resultou da
necessidade de abastecimento da Capitania de Minas Gerais.

Figura 10 – “Pesca da Baleia na Baía de Guanabara” (ca. 1785). Óleo sobre tela de Leandro Joaquim
(1738-1798)
Original: Museu Histórico Nacional (original em cores)
Apesar do progressivo desaparecimento da pesca da baleia no interior
da baia de Guanabara no século XVIII, Leandro Joaquim ainda reproduz a
imagem desta atividade na segunda metade do século.
Importante destacar que a cidade do Rio de Janeiro não perdeu sua im-
portância enquanto centro urbano que abrigava os contratadores e a exe-
cução de seus contratos, assim como a remessa dos produtos derivados da
pesca para Portugal e outras partes da colônia, mas o litoral da cidade dei-
xou de ser a principal área de concentração da pesca e do processamento.
A título de introdução é importante ainda destacar que as múltiplas
hierarquias existentes no Império português se estendiam dos indivídu-
os até os produtos, além das atividades desempenhadas. Assim, a prática
mercantil – que não era bem vista – ficava ainda mais degradada quando
vinculada a um produto considerado inferior para comercialização, como
era a carne de baleia. Porém, esse tipo de hierarquia, existente entre os
produtos derivados da baleia, não se reproduzia em termos contratuais, já
que o contrato como um todo não era desprezível em termos do montante
que movimentava. Mariza Soares toma de empréstimo a José Antonio
Maraval, em A cultura do barroco, a imagem de “zonas de sombra”7 para de-
signar os produtos agrícolas de menor prestígio no conjunto da economia
colonial, como o caso da produção e da circulação da farinha de mandioca,
aos quais os historiadores normalmente dão pouca importância, mas que
quando analisados atentamente, percebe-se que possuíam vital impor-
tância para a configuração da colônia.8 Essa abordagem mostra-se igual-
mente apropriada ao caso do beneficiamento dos derivados da baleia,
especialmente o chamado “óleo de peixe”, que substituía o azeite doce e
era também usado na iluminação e na construção; as barbatanas usadas
para confecção de bens de luxo como espartilhos e sombrinhas; e ainda
a carne, usada fresca ou salgada para alimentação da população colonial
em geral e de pobres e escravos em particular. Embora já comercializados
sob contrato, esses produtos têm sido recorrentemente desprezados nos
estudos sobre o período colonial e especialmente nos trabalhos sobre o
século XVII que priorizam a atividade açucareira e outros produtos como
cachaça, do tabaco, o sal, os vinhos, os panos, é importante melhor co-
nhecer a pesca e o beneficiamento da baleia na medida em que, como foi
dito no inicio deste capitulo, excluído o pau-brasil cujo monopólio data de
1502, todos os demais são posteriores ao monopólio da pesca da baleia
estabelecido em 1614.9

7
Ver SOARES, Mariza de Carvalho. O vinho e a farinha, ‘zonas de sombra’ na economia atlântica
no século XVII. In: SOUSA, Fernando de (Coord.). A companhia e as relações econômicas de Portugal
com o Brasil, a Inglaterra e a Rússia. Lisboa: CEPESE: Afrontamento, 2008. p. 215-232. Para Maraval
ver MARAVAL, José Antônio. Apêndice: objetivos sociopolíticos do emprego de meios visuais. In:
MARAVAL, José Antônio. A cultura do barroco. São Paulo: EdUSP, 1997. p. 389-405.
8
SOARES, op. cit., p. 215-232.
9
O primeiro contrato da baleia no Brasil data de 1602 e o monopólio de 1614.
A pesca da baleia no Brasil

Já no século XVI havia um reconhecimento da necessidade de imple-


mentação da pesca da baleia no Brasil. Gabriel Soares de Sousa, portu-
guês que se tornou importante senhor de engenho na Bahia na segunda
metade do século, escreveu uma espécie de memorial no qual relatava a
situação do Brasil. Sobre as baleias ele informa:

[...] se à Bahia forem Biscainhos ou outros homens que saibam armar às


baleias, em nenhuma parte entram tantas como nela, onde residem seis
meses do ano e mais, de que se fará tanta graxa que não haja embarcações
que possam trazer à Espanha.10

Em sua História do Brasil (1550-1627), Frei Vicente de Salvador tratou


do tema do consumo do azeite: “era uma pena como a de tântalo padecer
esta falta, vendo andar as baleias, que são a mesma graxa, por toda esta
Bahia, sem haver quem as pescasse [...].”.11
Até o começo do Seiscentos havia grande carência de um produto que
substituísse o azeite doce (de oliva), caro e raro no Brasil. Não se sabe ao
certo quando chamado “azeite de peixe” – o óleo extraído das baleias –
chegou pela primeira vez ao Brasil, mas, segundo a historiografia, as re-
giões passíveis de exportação para a América portuguesa seriam Cabo
Verde e Biscaia, onde o óleo já era produzido.12
Segundo a historiadora Myriam Ellis, a primeira a realizar um estudo
sistemático da pesca da baleia no Brasil, essa atividade foi desenvolvida
primeiramente em Portugal, na região do Algarve, mas não houve muitos
investimentos já que, na época, as atenções do Reino estavam voltadas
para as especiarias do Oriente e para o bacalhau da terra.
Ao longo do século XVI, embora ainda muito rudimentar, a extração
do óleo da baleia se juntou ao pau-brasil e ao início da produção de açúcar
para caracterizar os produtos mais importantes da então ainda precária
ocupação da nova colônia portuguesa. Aproveitando-se do fato de as ba-
leias encalharem próximas às praias, principalmente nos meses de maio
a julho – período em que procuravam as águas quentes do Brasil para
procriar –, os moradores do litoral retiravam a camada de gordura e pelo
cozimento se apurava a gordura até chegar ao óleo.13 O óleo da baleia era
10
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Ed. Nacio-
nal, 1971. p. 57.
11
SALVADOR, Vicente do, Frei. História do Brasil (1550-1627). São Paulo: Itatiaia, 1982. p. 92.
12
A prática da pesca da baleia no mar de Biscaia teve início em finais do século XII, quando houve a
necessidade de irem para alto-mar porque as baleias já se mantinham afastadas da costa. A Baía ou
Golfo da Biscaia (também conhecido como Golfo da Gasconha) está localizada no Oceano Atlân-
tico, entre a costa norte da Espanha e a costa sudoeste da França (<http://pt.wikipedia.org>). Ver
também FAZENDA, José Vieira. Iluminação a azeite de peixe: das Antiqualhas e Memórias do Rio
de Janeiro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 88, v. 142, 1920.
13
ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil colonial. São Paulo: Melhoramentos: EdUSP, 1969. p. 26.
empregado para diversos fins: iluminação, impermeabilização de navios e
barcos, confecção de argamassa usada em construções. Era também usado
na alimentação, o chamado “azeite de peixe”, que no Brasil, era vendido
a alto preço, embora tivesse qualidade inferior ao de oliva. Segundo Frei
Vicente, o azeite de oliva precisava ser misturado a outros produtos para
deixá-lo amargo, afastando assim o desejo dos escravos pelo seu gosto
doce.14
Por volta de 1602, a convite do governador-geral Diogo Botelho,15 o
capitão Pero de Urecha16 e um grupo de biscainhos introduziram a técnica
baleeira no Recôncavo Baiano. Foram assim os colonos da Bahia introdu-
zidos na pesca do animal, que substituiu o aproveitamento das baleias
encalhadas nas praias por uma atividade pesqueira especializada.17 A pes-
ca era realizada entre junho e setembro, ao longo do litoral, neste mesmo
local se apurava o óleo e eram extraídas as barbatanas.
Os primeiros estabelecimentos da indústria baleeira no Recôncavo
Baiano, no início do século XVII, foram erguidos na ilha de Itaparica, na
entrada da barra, em frente à cidade de Salvador, na chamada na Ponta
da Cruz, em cujas proximidades os animais eram arpoados. O azeite pro-
duzido abastecia a Bahia, outras capitanias e também era enviado anual-
mente a Biscaia, em navios lotados do carregamento.18 Após implemen-
tada a técnica pesqueira pelos biscainhos, já nas primeiras décadas do
Seiscentos, os baleeiros do Recôncavo Baiano estavam ativos nessa ativi-
dade. Importante notar que diferentemente dos biscainhos que pescavam
em alto mar, os barcos pesqueiros do Brasil colonial não se afastavam do
litoral.
Os cetáceos procuravam as costas litorâneas de águas mansas para
procriação e amamentação dos baleotes. Os núcleos ficavam sempre nas
enseadas, abrigados do vento e da agitação do mar, em praias mansas, de
14
ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil colonial. São Paulo: Melhoramentos: EdUSP, 1969. p. 117.
15
Diogo Botelho foi nomeado governador-geral do Brasil em fevereiro de 1601, e exerceu o cargo
de 1603 a 1607. Para favorecer a economia da capitania, o governador foi o grande responsável
pela introdução da pesca da baleia e pelo aumento dos negócios relativos ao açúcar e à extração
de pau-brasil (LAVAL, François Pyrard de. Viagem de Francisco Pyrard de Laval contendo a notícia
de sua navegação às Índias orientais, ilhas de Maldiva, Maluco, e ao Brasil, e os diferentes casos, que lhe
aconteceram na mesma viagem nos dez anos que andou nestes países: (1601 a 1611) com a descrição
exata dos costumes, leis, usos, polícia, e governo: do trato e comércio, que neles há: dos animais,
árvores, frutas, e outras singularidades, que ali se encontram: vertida do francês em português,
sobre a edição de 1679. Nova Goa: Imprensa Nacional, 1858. p. 124).
16
Também chamado Pedro de Orecha, forma encontrada nos livros de Frei Vicente do Salvador (SAL-
VADOR, Vicente do, Frei. História do Brasil (1550-1627). São Paulo: Itatiaia, 1982) e Pyrard de
Laval (LAVAL, François Pyrard de. Viagem de Francisco Pyrard de Laval contendo a notícia de sua
navegação às Índias orientais, ilhas de Maldiva, Maluco, e ao Brasil, e os diferentes casos, que lhe acon-
teceram na mesma viagem nos dez anos que andou nestes países: (1601 a 1611) com a descrição exata
dos costumes, leis, usos, polícia, e governo: do trato e comércio, que neles há: dos animais, árvores,
frutas, e outras singularidades, que ali se encontram: vertida do francês em português, sobre a
edição de 1679. Nova Goa: Imprensa Nacional, 1858).
17
ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil colonial. São Paulo: Melhoramentos: EdUSP, 1969. p. 19
18
Ibidem, p. 34-37.
suave inclinação, revestidas de areia fina, favoráveis ao estabelecimento
humano e à abordagem dos barcos de pesca.19 Depois de arpoadas as ba-
leias eram puxadas para a praia, em locais denominados “armação”, pois
ali se “armavam” os equipamentos necessários à retirada das partes que
seriam utilizadas. Da Bahia, as armações de pesca de baleia expandiram-
-se para o Sul e, em menos de século e meio, eram 12 no vasto litoral entre
Cabo Frio e Santa Catarina. A região das “pescarias do Sul” subdividia-se
em áreas menores – hoje correspondendo aos litorais fluminense, pau-
lista e catarinense – e estava centralizada no Rio de Janeiro.20 Um dado
relevante apontado pelo historiador Fabio Pesavento refere-se ao fato de
que em 1622 houve a fundação da fábrica da Ilha das Baleias, na Baía da
Guanabara,21 demonstrando que ainda na primeira metade do Seiscentos
os investimentos na produção de derivados da baleia já estavam sendo
feitos na capitania do Rio de Janeiro. A importância econômica da ativi-
dade baleeira, bem como a construção das chamadas “fábricas” que ace-
leravam esse comércio, só ocorreram no final do século XVII, sendo que a
mais alta lucratividade só foi verificada no século XVIII.

Organização e funcionamento de uma armação baleeira

O termo armação era usual para designar qualquer tipo de constru-


ção provisória ou precária. As armações eram acampamentos ou postos
avançados para o apoio de determinada atividade. A expressão “armação
de baleias”, portanto, envolve todas as atividades associada à pesca e ao
beneficiamento da baleia, também chamada “feitoria baleeira”. As arma-
ções localizavam-se próximas aos povoados litorâneos e aos fortes, junto
a um ancoradouro. Esse povoado passava a ser iluminado com o óleo de
baleia da fábrica da armação. As populações litorâneas, em sua maioria
vivendo das atividades da pesca e serviços marítimos, consumiam a car-
ne magra dos cetáceos que em certas áreas do Brasil, principalmente na
Bahia, faziam o salgamento da carne. Seca ao sol a carne era armazenada
em barris, de acordo com a técnica aprendida com os biscainhos.22
O verbete a seguir, encontrado no dicionário de Raphael Bluteau
(1712-1728), mostra mais uma ligação entre o lugar, a pesca e a presença
da tradição portuguesa de pesca da baleia.

19
ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil colonial. São Paulo: Melhoramentos: EdUSP, 1969. p. 40-45.
20
MARTINEZ, Paulo Henrique. História e Meio Ambiente: estudo das formas de viver, sentir e pen-
sar o mundo natural na América portuguesa e no Império do Brasil (1500-1889). São Paulo: Ed.
UNESP, 2002. p. 41. Sobre a pesca em Niterói ver WEHRS, Carlos. Niterói, cidade sorriso: história
de um lugar. Niterói: [s.n.], 1984.
21
PESAVENTO, Fabio. Um pouco antes da Corte: a economia do Rio de Janeiro na segunda metade
do Setecentos. Tese(Doutorado)–Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2009. Agradeço ao Professor Mauricio Abreu a informação de que a Ilha da
Baleia é a atual ilha do Mocanguê, próximo a Niterói e território pertencente à Marinha do Brasil.
22
ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil colonial. São Paulo: Melhoramentos: EdUSP, 1969. p. 49-60.
Armação: Na Costa do Algarve chama-se Armação às redes, ganchos, fisgas
e outros aviamentos para a pescaria dos Atuns. Desde o Cabo de Santa
Maria até o de S. Vicente há, ou havia doze armaçoens, humas aparradas
das outras, nove das quaes são Del Rey, e as três da Rainha de Portugal, e
em todas ellas andão seus Feitores, e escrivaens, por cuja administração
corre os rendimentos desta pescaria. Os direitos, que aos reys se pagão,
são de dez peixes e sete, e os três ficão aos pescadores, e os reys são obri-
gados a por somente as redes. Cada armação parece huma feira; cada hua
delas não traz menos de setenta, ou oitenta homens de serviço com suas
barcas e caraveloens, para recolher, e levar o peixe, onde se há de dizimar,
e pagar os mais direitos; fora os Mercadores do Reyno, e de outros muytos
estrangeiros, que tratão nelle, e levão as suas terras. De todo o Algarve
acodem homens, e mulheres com seus filhos, e fazem suas cabanas por
toda a costa, onde estão as Armaçoens; e a gente comarca a lhe traz todo o
mantimento, e refresco necessário.23

No segundo volume do Diccionario da Língua Portugueza (1789), escri-


to por Antonio de Moraes Silva, o termo não apresenta uma associação
direta com a atividade pesqueira portuguesa, mas nos permite compreen-
der melhor a abrangência da palavra, ou seja, armação diz respeito a tudo
que envolve uma pescaria: “Armação de pescaria; são as redes; caniçadas,
e o mais que se arma, para pescar; o que se pesca de um lanço, huma boa
armação de novidades. Fundo, cabedal de carga para negociação”.24
A expressão armação, ou armação de baleias decorre de todo o proces-
so de preparo para a pescaria da baleia. Com o tempo, o termo designativo
de aparelhamento permanente em locais apropriados para a pesca lito-
rânea e transporte de mercadorias, passou a definir, no Brasil Colônia, a
feitoria baleeira, espaço em que se promovia a captura dos cetáceos e o be-
neficiamento do óleo de baleia. As armações se localizavam próximas aos
povoados litorâneos e aos fortes, junto a um ancoradouro. Esse povoa­do
passava a ser iluminado com o óleo de baleia da fábrica da armação.
Na segunda metade do século XVIII o termo ainda é de uso corren-
te e aparece em documento transcrito por Monsenhor Pizarro em suas
Memórias Históricas do Rio de Janeiro:

Não se sabe o princípio deste contrato, que subsistia antes do ano de 1639,
porque, falecendo João Loureiro Coram, a 6 de outubro desta era, no as-
sento de seu óbito [...] se acha a disposição seguinte – Declarou em um

23
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de
Jesus, 1712-1728. Disponível em: <http://www.brasiliana.usp.br/dicionario/edicao/1>. v. 2, . p.
70.
24
SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da lingua portugueza: recompilado dos vocabularios impressos
ate agora, e nesta segunda edição novamente emendado e muito acrescentado. Lisboa: Typogra-
phia Lacerdina, 1813. Disponível em: <http://www.brasiliana.usp.br/dicionario/2/pombeiro>.
Acesso em: 12 maio 2010.
codicilo, que se achou feito, se desse a seu sobrinho Miguel João, do monte
mor da sua fazenda, cem mil réis, por o haver servido alguns anos na ar-
mação das baleias.25

Para a escolha do lugar exato onde a armação deveria ser instalada


procuravam locais abrigados e com uma “ponta” próxima que avançasse
sobre o mar a fim de facilitar a observação da aproximação dos animais.
Segundo Ellis, a enseada era o prolongamento da armação, pois era o lo-
cal onde se iniciava e terminava a pesca da baleia. Caso fosse impossível
removê-los inteiros até à praia da armação, ainda dentro d’água, extraíam
as barbatanas e iniciavam o desmanche do cetáceo. Já na segunda metade
do século XVIII, usando novas técnicas de assentamento, fixavam cabres-
tantes e guindastes nas enseadas a fim de facilitar o içamento da baleia à
terra. De lá partiam e para lá retornavam os baleeiros.
Pesquisas relatam que a armação baleeira de São Domingos foi uma
das primeiras e mais importantes armações estabelecidas na capitania do
Rio de Janeiro, muito embora não se saiba a data de sua fundação, alguns
historiadores datam sua construção desde finais do século XVI, mas não
apresentam fontes que comprovem essa informação.26 Nessas armações
os pescadores construíam reservatórios de óleo, armazéns e oficinas. Em
segundo plano, como pano de fundo, em contraste com o cenário maríti-
mo do entreposto baleeiro, a mata revestia um terreno, em nível superior,
de onde se extraíam a madeira para construções de barcos e a lenha para
as fornalhas em que se fundia, em enormes caldeiras, o toicinho das ba-
leias para fazer o óleo.
Ao tratar das armações Myriam Ellis usa o termo “engenho”. Segundo
ela ali erguiam-se os estabelecimentos da fábrica baleeira propriamente
dita: o núcleo da fábrica, o engenho de azeite e suas dependências auxi-
liares. O chamado “engenho de azeite” ou “casa do engenho de cozinhar
baleias”, era o local de beneficiamento do azeite, ou simplesmente “fá-
brica”, o principal setor da armação, de onde se comandava tudo e para o
qual convergiam os trabalhos cotidianos das atividades e da vida que aí se
desenvolviam. Para o período em estudo, a maior parte das fábricas era
construída de pau a pique.27
Seguindo a documentação de época consultada, João Fragoso usa o
termo fabrica, por ele extraído do códice 61:

Em 1675, este futuro senhor de engenho arrematava o contrato das ba-


leias (BNRJ, DC, vol. XXVII, pg. 209), cujo produto era manufaturado
25
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Memórias históricas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1945-1948. v. 2, p. 243.
26
PESAVENTO, Fábio. Da caça ao excursionismo: o ambiente institucional como fator determinante
para a preservação da baleia. Monografia de bacharelado apresentada ao Departamento de Histó-
ria, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.
27
ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil colonial. São Paulo: Melhoramentos: EdUSP, 1969. p. 62-64.
numa “fábrica” de que era arrendatário desde 1672 (AN, CPON, arr., ano
de 1672). O dono desta “fábrica” era Pedro de (Frazão) Souza Pereira,
proprietário do ofício de Provedor da Fazenda. Na época da arrematação
de tal contrato, a serventia do ofício de provedor era exercida por um ve-
lho aliado dos Frazão, José Barcelos Machado (AN, cód. 61, vol.1, p. 40).
Posteriormente, em 1691, o mesmo Vaz Garcez tornar-se-ia esposo de
uma das sobrinhas de Pedro.28

Neste capítulo, embora faça referencia à pesca da baleia e à produção


de óleo de peixe e enumere várias atividades que contribuíram para o acú-
mulo de riquezas e para a constituição da economia de plantation na capi-
tania do Rio de Janeiro no século XVII, o historiador não se refere a esta
atividade como um segmento importante da economia da época.
Apesar de referir-se mais detidamente ao século XVIII a melhor descri-
ção da atividade baleeira é a de Myriam Ellis. Infelizmente Ellis não indica
a fonte onde termo engenho foi por ela encontrado, nem em que época,
ou se trata-se de uma extensão sua para o uso do termo. Segundo Soares,
o uso da nomenclatura “engenho” abrangia diversas atividades, relativi-
zando a ideia comum de que a palavra deve ser associada a um engenho de
açúcar, sendo também encontrado não apenas para os engenhos de cacha-
ça (ou engenhocas) e para os engenhos de farinha (ou casas de farinha).29
Portanto, o termo pode também ter sido aplicado às construções onde se
desenvolviam todas as etapas da atividade baleeira, embora o termo não
tenha até agora sido encontrado por mim na documentação pesquisada.
A definição da palavra engenho encontrada em Bluteau faz duvidar dessa
interpretação uma vez que segundo ele o uso do termo “engenho” está as-
sociado ao uso de uma “máquina mecânica com engenhoso artifício”.30 No
caso dos engenhos de açúcar, cachaça e farinha existe a moenda que pre-
cede o cozimento; já no caso da baleia, extraída a carne, vão seus pedaços
imediatamente para cozimento sem uso de qualquer maquina engenhosa
no processo. De comum essas atividades têm o recurso da fornalha para
aquecimento dos caldeirões.
A mais conhecida descrição do conflito da pescada de baleia foi apre-
sentada por Myriam Ellis e corresponde a esta atividade entre 1730 e
1760. Certamente, os primeiros contratadores da pesca da baleia do sé-
culo XVII, utilizavam instalações bem mais modestas, mas essa descrição
nos dá uma ideia da complexidade do sistema, mesmo em sua fase de
28
FRAGOSO, João. A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite se-
nhorial (séculos XVI e XVII). In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVEA, Maria de
Fatima (Org.). O antigo regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI- XVIII).
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 57.
29
SOARES, Mariza de Carvalho. O vinho e a farinha, ‘zonas de sombra’ na economia atlântica no
século XVII. In: SOUSA, Fernando de (Coord.). A companhia e as relações econômicas de Portugal com
o Brasil, a Inglaterra e a Rússia. Lisboa: CEPESE: Afrontamento, 2008. p. 228.
30
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de
Jesus, 1712-1728. Disponível em: <http://www.brasiliana.usp.br/dicionario/edicao/1>. p. 118.
implantação. Segundo Ellis, havia todo um complexo que estruturava a
armação baleeira, desde a casa do administrador da armação – que não
sabemos ter sido também o contratador da pesca das baleias, ou um ter-
ceiro – até a senzala, onde residiam os escravos que trabalhavam na ativi-
dade baleeira. Em meados do século XVIII a “casa de vivenda”, local onde
residia o administrador da armação com seus familiares, era bem ampla
e refletia a importância de seus moradores, embora não se comparasse às
casas dos senhores de engenho do nordeste seiscentista. Ainda mais rús-
ticas eram as moradias dos feitores; a elas anexavam-se, às vezes, a casa
do Capelão; existiam ainda os armazéns de gêneros e a botica. Já as sen-
zalas, eram dispostas em quadra, ou formando um alinhamento, as mais
rústicas, inteiramente de pau-a-pique, dispunham de cobertura de palha.
Pequenos aglomerados humanos instalados na vastidão da costa bra-
sileira, as armações baleeiras do Brasil, além do óleo das baleias que apu-
ravam para o próprio consumo e fornecimento da colônia e da metrópole,
também produziam farinha de mandioca, algum açúcar, aguardente, ar-
roz, hortaliças e frutas para o sustento de sua gente.31 Gêneros de primei-
ra necessidade fornecidos às armações eram: charque, sal e fumo. O char-
que e a farinha eram a base da alimentação cotidiana dos baleeiros e de
seus escravos, principalmente a partir do século XVIII, quando o charque
difundiu-se pela colônia; o fumo tinha nos escravos africanos os maio-
res consumidores; o sal, embora disponível no litoral do Brasil, tinha sua
comercialização proibida e era importado de Portugal como monopólio
régio.32
As características apresentadas anteriormente retratam o cotidiano vi-
vido em finais do Seiscentos e início do Setecentos na América portugue-
sa. A partir dessas informações percebemos que os hábitos alimentares e
os modos de vida não destoavam do que foi apresentado em algumas pes-
quisas sobre o período para o conjunto da população, como os trabalhos
dos historiadores Stuart Schwartz e João Fragoso, respectivamente.33

A mão de obra

Na segunda metade do século XVII, a mão de obra das fábricas era, ba-
sicamente, escrava e africana, não tendo sido possível avaliar a reconhe-
cida presença de indígenas nesta atividade. Os escravos africanos traba-
lhavam, preferencialmente, no beneficiamento da gordura da baleia e no
31
ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil colonial. São Paulo: Melhoramentos: EdUSP, 1969. p. 129
32
Sobre o monopólio do sal ler ELLIS, Myriam. Monopólio do sal no Estado do Brasil, 1631-1800: con-
tribuição ao estudo do monopólio comercial português no Brasil. São Paulo: Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras, 1955.
33
SCHWARTZ, Stuart B. Prata, açúcar e escravos: de como o Império restaurou Portugal. Revista
Tempo, Rio de Janeiro, v. 12, n. 24, 2008; FRAGOSO, João. Fidalgos e parentes de pretos: notas
sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750). In: FRAGOSO, João; SAMPAIO,
Antonio Carlos Jucá de; ALMEIDA, Carla (Org.). Conquistadores e negociantes: histórias de elites no
Antigo Regime nos trópicos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 459.
corte de lenha nas matas, para alimentação das fornalhas. Segundo Ellis,
os escravos também podiam ser cortadores da baleia nas praias e aque-
les que conheciam previamente algum dos ofícios da atividade baleeira
conseguiam trabalhar como marujos, remadores ou timoneiros. Também
podiam trabalhar como lenhadores, pedreiros ou caldeireiros. Outra pro-
fissão que lhes competia era ser barbeiro, alfaiate e encarregado de tarefas
domésticas.34
Os trabalhos rudimentares e rotineiros de retalhamento da baleia, re-
moção de postas de carne gordura, tratamento das barbatanas, desmata-
mento e transporte de lenha, manejo e limpeza de caldeiras e apetrechos
necessários ao funcionamento da fábrica, derretimento da banha e cana-
lização do óleo para os reservatórios e posterior acondicionamento em
pipas, demonstram que os escravos africanos das armações enfrentaram
um cativeiro tão sacrificante quanto os das minas de ouro ou dos enge-
nhos de açúcar, muito embora fossem em número significativamente me-
nor do que os escravos que atuaram nessas atividades. Se é difícil avaliar o
número de escravos envolvidos na pesca e no beneficiamento da baleia no
século XVIII, a dificuldade é ainda maior para o século XVII, quando cer-
tamente pelo menos parte das atividades listadas deveria ainda ser reali-
zada por índios. Como mostra Ellis, neste setor o trabalho escravo esteve
ainda associado ao trabalho livre. O escravo foi usado fundamentalmente
nas atividades de beneficiamento, enquanto homens livres – não sabemos
ao certo em que proporções índios, negros/mulatos e brancos – se dedi-
cavam à pesca propriamente dita.35 Não há, na documentação disponível,
indicações dos motivos para a escolha de homens livres para a pesca e
escravos africanos e/ou indígenas para as atividades terrestres. O que se
sabe é que a maior participação dos africanos nas atividades baleeiras foi
na categoria de remeiro e, frequentemente – em substituição ao homem
livre – chegaram a timoneiros e, raras vezes, a arpoadores.36
A mão de obra remunerada era recrutada pelos administradores da
pesca junto às populações litorâneas de pescadores e pequenos agricul-
tores. Era solicitada principalmente para tripular as lanchas baleeiras. Na
falta de voluntários conhecedores da arte de capitanear as embarcações,
empunhar os remos ou o arpão, os administradores recorriam aos cárce-
res onde obtinham, com permissão das autoridades e as prerrogativas que
lhes conferia este comércio, a mão de obra necessária. No século XVIII os
administradores apelavam também para as cadeias públicas, locais onde
muitos baleeiros, tidos como desordeiros, iam parar. Solicitavam então às
34
ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil colonial. São Paulo: Melhoramentos: EdUSP, 1969. p. 89.
35
Ibidem, p. 102.
36
Embora não existam trabalhos sobre o uso de africanos como barqueiros, essa atividade foi estu-
dada para o final do XVIII-XIX. Ver o uso de barqueiros africanos na Baía de Guanabara no século
XVIII em: BEZERRA, Nielson Rosa. Mosaicos da escravidão: identidades africanas e conexões atlân-
ticas do Recôncavo da Guanabara (1780-1840). Tese (Doutorado)–Programa de Pós-Graduação em
História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010.
autoridades a suspensão das penalidades para fazê-los regressar às arma-
ções. Baleeiros matriculados nas armações isentavam-se de recrutamento
dos serviços da ordenança, mas as milícias, em alguma condição não mui-
to clara, também forneciam trabalhadores para o contrato.37 Os homens
que exerciam atividades em terra recebiam salários variáveis, conforme
as suas aptidões, o tipo de trabalho, o tempo dispendido nos serviços e
as necessidades da armação. Era o caso dos tanoeiros ou ferreiros, feito-
res e outros empregados da atividade baleeira. Impossível saber em que
proporções esses trabalhadores eram escravos da própria armação, tra-
balhadores livres, recrutados compulsoriamente ou escravos alugados de
outros proprietários.
Sobre os trabalhadores remunerados na pesca da baleia Frei Vicente do
Salvador relata em 1627:

Gasta-se de soldadas com a gente que anda neste ministério, os dois me-
ses que dura a pescaria, oito mil cruzados, porque a cada arpoador se dá
quinhentos cruzados, e a menor soldada que se paga aos outros é de 30
mil-réis, fora comer, e beber de toda a gente; porém também é muito o pro-
veito, que se tira, porque de ordinário se matam 30 ou 40 baleias, e cada
uma dá 20 pipas de azeite pouco mais ou menos, conforme é a sua gran-
deza, e se vende cada uma das pipas a 18 ou 20 mil-réis, além do proveito
que se tira da carne magra da baleia, a qual fazem em cobros, e tassalhos,
e a salgam e põem a secar ao sol, e seca a metem em pipas, e vendem cada
uma por 12 ou 15 cruzados, e nisto se não ocupa a gente do azeite, que
são de ordinário 60 homens entre brancos e negros, os quais lhe são mais
afeiçoados que a nenhum outro peixe, e dizem que os purga, e faz sarar
de boubas, e de outras enfermidades, e frialdades, e os senhores, quando
eles vêm feridos das brigas, que fazem em suas bebedices, com este azeite
quente os curam, e saram melhor que com bálsamos.38

O período em que os homens permaneciam no mar era de três meses,


remando, arpoando e arrastando a terra as baleias capturadas. Mas os pe-
rigos eram muitos: arpoadores, timoneiros e remeiros morriam no mar,
regressavam feridos e inválidos.39 A descrição anterior, mostra a utilidade
dos barbeiros, fossem eles escravos ou livres, pois no século XVII ainda se
37
ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil colonial. São Paulo: Melhoramentos: EdUSP, 1969. p. 103.
38
SALVADOR, Vicente do, Frei. História do Brasil (1550-1627). São Paulo: Itatiaia, 1982. p. 118.
39
“Grande perigo enfrentava a guarnição da baleeira, o arpoador especialmente, no momento deci-
sivo do arremesso do arpão. Uma rabanada brusca do cetáceo ferido e enfurecido poderia colhê-lo
em cheio e atirá-lo ao espaço, em fração de segundo, arrancar a proa à embarcação, destroçá-la
inteira, afogando-se a tripulação exposta à voracidade dos tubarões atraídos pelo sangue da baleia”
[...] “E outros riscos e imprevistos mais decorriam da aventura. Um rápido e inesperado desvio da
corda do arpão poderia seccionar a perna de um homem, ou serrar-lhe o ventre. À mínima hesita-
ção do timoneiro em manobrar o leme a uma guinada do animal, à menor vacilação ao comando da
proa, um cochilo do arpoador, e soçobraria a baleeira.” (ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil colonial.
São Paulo: Melhoramentos: EdUSP, 1969. p. 112-117).
encontravam barbeiros brancos e livres em várias partes do Brasil, encar-
regados do tratamento tanto dos escravos quanto do conjunto da popula-
ção que raramente tinha um cirurgião ou físico à sua disposição.40
Os baleeiros -– categoria que inclui os arpoadores, timoneiros e remei-
ros – não recebiam remuneração fixa. Os administradores alegavam que
não estabeleciam um salário fixo a fim de poder incentivar a eficiência dos
baleeiros. Seu ganho, incerto, dependia do número de baleias capturadas.
Ao fim de setembro, terminada a pesca, regressavam às suas casas, sem
qualquer outro compromisso com seus contratadores até o ano seguinte.
Quando a pesca era pouco rendosa e o ganho ínfimo ou nenhum, ficavam
os baleeiros a dever à armação; e a quitação do adiantamento retirado
sobre o ganho futuro ficava para o ano seguinte.41
Infelizmente poucos são os historiadores que abordaram a mão de
obra empregada na atividade baleeira, principalmente no que diz respeito
ao uso de escravos, indígenas ou africanos. O que podemos afirmar é que
nas fontes pesquisadas para o desenvolvimento deste trabalho não há re-
ferências sobre o assunto e os autores que estudam o tema da escravidão
para o período seiscentista não fazem menção sobre o uso da mão de obra
escrava neste tipo de atividade, limitando o aprofundamento da análise.

O ato da pesca das baleias

A tripulação que compunha a lancha que saía para a caça das baleias
era formada por seis remeiros, arpoador e timoneiro ou patrão do barco.
Arpoador e timoneiro eram os elementos mais importantes da baleeira –
nome pelo qual era conhecida a lancha. O êxito da pesca dependia da har-
monia e do equilíbrio da ação conjunta. A lancha de socorro transportava
o mesmo número de homens com exceção do arpoador. Prestava auxílio
à embarcação apresadora em apuros e removia a baleia para a terra, mas
esses números correspondem à atividade no século XVIII. Não são precisos
os números do século XVII, mas como a técnica da pesca não sofreu gran-
des mudanças ou inovações, acredita-se que as proporções desse comércio
no século XVIII devam ter sido alteradas principalmente no tratamento
em terra, assim como no número de equipes que saíam para o mar e não
na composição de cada equipe de baleeiros propriamente. As condições
climáticas também eram muito importantes. O mau tempo era favorável
à pesca da baleia, porque por conta do vento sul os animais tendiam a se
aproximar da costa. As condições eram piores quando faltava vento e a
caçada à baleia tinha de ser feita a remo. As lanchas de arpoar e de socorro
40
SOARES, Mariza de Carvalho. African barbers-surgeons in brazilian slave ports: a case study from Rio
de Janeiro. Paper presented at the Black Urban Atlantic Conference, University of Texas at Austin,
April 1-3, 2009.
41
PITTA, Sebastião da Rocha. História da América Portugueza desde o ano de mil quinhentos do seu
descobrimento até o de mil e setecentos e vinte e quatro. 2. ed. rev. e anotada por J. G. Góes. Lisboa:
Francisco Arthur da Silva, 1975.
moviam-se em círculo e efetuavam o cerco do animal. Cabia o arpoamento
à lancha que mais se aproximasse do cetáceo.42
Um curioso aspecto da pesca era o arpoamento do baleote. O filhote
costumava ser arpoado pela cauda e mantido vivo junto à proa, para ser-
vir de isca à baleia-mãe. Cuidavam os baleeiros de manter viva a cria para
não perder a presa. O baleote pertencia ao arpoador. Arpoar uma fêmea
acompanhada era sempre arriscado, o macho em geral lançava-se contra
a corda do arpão ou mesmo contra a baleeira.43 Morta a baleia, o maior
trabalho era mantê-la à tona e removê-la até a praia. Munido de corda e
facão, um homem pulava na água, seguido por um ou dois companheiros.
Iniciavam a penosa e arriscada tarefa de amarrar o corpo da baleia à frágil
embarcação. O feitor-mor controlava o conjunto das atividades distribuí­
das entre feitores que tinham responsabilidades especificas: a pesca, a
fábrica, a armazenagem. O chamado “feitor da praia” supervisionava os
serviços de desmanche da baleia.44

Os produtos derivados da baleia

Separados os ossos e a gordura, a carne era distribuída aos baleeiros e


ao povo, que em geral a consumia fresca, ou a salgava e armazenava em
barris de madeira para ser consumida ao longo do ano. A carne da baleia
assemelha-se à carne bovina, mas era tida como inferior em qualidade e
sabor, por isso mais consumida pelas camadas mais pobres da popula-
ção.45 No período em estudo, muitos eram os gêneros alimentícios consi-
derados “inferiores”. Estes eram consumidos pela maioria da população
colonial, mas não circulavam abertamente entre os mais abastados, como
era o caso da carne de baleia. Soares aborda a hierarquização existente en-
tre os produtos comercializados no império ultramarino português, res-
saltando que assim como havia uma hierarquização nos diversos setores
da sociedade, também os alimentos eram dispostos hierarquicamente e o
maior ou menor prestigio e dignidade ali se reproduzia, como entre os ho-
mens.46 A carne de baleia também servia como alimento para os escravos
durante as travessias pelo Atlântico entre os portos da África e do Brasil.47
Logo no início das operações as barbatanas eram arrancadas do maxilar
superior do animal e despojadas das carnes e gorduras e eram colocadas

42
ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil colonial. São Paulo: Melhoramentos: EdUSP, 1969. p. 137.
43
COUTO, Carlos de Paula. Paleontologia brasileira: mamíferos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1953.
44
ELLIS, op. cit., p. 136.
45
ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil colonial. São Paulo: Melhoramentos: EdUSP, 1969. p. 121.
46
SOARES, Mariza de Carvalho. O vinho e a farinha, ‘zonas de sombra’ na economia atlântica no
século XVII. In: SOUSA, Fernando de (Coord.). A companhia e as relações econômicas de Portugal com
o Brasil, a Inglaterra e a Rússia. Lisboa: CEPESE: Afrontamento, 2008. p. 215-232. p. 227.
47
CAMARGO NETO, Fernão Pompêo de. O trato às margens do pacto. Tese (Doutorado)–Programa de
Pós-Graduação em Economia da UNICAMP, Campinas, SP, 2002. p. 204.
em tanques com água, onde permaneciam de molho. Depois de bem es-
fregadas e limpas eram postas ao sol para secar e, em seguida, armazena-
das para exportação rumo à Europa onde se completava o seu tratamento.
Na Europa, depois de separadas em lotes conforme o tamanho, fervidas
na água ou no próprio óleo da baleia para serem amolecidas, recortadas
no comprimento e na espessura, secas e raspadas, eram compradas pelas
manufaturas européias para a confecção de utensílios e de peças do vestu-
ário. Ao contrário da carne da baleia, a barbatana compunha, com o óleo,
um importante artigo de exportação européia, demonstrando que no in-
terior da própria atividade baleeira havia uma hierarquização entre seus
produtos, ou seja, enquanto a carne era um subproduto barato da pesca
da baleia, a barbatana e o óleo eram importantes para exportação, sendo
considerados artigos de luxo na Europa.
Descarregadas as lascas de gordura na fábrica, elas eram cortadas em
postas de cerca de um quilo para serem fundidas durante dez ou 12 ho-
ras. Segundo Ellis, os escravos transportavam a lenha e alimentavam as
fornalhas que aqueciam as caldeiras onde a gordura era derretida.48 Nos
tanques, o óleo de baleia sofria natural processo de decantação e os resí-
duos da primeira fusão eram aproveitados como combustíveis nas fer-
vuras posteriores enquanto a goma ou borra que se acumulava no fundo
daqueles compartimentos era usada para o preparo de argamassa para
construções. Amassada com cal, água e areia, aquela borra dava origem
a uma mistura impermeável, compacta e de significativa durabilidade,
muito usada nas construções da época como liga para pedras e tijolos.
Resíduos dessa gordura (como torresmos) eram recolhidos durante a ope-
ração, ou retirados dos ralos e do fundo das caldeiras e aproveitados para
iluminação.49 Após o rudimentar e precário processo de purificação, o óleo
de baleia era distribuído ao consumo e exportado em pipas ou barris para
Portugal. Conforme as suas dimensões, uma baleia produzia de dez a 30
pipas de óleo, o que equivale a uma média de 20 pipas por animal captura-
do; a pipa comum correspondia a, aproximadamente, 424 litros.50
A distribuição do óleo da baleia à população para iluminação de resi-
dências, engenhos e outros estabelecimentos, realizava-se por intermé-
dio de um entreposto ou armazém localizado na vila mais próxima, onde
os moradores se abasteciam. Era função dos antigos núcleos baleeiros
fornecer óleo de baleia para iluminação das capitanias onde estivessem
48
ELLIS, op. cit., p. 125.
49
ALMEIDA, Eduardo de Castro e (Org.). Inventário dos Documentos Relativos ao Brasil existentes
no Archivo da Marinha e Ultramar de Lisboa. In: ANNAES da Bibliotheca Nacional do Rio de Ja-
neiro. v. 39. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1917.
50
SIMONSEN, Roberto C. História Econômica do Brasil (1500-1820). 5. ed. São Paulo: Companhia Ed.
Nacional, 1969. v. 2, p. 345-346. A pipa comum, 424 litros, equivale a 300 canadas de Lisboa. A
pipa de conta no Rio de Janeiro (180 canadas do Rio de Janeiro) equivale a 480 litros. Canada ou
medida no Rio de Janeiro correspondem a quatro quartilhos, ou 2,662 litros. Segundo Tollenare,
na Bahia a pipa correspondia a 70 canadas (L TOLLENARE, L. F. Notas dominicais tomadas durante
uma viagem em Portugal e no Brasil em 1816, 1817 e 1818. Bahia: Progresso, 1958. p. 340).
instalados, especialmente das vilas costeiras, assim como de exportá-lo
para o Rio de Janeiro, sede da administração geral do contrato da pesca
da baleia.51 E a partir do século XVIII, por ordem régia, teriam as feitorias
baleeiras contribuído para o abastecimento de óleo das ribeiras das naus
do reino. Serviu-se ainda a metrópole do azeite de baleia beneficiado no
Brasil para o fornecimento das dezenas de saboarias que funcionavam em
todo o reino, onde o produto atendia não somente ao preparo do sabão,
de cuja composição participavam outras gorduras animais, como servia
também como combustível.
Iniciada a exploração comercial do óleo de baleia, o produto difundiu-
-se na colônia e o seu principal aproveitamento teria sido para atender
a iluminação. O óleo de baleia era amargo, espesso, impuro, rançoso e
até considerado de odor desagradável, mas também era econômico.
Destinaram-no, portanto, a fins menos requintados, mais rústicos e po-
pulares. Não sem motivo, foi considerado na Bahia, no século XVII, como
o “remédio dos engenhos”. O azeite de baleia beneficiado nas feitorias
brasileiras, rumo a Lisboa e ao Porto, não era mercadoria de fácil trans-
porte marítimo. Com frequência deteriorava-se durante a travessia do
Atlântico, de que resultava a sua decomposição nos reservatórios das fá-
bricas, razão porque parte das cargas destinadas a Lisboa era, comumen-
te, rejeitada e atirada ao mar. Em Portugal consumiam-no e o exportavam
para Castela, Açores e Madeira.52
Segundo Ellis, a capitania do Rio de Janeiro concentrou as atividades
baleeiras até por volta de 1730. Ou seja: a manufatura de óleo de baleia,
respectivo monopólio e contratos, confinaram-se à capitania. Usando da-
dos fornecidos pela historiadora, dentre os rendimentos auferidos pela
Fazenda Real do Rio de Janeiro, nessa época, alcançava o da pesca das
baleias o sexto lugar, isto é,

24:600$000 por triênio, com base no ano de 1733, enquanto, também


por triênio, os cinco mais importantes contratos da Capitania rendiam:
107:600$000 o da Dízima da Alfândega; 57:630$000 o dos Dízimos Reais;
43:200$000 o dos Direitos dos Escravos para as Minas; 37:200$000 o do
Tabaco; e 33:375$000 o das Passagens dos rios Paraíba e Paraibuna.53

Na segunda metade do Seiscentos, muitos desses “impostos” sequer


existiam e outros não tinham ainda a importância apresentada na década
51
Na cidade do Rio de Janeiro a única iluminação publica eram os lampiões abastecidos com óleo de
baleia nas esquinas, especialmente nos oratórios (BICALHO, Maria Fernanda. O A cidade e o impé-
rio: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 87).
52
SÁ, Luis de França Almeida e. Armações da Pesca da Baleia. Trabalho manuscrito datado da Capital
Federal, 10 de novembro de 1899. L. 133 – Ms 2.285. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 62, parte 2, 1900.
53
ELLIS, Myriam. Comerciantes e contratadores do passado colonial. Revista do Instituto de Estudos
Brasileiros, São Paulo, n. 24, p. 97-122, 1982. p. 108. Infelizmente Ellis não menciona a fonte de
onde extraiu essas informações.
de 1730. Percebemos que em finais do século XVII a pesca da baleia era
uma atividade significativa e muito rentável, sobretudo na capitania do
Rio de Janeiro, não podendo, portanto, ser menosprezada nos estudos
acerca da América portuguesa. Por sua importância foi também um seg-
mento que concentrou importante contingente da população escrava afri-
cana cuja presença e ocupação ainda precisa ser melhor estudada.

Conclusão

Este artigo destinou-se à apresentar a atividade baleeira como um


todo, desde a sua implementação no Brasil até aos mecanismos utilizados
para se desenvolver esse comércio. Sempre com a preocupação de exaltar
a existência de uma fábrica incipiente, baseada nas técnicas implementa-
das pelos biscainhos, agregando-se a isso a experiência de organização do
trabalho escravo, já existente nos engenhos de açúcar e farinha espalha-
dos pelo Brasil ao longo do Seiscentos. Após o levantamento documental
e bibliográfico não conseguimos saber muito mais do que já havia sido
descrito por Myriam Ellis, mas o esforço foi o de identificar as condições
da pesca no século XVII, coisa que a autora deixa em segundo plano ao
privilegiar a descrição da indústria, já plenamente organizada em meados
do século XVIII.
Escassos, dispersos e, quase sempre desprovidos de sequência, são
os registros arquivados no país, relativos às expedições para Portugal do
óleo manufaturado nas armações coloniais. Praticamente desconhecidos
são os registros referentes aos fornecimentos para consumo da colônia.
Isso dificulta bastante o cálculo do quanto teriam produzido e exporta-
do aqueles estabelecimentos durante dois séculos de atividade. Contudo,
podemos conjecturar que, do século XVII ao XIX, o mercado interno bra-
sileiro teria absorvido a maior parte dessa produção, o que condicionava,
de certa forma, a exportação destinada ao reino, não obstante fossem in-
crementadas as remessas para o exterior de óleo e barbatanas na segunda
metade do século XVIII.
Procurando traçar um paralelo entre as informações que conseguimos
levantar sobre a origem dessa atividade no Brasil – e seu desenvolvimento
ao longo do século XVII –, com os conhecimentos adquiridos a partir das
leituras dos trabalhos existentes, mas que remetem aos séculos XVIII e
XIX, podemos perceber que em termos de tecnologia aplicada à prática da
atividade pouco mudou nos três séculos em que a pesca da baleia vigorou
no Brasil. A maior transformação ocorre mesmo no aumento significativo
dessa atividade a partir do século XVIII, sobretudo com a sua expansão
para outras áreas da capitania do Rio de Janeiro e região sul do Brasil.
O mercado do Valongo e comércio de
escravos africanos – RJ (1758–1831)
Cláudio de Paula Honorato

O comércio de escravos africanos no Rio de Janeiro

Durante os mais de três séculos de tráfico atlântico, um total de


1.217.521 africanos desembarcou no porto da cidade do Rio de Janeiro.1
Deste total estima-se que quase um milhão de africanos foi vendido no
mercado do Valongo. Não temos números precisos a respeito da quan-
tidade de escravos comercializados no Valongo. Não encontramos escri-
turação contábil ou recibos de compra e venda das operações realizadas
nas diversas lojas desse imenso mercado. Baseamo-nos na documentação
oficial de entrada de escravos nos porto do Rio de Janeiro, embora saiba-
mos que muitos escravos poderiam ser vendidos logo no porto. Segundo
determinação do Marquês do Lavradio, a partir de 1774, após a chamada
“visita da saúde”, sem saltarem em terra, todos os escravos novos deve-
riam ser levados ao Valongo. A documentação da Provedoria Mor da Saúde
depositada no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e a Representação dos
Proprietários de escravos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro confir-
mam as palavras do marquês.2

1
Ver o banco de dados The Trans-Atlantic Slave Trade Database, disponível em: <www.slavevoyages.
org/tast/index.faces>.
2
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, doravante BN/RJ, seção de manuscritos, II-34,26,19: Repre-
sentação dos proprietários, consignatários e armadores de resgate de escravos a Sua Alteza Real,
reclamando dos altos preços dos aluguéis cobrados pelos proprietários dos armazéns da Gamboa e
do Valongo, destinados ao desembarque e venda de escravos. Ver Cláudio HONORATO, Cláudio de
Paula. Valongo: o mercado de escravos do Rio de Janeiro, 1758-1831. Dissertação (Mestrado)–Pro-
grama de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008. Segundo
dados do The Trans-Atlatinc Slave Trade Database, entre 1751 e 1830 entraram pelo porto do Rio
de Janeiro, 972.009 escravos novos. Florentino diz que no período de 1790-1830 desembarcaram
no porto do Rio de Janeiro 687305 escravos novos (FLORENTINO, Manolo Garcia. Em Costas
Negras: uma história do tráfico atlântico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos
XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. p. 51). Karasch estima que entre 1800-1851
entraram no porto do Rio de Janeiro cerca de 900 a 950 mil africanos novo (KARASCH, Mary. A
vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 67, 513.
Desde o início do século XVIII, Minas Gerais importou grande parte
dos escravos africanos desembarcados no porto do Rio de Janeiro.3 Entre
1824 e 1830 a capitania/província de Minas Gerais absorveu 22,6% dos
escravos novos que entraram no porto carioca.4 No interior da capitania
do Rio de Janeiro foram três os mais importantes núcleos de demanda de
mão de obra africana. Desde o século XVII a cidade do Rio de Janeiro e o
recôncavo da Guanabara; principalmente a partir do século XVIII também
a região de Campos dos Goitacazes;5 e por fim, já no século XIX, a região
cafeeira do Vale do Paraíba.6 Na segunda metade do século XVIII, particu-
larmente a partir de 1763, quando a cidade do Rio de Janeiro passou a ser
a capital do Brasil e sede do vice-reinado, aumentou consideravelmente a
população da cidade, assim como a demanda por mão de obra e o movi-
mento do porto. A cidade tornou-se o maior centro comercial do Brasil.7
Entre 1760 e 1780, sua população cresceu 29%; entre 1799 e 1821, esse
índice foi ainda maior, alcançando o percentual de 160%. Em toda a capi-
tania e depois província, observa-se que a população passou de 169 mil
habitantes em 1789 para 591 mil em 1830, um crescimento de 250%.8
Não há dúvida de que a entrada de escravos africanos na cidade contri-
buiu sensivelmente para este aumento populacional. Segundo Karasch,
em 1834 os escravos representavam 57% da população urbana.9

3
FLORENTINO, Manolo Garcia. Em Costas Negras: uma história do tráfico atlântico de escravos
entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. p.
38-39.
4
MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa: a Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal, 1750-1808.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 300-301. De acordo com o autor em 1786 os escravos re-
presentavam 47,9% da população total da capitania e em 1823 representavam 27%, p. 302. Cf.
FLORENTINO, Manolo Garcia. Em Costas Negras: uma história do tráfico atlântico de escravos
entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. p.
39, 51; FRAGOSO, João; FERREIRA, Roberto. Alegrias e artimanhas de uma fonte seriada: os có-
dices 390, 421, 424 e 425: despachos de escravos e passaportes da Intendência de Policia da Corte,
1819-1833. In: FRAGOSO, João Luis (Coord.). Tráfico interno de escravos e relações comerciais no
Centro-Sul, séculos XVIII e XIX. Brasília, DF: IPEA; Rio de Janeiro: UFRJ, LIPHIS, 2000. 1 CDROM.
p. 7.
5
LARA, Sílvia Hunold. Campos de violência: escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro,
1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 134-139.
6
Em determinadas áreas dessa zona, a população passou de 292 habitantes em 1789 para 15.700
em 1840, um crescimento de cerca de 530%, sendo o café o grande responsável por essa grande
explosão demográfica, pois sua produção passou de 160 arrobas em 1792 para quase 2 milhões em
1830 e alcançaria o total de 3.237.190 em 1835 (FLORENTINO, Manolo Garcia. Em Costas Negras:
uma história do tráfico atlântico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX).
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. p. 41; STEIN, Stanley J. Grandeza e decadência do café no
Vale do Paraíba. São Paulo: Brasiliense, 1961. p. 53).
7
CAVALCANTI, Nireu. O comércio de escravos novos no Rio setecentista. In: FLORENTINO, Mano-
lo (Org.). Tráfico, cativeiro e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 22.
8
FLORENTINO, Manolo Garcia. Em Costas Negras: uma história do tráfico atlântico de escravos
entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. p.
40.
9
KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 111.
A esta altura o comércio de escravos africanos desembarcados no por-
to do Rio de Janeiro já era controlado por negociantes estabelecidos na
cidade, tendência que se acelerou depois de 1760. Como argumentam os
historiadores Manolo Florentino e João Fragoso, os negociantes envol-
vidos no comércio de escravos dispunham de recursos para aquisição ou
aluguel de embarcações e para a compra dos escravos a serem vendidos
na cidade, demonstrando que tal comércio exigia financiamentos vulto-
sos e crescentes, em particular entre 1790 e 1830. Embora caracterizada
por altos investimentos, comerciantes de menor porte também estiveram
vinculados a essa atividade, interessados nos lucros que ela podia pro-
porcionar.10 Se os grandes negociantes já têm sido estudados, existe ain-
da uma lacuna a ser preenchida para um melhor detalhamento do perfil
dos pequenos investidores e comerciantes que estiveram vinculados ao
comércio atlântico de escravos.11
Nesse comércio de grandes e pequenos havia muitos conflitos e diver-
gências entre consumidores, fornecedores e autoridades locais que, quase
sempre, acabavam em reclamações ao governador e até mesmo denúncias
ao próprio rei, como ocorreu no ano de 1722. Através de uma carta envia-
da ao rei de Portugal, um grupo de senhores de engenho e agricultores (de
comum acordo com os vereadores da cidade) denunciou alguns vendedo-
res de escravos. Segundo eles, esses pequenos negociantes “atravessam os
escravos que vem de Angola e Costa da Mina e mais partes donde costu-
mam vir para os revenderem ao povo, privando aos senhores de engenho
e lavradores de que os comprem”. Na verdade o que acontecia era que os
comerciantes localizados junto ao porto estavam mais bem informados
sobre a chegada das embarcações e os desembarques de escravos e logo
acorriam ao porto, e mesmo à bordo, onde compravam os melhores es-
cravos a melhor preço. Depois de trazidos para a cidade eram revendidos
como alegam a “preços exorbitantes” aos senhores de engenho. Essa com-
pra direta feita nas embarcações aos capitães antes do desembarque era
facilitada aos atravessadores, mas não aos compradores individuais, por
isso só restava aos senhores do Recôncavo a compra dos escravos nas ca-
sas comerciais da cidade ou nas mãos dos próprios atravessadores, onde
pagavam preços mais altos, e muitas vezes, se chegavam tarde, por escra-
vos de pior qualidade.12
10
FRAGOSO, João. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. p. 174, 206-208, 227, 356; FLORENTINO,
Manolo Garcia. Em Costas Negras: uma história do tráfico atlântico de escravos entre a África e o
Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. p. 115-116, 152-53,
148, 184.
11
Para um interessante estudo de caso ver: BEZERRA, Nielson Rosa. Mosaicos da escravidão: identida-
des africanas e conexões atlânticas do Recôncavo da Guanabara (1780-1840). Tese (Doutorado)–
Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010. Cap. 3,
4.
12
CAVALCANTI, Nireu. O comércio de escravos novos no Rio setecentista. In: FLORENTINO, Mano-
lo (Org.). Tráfico, cativeiro e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 41-2.
Num acordo entre a Câmara e o ouvidor geral, o desembargador José
de Siqueira tentou coibir a ação dos atravessadores estabelecendo que
“toda pessoa que atravessasse os ditos negros pagaria 50 cruzados [dois
contos de réis] e teria um mês de prisão”.13 Esta foi a primeira iniciativa
no sentido de coibir a ação desses atravessadores. Tudo indica não ter
o desembargador obtido o resultado esperado, pois em 1756, a Câmara
de Vereadores fez nova denúncia. A polêmica chegou ao rei de Portugal
que pediu ao governador do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade,
que emitisse seu parecer sobre o assunto. Antes de fazê-lo o governador
ouviu um dos maiores negociantes de escravos da praça, Antonio Pinto de
Miranda, que a pedido do mesmo emitiu parecer favorável aos “atraves-
sadores”. Em sua opinião eles eram de suma importância para o bom fun-
cionamento do comércio de escravos africanos da cidade, pois sem eles
seria maior o risco dos grandes negociantes, e maiores seus prejuízos. O
negociante afirma:

A venda dos escravos que vêm a esta cidade, não só de Angola e Costa de
Mina mas também transportados da Bahia e Pernambuco assim que che-
gam e são despachados na Alfândega, se faz pública e comum para todos
aqueles que o procuram ou querem comprar a fim de satisfazerem com o
seu produto não só os Direitos Reais mas também os fretes e letras que
se costuma passar sobre os ditos escravos. Entre este número de pessoas
sucede, e ao mesmo tempo, haver também outras que compram a dinheiro
e fiado para tornar a vender alguns daqueles que são bons, mas comumen-
te só fazem no resto da carregação, a que se chama refugo ou incapazes
de reterem pronta saída em razão do estabelecimento que tem cada um
destes na sua casa para custear e tratar deles [...], depois disto os vendem
por decurso de tempo a quem lhos procura na cidade a dinheiro e nos re-
côncavos dela aos senhores de engenho, lavradores e roceiros, para onde
os conduzem e vedem não só fiado mas também a troco dos seus efeitos
recebendo assim o prêmio de seu trabalho e risco a que se expõem quando
os juntaram na primeira mão. [...] não são poderosos os que se ocupam de
semelhante negociação, mas sim pobres que não têm outro modo de vida.
Destes compradores se não segue prejuízo a nenhum daqueles referidos
por público para todos a venda dos escravos, não só quando chegam mas
no dilatado tempo que sucede haver, repetidas vezes sem se poder ajustar
a conta de venda de qualquer carregação. Antes são convenientes e mui
úteis a este grande comércio semelhantes compradores, como meio eficaz
de se conservarem os comerciantes e traficantes dele, porque chegando a
esta com os ditos escravos tendo pronta saída nos mesmos, cuidam logo
em voltar ao resgate ou compra de outros e não tendo forçosamente se hão

13
Arquivo Histórico Ultramarino, doravante AHU, códice, 226. p. 249. Cf. CAVALCANTI, ibidem, p.
38.
de arruinar com a demora por causa da mortalidade que experimentam
por inseparáveis do seu tráfico a falta de comodidade de os custear.14

Com base no relatório de Antonio Pinto de Miranda, referendado pelo


governador Gomes Freire de Andrade, o rei negou o pedido dos vereado-
res. Mas os senhores de engenho e lavradores do Recôncavo da Guanabara
não desistiram de seu intento, e em 1765, voltaram a atacar. Através de
carta denunciaram novamente à Câmara de Vereadores “o dano gravís-
simo que recebiam o exorbitante preço e carestia, a que tinha subido os
escravos, que de Angola, Benguela, Costa da Mina e outros presídios vi-
nham a vender nesta, por causa dos atravessadores”. Alegavam que o alto
preço dos escravos era responsável pela decadência das fazendas e que
isso afetava diretamente os dízimos reais. Mais uma vez a atitude dos
vereadores foi de apoiar os senhores de engenho e lavradores contra os
negociantes.
Em 9 de março de 1765 os vereadores e senhores de engenho enviaram
uma carta ao já então vice-rei Conde da Cunha, solicitando a proibição
do comércio abusivo praticado pelos atravessadores; e em 6 de novembro
de 1765 enviaram uma carta ao próprio rei de Portugal. Em resposta en-
viada ao rei de Portugal em 4 de fevereiro de 1767, com base no relatório
de Antonio Pinto de Miranda, o vice-rei Conde da Cunha foi totalmente
favorável ao negócio dos atravessadores:

O requerimento que os senhores de Engenho e lavradores de cana do re-


côncavo desta cidade fizeram ao Senado da Câmara assenta sobre um prin-
cípio e motivo falso, pois alegam o dano gravíssimo, que recebiam do exor-
bitante preço e carestia a que tinham subido os escravos que de Benguela,
Angola, Costa da Mina e outros presídios vinham a vender a este porto;
isto se vê que não é verdade, pois que cada dia com o excessivo número de
escravatura que aqui entra se vai diminuindo o seu valor, com tal excesso,
que muitos homens, que os trazem da África, os tornam a navegar para os
outros portos do Brasil, por não terem saída; estão sempre tantos por es-
tas ruas a venderem, que são inumeráveis. Se não houvesse os negociantes
a que os mesmos suplicantes chamam de atravessadores, morreriam todos
os que aqui vem doentes e magros, pois que estes não compram os senho-
res de engenho e lavradores de cana, e muito menos os mineiros, só sim
os pobres, que deste gênero de negocio vivem, tratando deles e curando-os
com maior trabalho; que se proibisse esta útil negociação, nem haveria
quem fosse resgatar à Costa da África, nem se achariam venda se não pe-
los grandes preços que tiveram nos tempos em que não havia ainda esta
pequena negociação com os que não tem valor pelos sobreditos motivos;

14
AHU, Avulsos, Rio de Janeiro, cx. 84, doc. 19.
e perderia a Real Fazenda de V. Majestade a maior parte da utilidade, que
tem nos Direitos, que os mesmos escravos produzem.15

Essa polêmica revela que na cidade existiam interesses divergentes en-


tre os diversos setores envolvidos no comércio de escravos africanos que
chegavam à cidade, fossem eles compradores, intermediários, represen-
tantes da Câmara ou mesmo autoridades. Pode-se perceber a existência
de pelo menos quatro grupos distintos: os grandes comerciantes que com-
pravam à vista em dinheiro; os chamados “senhores” que queriam esco-
lher os melhores escravos pelo melhor preço; os comerciantes estabeleci-
dos na cidade donos de lojas; e os atravessadores, compradores de menor
poder aquisitivo que compravam o “refugo”, aí incluídos os escravos do-
entes, aleijados, as crianças e velhos. Como dão a perceber Antonio Pinto
de Miranda e Conde da Cunha, os grandes comerciantes que financiavam
o comércio atlântico defendiam os atravessadores porque ao viabilizar a
venda dos escravos de menor qualidade eles reduziam os prejuízos do co-
mércio atlântico.
Esses atravessadores constituíam uma rede de especialistas em recu-
perar escravos enfraquecidos e doentes para a revenda a preços que com-
pensavam os investimentos aplicados nesse negócio. Apesar dos protestos
dos senhores de engenho e lavradores de cana do recôncavo, com o apoio
do Senado da Câmara, eles conseguiam manter seu negócio. O apoio das
autoridades se justificava, entre outros argumentos pelo fato de que se-
gundo as palavras do vice-rei Conde Cunha, o negócio dos atravessadores
evitava transtornos à saúde da cidade e aumentava os dízimos reais, “coi-
sa que não ocorria antes de sua existência”, além de evitar perdas maiores
e manter equilibrados os preços dos escravos na cidade.16

Um lugar para o mercado de escravos

Até meados do século XVIII a compra e a venda dos escravos desem-


barcados no porto da cidade era feita nos armazéns de escravos localiza-
dos em sua maioria na rua Direita, próximo à Alfândega. As mais conheci-
das casas de comércio ficavam no trecho entre a Casa de Contos e a ladeira
do Mosteiro de São Bento. A rua Direita era a principal via da cidade que
corria paralela ao porto, e ali ficavam o Palácio do Governador, depois do
vice rei, a Alfândega, a Catedral, a Mesa do Bem Comum (depois Junta
do Comércio), várias repartições públicas e mais armazéns e moradias.
Os conflitos entre os diversos agentes do comércio de escravos na cidade
tiveram relação direta com a decisão do Senado da Câmara de transferir o
comércio de escravos novos para a periferia da cidade. A perpetuação do

15
AHU, Avulsos, Rio de Janeiro, cx. 84, doc. 19.
16
CAVALCANTI, Nireu. O comércio de escravos novos no Rio setecentista. In: FLORENTINO, Mano-
lo (Org.). Tráfico, cativeiro e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 41.
comércio de escravos na rua Direita era favorável aos compradores resi-
dentes na cidade, em detrimento dos senhores de engenho e lavradores
de cana do recôncavo que vinham de longe.
A manutenção ou transferência do mercado de escravos do centro para
a periferia da cidade tornou-se um tema polêmico devido aos múltiplos
interesses envolvidos. No intuito de buscar subsídios para a decisão – e
provavelmente sob pressão –, a 14 de janeiro de 1758, sob a presidência
do juiz de fora Antonio de Matos e Silva, os vereadores Frutuoso Pereira,
José Pacheco Vasconcelos, Miguel Cabral de Melo e Tomé de Gouveia Sá
Queiroga, convidaram os médicos Antonio Ferreira de Barros, Francisco
Correia Leal e Mateus Saraiva e os cirurgiões Antonio Luiz de França,
Antonio Mestre e Luiz Estevão para deliberarem sobre o “grande prejuízo
que causavam nesta cidade os escravos que estavam à venda pública pelas
principais ruas dela”, e ansiando por tomar alguma providência “que pu-
desse caber na sua jurisdição”.
Essa questão de controle sanitário e uso do espaço urbano era antiga
e foi mais uma vez reeditada. Argumentando “receio de contágio”, já em
1718, a Câmara requereu ao rei o privilégio de proceder a uma “visita da
saúde” em todos os navios vindos de Angola, Costa da Mina e São Tomé
que entravam no porto do Rio. Na ocasião, o rei concedeu tal privilégio e
ponderou ainda que a experiência comprovava que também as embarca-
ções que vinham da Bahia, Pernambuco e demais partes da Europa deve-
riam ser vistoriadas, por receio do mesmo inconveniente, pois já havia
sucedido em outras ocasiões introduzirem também elas vários “achan-
ques [sic] contagiosos”.17 Desse modo que, em 1758, em conjunto com
os vereadores, médicos e cirurgiões, foi reafirmada a preocupação com a
saúde dos moradores da cidade por ser “veemente suspeito o comércio tão
numeroso de negros que vinha em direitura da Costa da Guiné para este
país. Acordou-se, finalmente que:

nenhuma pessoa de qualquer estado ou condição, que seja tenha no conti-


nente desta Cidade tanto em casa como nas ruas, rocios e praças da mes-
ma magotes de negros novos vindos das partes da Guiné ou outra região
alguma em direitura a esta Cidade, o que se averiguara pela entrada da
Alfândega, sob pena de os negros serem apreendidos até que seus proprie-
tários ou administradores pagassem multa à câmara. 18

Acordou-se também a definição de uma nova área para localização do


comércio dos africanos recém-chegados, chamados “pretos novos”. Os lu-
gares então considerados mais indicados foram a região da orla marítima
do Valongo, Saúde e Gamboa, ou mais para o interior, na zona do mangue

17
AHU, Rio de Janeiro, códice, 225.
18
Para se considerar magotes ou ranchos dos ditos negros, bastava que se encontrassem juntos cin-
cos negros mesmo que fossem de donos diferentes (AHU, Rio de Janeiro, cx. 84, doc 19).
de São Diogo. O local escolhido foi o Valongo por ter acesso por mar e
por terra através do Caminho do Valongo (atual rua Camerino) que ia da
praia ao centro da cidade.19 Vencia a corrente que pretendia eliminar o
comércio de escravos no interior da cidade. Além disso, passou a haver
também maior controle sobre o movimento dos escravos na própria ci-
dade, especialmente no que toca aos comerciantes e atravessadores com
negócios em Minas Gerais. Os donos de escravos novos que desejassem
enviá-los para serem vendidos ou despachados mediante encomenda para
Minas Gerais, deveriam informar suas intenções ao Senado da Câmara no
prazo de 24 horas, após a compra; e no prazo de oito dias obrigatoriamen-
te retirá-los da cidade. Acrescia-se a essas medidas a proibição de levar os
escravos do Valongo para serem lavados no chafariz da Carioca, no centro
da cidade, alegando os distúrbios que provocavam e o perigo de contami-
nação dos usuários do chafariz e da própria água.20
A reação dos negociantes foi imediata. Entraram com recurso contes-
tando o edital e os argumentos da questão sanitária, tida como “falsa e
contrária à verdade” e, ignorando as determinações régias que datavam
de 1718, alegavam que tal comércio no centro da cidade era muito anti-
go: ali “sempre desembarcaram e venderam escravos novos, às portas dos
comerciantes sem que por esse motivo originasse moléstia alguma, nem
achaque contagioso”. Assim argumentam:

Porque da postura e Acórdão embargando que manda extrair os escravos


para fora da cidade não resulta utilidade aos e mesmo às que na contrarie-
dade se alega, pois que o suposto na mesma contrariedade se diga que da
extração para fora da cidade [...], e contra a verdade por ficarem na mesma
cidade outros muitos escravos ladinos, de que andam cheias as Ruas pois
esta qualidade a maior parte de gente que fazem por esta cidade, que como
o maior tráfico dela e o comércio de escravos, não pode haver maior formo-
sura que o aumento do mesmo tráfico, e comércio o qual infalivelmente se
destruiria se se partisse a postura embargando que da mesma forma não
recebe a cidade detrimento em corrupção alguma nos ares de existirem
nela vários escravos novos, porque o comércio destes é tão antigo como a
mesma cidade sem em algum tempo nem moléstia alguma por causa dos
mesmos escravos ocasionada, e é contra a verdade o que [ilegível] alega.
Que na mesma falcidade [sic] labora o que se alega de que da multidão de
escravos resultam cólera e outros maus, por que os mesmos escravos se
19
CAVALCANTI, Nireu. O comércio de escravos novos no Rio setecentista. In: FLORENTINO, Mano-
lo (Org.). Tráfico, cativeiro e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 43.
20
AHU, Avulsos, Rio de Janeiro, cx. 84, doc. 19. Acórdão do Senado da Câmara do Rio de Janeiro,
de 14 de janeiro de 1758, e edital publicado e mandado fixar nas ruas mais publicas a cidade a 28
de janeiro do mesmo ano. Ver BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no
século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 242-244. Agradeço a professora Maria
Fernanda Bicalho e ao professor Mauricio de Abreu que gentilmente cederam cópia dos documen-
tos AHU sobre o acórdão de 1758 e editais da Câmara sobre vendas de escravos nas vias públicas
da cidade – 1766.
lavam todos os dias, e não estão nos armazéns senão de noite, pois de dia
estão ao ar e por isso, não resulta cheiro, mas e menos que deles nocivos
seja, pois as mesmas pessoas que com eles tratam dos mesmos (escravos)
nunca tiveram achanque [sic] algum contagioso que não sucedeu se este
dos ditos escravos e se gerasse que também vê contra verdade o que se
alega que os escravos novos causam distúrbios, porque tal [ilegível] estão
muito quietos, e assentados às portas de seus donos pelo muito medo que
tendo estes, não levantando sem que primeiro os mandem houvesse a cor-
rupção dos ares, que os comerciantes dos escravos estão quase todos situ-
ados na rua Direita que fica junto do mar e por isso com mais comodidade
para os despejos, e se lavarem os escravos e fazerem as mais operações na-
turais, o que, não sucederia indo para fora da cidade pôr que então fica em
maior distância da praia. E sem dúvida que os comerciantes dos escravos
recebessem gravíssimo prejuízo em serem extraídos os mesmos escravos
para fora da cidade pois não podem largar as sua casas, ainda que muitos
ai não tinham próprias, não podem desterrar os mais comércios que tem
para fora da cidade.
Que também se segue outros prejuízos irrevogável da negociação de escra-
vos ser para fora da cidade desterradas por que sendo a do maior cabedal
que há na mesma cidade, não pode estar fora dela expostos dos contínuos
latrocínios que e se experimentado.
Que nenhum dos [comerciantes de atacados de escravos] nisso não estão a
pagar os [ilegível] dos mesmos atravessadores estes se extinguirem sendo
o comércio de escravos para fora da cidade exterminados, mas [ilegível]
traz muitos meios [jurídicos] determinados para se adquirirem, e castiga-
rem os atravessadores sem perseguição e embargo.
Que nestes termos e nos de ditos no embargo [movido] [ilegível] jul-
gar a prova dos declarando-se de nenhum efeito o Acórdão e postura
embargada.21

Além de uma grande polêmica sobre o comércio de escravos africanos


no centro da cidade envolvendo grandes negociantes, senhores de enge-
nhos, médicos e cirurgiões, vereadores, este últimos, legisladores e ad-
ministradores do espaço urbano. A análise desse documento revela reais
preocupações no controle das doenças e epidemias no espaço da cidade,
tanto por parte das autoridades como por membros da população, uma
tentativa de controle da saúde pública. Foi possível também conhecermos
os cuidados dispensados à saúde dos escravos, assim como seu contro-
le na exposição para a venda, o que possivelmente gerava algum castigo
para aqueles que por qualquer motivo descumpriam as regras estabele-
cidas. Os negociantes de escravos novos alegavam que seus prejuízos se-
riam enormes com a transferência de seu comércio para o Valongo e que

21
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, doravante AGCRJ - códice 6.1.9 – Autos de homens de
negócios e comerciantes de escravos, 1758-1768. p. 78-79.
o então local de comercialização era o ideal e não oferecia perigo algum de
contágio para os moradores da cidade. Além disso, alegavam que as em-
barcações sempre receberam a visita do médico da saúde, para a vistoria
rotineira, sem a qual o desembarque não era permitido, e que somente es-
cravos sem doença contagiosa eram autorizados a desembarcar. É possí-
vel que a tentativa de transferência do comércio de escravos novos para o
Valongo tenha relação direta com o objetivo de se extinguir o negócio dos
atravessadores, pois em meio a seus protestos os negociantes alegavam
que havia outras formas jurídicas de se punirem os atravessadores sem
com isso prejudicar os seus negócios. Uma parcela dos negociantes obe-
deceu às determinações do edital e transferiu suas lojas para o Valongo;
outros permaneceram, confiantes na decisão dos juízes do Tribunal da
Relação, favorável a seu recurso.
Em 1765, o Senado republicou o edital, dando com isso a entender que
a venda de escravos nas principais ruas da cidade continuaria, sendo que
o novo edital incluía também os negros pertencentes às companhias (que
vinham de Pernambuco, Bahia e Maranhão). Alguns negociantes de mé-
dio e grosso trato saíram em defesa do Edital, mas tal iniciativa não deu
resultado, pois a maioria dos desembargadores do Tribunal da Relação
votou a favor da permanência do comércio de escravos nas ruas centrais
da cidade. A decisão do Tribunal estaria supostamente baseada em de-
poimentos de médicos e cirurgiões que, de acordo com o Marquês do
Lavradio talvez tivessem sido subornados pelos negociantes. Na segunda
consulta declararam não ter o comércio de negros novos nenhuma relação
com as epidemias. Resta, portanto a suspeita de que esses profissionais
tenham dado seu parecer sob influência dos interesses dos comerciantes,
com a complacência do Tribunal da Relação. Essa suspeita baseia-se no
fato de que boa parte dos profissionais ouvidos – e que deram parecer
favorável aos negociantes – havia concordado com os vereadores sobre
o acórdão em 1758, através do qual ficou deliberado que o comércio de
escravos na área central da cidade era prejudicial à saúde pública e devia
ser removido.22
Nos depoimentos fornecidos em março de 1768, os médicos Antonio
Ferreira de Barros, Francisco Correa Leal e os cirurgiões Luiz de França,
Antonio Mestre, Francisco da Costa Brito e João da Silva Passos Cabral,
admitiram que trabalhavam para os negociantes de escravos novos, mui-
tos há 25 ou 30 anos, e por essa razão tinham experiência e vivência do
problema. Tanto em 1758, quanto em 1765, o físico Mateus Saraiva,
membro da Ordem de Cristo, cidadão da Cidade do Rio, físico-mor das
tropas reais, médico da Câmara e Saúde e sócio da Real Sociedade de
Ciência de Londres, se pronunciou contra os editais da Câmara e a favor
dos negociantes de escravos novos. Em 1758, declarou que era morador

22
Para mapas mostrando detalhes do Valongo e da rua Direita ver BARREIROS, Eduardo Canabrava.
Atlas da evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1565-1965. Rio de Janeiro: IHGB, 1965.
na rua Direita há 43 anos e que nunca havia chegado ao seu conhecimento
“nenhuma epidemia, moléstia por contágio do mal de Luanda (ou escor-
buto) introduzida na cidade por algum escravo vindo da costa da África,
nem por outra doença, ou bexiga”. Disse ainda que o escorbuto e a bexiga
não eram motivos de queixas dos “comboios no exame da visita da saú-
de”, nem no hospital militar e nem mesmo em Pernambuco e nos outros
principais portos do Brasil. Acrescentou ainda que nesses 43 anos jamais
tomara conhecimento de um surto de enfermidade resultante do contá-
gio oriundo dos escravos novos das casas de comércio da rua Direita. Em
1765 ele deu o seguinte depoimento:

Certifico que os escravos novos vindo da Costa da África e Guiné, antes


que se desembarque para a Alfândega são primeiro visitados pela Visita da
Saúde, a que eu vou como médico da saúde, por Provisão Real, para que, no
caso que identificar algum mal contagioso, se ordena dar-se-lhe quarente-
na e também mais que nas casas de minha vizinhança e onde há muitos
anos se administram a venderem os negros escravos, nada se observa de
epidemias, nem mal contagioso, por esses escravos, nem nas famílias das
citadas casas, ou quaisquer outra casas aonde venho assistindo, com es-
cravos novos.23

Foi, portanto, no meio de acirrados conflitos que, dez anos após a


publicação do segundo edital, o Marquês do Lavradio ordenou que o co-
mércio dos chamados “negros novos” passasse para o sítio do Valongo.
Sua intervenção foi, portanto, o desdobramento de décadas de debates
e iniciativas no sentido de tirar ou não o comércio de escravos africanos
do centro da cidade do Rio de Janeiro. É importante mostrar como es-
ses acontecimentos se desenvolveram porque a memorialística e a his-
toriografia tendem a afirmar que o Marques de Lavradio foi o criador do
mercado do Valongo quando na verdade ele foi responsável pela imple-
mentação de uma antiga demanda tanto da população quanto da Câmara
de Vereadores. Essa interpretação “fundacionista” dos acontecimentos
resulta de uma leitura isolada do relatório deixado pelo Marquês a seu
sucessor, Luis de Vasconcelos. O relatório fala na criação do Valongo, mas
omite o debate anterior e os interesses envolvidos. Assim diz o referido
relatório, datado de 19 de junho de 1779:

Havia mais n’esta cidade o terrível costume de que todos os negros que
chegavam da costa d’África a este porto, logo que desembarcavam, entra-
vam para a cidade, vinha para as ruas públicas e principais dela, não só
cheios de infinitas moléstias [...] foi preciso ser eu muito constante na mi-
nha resolução, para que logo que dessem a sua entrada na Alfândega [...]
embarcassem para o sítio chamado Valongo, [...] ali se aproveitassem das

23
AHU, Rio de Janeiro, códice 225.
muitas casas e armazens que ali há para os terem; e que aqueles sitos [sic]
fossem as pessoas que os quisessem comprar[...].24

Esta é, portanto, uma afirmação feita no momento em que o Marques


de Lavradio presta contas de sua administração e enaltece seus próprios
feitos: “como aquela qualidade de gente, em quanto não tem mais ensino,
são o mesmo que qualquer outro bruto selvagem [...] Esta desordem que
era conhecida a todos, custou infinito a evitar, e foi preciso ser eu muito
constante na minha resolução, para que ela pudesse ser executada [...]”.25
Assim diz o documento escrito pelo Marquês do Lavradio em 12 de abril
de 1774, determinando que o comércio de escravos novos fosse definiti-
vamente transferido para o Valongo:

Sendo-me presente os gravíssimos danos, que se tem seguido aos mora-


dores desta cidade de se conservarem [...] dentro da mesma, imensos ne-
gros novos que vêm dos portos de Guiné e Costa de África, infestados de
gravíssimas enfermidades, [...] dos quais se acham sempre cheias a maior
parte das ruas, e casas dos comerciantes, que os costumam vender [...]
de que tem resultado contagiosas queixas epidêmicas, de que de anos a
esta parte se acha infestado todo esse país, [...] a fim de que cessando os
estragos que tem assolado e destruído a todo esse continente e se possa
preservar a saúde dos povos tão recomendada por El Rei Meu Senhor, o
que já em outro tempo foi ponderado pela Câmara dessa Cidade, que jus-
tamente persuadida pelos professores. De que as contagiosas moléstias
que se experimentavam eram causada da infecção dos negros novos, que
se achavam a vender pelas ruas e praças da cidade, os mandou retirar logo
para fora dela, o que não teve efeito, por passarem aqueles mesmos se-
gundas certidões em contrárias as primeiras, talvez depois de subornados
pelos comerciantes vendedores dos mesmos escravos as quais se acham
juntas aos Autos de Litígio, [...] que finalmente se julgou a favor dos mes-
mos comerciantes [...]. Me pareceu dizer a vós mercês haja que dar aquelas
providencias que entenderem necessárias, a fim de que não sejam conser-
vados nessa cidade os negros novos, que vem dos portos da Guiné e Costa
da África, ordenando, que tanto os que se acham nela, como os que vierem
chegando de novo daqueles portos, de bordo das mesmas embarcações que
os conduzirem, depois de dada visita da saúde, sem saltarem em terra,
sejam imediatamente levados ao sitio do Valongo, onde se conservarão,
desde a Pedra da Prainha até a Gamboa e lá se lhes dará saída e se curarão
os doentes e enterrarão os mortos [...] assim se haja de observar daqui

24
LAVRADIO, Marquês de. Relatório do Marques de Lavradio Vice-rei do Rio de Janeiro, entregando
o governo a Luiz de Vasconcelos e Souza, que o sucedeu no vice-reinado – 19 de jun. de 1779. Re-
vista do IHGB, Rio de Janeiro, t. 4, v. 4, n. 16, p. 452-453, 1843.
25
Ibidem.
em diante, enquanto El Rei Meu Senhor não mandar em contrário. Deus
guarde a vós mercê. Rio de Janeiro, 12 de abril de 1774.26

Se levarmos em consideração o acórdão de 1758 e seus desdobramen-


tos, podemos constatar que esse projeto é bem mais antigo e sua implan-
tação resulta de uma longa e difícil disputa entre os interesses dos comer-
ciantes, da administração e dos compradores de escravos da cidade. O fei-
to do vice-rei , em 1774, foi fazer cumprir determinações cuja necessidade
vinha sendo objeto de uma longa disputa que começara com uma postura
da Câmara, acerca do comércio de escravos dentro da cidade, atendendo
finalmente a uma demanda da população e de alguns médicos, cirurgiões
e vereadores que começavam a se mobilizar no sentido de desencadear
uma reflexão e um conjunto de ações que terminaram por representar o
primeiro grande esforço de construção de uma saúde pública na cidade.

O Mercado do Valongo

A partir de 1774, uma vez desembarcados e cumpridas as formalida-


des legais da alfândega, os africanos deviam ser reembarcados e condu-
zidos ao cais do Valongo, situado numa enseada a noroeste da cidade,
na Freguesia de Santa Rita. A área destinada ao mercado ficava entre o
outeiro da Saúde e o morro do Livramento e podia também ser acessada
pelo então chamado caminho do Valongo que saia dos fundos da cidade
em direção ao mar passando entre os morros da Conceição e Livramento.
O chamado “mercado” não era uma grande construção ou espaço coletivo
usado para negociar como muitos acreditam, e sim algumas ruas cujas ca-
sas foram aproveitadas para esse fim. As melhores descrições do Valongo
vêm dos viajantes e por isso são eles a principal fonte para uma descrição
do espaço ocupado pelo mercado, assim como do modo como esse comér-
cio era realizado. Segundo o memorialista Mello Morais Filho – que certa-
mente se ampara nos viajantes – essas casas existiam em toda a Prainha,
a tal ponto agremiadas, que se poderia assegurar que metade delas era
ocupada por armazéns de escravos, incluindo nessa estatística não só os
comerciantes, mas também os escritórios de corretores.27
Segundo Noronha Santos, muito antes de 1800 iniciou-se no litoral
entre a Prainha e a Saúde um notável crescimento e edificação, instala-
ram-se ali depósitos e armazéns de produtos agrícolas e indústrias (im-
portados). Ocuparam-no pela mesma época, armadores e traficantes de
escravos, pescadores e embarcadiços. As atividades portuárias e comer-
ciais nessa área estão relacionadas também ao aumento do comércio de
mercadorias – sobretudo açúcar – que dependia da navegação no interior

26
AN/RJ, códice 70, v.7, p. 231.
27
MORAES FILHO, Mello. Festas e tradições populares do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: F. Briguet & Cia,
1946. p. 405-412.
da Baia de Guanabara. Devido às dificuldades impostas à circulação de
mercadorias e pessoas por via terrestre, estimulou-se a utilização dos
transportes marítimos. Segundo Noronha Santos, a viagem do Valongo a
São Cristóvão ou Botafogo se fazia em bote, veleiro ou a remo, com várias
carreiras que disputavam a preferência dos viajantes,28 todas movimenta-
das por mão de obra escrava.
Os escravos que chegavam ao Valongo eram preparados para serem
expostos para venda à porta das casas ou geralmente nos quintais, no
fundo das casas. Os mais debilitados deviam receber cuidados alimenta-
res e médicos, o que lhes melhorava as condições de saúde e aumentava o
preço, no momento da venda. Essas casas eram chamadas “barracões”.29
Algumas eram pequenas, mas muitas podiam chegar a acomodar de 300
a 400 escravos, consideradas verdadeiros “palácios”.30 No andar superior
geralmente morava o proprietário (ou locatário) com sua família e embai-
xo ficavam os escravos. Através dos registros nos livros da Décima Urbana
pode-se comprovar que grande parte dos imóveis ali localizados eram so-
brados e lojas comerciais, em sua maioria alugados31 (Tabela 3). O andar
térreo era adaptado para a exposição dos escravos e mantido sem paredes
internas, como um salão, uns maiores outros menores, conforme o tama-
nho do sobrado, o que permitia avaliações tão dispares. O salão que ia até
o quintal dos fundos, onde outros escravos permaneciam no chão ou em
bancos, muitas vezes expostos ao sol e à chuva. Por sua insalubridade as
casas necessitavam de constantes lavagens e a proximidade com o mar
proporcionava também um bom arejamento das casas.32

28
SANTOS, Francisco Agenor. As freguesias do Rio antigo vistas por Noronha Santos. O Cruzeiro,
Rio de Janeiro, p. 257-268, 1965; HONORATO, Cláudio de Paula. Valongo: o mercado de escravos
do Rio de Janeiro, 1758-1831. Dissertação (Mestrado)–Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008. p. 33-34; BEZERRA, Nielson Rosa. Mosaicos da
escravidão: identidades africanas e conexões atlânticas do Recôncavo da Guanabara (1780-1840).
Tese (Doutorado)–Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Ni-
terói, 2010.
29
EBEL, Ernest. O Rio de Janeiro e seus arredores em 1824. São Paulo: Companhia Ed. Nacional, 1972.
p. 42.
30
SCHICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1825). Brasília, DF: Senado Federal, 2000. p.
136.
31
No período consultado (1808-1813) a rua do Valongo está registrada na freguesia da Sé. Após esse
período, segundo Nireu Cavalcanti, os fiscais passam a registrá-la na freguesia de Santa Rita. Ca-
valcanti, 2004: 265. Conforme os livros de Décima Urbana existiam ainda casas térreas, terrenos
sem construção e casas em ruínas. AGCRJ. Décima Urbana (1809-1831), Freguesias São José, Sé e
Engenho Velho. Em 1809 havia no Valongo 91 imóveis em 1831 eles chegavam 822. Ver quadro 2.
32
KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 75-76.
Para uma melhor compreensão do perfil dos imóveis da Rua do
Valongo a Décima Urbana apresenta os seguintes números para os anos
entre 1809 e 1831.33

Tabela 1 – Imóveis da rua do Valongo, 1809-183


TPL Sb L/S GR L Sb/L CFR T S/I PT O TP CA OT P total
1809 26 4 1 32 28 91
1810 84 1 1 4 90
1811 78 18* 96
1812 99 99
1813 97 97
1814 101 101
1815 14 14
1816 23 23
1817 - - - - - - - - - - - - - - -
1818 - 7 2 89 15 2 2 1 1 4 1 - 2 126
1819 36 - - 179 16 - 1 2 - - 1 1 - 236
1820 27 - - 126 15 - 1 3 - - 1 1 - 173
1821 29 - - 177 27 - 1 2 - - 1 - 5 242
1822 - - - - - - - - - - - - - -
1823 29 9 - 150 10 - 1 - - - 1 - 2 202
1824 24 2 - 172 50 1 - - 2 6 1 - 14 272
1825 38 2 - 171 42 4 - - 2 22 1 - 11 293
1826 - - - - - - - - - - - - - -
1827 15 1 - 201 55 3 - 1 - 10 2 - 12 300
1828 22 1 218 50 3 7 2 9 (1) 313
1829 686 686
1830 255 255
1831 822 822
Fonte: AGCRJ - Livros de Décima Urbana das freguesias de São José, Sé, Santa Rita e parte do Engenho Velho, de 1809 a 1831.
TPL= tipologia Sb= sobrado1; L/S = loja e sótão; GR = Guarda Real; L = loja; Sb/L = sobrado e loja; CFR = Casa da Fazenda Real; T
= telheiro; S/I = sem informação; PT = portão; O = obras; TP = trapiche. CA = casa; OT= outros; P= prédio; * casa a construir; (1)
Propriedade da Misericórdia.
OBS: OT reúne frente, cocheira, armarinho com sobrado, quarto, cocheira com sobrado e demolida.
1
O fato de os fiscais da décima urbana não terem registrado lojas nesses sobrados não siginifica que não existissem, pois além da
tipologia confusa, é preciso levar em conta que nem sempre o fiscal fazia uma anotação detalhada, mas apenas o necessário para a
cobrança da décima.

Através da Tabela 1, podemos ver a distribuição dos imóveis e suas ca-


racterísticas, ano a ano, de modo que, através dessa fonte é possível acom-
panhar o progressivo crescimento do mercado entre 1809 e 1831 (quando
foi desativado). A partir de 1818 crescem as lojas e diminuem os sobra-
dos, muito embora a tipologia empregada pelos fiscais da Décima Urbana
aos imóveis, não expresse muita clareza, podendo significar que as casas
estariam sendo utilizadas mais para comércio e menos para moradia ou
33
Para 1817, 1822 e 1826 não encontramos registros nos livros de Décima Urbana para a região
do Valongo. Como só tivemos acesso aos livros das freguesias: São José, Sé, Santa Rita e parte
do Engenho Velho, não sabemos se houve registro em outra freguesia, como Santana; ou se, sim-
plesmente não houve escrituração. Entre 1829 e 1831 o fiscal registrou todos os imóveis como
“prédios”.
ainda que fossem usadas de forma mista comercial e residencial, conforme
aparece na literatura dos viajantes. Alguns proprietários possuíam vários
imóveis, como por exemplo, o negociante de escravos e sócio do Lazareto
João Alves de Souza Guimarães que possuía quatro imóveis no Valongo.
O brigadeiro Jacinto de Mello possuía nove imóveis e o negociante José
da Costa Barros, que figurava entre os maiores proprietários de imóveis
na cidade, possuía 22 imóveis,34 sendo 14 no Valongo. Os herdeiros de
Antonio Leite que eram proprietários de 54 imóveis na cidade, possuíam
um trapiche e dois sobrados com lojas no Valongo.
Observamos que o aumento do número de lojas foi concomitante à
alta do comércio atlântico de escravos porque essas lojas abrigavam jus-
tamente “negros novos”. Isso nos leva a crer que o mercado de escravos
devia ser um complexo conjunto de atividades vinculadas ao escravo, do
qual se destacavam os barracões de compra e venda, mas também os já
citados escritórios dos corretores, as lojas de vender ferros, instrumen-
tos de castigo indispensável para manter a disciplina do escravo, as lojas
de alimentos e também as de panos para as roupas e possivelmente as
de barbeiros, essenciais à saúde dos escravos. Por outro lado, observa-
mos que o alto índice de imóveis na região, a partir de 1829, momentos
finais do mercado de escravos, seja um sintoma da urbanização que se
intensificaria na segunda metade do século XIX. A presença de grandes
negociantes nesse mercado não está relacionada somente ao controle do
comércio de escravos novos, mas também ao controle do mercado imobi-
liário. Embora os fiscais da Décima Urbana não especificassem o tipo de
imóvel, registravam se era para uso próprio, alugado ou arrendado. Esse
tipo de atividade atraia os grandes proprietários pois investir em imóveis
de aluguel parecia ser um negócio rentável, seguro e promissor.35
Apesar da grande polêmica sobre a mudança do mercado, da impor-
tância de comércio no conjunto as atividades econômicas da cidade, do
uso generalizado de escravos por seus moradores e até mesmo da visita
dos viajantes ao local, são poucas as descrições sobre a sua localização
espacial – nunca foi determinada com precisão –, tampouco efetivamente
conhecidas as condições em que esses escravos aí permaneciam. Observa-
se pela documentação que os relatos – mais ou menos positivos – vão
depender da época e das condições: em períodos de grande importação, ao
que tudo indica os africanos eram mais maltratados e podiam-se perceber
excessos. De acordo com os dados da alfândega em 1827, em maio foram
importados 786 africanos contra 4.401 em março. Nessas ocasiões, a exi-
gência de confinamento em armazéns fechados e a proibição de expor os
escravos na rua aumentava-lhes o sofrimento.

34
CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro dos Setecentos: a vida e a construção a cidade da invasão
francesa até a chegada da Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 276.
35
FRAGOSO, João. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
Todos os relatos dos viajantes são, sem dúvida, pautados por senti-
mentos eurocêntricos, seguem o pensamento cientificista e evolucionista,
defendem a superioridade da civilização européia, e tantos outros princí-
pios já analisados pela historiografia.36 Um exemplo dos mais contunden-
tes desse olhar aparece em Freireyss, naturalista alemão que esteve no
Brasil em expedições cientificas por Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo
e Rio de Janeiro entre 1814 e 1815. Ele descreve um escravo do Valongo
dizendo: “um negro assim, nu e que com a curiosidade do macaco tudo
observa, parece muito mais próximo ao orangotango do que o europeu
e acredito que assim o seja”.37 Interessante notar que no caso era ele, o
viajante, que observava o escravo e de sua observação extraía sua conclu-
são. Por outro lado, deixa perceber que o escravo, por sua vez, também o
observava. Infelizmente o que o escravo pensou do viajante curioso não
foi registrado por nenhuma fonte de época. Entretanto, para além de suas
opiniões, os viajantes também deixaram em seus relatos informações pre-
ciosas para a tentativa de reconstituição desse espaço.
O viajante inglês Charles Brand assim descreveu a situação dos escra-
vos novos no Valongo.

A primeira loja de carne em que entramos continha cerca de trezentas


crianças. De ambos os sexos; o mais velho podia ter doze ou treze anos
e o mais novo, não mais de seis ou sete anos. Os coitadinhos estavam to-
dos agachados em um imenso armazém, meninas de um lado, meninos do
outro, para melhor inspeção dos compradores; tudo o que vestiam era um
avental xadrez azul e branco amarrado pela cintura; [...] O cheiro e o calor
da sala eram muito opressivos e repugnantes. Tendo meu termômetro de
bolso comigo, observei que atingia 330C. Era então inverno (junho); como
eles passam a noite no verão, quando ficam fechados, não sei, pois nessa
sala vivem e dormem, no chão, como gado em todos os aspectos.38

A escritora inglesa Maria Graham – uma das mais conhecidas entre os


viajantes que estiveram no Brasil entre 1821 e 1823 – publicou Viagem ao
Brasil e deixou sua descrição do Valongo e seus horrores:

Vi hoje o Val Longo. É o mercado de escravos do Rio. Quase todas as casas


desta longuíssima rua são depósitos de escravos. Passando pelas suas por-
tas à noite, vi na maior parte delas bancos colocados rente às paredes, nos
quais filas de jovens criaturas estavam sentadas, com as cabeças raspadas,
os corpos macilentos, tendo na pele sinais de sarna recente. Em alguns lu-
gares as pobres criaturas jazem sobre tapetes, evidentemente muito fracos
36
SANTOS, Rafael Chaves. Os viajantes e o negro no Rio de Janeiro do século XIX. Revista Urutágua –
revista acadêmica multicisciplinar, [S.l.], n. 15, abr./ jul. 2008.
37
FREIREYSS, Georg Wilhelm. Viagem ao interior do Brasil 1814-1815. São Paulo: [s.n.], 1906. p. 119.
38
Brand, Journal apud KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. p. 76.
para sentarem-se. Em uma casa as portas fechadas até meia altura e um
grupo de rapazes e moças, que não pareciam ter mais de quinze anos, e
alguns muito menos, debruçavam-se sobre a meia porta e olhavam a rua
com faces curiosas. Eram evidentemente negros bem novos. Ao aproxi-
mar-me dêles, parece que alguma coisa a meu respeito lhes atraiu atenção;
tocavam-se uns nos outros para certificarem-se que todos me estavam
vendo depois conversaram no dialeto africano próprio com muita vivaci-
dade. Dirigi-me a eles e olhei-os de perto, e ainda que disposta a chorar.
Fiz um esforço para lhes sorrir com alegria e beijei minha mão para êles;
com tudo isso pareceram eles encantados; pularam e dançaram como que
retribuindo as minhas cortesias.39

Embora os relatos de Graham sejam preciosos, quem nos dá uma das


melhores descrições do mercado do Valongo são o zoólogo Johann Baptist
Von Spix e o botânico Carl Friedrich Von Martius que estiveram no Brasil
como pesquisadores acompanhando a comitiva da princesa austríaca
Dona Leopoldina esposa de Dom Pedro I. Em abril de 1817, os natura-
listas bávaros e os membros da expedição austríaca zarparam do porto
de Trieste. Em junho de 1817 deram entrada no porto do Rio de Janeiro,
permanecendo no Brasil até 1920. Ficaram seis meses na Corte carioca
e deixaram relatos importantíssimos sobre o cotidiano dos escravos no
Valongo:

Logo que esses escravos chegam ao Rio de Janeiro, são aquartelados em


casas alugadas para tal fim na Rua do Valongo, junto do mar. Vêem-se ali
crianças, desde os seis anos de idade, e adultos de ambos os sexos, de todas
as idades. Eles jazem meio nús, expostos ao sol nos pátios, ou fora, em vol-
ta das casas, ou separados segundo os sexos, distribuídos em diferentes sa-
las. Um mulato ou preto, já prático do serviço, cuida dos alimentos e presta
aos recém-chegados os necessários cuidados. O prato principal é o pirão de
farinha de mandioca ou o angú de fubá, cozido com água, mais raramente
a carne salgada do Rio Grande do Sul; o preparo desses simples manjares
fica entregue tanto quanto possível a eles próprios, que os comem numa
abóbora escavada ou nas cuias da árvore de cuité [...]. Negros e negras que
se comportam bem, recebem como recompensa fumo ou rapé. Passam a
noite sobre esteiras providas de cobertores de lã. Muitos desses escravos
pertencem ao regente e são remetidos para aqui, das colônias africanas,
como tributo. Quem deseja comprar escravos dirige-se para fazer a escolha
à Rua do Valongo, onde os guardas os apresentam inteiramente nus, em
filas. O comprador verifica o vigor físico e a saúde, ora apalpando o cor-
po todo, ora fazendo o negro executar rápido movimento especialmente
a extensão do punho cerrado. Defeitos orgânicos ocultos, sobretudo a tão

39
GRAHAM, Maria D. Diário de uma viagem ao Brasil e de uma estada nesse país durante os anos de 1821,
1822 e 1823. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1990. p. 188-254.
comum disposição para catarata, é o que mais se receia nessas compras.
Feita a escolha, é determinado o preço da compra, que aqui monta entre
trezentos e cinquenta a setecentos florins por um negro saudável, viril; o
vendedor em geral fica responsável ainda por prazo de quinze dias, caso se
descobrirem quaisquer defeitos físicos. O comprador leva consigo então a
sua aquisição que, segundo a necessidade, ele destina para artesão, toca-
dor de mulas ou criado.40

Freireyss oferece detalhes sobre idade e sexo de todos os cativos ali


expostos:

Entre os escravos importados há, portanto, três quartas partes mais ho-
mens e entre os 40.000, admitidos como importação anual, há apenas
10.000 homens e mulheres adultos; todos os mais são crianças em diver-
sas idades, muitas vezes até nascidas durante a viagem; geralmente po-
rém de 8 – 10 anos. Acontece também haver entre eles mulatos, filhos de
pais brancos na África. Sendo visto que os negros selvagens trocam seus
filhos por espingardas, machados, facas, etc., como não se tornar então
horroroso quando se pensa, que há cristãos tão desgraçados que vendem
por algumas moedas os filhos que tem com suas escravas e, todavia, este
fato tão vulgar, que no Brasil e para vergonha da humanidade se reproduz
diariamente. 41

Difícil saber se esse perfil representa a média das importações ou um


carregamento especial. De todo modo essa é sem dúvida uma informação
importante e que confirma outros estudos que indicam o crescimento da
importação de crianças ao longo do século XIX.42
Também o pintor francês Jean-Baptiste Debret nos dá uma minu-
ciosa descrição dos armazéns do Valongo. Debret, esteve a serviço da
Corte Imperial como professor de pintura histórica da Missão Artística
Francesa. Através de suas aquarelas, reunidas no livro Viagem Pitoresca e
Histórica ao Brasil, publicado em Paris entre 1834 e 1839 deixou impor-
tantes registros sobre os escravos nas ruas da cidade do Rio de Janeiro.

É na Rua do Valongo que se encontra, no Rio de Janeiro, o mercado de


negros, verdadeiro entreposto onde são guardados os escravos recém che-
gados da África. As vezes pertencem a diversos proprietários e são diferen-
ciados pela cor do pedaço de pano ou sarja que os envolve, ou pela forma
de um chumaço de cabelo na cabeça inteiramente raspada.
40
SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philip von. Viagem pelo Brasil. São Paulo: Me-
lhoramentos; Brasília, DF: INL, 1976. p. 57-58.
41
FREIREYSS, Georg Wilhelm. Viagem ao interior do Brasil 1814-1815. São Paulo: [s.n.], 1906. p. 130.
42
Para uma abordagem do tema ver Colleen A. Vasconcellos, Children and Youth in History, <http://
chnm.gmu.edu/cyh/teaching-modules/141?section=bibliography>, nesta página dedicada ao en-
sino do tema a autora traz uma seleção de citações de obras que tratam do tema.
Essa sala de venda, silenciosa o mais das vezes, está infectada pelos mias-
mas de óleo de rícino que se exalam dos poros enrugados desses esqueletos
ambulantes, cujo olhar furioso, tímido ou triste lembra uma ménagerrie.
Nesse mercado, convertido em salão de baile por licença do patrão, ouvem-
-se urros ritmados dos negros sobre si próprios e batendo o compasso com
as mãos; essa espécie de dança e semelhante a dos índios do Brasil.43

Figura 11 – Mercado do Valongo, por Debret


Fonte: Jean-Baptiste Debret. Voyage pittoreque et historique au Brésil. Tomo I, prancha 25. Biblioteca Nacional Acervo Digital (edição
em cores)

Pela disposição do armazém e a simplicidade do mobiliário, vê-se que


se trata de um cigano pobre de pequena fortuna, traficante de escravos.
Dois bancos de madeira, uma poltrona velha, uma moringa e o chicote
suspenso perto dele constituem toda a mobília do armazém. Os negros
que aí se encontram pertencem a dois proprietários diferentes. A diferen-
ça de cor de seus lençóis os distingue; são amarelos ou vermelho-escuros.
Não há dúvidas da existência de uma grande semelhança entre as ima-
gens e os relatos de Debret e Rugendas e as imagens de Ender (que não
deixou texto) com os relatos de J. B. von Spix e C. F. P. von Martius, de
Freireyss e outros viajantes. Apesar de diferenças por causa da técnica
empregada, estética e visão pessoal de cada autor, podemos perceber que
há muitas semelhanças entre eles. Rugendas representou os escravos nos
seus melhores corpos tendo maior influência romântica. Por outro lado,
utiliza-se mais de tons de cinza44 e esfumaçados que dão ao escravo uma
postura tranquila e serena que condiz com as cenas bem iluminadas com
tons claros e escuros, dando graça ao movimento, conferindo ritmo aos
corpos que são anteparo às luzes que produzem uma dinâmica variada.45
43
DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e Histórica ao Brasil. São Paulo: Circulo do Livro, 1985. p. 229.
44
NAVES, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre a arte brasileira. Rio de Janeiro: Ática, 1997. p. 110.
45
No alto a direita vê-se a torre da igreja de São Francisco da Prainha (na atual Sacadura Cabral,
Largo da Prainha) (COARACY, Vivaldo. Memórias da Cidade do Rio de Janeiro. 3. ed. Belo Horizonte:
Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1988. p. 360, 376).
Figura 12 – Mercado de escravos, por Johann Moritz Rugendas.
Fonte: Johann Moritz Rugendas, Voyage Pittoresque dans Le Brésil, 4ª divisão, prancha 3. Acervo Digital da Biblioteca Nacional (edição
em p&b)

Sua prancha do Valongo, de grande beleza, contradiz seu relato que


descreve as casas do mercado “verdadeiras cocheiras”. Por outro lado, seu
texto nos dá uma excelente descrição da situação dos negros novos no
Valongo.46

Da alfândega os negros são conduzidos para os mercados, verdadeiras


cocheiras. Aí ficam até encontrar comprador. A maioria dessas cocheiras
de escravos se acha situada no bairro do valongo, perto da praia. Para o
europeu, o espetáculo é chocante e quase insuportável. Durante o dia in-
teiro êsses miseráveis, homens, mulheres, crianças, se mantêm sentados
ou deitados perto das paredes dêsses imensos edifícios e misturados uns
aos outros; e, fazendo bom tempo saem à rua. Seu aspecto tem algo horrí-
vel, principalmente quando não se refizeram da travessia. O cheiro que se
exala dessa multidão de negros é tão forte, tão desagradável, que se faz di-
fícil permanecer na vizinhança quando ainda não se está acostumados. Os
homens e mulheres andam nus, com apenas um pequeno pedaço de pano
grosseiro em volta das ancas. São alimentados com farinha de mandioca,
feijão e carne-sêca. Não lhes faltam frutas refrescantes.47

46
De acordo com Rodrigo Naves, na obra e Viagem Pitoresca através do Brasil, Rugendas litografou
apenas duas pranchas de seu livro, e outros 22 litógrafos participaram da obra, o que lhe confere
inclusive uma grande variação, de estilos e qualidade. Como os desenhos originais do artista não se
encontram a disposição para um cotejo, resta analisar o que temos, levando em conta que, embora
tenha havido infidelidades na passagem dos desenhos para as litografias, Rugendas afinal aprovou
a obra, o que nos revela muito de sua concepção. Mas seus registros não perdem por isso o valor
documental Cf. Newton Carneiro, 1979, p. 33-36 apud NAVES, Rodrigo. A forma difícil: ensaios
sobre a arte brasileira. Rio de Janeiro: Ática, 1997. p. 129.
47
RUGENDAS, Johann M. Viagem pitoresca através do Brasil. São Paulo: Edusp: Martins, 1972. p. 175.
Segundo ele, mesmo assim, os escravos são mais bem tratados nesses
mercados que durante a travessia, por isso raramente se queixam, e são
mesmo vistos de cócoras ao redor do fogo, entoando cantos monótonos e
barulhentos que acompanham com as mãos. Inquietos para conhecer seu
destino, explodem em alegria quando são comprados e acompanham com
prazer os seus novos senhores.48 Essa impressão possivelmente resulta do
fato de que os africanos conheciam a escravidão e de algum modo sabiam,
ou esperavam, que o dia a dia nas mãos de um único senhor fosse mais
fácil que o deslocamento até o momento da venda final.
Visitando o Rio em 1792, Lord Macartney calculava em 5 mil o número
de escravos vendidos anualmente no Valongo, ao preço médio de vinte
libras esterlinas cada.49 Em 1817, o Valongo já contava com 20 grandes lo-
jas comerciais, usadas como depósito ou armazém de escravos. Em 1826,
MacDowall50 calculou existirem no Valongo 50 salas com cerca de dois mil
escravos para a venda. Ao comparamos os relatos desses dois viajantes
com a Tabela 3, percebemos que há uma disparidade entre esses números,
muito embora não existam números para 1817 e 1826, mas se olharmos
para os anos seguintes veremos: em 1818, os fiscais da Décima Urbana
registraram para a região do Valongo, sete lojas com sótão, 89 lojas e 15
sobrados com loja; e em 1827, registraram, 15 sobrados, uma loja com
sótão, 201 lojas e 55 sobrados com lojas. Portanto, ao levarmos em con-
ta as palavras de Mello Morais Filho, afirmando que metade das casa da
região do Valongo era destinada a venda de escravos, então teremos em
1818, um total de 111 imóveis. Nesse caso 55 casas seriam armazéns de
escravos, mais que o dobro do que o declarado pelo viajante 1817. Em
1827, este numero é ainda maior: um total de 272 imóveis portanto se-
riam 136 os possíveis armazéns de venda de escravos. Em 1817, entraram
no porto do Rio de Janeiro 17.670 escravos. Em 1826, esse numero foi
de 35.540.51 Mesmo sabendo da possibilidade de que boa parte desses
escravos pudesse ser vendida imediatamente após a chegada dos navios,
teremos um número muito alto de escravos para que fossem comportados
em tão poucas casas. Sabemos por meio da fala do próprio Marques do
Lavradio, em 1774,52 de que todos os escravos deveriam ser desembarca-
dos no Valongo. Em 1810, essa informação é confirmada pelos próprios
negociantes de escravos:

48
“Essa situação por mais que desagradável que possa ser, parece-lhes realmente suave depois dos so-
frimentos da travessia. Isso explica porque não se mostram os negros infelizes nestes mercados.”
(RUGENDAS, Johann M. Viagem pitoresca através do Brasil. São Paulo: Edusp: Martins, 1972. p. 175).
49
GERSON, Brasil. História das ruas do Rio. 5. ed. Rio de Janeiro: Lacerda, 2000. p. 150.
50
MacDowall apud KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. p. 75.
51
FLORENTINO, Manolo Garcia. Em Costas Negras: uma história do tráfico atlântico de escravos
entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. p.
51, 218.
52
AN/RJ, códice 70, v.7, p. 231.
[...] os representantes são obrigados pela visita da saúde a desembarcarem
as armações inteiras em um armazém da Gamboa a titulo de lazareto para
se pagarem aos proprietários do dito armazém, quatrocentos réis por cada
um por entrarem nele, serem lavados, e vestidos de novo para saírem para
os outros do Valongo, lugar destinado a venda deles [...].53

Outro fato que temos de levar em conta é que em 1826 dá-se inicio ao
período de alta do tráfico, devido a perspectiva de seu fim por causa das
pressões inglesas,54 aumentou o volume de entrada de africanos novos no
porto carioca e com isso aumentou a demanda também de armazéns para
colocá-los a venda, Muito embora os fiscais da Décima Urbana tenham re-
gistrado todos os imóveis como prédio, seu número total quase triplicou
em 1831. Portanto, é possível que estes viajantes estivessem se referin-
do somente a rua do Valongo, pois percebemos isso nos relatos de Maria
Graham, assim como nos de Debret. Quando os vereadores lançaram o
primeiro edital em 1758, citaram a região do Valongo, que compreen­
dia toda a rua da Prainha, mais as encostas do Morro da Conceição e
Livramento – a rua do Valongo tinha sido recentemente aberta foi sendo
também ocupada.55
Com base nos registros da Alfândega e nos relatos dos viajantes po-
demos ter uma visão da faixa etária dos africanos comercializados no
Valongo. Geralmente eram do sexo masculino e de idade entre 10 e 24
anos. Somente os maiores de três anos pagavam imposto na Alfândega,
mas todos eram registrados. Para crianças de colo usava-se o termo “cria
de peito”, crianças maiores que já andavam eram registradas como “cria
de pé”. Segundo Herbert Klein “havia crianças em 28% dos 351 navios
negreiros que atracavam entre 1795 e 1811”,56 informações adicionais so-
bre importações de escravos de Angola comprovavam os dados do autor.
Todos os viajantes que visitaram o mercado no período até 1830 confir-
mam esta afirmação.

53
BN/RJ, seção de manuscritos, II-34,26,19. Representação dos proprietários, consignatários e ar-
madores de resgate de escravos a Sua Alteza Real, reclamando dos altos preços dos alugueis co-
brados pelos proprietários dos armazéns da Gamboa e do Valongo, destinados ao desembarque e
venda de escravos.
54
RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: proposta e experiências no final do trafico de africanos para
o Brasil (1808 – 1850). Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2000. p. 97-119; BETHELL, Leslie. A abolição do
tráfico de escravos no Brasil, 1807-1869. Rio de Janeiro: Expressão Cultural, 1976. p. 69; PIRES, Ana
Flávia Cicchelli. Tráfico ilegal de escravos: os caminhos que levam a Cabinda. Dissertação (Mestrado)–
Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.
55
AHU, Avulsos, Rio de Janeiro, cx. 84, doc 19. Segundo o Marquês do Lavradio o Valongo correspon-
dia à região entre a Pedra da Prainha (Pedra do Sal) até a Gamboa. AN/RJ, códice 70, v.7, p. 231.
Essa região depois passa a ser chamada da Saúde em função da Capela de Nossa Senhora da Saúde,
denominação que prevaleceu após 1870. Nos livros de Décima Urbana os fiscais registraram: Va-
longo Praia, Valongo Morro, Valonguinho e rua do Valongo. AGCRJ. Livros de Décima Urbana as
Freguesias São José, Sé, Santa Rita e parte do Engenho Velho, 1808 a 1831.
56
KLEIN, Herbert S. O comércio Atlântico de Escravos: quatro séculos de comércio esclavagista. Lisboa:
Replicação, 2002. p. 543.
Portanto, observa-se que a maioria dos negros novos comercializados
no Valongo era do sexo masculino, com menos de 20 anos. Entretanto, os
relatos dos viajantes nos permitem perceber que muitos dos cativos em
exposição tinham menos de dez anos, e a maioria não mais de 15. Manolo
Florentino constatou que entre os africanos desembarcados no Valongo
entre 1822 e 1833, havia um enorme desequilíbrio sexual e etário: cerca
de 3,2 homens para cada mulher, proporção que, excluídas as crianças,
chegava 3,4 homens para cada mulher. As crianças, por sua vez, chegaram
a alcançar 20% de toda a escravaria importada, com maior peso entre os
homens,57 como mostra a Tabela 2.

Tabela 2 – Distribuição dos africanos saídos


do Rio de Janeiro, por idade e sexo (1822 – 1833)
Faixa N. de N. de Taxa de Total de
% % %
etária homens mulheres masculinidade escravos
0/4 - - - -
5/9 10 6 62,5 16
10/14 47 17 73,3 64
Infantes 57 19,1 23 24,5 71,3 80 20,4
15/19 69 21 76,7 90
20/24 73 21 77,7 94
25/29 42 15 73,7 57
30/34 30 8 78,9 38
35/39 9 2 81,8 11
40/44 15 3 83,3 18
45/49 3 - 100,0 3
Adultos 241 80,6 70 74,5 77,5 311 79,1
50/54 - - - -
55/59 - - - -
60/64 1 1 50,0 2
65/69 - - - -
+70 - - - -
Idosos 1 0,3 1 1,1 50,0 2 0,5
Total 299 100 94 100 76,1 393 100,0
Fonte: AN/RJ códice 425 apud FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro. São Paulo: Companhia da Letras, 1997. p. 221.

Compradores e vendedores realizavam verdadeiras barganhas no mo-


mento da negociação dos cativos, segundo Henry Chamberlain, aqueles
que queriam comprar um escravo andavam de casa em casa, fazendo um
minucioso exame para evitar os truques utilizados pelos comerciantes
para vender escravos doentes ou com defeito físico. Daí a importância
de ouvir a opinião de um cirurgião de confiança, ou de um barbeiro, que
57
FLORENTINO, Manolo Garcia. Em Costas Negras: uma história do tráfico atlântico de escravos
entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. p.
58-59.
muitas vezes acompanhava o comprador. Os escravos eram manipulados
em todas as partes do corpo, obrigados a mostrar os dentes, estender vio-
lentamente braços e pernas, correr e gritar para mostrar saúde. De acor-
do com Burlamaque mesmo as mulheres, quando iam comprar escravos
tinham o mesmo comportamento e não se importavam de examinar com
as próprias mãos os corpos, não havendo nisso qualquer pudor: “pesso-
as de belo sexo pareciam ignorar as leis da moralidade, examinando os
escravos com os próprios olhos e mãos”.58 Para iludir os compradores os
comerciantes usavam de todos os subterfúgios: uma fruta fechada na mão
para ocultar um defeito físico ou um punhado de açúcar atirado às costas
de uma “boa peça” para atrair moscas e depreciar seu preço para vender
primeiro as peças ruins.59 Freireyss observou ainda que o preço dos afri-
canos recém-chegados era mais ou menos constante:

Pagava-se por um escravo 125 moedas espanholas muitas vezes mais e


raras vezes menos, e o sexo não fazia diferença pode-se estimar que o lucro
do traficante era de 100%, tornando-se muito maiores se não houvessem
doentes coisa que não era raro, muitos navios chegavam com 40% da carga
doente enquanto os outros traziam consigo o gérmem da moléstia sucum-
bem poucos dias após a chegada.60

Segundo Weech, o preço de escravos novos ficava em torno de 180$000


para os homens e 170$000 para as mulheres, mais a sisa, imposto de
transmissão no valor de 5%, pago pelo comprador. Numa tentativa de
quantificar diretamente a rentabilidade dos negócios negreiros, anali-
sando os preços dos africanos na rota Luanda – Rio de Janeiro, Manolo
Florentino constatou que o preço dos pretos novos no Rio de Janeiro era
de 119$000 em 1810 e 152$000 em 1820.61 O autor observa ainda que
entre 1827 e 1830 – período em que com a perspectiva de fim do tráfi-
co, as importações cariocas disparam – o mesmo ocorre em relação aos
preços. Nesse período a cotação dos africanos adultos do sexo masculino
passou de 153$000 réis em 1825-1827 para 365$000 réis em 1830.62
58
Frederico L. C. Burlamarque. Analytica acerca do commercio d’escravos e a cerca dos malles da
escravidão domestica Rio de Janeiro, 1837-39 apud CONRAD, Robert E. Tumbeiros: o tráfico escra-
vista para o Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 61.
59
MORAES FILHO, Mello. Festas e tradições populares do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: F. Briguet & Cia,
1946. p. 402.
60
FREIREYSS, Georg Wilhelm. Viagem ao interior do Brasil 1814-1815. São Paulo: [s.n.], 1906. p.132.
61
FLORENTINO, Manolo Garcia. Em Costas Negras: uma história do tráfico atlântico de escravos
entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. p.
159-160, 172-174.
62
Para saber mais sobre o preço de escravos ELTIS, David; RICHARDSON, David. Os mercados de
africanos recém-chegados às Américas: padrões de preços, 1673-1865. Topoi, Rio de Janeiro, p.
9-46, mar. 2003; MARCONDES, Renato Leite; MOTTA, José Flávio. Duas fontes documentais para
o estudo dos preços dos escravos no Vale do Paraíba Paulista. Revista Brasileira de História, São
Paulo, v. 21, n. 42, p. 4, 2001; SIMONATO, Andréa Jácome et al. Preços dos escravos: a lógica demo-
gráfica da empresa escravista. Rio de Janeiro: Departamento de História, UFRJ, 1990.
Segundo Freireyss, por experiência o traficante procurava vender logo
a carga, havendo o hábito de vender a prazo. O maior ou menor prazo
dependia do traficante e do comprador, o que poderia ser vantajoso para
ambas às partes. O escravo vendido a prazo era mais caro, mas podia ser
vantajoso: não morrendo o escravo de imediato, no trabalho rural, com
três anos já estava pago seu custo e para o restante o escravo se sustenta-
va a si mesmo. Encontramos também uma preocupação com a doutrina-
ção dos escravos do Valongo na religião católica. Um desses professores
de doutrina era Tomás Cachaço,63 que utilizava-se de métodos bastante
violentos para catequizá-los, geralmente em dias de grande bebedeira,
quando distribuía bofetões. Seus métodos causaram diversos problemas.
Karasch revela que esse português ganhava uma miséria em troca de seu
trabalho e apenas ensinava algumas orações ao custo do uso da palmató-
ria. Os registros policiais mostram quantas vezes a policia foi chamada
para livrar o professor da fúria de seus alunos.64
Após a recuperação das enfermidades, os escravos estavam finalmente
prontos para serem mostrados aos compradores e os traficantes tinham
diversas maneiras de expor suas mercadorias. As grandes casas comerciais
de negociantes licenciados para vender africanos novos quando tinham
um lote pronto colocavam anúncio em jornal, avisando os compradores;65
outros os expunham nos armazéns do Valongo a espera de compradores;
havia também aqueles que acorrentavam seus escravos e saiam pelas ruas,
oferecendo-os de porta em porta; outros exibiam-nos em praça pública ou
no mercado ao lado das frutas, verduras e animais.66
Muitos dos que ficavam doentes acabavam morrendo e eram enterra-
dos no Cemitério dos Pretos Novos,67 nas proximidades do Valongo. Até
1722, os africanos e seus descendentes eram enterrados em um pequeno
cemitério no Morro do Castelo, aos fundos do Hospital da Santa Casa da
Misericórdia. Entretanto, o pequeno cemitério já não comportava mais
o número crescente de sepultamentos devido o aumento constante do
tráfico negreiro. Para solucionar esta questão, por ordem do governador
do Rio de Janeiro, Ayres de Saldanha de Albuquerque Coutinho Matos e
Noronha (1719-1725), foi construído no Largo da Igreja de Santa Rita
um cemitério para os pretos novos. A administração do cemitério ficou
63
RODRIGUES, Jaime. Festa na chegada: o tráfico e o mercado de escravos do Rio de Janeiro. In:
SCHWARCZ, Lilia Moritz; REIS, Letícia Vidor de Sousa. Negras imagens: ensaios sobre cultura e
escravidão no Brasil. São Paulo: EdUSP, 1996. p. 101.
64
KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p. 81.
65
GRAHAM, Maria D. Diário de uma viagem ao Brasil e de uma estada nesse país durante os anos de 1821,
1822 e 1823. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1990. p. 167. – Representação de proprie-
tários BN, II-34, 26, 19. Chegada e venda de africanos novos Correio Mercantil, 25 set. 1830.
66
Ibidem, p. 81.
67
Freireyss dá uma informação detalhada sobre o modo como os negros realizavam os sepultamen-
tos no cemitério dos negros novos (FREIREYSS, Georg Wilhelm. Viagem ao interior do Brasil 1814-
1815. São Paulo: [s.n.], 1906. p. 132).
a cargo do pároco da freguesia, encarregado de lavrar os óbitos e de cui-
dar dos sepultamentos. Com a transferência do comércio de escravos para
o Valongo, por ordem do vice-rei Marquês do Lavradio (1769-1779), o
Cemitério dos Pretos Novos também foi transferido para aquela região.
Na época, a região do Valongo era pouco movimentada e o mau cheiro
que saía do cemitério não causava incômodo algum, uma vez que o seu
vizinho era o próprio mercado, de onde vinham os cadáveres. Mas com
o passar dos anos houve um considerável crescimento urbano na região,
pois a própria presença do mercado possibilitou o desenvolvimento de di-
versos estabelecimentos comerciais e residências, criando uma complexa
malha urbana.68
Portanto, com a ocupação populacional da região vieram também as
reclamações dos moradores, incomodados com os odores oriundos do
cemitério que, em 1821, já era muito movimentado. Os cadáveres eram
enterrados em covas rasas, e como o número de corpos era bastante ele-
vado e cada vez mais jogados em valas comuns, o problema dos odores
aumentava para os moradores. Com os frequentes temporais, a situação
se agravava, os corpos vinham à tona no terreno alagado e o mau cheiro
se tornava insuportável. As reclamações dos moradores pediam a transfe-
rência do cemitério, mas mesmo diante delas e da constatação das autori-
dades de tal situação, mercado e cemitério só deixam de existir em 1831,
após a primeira lei antitráfico.

Conclusão

Ao tratarmos o comércio de africanos novos na cidade do Rio de Janeiro


no período de 1758 a 1831, podemos constatar como era incomoda para
as autoridades a presença dos escravos. Foram varias tentativas para li-
vrar a cidade de tal incomodo, alegando que a presença de enormes con-
tingentes negros nas ruas, vindos das regiões da África, era nociva à saúde
da população e, portanto colocava a cidade em grande perigo. A solução
encontrada foi transferir o comércio de escravos do centro da cidade para
a periferia. Assim, ao mesmo tempo, livrava-a desse imenso turbilhão de
negros a perambular pelas ruas contaminando-a e provocando vários dis-
túrbios, evitava também os diversos conflitos entre grandes negociantes,
autoridades e demais agentes envolvidos em tal comércio (atravessado-
res, senhores de engenho, lavradores do recôncavo da cidade).
Essa questão, que após a tentativa de solução não bem-sucedida pela
Câmara assessorada pelos médicos cirurgiões e professores de medicina
68
Cf. Honorato. Valongo: O mercado de escravos. Capítulo 4. Para um estudo detalhado do Cemitério
dos Pretos Novos ver Julio César Medeiros da Silva Pereira. A flor da Terra: O Cemitério dos Pretos
Novos no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado defendida junto ao Programa de Pós-Graduação
em História da UFRJ. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2004. Ver também
HONORATO, Cláudio de Paula. Controle sanitário dos negros novos no Valongo. In: PORTO, Ân-
gela (Org.). Doenças e escravidão: sistema de saúde e práticas terapêuticas. Rio de Janeiro: Casa de
Oswaldo Cruz/Fiocruz, 2007. 1 CDROM.
da cidade, acabou sendo encaminhada ao rei, e este a reencaminhou ao
Tribunal da Relação, atravessando décadas, sem uma solução definitiva.
Foi uma primeira iniciativa de controle dos africanos novos nos espaços
públicos da cidade, assim como também a primeira tentativa de controle
da saúde pública nos espaços da mesma. Em 1774, numa tentativa de por
fim aos conflitos, o vice-rei Marque do Lavradio decretou a transferência
definitiva do comércio de africanos novos para o Valongo.
Tal comércio, associado a uma série de transformações que ocorreram
na cidade, de ordem econômica, política e cultural – como sua elevação a
capital da colônia –, tornariam-na a mais importante cidade do império
português e posteriormente do império do Brasil.
A instalação do mercado de escravos no Valongo foi importante para o
desenvolvimento da região. Surgindo em seu entorno uma complexa ma-
lha urbana, proporcionando a expansão das atividades portuárias, com
edificações, armazéns, produtos agrícolas, indústrias, vários trapiches,
fundições e construções de obras públicas como, por exemplo, a constru-
ção do Cais do Valongo.
Modernidade e escravismo vão estar presentes na cidade do Rio de
Janeiro, e, como numa ironia, irão conviver durante boa parte do século
XIX, gerando uma contradição: numa cidade que buscava o desenvolvi-
mento baseado em ideias capitalistas que começavam a chegar da Europa
não abria mão do trabalho escravo.
Essa questão reafirma o porque de a transferência do mercado para o
Valongo não retirar do espaço urbano a presença do negro como tão de-
sejavam os vereadores. Ao contrário, em algumas freguesias urbanas essa
população chegou a ser maior que a branca, tal situação demonstra como
a cidade necessitava da mão de obra escrava.
Pombeiros e o pequeno comércio
no Rio de Janeiro do século XIX
Juliana Barreto Farias

Em 5 de março de 1845, um anúncio publicado no Diário do Rio de


Janeiro alertava para o desaparecimento do escravo alugado por um mo-
rador da rua da Cadeia, na freguesia de São José. Seu senhor, ou quem so-
licitou seus serviços, não sabia ao certo se ele era de “nação” Moçambique
ou Quilimane. De todo modo, garantia que o africano tinha 30 anos, era
baixo, cheio de corpo, com alguns sinais de bexiga no rosto, dois dedos
aleijados na mão direita e um corte nas orelhas; e estava bem acostumado
a dar escapulidas pela cidade e seus arredores. Já fora visto na praia da
Saúde e no Valongo, “feito pombeiro, no traje de pretos-minas”. Do outro
lado da baía da Guanabara, andava como mascate pela Engenhoca, em
São Gonçalo, “com boas roupas e calçado”. Ou mesmo “vestido à forma de
marinheiro de embarcações de guerra”. Ainda podia ser encontrado pelas
bandas do Recôncavo, no Porto das Caixas ou em Iguassú.1
Como tantos cativos que percorriam as ruas do Rio carregando ou
vendendo mercadorias, este africano, chamado de Manuel e também de
Joaquim, tentava ganhar uns “trocados” extras para seus negócios e sua
própria sobrevivência. E não media esforços para se ocultar dos olhares
senhoriais e das autoridades: dizia-se forro; mudava de nome e de roupa a
cada fuga; procurava proteção e ocupação junto a outros senhores e luga-
res.2 Quase sempre estava envolvido com o pequeno comércio, ora empre-
gando-se como mascate ou vendeiro, ora como pombeiro. À primeira vista,
esses termos pareciam indicar uma mesma atividade exercida em ruas,
mercados e praias. Só que um exame mais atento de diversos registros
1
Diário do Rio de Janeiro, 5 de março de 1845; 27 de agosto de 1845.
2
Sobre fugas de escravos na cidade do Rio de Janeiro, ver: GOMES, Flávio S. Jogando a rede, reven-
do as malhas: fugas e fugitivos no Brasil escravista. Tempo, Rio de Janeiro, v. 1, abr. 1996; GOMES,
Flávio S.; SOARES, Carlos E. L. Em busca de um ‘risonho futuro’: seduções, identidades e comu-
nidades em fuga no Rio de Janeiro escravista (século XIX). Locus, Juiz de Fora, v. 7, n. 13, p. 9-21,
2001; FARIAS, Juliana Barreto; GOMES Flávio S.; SOARES Carlos E. L. Identidades fugidias numa
cidade labirinto, 1810-1830. In: . No labirinto das nações: africanos e identidades no
Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005.
oitocentistas revela diferentes estratégias, nuances e divisões entre as ca-
tegorias. Vejamos mais de perto o caso dos pombeiros.
Ainda tão desconhecidos no Rio de Janeiro, esses vendedores ambu-
lantes circulavam diariamente pela capital carioca e por regiões próximas,
oferecendo produtos – sobretudo peixe fresco – em samburás (cestos de
palha), tabuleiros e tábuas.3 Impedidos de estacionar em alguns pontos
comerciais da cidade, como o grande Mercado da Candelária, corriam pe-
los logradouros das freguesias urbanas e rurais. Como o escravo Joaquim
Moçambique, que parecia “muito pernóstico” e costumava andar pelas
praias da cidade e estradas da roça “feito pombeiro”. Ou Carlos, de “nação
Mina Sauté”, que comprava peixe em Jacarepaguá, na Tijuca e na Lagoa e
ia vender na cidade Nova. Já o mina José preferia realizar o ofício na Praia
do Peixe, vestindo “calça branca, camisa de morim e rosário ao pescoço”.4
Mas não eram somente os escravos que se ocupavam do “negócio de
pombear”. Desde as primeiras décadas do século XIX, libertos africanos e
crioulos, imigrantes portugueses, italianos e até mesmo chineses também
se dedicavam à atividade. Nos anos 1820 e 1830, por exemplo, pelo me-
nos 16 portugueses indicaram, em seus registros de entrada no Brasil, o
ofício de pombeiro como ocupação principal.5 Mas esses homens livres es-
tavam unidos – ou separados – dos cativos nas ruas do Rio? Que relações
estabeleciam com outros trabalhadores também dedicados ao pequeno
comércio? E com as autoridades municipais? Será que tradições africanas
ainda marcavam de alguma forma a categoria?

3
Nas obras historiográficas dedicadas à escravidão no Rio de Janeiro oitocentista, os pombeiros são
citados apenas pontualmente. Há referências em documentos nos trabalhos de SOARES, Carlos
Eugênio Líbano. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808-1850). Cam-
pinas, SP: Ed. Unicamp, 2002; FARIAS, Juliana Barreto et al. Cidades negras: africanos, crioulos e
espaços urbanos no Brasil escravista do século XIX. 2. ed. São Paulo: Alameda, 2008. p. 45. Para
outras cidades brasileiras, há citações para Recife no trabalho de SILVA, Luiz Geraldo. A faina,
a festa e o rito: uma etnografia histórica sobre as gentes do mar (sécs. XVII ao XIX). São Paulo:
Papirus, 2001. p. 91. Já na região sul, as análises são mais acuradas. Para a capital gaúcha no sécu-
lo XIX, temos o artigo recente de ALADRÉN, Gabriel, Ratoneiros, formigueiros e atravessadores:
trabalho e experiências sociais de libertos em Porto Alegre nas primeiras décadas do século XIX.
In: MATTOS, Marcelo Badaró (Org.). Faces do trabalho: escravizados e livres. Niterói: EdUFF, 2010.
No prelo. E para Santa Catarina, os trabalhos de: CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco. Negros em
desterro: experiências de populações de origem africana em Florianópolis, 1860/1888. Tese (Dou-
torado)– Programa de Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2004; SILVA, Haroldo Sillis Mendes da. Carroceiros, quitandeiras, marinheiros, pombeiros
e outras agências: trabalho e sobrevivência de africanos e afrodescendentes em Desterro na década
da abolição. Monografia de bacharelado defendida junto ao Departamento de História da UESC,
Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2001; SANTIAGO, Carina dos Santos.
Um lugar chamado Figueira: experiências de africanos e afrodescendentes nas duas últimas décadas
do século XIX. Monografia de bacharelado apresentada ao Departamento de História, Universida-
de do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.
4
Esses três escravos foram descritos como pombeiros nos anúncios de fuga publicados por seus se-
nhores. Cf. Diário do Rio de Janeiro, outubro, 1830; 6 de julho de 1835 e 12 de fevereiro de 1845.
5
Arquivo Nacional, Códices “Polícia da Corte” (1808-1842), acessados em Movimentação de portu-
gueses no Brasil (1808-1842), disponível em: <http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/
sys/start.htm>; acesso em: 12 maio 2010.
Investigar essas questões é justamente um dos objetivos deste artigo.
Embora esses mercadores ambulantes ainda continuem praticamente au-
sentes dos estudos históricos sobre o Rio de Janeiro oitocentista, diver-
sos documentos, entre os quais licenças para comércio de peixe, abaixo-
-assinados, requerimentos e relatórios de fiscais apresentados à Câmara
Municipal, revelam diferentes faces de seu trabalho, suas trajetórias e
conflitos. Assim, pretendo tanto avaliar a composição étnica, as formas
de identificação e organização desses trabalhadores na corte imperial,
como examinar as disputas em que estiveram envolvidos desde pelo me-
nos o século XVIII.

Entre África e Brasil

Buscando a genealogia da palavra pombeiro, encontramos os termos


quimbundos pumbelu e mpumbu, designando os pontos de confluência
de rotas comerciais, onde se montavam grandes mercados de escravos e
produtos trazidos do interior das regiões centrais do continente africano.
Conforme destaca Willy Bal, pombeiro era o nome atribuído aos mercado-
res ambulantes de Portugal e também a seus emissários (cativos ou liber-
tos), que frequentavam as feiras e mercados dos Mpumbu.6
Também há indicações de que a expressão Pombo poderia ter dado
origem ao vocábulo. De acordo com o físico holandês Olfert Dapper, em
sua Descrição dos países africanos (1688), alguns negros e portugueses mo-
radores de Loango, Congo e Luanda costumavam educar seus escravos
nas artes do comércio e enviá-los aos mercados que ficavam em Pombo.
Pelos seus cálculos, essa região estava localizada a mais de cem milhas
em direção ao interior, “a partir da costa ou da cidade dos Abissínios”.
Talvez também fosse constituída “de vários reinos e países”, nas proxi-
midades “de um certo grande lago”. De uma forma ou de outra, segundo
Dapper, os escravos que iam negociar ali acabavam conhecidos como pom-
beiros.7 Mais tarde, Raphael Bluteau, em seu Vocabulário portuguez e latino
(1712-1728), continuaria seguindo as pistas do holandês e concluiria que
a província africana de Pombo ficava a “cento & sessenta legoas da cidade
de Lovango [Loango]”. E seus moradores, “negros da Costa de Cafraria”,

6
BAL, Willy, Portugais pombeiro ‘Comerçant Ambulant do ‘Sertão’. Afro-Romantica Studia, [S.l.], v.
1, p. 82-84, 1979; MILLER, Joseph C. Way of death: merchant capitalism and the Angolan Slave
Trade, 1730-1830. Madison: The University of Wisconsin Press, 1988. p. 189-190. Citados em: ZE-
RON, Carlos Alberto. Pombeiros e tangosmaos, intermediários do tráfico de escravos na África. In:
COLLOQUE PASSEURS CULTURELS – MEDIADORES CULTURAIS, LAGOS (PORTUGAL), 1997,
Lisboa. Actes... Lisboa: Fundação Callouste Gulbenkian, 1998. p. 16.
7
Olfert Dapper, Naukeurige des Afrkaensche Gewesten, Amsterdam, 1668, p. 593 apud ZERON, Car-
los Alberto. Pombeiros e tangosmaos, intermediários do tráfico de escravos na África. In: COLLO-
QUE PASSEURS CULTURELS – MEDIADORES CULTURAIS, LAGOS (PORTUGAL), 1997, Lisboa.
Actes... Lisboa: Fundação Callouste Gulbenkian, 1998. p. 21.
diziam que os portugueses chamavam de pombeiros os “escravos crioulos”
que partiam dali para comprar e catequizar negros.8
Seja como for, desde o século XVI a expressão nomeava agenciadores ne-
gros, mestiços e brancos que percorriam o interior da África, comprando es-
cravos e mercadorias de chefes locais. De Benguela ou Luanda, eles partiam
para as regiões ao norte de Angola e do Congo, acompanhados de carregadores
de tecidos e bebidas – produtos que usavam nas trocas. Quando retornavam
ao litoral, traziam na bagagem cativos, marfim, cera, goma, copal, urzela, gado
e mantimentos. Dali, boa parte dos carregamentos seguia para as Américas.9
Segundo Dapper, alguns chegavam a ter sob seu comando mais de cem es-
cravos transportando os produtos sobre suas cabeças. Às vezes, as viagens le-
vavam até dois anos. E os pombeiros mais fiéis nem retornavam: do interior,
continuavam mandando homens e mulheres escravizados para seus donos,
enquanto estes lhes remetiam novas mercadorias.10
Como destaca Jaime Rodrigues, as relações entre esses mercadores e os
comerciantes da costa dependiam de muita confiança. Nada garantia que,
uma vez abastecido, o pombeiro regressasse com as encomendas. Num ofício
de 1632, por exemplo, Fernão de Sousa, governador de Angola, comunicou a
El-Rei de Portugal que alguns escravos “resgatadores ou compradores” ficavam
com a fazenda de seus senhores, “movidos com o interesse da liberdade e cobi-
ça das fazendas, [...], e a tudo se atrevem por se verem tão ausentes de seus se-
nhores; e nisto recebem muito grandes perdas para os homens de negócio”.11
8
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de
Jesus, 1712-1728. v. 6, p. 588-590. Disponível em: <http://www.brasiliana.usp.br/dicionario/edi-
cao/1>. Acesso em: 12 maio 2010, Jaime Rodrigues assinala que as indicações de outros estudiosos
vão no mesmo sentido. Em 1799, o “copiador de Angola” anotou que pombeiro era um “vocábulo
derivado de Pumbo ou Pombo, antiga feira de escravos do Congo”. Cf. ALMEIDA, Pedro Ramos
de. Portugal e a escravatura na África: cronologia (sécs. XVI-XX). Lisboa: Imprensa Universitária:
Estampa, 1978. p. 67. Já Afonso d’E. Taunay afirmava que a expressão procede de “Pombo ou
Mpumbu, onde viviam as Bavumbus em Quicongo”. (TAUNAY, Afonso d’E. Subsídios para a história
do tráfico africano no Brasil. São Paulo: IMESP, 1941. p. 111). Citados em: RODRIGUES, Jaime. De
costa a costa: escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janei-
ro (1780-1860). São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 337.
9
RODRIGUES, Jaime. De costa a costa: escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negrei-
ro de Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860). São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 98-99.
Ver também os trabalhos de Beatrix Heintze, como por exemplo Pioneiros africanos: caravanas
de carregadores na África Centro-Ocidental (entre 1850 e 1890). Lisboa: Caminho; Luanda: Nzi-
la, 2004 HEINTZE, Beatrix. Long distance caravans and communication beyond the Kwango
(c. 1850-1890). In: HEINTZE, Beatrix; OPPEN, Achim von (Ed.). Angola on the move: transport
routes,communications = Angola em movimento: vias de transporte, comunicação e história. Frank-
furt am Main: Lembeck, 2008. Neste mesmo volume, ver também o artigo de CANDIDO, Mariana
P. Trade, slavery and migration in the interior of Benguela: The case of Caconda, 1830-1870. In:
HEINTZE, Beatrix; OPPEN, Achim von (Ed.). Angola on the move: transport routes,communications
= Angola em movimento: vias de transporte, comunicação e história. Frankfurt: Lembeck, 2008.
10
Dapper, citado em ZERON, Carlos Alberto. Pombeiros e tangosmaos, intermediários do tráfico de
escravos na África. In: COLLOQUE PASSEURS CULTURELS – MEDIADORES CULTURAIS, LAGOS
(PORTUGAL), 1997, Lisboa. Actes... Lisboa: Fundação Callouste Gulbenkian, 1998. p. 21.
11
“Relação de Fernão de Souza a El-Rei”, 23/12/1632, MMA, VIII, p. 243 apud ZERON, Carlos Alber-
to. Pombeiros e tangosmaos, intermediários do tráfico de escravos na África. In: COLLOQUE PAS-
SEURS CULTURELS – MEDIADORES CULTURAIS, LAGOS (PORTUGAL), 1997, Lisboa. Actes...
Lisboa: Fundação Callouste Gulbenkian, 1998. p. 29.
Além do mais, suas caravanas corriam riscos em meio às condições físicas ad-
versas e os combates que assolavam as áreas atravessadas.12
Por isso mesmo, esses agenciadores se destacavam por certas qualidades,
como astúcia, sutileza e habilidade retórica. Ainda que quase sempre fossem
marginalizados pela sociedade portuguesa, o conhecimento que detinham
sobre o “sertão” africano, seus povos e costumes, rotas e caminhos os torna-
va poderosos. Percorrendo lugares muitas vezes interditados aos funcioná-
rios da Coroa, criavam hábitos de comércio regular. E ainda permitiam que
as conquistas estabelecidas no litoral sobrevivessem como pontos de trocas
comerciais abastecidos pelo interior através de suas ações. Se, por qualquer
motivo, as caravanas de pumbagem escasseavam e os produtos trocados desa-
pareciam, os povos interioranos achavam meios alternativos para comerciar e
continuar exportando cativos. Assim, mesmo que constantemente estivesse
no centro dos problemas, o pombeiro tornava-se fundamental para a domina-
ção portuguesa exercida sobre Angola.13
Só que suas estratégicas de negociação e movimentação tanto produziam
tensões constantes entre portugueses e africanos do interior, como acirravam
conflitos entre administradores da metrópole e colonos brancos e mestiços
ligados ao tráfico negreiro. Sabendo da importância que tinham nesse circuito,
os pombeiros luso-africanos acabavam ascendendo a postos militares e admi-
nistrativos a partir da Câmara Municipal de Luanda e angariavam um con-
junto de benefícios que os tornava prioritários no comércio negreiro. Mesmo
aqueles que não alcançavam tais posições negociavam vantagens com os ocu-
pantes dos cargos, formando uma espécie de “‘aristocracia’ negra e mestiça
que vivia nas regiões dominadas pelos portugueses e que enriquecera atra-
vés do envolvimento no tráfico e de exploração do trabalho escravo em
terras de sua propriedade”.14
E nem mesmo a perspectiva de extinção do comércio transatlântico de
escravos ou do tráfico ilegal diminuiu a atividade desses agenciadores. Em
12
RODRIGUES, Jaime. De costa a costa: escravos e tripulantes no tráfico negreiro (Angola – Rio de
Janeiro, 1780-1860). Tese (Doutorado)–Programa de Pós-Graduação em História, Universida-
de de Campinas, Campinas, SP, 2000. p. 99; Dapper apud ZERON, Carlos Alberto. Pombeiros e
tangosmaos, intermediários do tráfico de escravos na África. In: COLLOQUE PASSEURS CULTU-
RELS – MEDIADORES CULTURAIS, LAGOS (PORTUGAL), 1997, Lisboa. Actes... Lisboa: Fundação
Callouste Gulbenkian, 1998. p. 21.
13
RODRIGUES, Jaime. De costa a costa: escravos e tripulantes no tráfico negreiro (Angola – Rio de
Janeiro, 1780-1860). Tese (Doutorado)–Programa de Pós-Graduação em História, Universidade de
Campinas, Campinas, SP, 2000. p. 103.
14
Ibidem, p. 101. Segundo a historiadora Jill Dias, “estes indivíduos constituíam a elite de uma mi-
noria de agricultores-comerciantes, negociantes e artesãos que haviam emergido em resposta ao
crescimento de Luanda como centro administrativo do tráfico de escravos”, concentrando-se nas
proximidades dos rios Bengo e Dande e “nas comunidades comerciais luso-mbundo das regiões do
baixo Kwanza e Lukala, onde a maioria possuía terras independentes da autoridade dos sobas e
dos anciãos das linhagens” e ampliaram sua influência especialmente a partir da década de 1830
(DIAS, Jill. Mudanças no padrão de poder no ‘hinterland’ de Luanda: o impacto da colonização so-
bre os mbundu (c.1845-1940). Penélope, [S.l.], v. 14, p. 43-91, dez. 1994). Cf. RODRIGUES, Jaime.
De costa a costa: escravos e tripulantes no tráfico negreiro (Angola – Rio de Janeiro, 1780-1860).
Tese (Doutorado)–Programa de Pós-Graduação em História, Universidade de Campinas, Campi-
nas, SP, 2000. p. 338, nota 19.
meados do século XVIII, algumas medidas tomadas pelo governo de Angola
– seguindo diretrizes pombalinas para o controle do comércio na região – ten-
taram coibir sua atuação. Contudo, como é possível perceber em memórias
e fontes oficiais de períodos posteriores, eles ainda continuaram com suas
negociações nas primeiras décadas do Oitocentos.15 Além disso, conforme
destaca Willy Bal, a palavra pombeiro não ficou circunscrita à sua área de ori-
gem, generalizando-se pela África portuguesa e chegando até o Brasil, “onde
o comércio se praticava em condições análogas”. Só que aqui ganhou novos
contornos.
No Rio de Janeiro, localizei referências à presença de pombeiros já no sé-
culo XVIII, em relatos de cronistas, ofícios e relatórios do Senado da Câmara.
Em 1780, por exemplo, vendeiros de peixe estabelecidos com bancas próprias
nas marinhas da cidade enviaram uma petição à Câmara, solicitando mudan-
ças no pagamento do foro para ocupação daquele terreno. Ao final da súpli-
ca, pediam que novas licenças fossem concedidas “somente para venderem o
peixe ao povo nas bancas destinadas sem que se admitam atravessadores, e
pombeiros, ficando sujeitos à condenação da Postura”.16 Antes disso, porém,
os senadores já haviam tomado providências para defender o público desses
“atravessadores gananciosos”.
Segundo o cronista Vivaldo Coaracy, em Memórias da Cidade do Rio de
Janeiro, eles pediram a Gomes Freire a necessária licença – já que as terras
eram da Coroa – para construir uma casa para o almotacé se encarregar de
fiscalizar a venda do pescado na Praia do Peixe. Na época, a praia – que no
século XIX abrigaria a Praça do Mercado da cidade – compreendia toda a face
do terreiro do Carmo (depois chamado de Largo do Paço) voltada para o mar.
E, de acordo com Coaracy, estava tomada por bancas de peixe, onde comercia-
vam os pombeiros, “intermediários que se atravessavam entre os pescadores
e o consumidor, como sempre acontece no comércio de todos os tempos”.17
Embora lacunares, esses primeiros registros indicam que, no Rio de Janeiro
setecentista, os pombeiros dedicavam-se especialmente ao comércio de peixe
e, quase sempre, atuavam como atravessadores. No século XIX, outras ima-
gens iriam se juntar a essas. Antonio Moraes da Silva, em seu Dicionário da
língua portuguesa (1813), apontava que o pombeiro era tanto o escravo que
seguia pelos sertões do Brasil, fazendo “comércio por autoridade, em pro-
veito do senhor, e talvez ainda comprando escravos”, como também aquele
que vendia peixe nas ribeiras e partia os lucros com o senhor.18 Na década
de 1830, Luiz Maria da Silva Pinto também registraria, no seu Dicionário da
15
RODRIGUES, ibidem, p. 100.
16
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (doravante AGCRJ), Códice 61-3-12: Auto dos vendeiros
de peixe da banca desta cidade, 1780.
17
COARACY, Vivaldo. Memórias da Cidade do Rio de Janeiro. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:
Edusp, 1988. p. 59.
18
SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da lingua portugueza: recompilado dos vocabularios impressos
ate agora, e nesta segunda edição novamente emendado e muito acrescentado. Lisboa: Typogra-
phia Lacerdina, 1813. v.2, p. 466. Disponível em: <http://www.brasiliana.usp.br/dicionario/2/
pombeiro>. Acesso em: 12 maio 2010.
Língua Brasileira, que esses cativos ou iam negociar nos sertões, “em proveito
de seu senhor”, ou ofereciam peixe e dividiam os ganhos com seu dono. Só
não mencionou as possíveis relações – aludidas por Moraes – com o comércio
de escravos.19 Talvez porque, nesse período, a prática já não contasse entre as
suas atribuições.
Ainda assim, um ofício do chefe de polícia da Corte, citado por Carlos
Eugênio Líbano Soares em seu estudo sobre capoeira e outras tradições
rebeldes na cidade, parece indicar que, em 1845, os pombeiros continua-
vam ligados a esses pequenos negócios com cativos, ou pelo menos com
sua sedução. Ao tratar da fuga de escravos no Rio, Eusébio de Queirós di-
zia que os responsáveis por tal prática eram os negros forros, “principal-
mente minas, que com um insignificante negócio que chamam ‘pombear’
ou casa de vender angu atraem aí os pretos e os seduzem, prometendo-
-lhes risonho futuro. Agenciadas pois as peças, são elas entregues aos
condutores que as levam, voltando os sedutores para novas tarefas. [...]
há cativos também coniventes e cúmplices, sobre os quais tenho dado
providências”.20
Aqui, o chefe de polícia estabelece uma associação entre pombear e
manter casas de vender angu. Mesmo sem atentar para as especificidades
do primeiro “negócio”, acaba fornecendo pistas importantes para as ativi-
dades dos pombeiros. Durante a década de 1840, conforme assinala Líbano
Soares, as “casas de vender angu” – espécies de moradias coletivas onde
homens e mulheres se reuniam em busca de proteção, amizade, festas ou
religiosidades – foram acusadas de serem pontos obrigatórios das “sedu-
ções”, fugas agenciadas por cativos ou libertos para remeter escravos da
cidade para o campo, ou vice-versa.21 Certamente, com o conhecimento
que tinham dos “sertões cariocas”, os pombeiros podiam estar à frente
dessas redes, ajudando escravos a trocarem de senhor, ou mesmo agindo
como intermediários para outros proprietários urbanos que não tinham
renda para ingressar no cobiçado mercado de “africanos novos”. E nada
mais corriqueiro que escondessem os homens e mulheres “seduzidos” nos
locais em que frequentemente se encontravam com outros escravos, li-
bertos, africanos e crioulos.
Em Porto Alegre, também parecia ocorrer situação semelhante. Ao
analisar experiências de libertos nas primeiras décadas do Oitocentos,
Gabriel Aladrén destaca trajetórias de africanos que se ocupavam como
pombeiros e quitandeiros na Rua da Praia, principal ponto de comércio

19
PINTO, Luiz Maria da Silva. Diccionario da Lingua Brasileira. Na Typographia de Silva, 1832. Dispo-
nível em: <http://www.brasiliana.usp.br/dicionario/3/pombeiro>. Acesso em: 12 maio 2010.
20
Arquivo Nacional, doravante AN, Ij6-204, maio-dez., 1845, Ofício do chefe de polícia ao Ministro
da Justiça, 12/6/1845 apud SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A capoeira escrava e outras tradições
rebeldes no Rio de Janeiro (1808-1850). Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2002. p. 384.
21
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro
(1808-1850). Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2002. Ver também do mesmo autor: Zungu: rumor de
muitas vozes. Rio de Janeiro: Arquivo do Estado do Rio de Janeiro, 1998.
da capital gaúcha nessa época. Navegando em pequenas canoas pelos
rios e lagos que circundavam a cidade, eles compravam e vendiam gêne-
ros alimentícios e outros produtos, por sua própria iniciativa, a serviço
de terceiros ou “alugados”. Neste grupo, estava o preto Angola Antonio
Angria, vulgo “Guerrilha”, que foi acusado de ser “ladrão ratoneiro” em
março de 1826. Durante o processo criminal aberto contra ele, Angria
disse que costumava trabalhar alugado e, quando ninguém o chamava,
“andava pelas ruas vendo algum carreto e de noite se recolhia em uma
casa na quitanda aonde existem outros pretos pombeiros de frente da qui-
tanda, forros e cativos”. Embora insistisse que não tinha residência certa,
Joaquim Ferreira Alfama revelou que, “tendo um quartinho alugado ao pé
do Couto”, o africano “dava asilo às escravas cativas donde ele testemunha
tirou uma de Luis Caetano morador no distrito da Capela há dois meses
para mais [...]”.22
Para Aladrén, esse depoimento sugere que Antonio Angria integrava
uma rede comercial de venda de escravos. Provavelmente alguns proprie-
tários de regiões próximas a Porto Alegre deixavam seus cativos com o
preto forro, morador no centro da cidade, para serem oferecidos e vendi-
dos. Isso colocava Angria – assim como outros pombeiros – numa posição
ambígua: ao mesmo tempo em que participavam como intermediários
na venda de homens e mulheres escravizados, também eram acusados de
acoitar escravos fugidos.23 O que os aproximava dos pombeiros do Rio de
Janeiro, que “seduziam” escravos e os levavam para as “casas de angu”.
Contudo, enquanto na capital gaúcha esses mercadores negociavam gêne-
ros diversos (como lenha, por exemplo) e não se diferenciavam dos qui-
tandeiros – segundo Aladrén, ali os dois termos eram intercambiáveis –,
na corte, iam cada vez mais se especializando no comércio de peixe.
Na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, diversos requerimentos,
abaixo-assinados, petições e relatórios de fiscais e de outros trabalhado-
res do pequeno comércio apresentavam detalhes sobre as atividades dos
pombeiros e, sobretudo, sobre os conflitos em que estiveram envolvidos
ao longo do século XIX. Em alguns registros, há referências à negociação
com outros gêneros em pontos específicos da cidade. É o caso da solici-
tação do preto mina Benedicto, escravo de José Gonçalves da Silva, que
“há bastantes anos vende como pombeiro na Praia dos Mineiros”, e por
isso implorava para continuar com sua barraca oferecendo frutas e gali-
nhas.24 Pelas bandas da Praia de D. Manoel, desde princípios da década de
1830 o fiscal da freguesia de São José vinha tentando remover algumas
bancas que serviam de “couto de vadios e perversos”. Para ele, “nenhum

22
ALADRÉN, Gabriel. Ratoneiros, formigueiros e atravessadores: trabalho e experiências sociais
de libertos em Porto Alegre nas primeiras décadas do século XIX. In: MATTOS, Marcelo Badaró
(Org.). Faces do trabalho: escravizados e livres. Niterói: EdUFF, 2010. No prelo.
23
Ibidem..
24
AGCRJ, códice 61-3-15: Comércio de peixe (1840-1848), p. 47.
pombeiro” devia negociar lenha nas praias, “quem quisesse vende-la tives-
se casa para isso”.25
Não obstante essas indicações, a maior parte dos registros enviados à
municipalidade do Rio – e mesmo documentos de outra natureza, como
anúncios de fuga de escravos e relatos de cronistas – associavam a catego-
ria aos negócios com pescado. Em 1839, o fiscal da freguesia da Glória fa-
lava da “absoluta necessidade” de uma banca de peixe na Lagoa, no lugar
chamado Piaçaba, para que os moradores dali se livrassem “dos abominá-
veis atravessadores e pombeiros”, que “astuciosamente praticam continu-
adas tiranias contra os pescadores, mormente os pobres, que os trazem
em uma verdadeira escravidão”.26 Na Praia do Peixe – mais tarde, Praça
do Mercado e Praça das Marinhas – eles não podiam estacionar em qual-
quer local e por isso tantas vezes acabavam criando estratégias para enga-
nar fiscais e outras autoridades. Uma das saídas era, em associação com
pescadores, tirar licenças para pesca na Capitania do Porto mesmo sem
estarem efetivamente habilitados para o ofício. Em outros casos, muitos
arrendatários das bancas do interior do mercado compravam o produto
diretamente dos pescadores, vendiam em leilão aos pombeiros que, por
sua vez, os revendiam ao público.27 Como veremos mais adiante, esses
ardis acabavam provocando muitos conflitos e reclamações.
De qualquer maneira, ainda que os registros oitocentistas nem sempre
sejam coincidentes, é possível traçar uma pequena caracterização desses
trabalhadores. Na capital carioca, eles até comercializavam aves, frutas,
verduras ou lenhas, mas pareciam preferir o pescado. Em alguns pontos
da cidade, podiam armar barracas ou colocar seus cestos e tabuleiros. Só
que costumavam perambular por praças, ruas e vielas das áreas urbanas
e rurais, chegando mesmo a lugares bem distantes, como as freguesias do
Recôncavo ou do município de Niterói. Nessas andanças, também podiam
“seduzir” escravos para a liberdade ou para as vendas. Talvez o papel de
intermediários e revendedores – em geral traduzido como atravessado-
res – nessas pequenas negociações e a notória mobilidade espacial fossem
as principais marcas dos pombeiros no Rio. O que, de alguma forma, os
aproximava de seus velhos homônimos da África central e também de ou-
tras partes do Brasil.
Em Santa Catarina, na mesma época, os pombeiros percorriam os can-
tos dos mais distantes arrabaldes da velha Desterro (hoje, Florianópolis),
abastecendo com mantimentos necessários aqueles que não se desloca-
vam até a Praça do Mercado ou que, eventualmente, ficavam sem qual-
quer mercadoria. Na legislação baixada pela Câmara Municipal em 1850,
eles foram descritos como “pessoas que compram (ainda mesmo com
comissão) para vender, sejam quais forem os gêneros alimentares ou
25
AGCRJ, códice 58-3-33: Barracas na praia de D. Manoel e do Peixe (1829-1832), p. 25.
26
AGCRJ, códice 61-3-14: Comércio de peixe (1832-1839), p. 21.
27
AGCRJ, códices 61-3-16; 61-3-17; 61-3-18: Mercado da Candelária.
comestíveis, nacionais ou estrangeiros por lugares públicos, como sejam
ruas, praças, estradas, marinhas, e bordo de navios em portos de mar ou
rios, sem que por esse comércio pague algum outro imposto [...]”.28 Tanto
no Rio, como em Porto Alegre, Desterro ou Recife, encontramos escravos
e libertos envolvidos nesses “negócios de pombear” ao longo do século XIX.
Entre as imagens que restaram do antigo mercado da cidade do Rio
de Janeiro, temos uma foto de Marc Ferrez (1843-1923) que mostra a
rampa da Praça das Marinhas, local em que – apesar das proibições – os
pombeiros costumavam se instalar. Existe ainda uma série composta pelo
fotógrafo espanhol Juan Gutierrez (1859-1897), onde aparecem as ban-
cas e os negócios ali realizados em meio à balburdia do velho mercado da
Candelária.

Figura 13 – Fotos do cais e da parte externa do Mercado


da Candelária, por Juan Gutierrez
Fonte: CD-ROM “A Coleção fotográfica de Juan Gutierrez”
Original: Museu Histórico Nacional (originais em p&b)

28
CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco. Negros em desterro: experiências de populações de origem
africana em Florianópolis, 1860/1888. Tese (Doutorado)– Programa de Pós-Graduação em His-
tória, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004. p. 82. Cf. SILVA, Haroldo
Sillis Mendes da. Carroceiros, quitandeiras, marinheiros, pombeiros e outras agências: trabalho e so-
brevivência de africanos e afrodescendentes em Desterro na década da abolição. Monografia de
bacharelado defendida junto ao Departamento de História da UESC, Universidade do Estado de
Santa Catarina, Florianópolis, 2001.
Figura 14 – Fotos do cais e da parte externa do Mercado da Candelária, por Juan Gutierrez
Fonte: CD-ROM “A Coleção fotográfica de Juan Gutierrez”
Original: Museu Histórico Nacional (originais em p&b)

Figura 15 – Fotos do cais e da parte externa do Mercado da Candelária, por Juan Gutierrez
Fonte: CD-ROM “A Coleção fotográfica de Juan Gutierrez”
Original: Museu Histórico Nacional (originais em p&b)

Em todas as fotos é evidente a presença de vendedores e compradores


negros. Até agora, não localizei licenças específicas para esses mercado-
res na capital carioca. Porém, entre os códices sobre o pequeno comér-
cio guardados no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro,29 há pedi-
dos de autorização para venda de peixe pelas ruas da cidade – alguns,
29
As licenças para venda de peixe pelas ruas da cidade encontram-se espalhadas pelos 18 códices
sobre “comércio de peixe”, que cobrem o período de 1823 a 1896, e estão conservados no Arquivo
Geral da Cidade do Rio de Janeiro.
literalmente, associam os pombeiros à negociação do pescado – que podem
ajudar a dimensionar a procedência desse grupo de trabalhadores. De um
conjunto de 101 licenças compiladas para o período de 1830 a 1885, ape-
nas 11 são de escravos. O restante inclui indivíduos libertos, livres ou não
apresentam qualquer informação nesse sentido. Quanto a procedência ou
origem desses vendedores, 43 registros indicam a nacionalidade ou “na-
ção”. Assim, temos 19 africanos (nove minas; três cabindas; dois congos;
dois benguelas; um moçambique; um songo e um angola); oito brasileiros;
oito portugueses e oito chineses. Há ainda dois comerciantes identifica-
dos: um como pardo e outro como crioulo.
Mesmo representando apenas uma pequena parcela da categoria, es-
ses registros permitem observar a diversidade étnica desses vendedores
ambulantes na corte imperial, desde pelo menos meados do Oitocentos.
Em 2 fevereiro de 1856, o português Manuel Pereira pedia uma autori-
zação para continuar vendendo peixe pelas ruas do município. Dois dias
depois, seu conterrâneo, José Henrique de Castro Gomes, solicitava o
mesmo para seu escravo João, de “nação” cabinda. Em março de 1866,
seis chineses, moradores das ruas do Príncipe e da Princesa (alguns no
mesmo prédio), na freguesia de Santa Rita, também garantiram suas au-
torizações.30 Esses pequenos negociantes até podiam ter origens, condi-
ções sociais e interesses distintos. Mas nem por isso deixavam de se unir
contra empresários e autoridades municipais que tentavam prejudicar
seus interesses ou abolir direitos conquistados.

Dizem os pombeiros...

Em 19 de janeiro de 1886, os pombeiros “licenciados pela Ilma. Camara


Municipal para venderem peixe pelo município” escreveram aos verea-
dores solicitando tolerância com suas atividades. O pedido era simples:
bastava deixá-los ficar por algumas horas na rampa da Praça do Mercado,
junto às canoas, que conseguiriam suprir a freguesia com o pescado ne-
cessário ao seu consumo. Como faziam questão de lembrar,

É sabido que a classe pobre só procura aos suplicantes por venderem eles
peixe miúdo e por baixo preço no alcance de todas, ao passo que nas ban-
cas internas da praça o preço do peixe é tão excessivo que nunca chega ao
alcance dos pobres. Além disso, o pescador só vende o peixe por atacado e
em leilão o que mais desprevenido deixa o consumidor de comprar o pei-
xe suficiente para seu consumo, o que obriga aos suplicantes arrematá-lo
para vender a varejo, não só aos fregueses que aí o procuram como para
poder servir à freguesia do município.31

30
AGCRJ, códice 61-3-16: Comércio de peixe (1851-1859), pp. 22; 24; códice 61-3-17: Comércio de
peixe (1860-1869), pp. 44-48.
31
AGCRJ, códice 61-2-26: Comércio de peixe (1886), p. 12.
A perseguição era tal que o fiscal da Candelária já havia tomado os pei-
xes que os pombeiros compravam para servir aos seus “fregueses das ruas”.
E pior do que isso: boa parte fôra vendida pelos guardas aos banqueiros
internos da Praça, para que eles pudessem revendê-los com grande lu-
cro. Como não podiam ficar na rampa nem comprar as mercadorias que
chegavam com os últimos pescadores, sentiam-se obrigados a recorrer à
municipalidade, tentando recuperar uma “concessão que há longos anos
gozam e que só agora são tão cruelmente vexados”.32
Petições e ofícios como esse eram bem comuns naquela época. Os pe-
quenos comerciantes, assim como outros trabalhadores da Corte, não
hesitavam em expressar seus protestos contra as decisões dos verea-
dores ou as ações de concorrentes que consideravam prejudicais a seus
interesses. Mesmo que o exercício da cidadania ainda fosse precário, a
população criava expectativas sobre seus direitos e encontrava caminhos
para reivindicá-los. Quando se considerava, ou se fazia crer, cumpridora
de seus deveres, a disposição para luta se tornava maior. Como destaca a
historiadora Juliana Teixeira Souza: na medida em que davam conta de
suas obrigações, esses trabalhadores urbanos desejavam que seus direitos
fossem reconhecidos e resguardados pelas autoridades. Em muitos casos,
recorriam diretamente ao imperador, a quem caberia zelar pela paz, pela
defesa e pelo proveito de todos os seus súditos.33
Em seu documento, os pombeiros garantiam que nunca haviam sofrido
“tantas injustiças” e, de quebra, também tentavam valorizar seu ofício.
Só que as disputas por aquele espaço da cidade eram bem antigas. Desde
mea­dos do século XVII, negras de tabuleiro e vendedores ambulantes de
peixe reuniam-se à beira mar, nas proximidades do terreiro do Carmo,
mais tarde conhecido como Largo do Paço.34 Bem perto da Alfândega, en-
tre a rua do Mercado e o cais das Marinhas, formavam um pequeno e
ruidoso mercado – mais conhecido como Mercado da Praia do Peixe – que
crescia ao acaso, sem um alinhamento definido.35
Com o contínuo ajuntamento de novas bancas, o vice-rei Luiz
de Vasconcellos ordenou, em 1789, que as barracas de peixe fossem
32
AGCRJ, códice 61-2-26: Comércio de peixe (1886), p. 12.
33
SOUZA, Juliana Teixeira. A autoridade municipal na Corte imperial: enfrentamentos e negociações
na regulação do comércio de gêneros (1840-1889). Tese (Doutorado)– Programa de Pós-Graduação
de História da UNICAMP, Universidade de Campinas, Campinas, SP, 2007. p. 190-193.
34
Inicialmente terreiro do Ó – e depois da Polé –, a área ficou conhecida como terreiro do Carmo,
quando ali construíram a igreja e o convento dos carmelitas. Mais tarde, passou a ser chamada
de Largo do Paço e, em seguida, praça d. Pedro II. Com a proclamação da República, ganhou a
denominação de Praça XV de Novembro, que continua até hoje. Cf .GERSON, Brasil. História das
ruas do Rio. 5. ed. Rio de Janeiro: Lacerda, 2000. p. 26-32; FRIDMAN, Sergio; GORBERG, Samuel.
Mercados no Rio de Janeiro: 1834-1962. Rio de Janeiro: S. Gorberg, 2003. p. 2.
35
COARACY, Vivaldo. Memórias da Cidade do Rio de Janeiro. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:
Edusp, 1988. p. 60. Em 1638, a Câmara do Rio estabeleceu que os pescadores venderiam suas
mercadorias no trecho que compreendia a Praia de Nossa Senhora do Carmo até a porta do Go-
vernador, ou seja, entre a atual Praça XV e a rua da Alfândega. Cf. FRIDMAN, Sergio; GORBERG,
Samuel. Mercados no Rio de Janeiro: 1834-1962. Rio de Janeiro: S. Gorberg, 2003. p. 2.
reconstruídas com regularidade e simetria. Mas a “algazarra” dos ven-
dedores, a lama e os restos de frutas, legumes e peixes amontoados ali
não deixavam de desagradar autoridades e moradores da capital. Alguns
diziam que o “vozerio” era tal que perturbava as sessões no Senado da
Câmara, que ficava logo ao lado.36 Mesmo com os protestos e as determi-
nações para que os vendedores fossem removidos para outro local, um
novo mercado só começou a ser construído na década de 1830.37
Projetadas pelo arquiteto francês Grandjean de Montigny, as obras do
edifício da Praça do Mercado, também chamada de Mercado da Candelária,
iniciaram-se em 1834, mas só foram concluídas em 1841. O acesso a seu
interior era feito por quatro portões monumentais, um em cada lado,
conduzindo a ruas transversais que se cruzavam no centro, junto a um
chafariz de pedra lavrada. Outras ruas calçadas acompanhavam as quatro
faces, abrindo-se para elas tanto as lojas externas, como as do pavilhão
central. Ocupando todo um quarteirão, estava dividido em três áreas: o
centro, destinado para venda de hortaliças, legumes, aves e ovos; o lado do
mar, para peixe fresco, seco e salgado; e o lado da rua (voltado para a rua
do Mercado e o Largo do Paço), para cereais, legumes, farinha e cebolas.
Conforme o regulamento aprovado pela Câmara Municipal em 1844,
as 112 bancas e casas do prédio da Praça podiam ser alugadas a cada se-
mestre por “pessoas livres e capazes”.38 Entre os arrendatários, destaca-
vam-se portugueses, brasileiros e também africanos da “nação” mina.
Numa pesquisa preliminar nos códices sobre o Mercado, guardados no
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, e nas listas de locatários publi-
cadas anualmente no Almanak Laemmert entre o período de 1844 e 1889,
verifiquei que, durante mais de 20 anos, toda uma área do interior do
mercado estava ocupada por homens e mulheres procedentes da Costa da
Mina.39 Como o forro Luiz Laville, que arrendava a banca 41, uma peque-
na quitanda de verduras iniciada por sua mulher, a preta mina Felicidade
Maria da Conceição. Ou a liberta mina Emília Soares do Patrocínio que, ao
lado de seu marido, o também mina Joaquim Manuel Pereira, era locatá-
ria de três barracas para venda de aves e verduras e ainda possuía outros
três tabuleiros, com os quais suas escravas mercadejavam ali na Praça e
pelas ruas da cidade.40
36
AGCRJ, Ofício da Secretaria de Estado de Negócios para o Senado da Câmara de 21/04/1823.
37
FRIDMAN, Sergio; GORBERG, Samuel. Mercados no Rio de Janeiro: 1834-1962. Rio de Janeiro: S.
Gorberg, 2003. p. 12; COARACY, Vivaldo. Memórias da Cidade do Rio de Janeiro. 3. ed. Belo Hori-
zonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1988.
38
Almanak Laemmert,1844, p. 239. Cf. Regulamento da Praça do Mercado, apresentado em sessão da
Câmara Municipal de 17 de novembro de 1843 e publicado em edital no dia 20 de agosto de 1844,
transcrito em: FRIDMAN, Sergio; GORBERG, Samuel. Mercados no Rio de Janeiro: 1834-1962. Rio
de Janeiro: S. Gorberg, 2003. p. 14-23.
39
Em minha pesquisa de doutorado, em andamento no Programa de Pós-graduação em História
Social da USP, venho desenvolvendo tese sobre os africanos minas que trabalhavam na Praça do
Mercado e em seus arredores.
40
AGCRJ, códices 61-1-7; 61-1-9; 61-1-11; 61-1-12: Mercado da Candelária.
Na Praça das Marinhas, diante da doca contígua ao mercado, desem-
barcavam os gêneros da roça e o pescado que escravos e outros trabalha-
dores traziam em “canoas de ganho”, saveiros, faluas e demais embarca-
ções vindas das zonas suburbanas do Rio de Janeiro e das áreas rurais de
Niterói. De acordo com o fiscal da Candelária, o cais estava dividido em
“três lances e todos pelas frentes dos três chalets ali edificados”:

[...] à frente da área dos 1º e 2º chalets – olhando para o mar – lado direito
vai até o começo da Praça de D. Pedro 2º [atual Praça XV de Novembro];
lado esquerdo vai até o fim da rua do Ouvidor findando na rampa da Doca.
No centro dos dois primeiros chalets, em frente do portão de ferro – que
dá saída da Praça do Mercado para a Praça das Marinhas – acha-se coloca-
do um kiosque. Na frente da área do lado direito tem o porto denomina-
do da Pedra, [...] e nas imediações deste porto acham-se colocados alguns
chapéus de sol de quitandeiras, [...]. Na parte da área ao lado esquerdo tem
cinco portos em 40 m, denominados da Madama – da Ponte – do Barreto
– da Trindade – e do Gradim [todos para desembarque de gêneros tra-
zidos da freguesia de São Gonçalo, município de Niterói] e também em
seus arredores é ocupado por chapéus de sol nos idênticos casos daqueles
colocados no outro lance.41

Às cinco horas da manhã, lavradores já estavam descarregando as qui-


tandas de verduras, aves, ovos e frutas que traziam em pequenos cestos
dentro de seus barcos.42 Na beirada do mar, os gritos dos negros que trans-
portavam os samburás com peixes faziam o norte-americano Thomas
Ewbank lembrar de disputas muito semelhantes travadas no rio Níger, na
região da atual Nigéria.43 Depois do desembarque, o pescado só podia ser
vendido nas bancas do interior do mercado e nas barracas alugadas nas
Marinhas. Ou ainda nas canoas de pescadores estacionadas no cais. Os
pombeiros costumavam arrematá-lo diretamente das mãos dos pescadores
41
AGCRJ, códice 46-1-7: Lavoura do município (1885), p. 60. De acordo com o Regulamento do mer-
cado, aprovado e publicado em edital no dia 20 de agosto de 1844, a “Praça das Marinhas é somente
destinada para o desembarque dos gêneros da roça que devem vender nesta praça e na do Mercado
e, a praia em frente do lado direito, olhando para o mar, para as embarcações da pesca, e o lado
esquerdo, para as canoas de ganho, barcos, saveiros, etc que ali forem carregar ou descarregar,
sendo a divisão regulada pelo centro, do Portão do lado da praia, ficando proibido depositar-se
nesse lugar gêneros, ou objetos que forem para embarque ou desembarque, devendo estes serem
conduzidos em cabeças de pretos, ficando também proibido chegarem ai carros e carroças para o
dito fim”. Citado em: Fridman & Gorberg, Mercados no Rio de Janeiro. p. 18.
42
AGCRJ, códice 46-1-6: Lavoura do município, p. 2. Em seu estudo sobre a escravidão no Recôncavo
do Rio de Janeiro, Nielson Bezerra destaca o papel de barqueiros, lancheiros ou remadores que,
diariamente, faziam essas travessias entre as freguesias do entorno da Guanabara e a corte. Nesses
trajetos, escravos e também libertos levavam mercadorias e também informações entre o interior
e o litoral. Cf. BEZERRA, Nielson Rosa. As chaves da liberdade: confluências da escravidão no Re-
côncavo do Rio de Janeiro (1833-1888). Niterói: EdUFF, 2008. Especialmente o capítulo 1: Iguaçu
e Estrela: a baixada no meio do caminho.
43
EWBANK, Thomas. A vida no Brasil, ou diário de uma visita ao país do cacau e das palmeiras. Rio de
Janeiro: Conquista, 1973. p. 84.
e, apesar das restrições impostas pelo regulamento da Praça, conseguiam
driblar os fiscais e oferecê-los ali mesmo e também na rampa da doca.
Num ofício enviado à Câmara em 1873, o fiscal da Candelária Antonio
Rodrigues de Sá dizia que, conforme o edital de 20 de agosto de 1844,
a revenda de peixe dentro e fora da praça era proibida aos que não fos-
sem arrendatários das bancas, consignatários ou pescadores. Acontece,
porém, que qualquer indivíduo podia se matricular na Capitania do Porto
como pescador. Por isso, figuravam como “tais indivíduos que não fazem
meio de vida da pescaria, e apenas buscam essas matriculas para com elas
acobertarem-se e iludir a lei dando-se como pescadores quando o não
são”.44 E a situação não mudaria muito na década de 1880. Já era um “fato
evidentemente reconhecido” que as bancas de peixe dentro da Praça não
eram suficientes para a “concorrência do povo desta cidade”. Não à toa, os
fregueses preferiam recorrer à rampa onde ficavam os pescadores. Mas ali
encontravam uma “confusão cotidiana entre o mesmo pescador e o pom-
beiro, os quais combinados iludem os meios fiscais para proibir a venda
sem licença; pois que qualquer apreensão apresenta-se o pescador dizen-
do que o peixe lhe pertence”.45
Mas eles não eram os únicos a driblar a municipalidade. Segundo J.
Pereira Rego, fiscal municipal nomeado para a Comissão de licenças, al-
varás, mercados públicos e Praça do Mercado, cada toldo, ou chapéu de
sol, montado na Praça das Marinhas, deveria pagar uma licença anual de
100$000. Entretanto, ao fazer uma vistoria no local em 23 de fevereiro de
1865, constatou que muitos vendiam sem qualquer autorização. Pela rela-
ção da secretária municipal, somente 35 toldos estariam licenciados. Mas,
naquela visita, ele anotou “49 armados, os quais, e talvez ainda mais, já ali
existem desde o ano passado”.46
De qualquer forma, a análise esboçada até aqui permite observar que
os pombeiros eram, ao mesmo tempo, alvo das reclamações de fiscais, ve-
readores e empresários da Praça e também de outros trabalhadores ins-
talados no cais das Marinhas. Num abaixo-assinado enviado à Câmara
em novembro de 1869, lavradores de Inhaúma e Irajá, todos “cidadãos
brasileiros e portugueses”, reclamavam das licenças que a municipalidade
tinha concedido aos pombeiros e especuladores, “a maior parte vadios e
sem domicílio, que vantagem nenhuma oferecem ao país”. Ao ocuparem
os grandes chapéus de sol colocados na Praça, acabavam usurpando-lhes
espaço e consumidores.47 Como não havia quem ficasse imune à concor-
rência no comércio de gêneros alimentícios, muitos procuravam, para jus-
tificar seus “privilégios” e impedir que concessões fossem estendidas a
outros trabalhadores, estigmatizar os concorrentes, como fizeram esses
lavradores de Inhaúma e Irajá. Entre protestos de um lado e de outro, a
44
AGCRJ, códice 61-3-19: Comércio de peixe (1870-1879), p. 180.
45
AGCRJ, códice 61-2-23: Comércio de peixe (1880-1885), p.6.
46
AGCRJ, códice 61-2-11: Mercado da Candelária (1869), p. 10.
47
AGCRJ, códice 46-1-5: Lavoura do município: mercadores de pequena lavoura (1833-1872), p. 48.
tendência era de que o grupo melhor estabelecido se manifestasse contra
seus concorrentes diretos mais frágeis.48
Quem sabe também os roceiros, em sua maioria portugueses e brasi-
leiros brancos, estivessem envolvidos em disputas étnicas e raciais com os
pombeiros (muitos dos quais escravos ou libertos africanos e crioulos)? De
fato, esta é uma possibilidade, já que, desde a década de 1870, a competi-
ção por espaço no mercado de trabalho urbano e também pela sobrevivên-
cia na cidade acirrava rivalidades entre africanos e imigrantes europeus.49
Em maio de 1872, por exemplo, 50 “pretos ganhadores”, que costumavam
carregar carne-seca em canoas até a Praça das Marinhas, brigaram com
12 trabalhadores brancos “ocupados naquele mesmo serviço”. Poucos dias
antes, os “pretos” haviam exigido um aumento de 20 réis aos donos da
carne-seca. Como não quisessem se sujeitar a essa exigência, os patrões
resolveram chamar trabalhadores brancos. Inconformados com a nova si-
tuação, os ganhadores voltaram às 12 horas do dia 2 de maio, “armados
de cacetes e um deles com uma foice”, assaltaram os novos trabalhadores,
travando-se “luta renhida”, só debelada após a atuação de um capitão e de
praças da guarda urbana. Ao noticiar a contenda, o Diário do Rio de Janeiro
destacara que os pretos carregadores teriam feito “uma parede”, “à moda
da Costa da Mina”, o que acabou provocando a prisão de sete escravos e
um negro liberto.50
Seja como for, o certo é que, se os pombeiros muitas vezes entravam em
atritos com outros trabalhadores da Praça, quando as divergências eram
com empresários, políticos ou fiscais, não hesitavam em se aliar a seus
velhos contendores. Em 2 de abril de 1872, roceiros, abastecedores e pom-
beiros da Praça do Mercado, unidos num outro abaixo-assinado enviado
à Câmara, reclamavam dos “vexames e atropelos que sofrem” por parte
do fiscal da freguesia da Candelária.51 Mais de dez anos depois, em 5 de

48
SOUZA, Juliana Teixeira. A autoridade municipal na Corte imperial: enfrentamentos e negociações
na regulação do comércio de gêneros (1840-1889). Tese (Doutorado)– Programa de Pós-Graduação
de História da UNICAMP, Universidade de Campinas, Campinas, SP, 2007. p. 175.
49
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Proletários e escravos: imigrantes portugueses e cativos africanos
no Rio de Janeiro, 1850-1872. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 21, p. 30-56, jul. 1988; FARIAS,
Juliana B. Ardis da liberdade: trabalho urbano, alforrias e identidades. In: SOARES, Mariza de
Carvalho (Org.). Rotas atlânticas da diáspora africana: da Baía do Benin ao Rio de Janeiro. Niterói,
EdUFF. 2007. p. 238-246. Cf. FARIAS, Juliana B. Descobrindo mapas dos minas: alforrias, trabalho
urbano e identidades. In: FARIAS, Juliana. B.; GOMES, Flávio dos S.; SOARES, Carlos Eugênio
L. No labirinto das nações: africanos e identidades no Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro:
Arquivo Nacional, 2005.
50
Jornal do Commercio, 3 de maio de 1872, p. 3; Diário do Rio de Janeiro, 3 de maio de 1872. Cf. CRUZ,
Maria Cecília Velasco. Virando o jogo: estivadores e carregadores no Rio de Janeiro da Primeira
República. Tese (Doutorado)–Programa de Pós-Graduação em Historia, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 1998. p. 268; FARIAS, Juliana B. Descobrindo mapas dos minas: alforrias, trabalho ur-
bano e identidades. In: FARIAS, Juliana. B.; GOMES, Flávio dos S.; SOARES, Carlos Eugênio L. No
labirinto das nações: africanos e identidades no Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 2005. p. 128.
51
Jornal do Commercio, 3 de maio de 1872, p. 3; Diário do Rio de Janeiro, 3 de maio de 1872. Cf. Cruz,
Virando o jogo, p. 268; Farias, “Descobrindo mapas dos minas”. p. 128.
dezembro de 1885, pequenos lavradores do município neutro e da provín-
cia do Rio de Janeiro afirmavam, em mais um protesto, que

é falso serem eles motivos de queixa dos mercadores de verduras, deno-


minados pombeiros, quando pelo contrário, com estes vivem na maior
harmonia, e fim tanto [sic] protestam que desejam como até aqui continu-
arem a negociar conjuntamente nos mesmos lugares do mercado.52

Como se vê, pequenos lavradores, quitandeiras e pombeiros ocupados


com o comércio de gêneros agrícolas e peixe nas bordas do Mercado da
Candelária lutavam, com as armas que dispunham, para conseguir seus
direitos. Até a década de 1880, o usual era a “revolta pacífica”, por meio
de petições e abaixo-assinados enviados à Câmara Municipal. Em 1885,
quando os tipógrafos e os cocheiros da Botanical Garden Rail Road do Rio
de Janeiro já haviam ensaiado seus movimentos grevistas, os mercadores
e produtores das Marinhas decidiram partir para “ataques” mais diretos e
até mesmo violentos, organizando uma greve que durou quase uma sema-
na e paralisou as atividades no mercado. Durante os protestos, os grevis-
tas recusaram-se a vender seus produtos e ainda impediram que barcos e
carroças que vinham das freguesias suburbanas e de locais mais distantes
descarregassem no cais.53 Nem sempre os interesses desses trabalhadores
do pequeno comércio estavam tão alinhados. Ainda assim, reinventando
velhas tradições culturais e políticas, reforçando identidades étnicas e re-
lações de vizinhança e amizade, iam definindo os contornos da classe de
pequenos comerciantes ocupados no grande mercado de gêneros alimen-
tícios da capital do Império.54
Quanto aos pombeiros, mesmo com críticas de todos os lados, ainda
permaneceriam no cenário carioca por muito tempo. Em 1933, o cronista
Magalhães Correa ainda esbarrava com esses mercadores nos “sertões” do
Rio. Partindo da Barra da Tijuca ou de Camorim, os “pombeiros de peixe”
cavalgavam até Irajá ou o Engenho Novo. No cavalo, prendiam, de cada
lado do socado, um jacá equilibrado pelo peso dos peixes e coberto de
folhas para refrescá-los. E ainda levavam uma tampa para apresentar o
52
AGCRJ, códice 61-2-25: Mercado da Candelária (1881-1885), p. 71. Cf. Jornal do Commercio e Ga-
zeta de Notícias,, 6 de dezembro de 1885.
53
Para uma ampla análise da greve na Praça das Marinhas, em outubro de 1885, consultar: FARIAS,
Juliana Barreto. Mercado em greve: protestos e organização dos trabalhadores do pequeno comér-
cio no Rio de Janeiro, século XIX. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 2010. No prelo. p.
99-157.
54
Como nos últimos anos vem mostrando a historiografia sobre os movimentos operários, a diversi-
dade, a divisão e os conflitos internos são características sempre presentes na formação da classe
trabalhadora. Unidade e cisão coabitam a classe, e a análise desses dois aspectos deve sempre ser
contextualizada e submetida à lógica da mudança histórica. “Afinal, tanto elementos sociais e cul-
turais desagregadores quanto estratégias de resolução ou atenuação dos conflitos em busca de uni-
dade fazem parte das experiências vividas pelas coletividades”. Batalha, Cláudio de Moraes; SILVA,
Fernando Teixeira da; FORTES, Alexandre (Org.). Cultura de classes: identidade e diversidade na
formação do operariado. Campinas, SP: EdUnicamp, 2004. p. 12-15.
pescado e apoiar a balança. Depois de toda essa “montagem”, percorriam
as estradas e ruas anunciando sua passagem com uma corneta. Os “pom-
beiros de aves” ofereciam galinhas, perus, patos e ovos pelas áreas centrais
do Rio e seus subúrbios. Também seguiam montados em seus cavalos,
“tendo cangalha com duas capoeiras, uma de cada lado”. Sobre uma por-
tinhola colocada na frente, vinha uma tabela de preços igual a das feiras.
E o animal também tinha seus instrumentos de trabalho: em sua cabeça
eram colocados guizos, que avisavam a freguesia de sua passagem.55 Essas
imagens se cristalizaram de tal forma no Rio de Janeiro que, ainda hoje,
os pombeiros aparecem como intermediários/atravessadores entre pesca-
dores e fregueses nas praias de municípios fluminenses, como Niterói e
São Gonçalo.56
Mas ainda carecem de estudos historiográficos mais acurados. Pelo
menos no Brasil. Como vimos, ao atravessarem o Atlântico, os pombeiros
ganharam novas funções e significados. Ainda assim, as conexões entre
os mundos africanos e luso-brasileiro não foram desfeitas. A partir da ob-
servação do Rio de Janeiro oitocentista, constatamos que esses pequenos
negociantes – escravos, libertos e livres – continuaram se notabilizando
por seu conhecimento de rotas e espaços mercantis e por sua atuação
como intermediários nas trocas comerciais, que envolviam até mesmo es-
cravos africanos. Talvez o expressivo contingente de cativos procedentes
das regiões de Angola, Congo e Benguela nas ruas da capital do Império
brasileiro, tenha influenciado as estratégias e os modos nos “negócios de
pombear”. De qualquer forma, somente partindo de um “olhar atlântico”
– que interligue diferentes províncias do Brasil, da África e também de
Portugal – conseguiremos descortinar em detalhes as trajetórias desses
mercadores ambulantes.

55
CORREIA, Armando Magalhães. O sertão carioca. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Ja-
neiro, 1978. p. 64-65, 233-234. No glossário apresentado por Correia, pombear é “exercer a profis-
são de pombeiro, negociante que atravessa os sertões, comerciando com os indígenas. Vocabulário
africano, dado aos encarregados de effectuar a compra dos escravos, mediante troca por missanga
e ferramentas; introduzido entre nós nos tempos coloniais, derivando-se do radical pomba – kim-
bundu – mensageiro” (p. 273-274).
56
Para descrições desses pombeiros em Niterói, ver: LIMA, Kant de; PEREIRA, L. Pescadores de Itaipu:
meio ambiente, conflito e ritual no estado do Rio de Janeiro. Niterói: EdUFF, 1971. Em Florianópo-
lis, também se costumava ver os pombeiros com balaios montados nas costas de jumentos e cavalos.
Mais característico, eram aqueles que lançavam mão de uma grossa e resistente vara, pendurando
nela dois balaios. “Eram tão populares que até hoje, ‘mofas com a pomba na balaia’ é uma expressão
utilizada para satirizar e desiludir pessoas apegadas a desejos impossíveis de serem realizados”.
SANTIAGO, Carina dos Santos. Um lugar chamado Figueira: experiências de africanos e afrodescen-
dentes nas duas últimas décadas do século XIX. Monografia de bacharelado apresentada ao Depar-
tamento de História, Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2005. p. 76.
Escravidão, tráfico e farinha:
a viagem redonda entre
o Rio de Janeiro e a Baía de Biafra
Nielson Rosa Bezerra

O comércio atlântico de escravos deu origem à migração forçada mais


contundente entre as conhecidas em toda a história da humanidade.
Hoje, isso representa um componente fundamental para a compreensão
da história das sociedades americanas da história das relações entre elas
e com a África. O comércio entre a África e as Américas envolvia seres
humanos, o que representou transformações culturais e transposições
demográficas que marcaram a vida de ambos os lados do Atlântico que se
estendem até o tempo presente. Assim, o tema do comércio atlântico de
escravos tem-se tornado uma chave fundamental para o aprofundamento
das reflexões sobre as dinâmicas atlânticas do ponto de vista econômico,
político e cultural; ferramenta essencial para uma melhor visão da forma-
ção da sociedade moderna ocidental.
A historiografia brasileira, por algum tempo, baseou-se nas grandes
rotas atlânticas para pensar o comércio de escravos africanos. Os melho-
res exemplos dessas rotas foram as explicações construídas através das
relações diretas entre África Ocidental e Bahia, onde o tabaco produzido
nas fazendas do Recôncavo Baiano era a principal mercadoria utilizada
na aquisição de escravos da Costa da Mina. Da mesma forma, a aguar-
dente foi consagrada como a principal mercadoria de troca por escravos
na grande rota do Atlântico sul, sobretudo aquela que ligava os portos
de Luanda e do Rio de Janeiro.1 Nos últimos anos, novas perspectivas
historiográficas sobre a diáspora africana no Rio de Janeiro e suas “rotas

1
VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo do Benin e a Bahia de Todos os
Santos dos séculos XVIII e XIX. São Paulo: Corrupio, 1987; FLORENTINO, Manolo. Em costas ne-
gras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia da
Letras, 1997; ALENCASTRO, Luís Felipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico
Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
minoritárias” têm oferecido uma alternativa de reflexão sobre o tema.2
Seguindo essa nova tendência historiográfica, me debrucei sobre a im-
portância das rotas minoritárias para pensar as conexões entre o Rio de
Janeiro e a Baía de Biafra, situada no Golfo do Benim, entre a Nigéria e o
nordeste de Camarões.3
O presente capítulo tem por objetivo oferecer uma contribuição para os
estudos sobre o comércio de escravos, considerando as dinâmicas atlânti-
cas que permeiam essa rota. Do ponto de vista econômico é fundamental
entender as relações entre os portos da Baía da Guanabara e o porto de
Calabar, na Baía de Biafra. Do ponto de vista dos deslocamentos, o caráter
particular da chamada “viagem redonda”. A análise se baseia na viagem
do bergantim São José empreendida em 1810, um processo encontrado
no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, que revela essas conexões atra-
vés do percurso dessa embarcação, onde a expressão “viagem redonda”
indica uma viagem de ida e volta, partindo e voltando ao Rio de Janeiro,
com paradas em Benguela e São Thomé. Por fim, essa viagem redonda
mostra ainda que os portos de parada são entrepostos comerciais para
vários produtos e não apenas para o comércio de escravos, com destaque
para a comercialização da farinha de mandioca produzida no Recôncavo
da Guanabara.
Segundo o historiador Chambers, cerca de 1,7 milhões de pessoas fo-
ram transportadas da Baía de Biafra por todo o curso do comércio escra-
vista atlântico, sendo que a grande maioria a partir do início do século
XVIII. Dali foram enviados para a América Inglesa, embora um grande nú-
mero também tenha sido remetido para Santo Domingos e Cuba. Dentre
os escravos embarcados na Baía de Biafra estavam os que ficaram conhe-
cidos como ibos, calabares e mokos. Ainda segundo ele, os povos ibos
constituíram um dos povos mais atingidos pelo comércio transatlântico.4
Apenas uma minoria dos africanos exportados pela Baía de Biafra teria
vindo para o Brasil. Isso faz da viagem aqui descrita, um caso extrema-
mente interessante para ser analisado, já que apesar de minoritária, tanto
a rota quanto a estratégia da “viagem redonda” se mostraram bastante
lucrativas como indica o desembarque no Rio de Janeiro de 272 escravos
trazidos “por encomenda ou aleatoriamente”.

2
SOARES, Mariza de Carvalho (Org.). Rotas atlânticas da diáspora africana: da Baía do Benin ao Rio
de Janeiro. Niterói: EdUFF, 2007.
3
Para uma visão mais completa do tema ver: BEZERRA, Nielson Rosa. Mosaicos da escravidão: iden-
tidades africanas e conexões atlânticas do Recôncavo da Guanabara (1780-1840). Tese (Doutora-
do)–Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010.
cap. 4, p. 142-178.
4
CHAMBERS, Douglas B. Tracing Igbo into the African Diaspora. In: LOVEJOY, Paul (Ed.). Identy in
the shadow of slavery. London: Continuum, 2000.
O Porto de Calabar e o comércio de escravos na Baía de Biafra

Ao longo do tempo, a Baía de Biafra tornou-se um importante es-


paço africano para as diferentes conexões entre a África e as Américas.
Segundo Lovejoy e Richardson, a Baía de Biafra emergiu como uma im-
portante fonte de escravos africanos para o comércio atlântico durante
o século XVIII, especialmente depois de 1730. Antes disso, entre 1 mil e
2 mil escravos já eram exportados para as Américas por ano. Após 1730,
este número se multiplicou de forma espetacular, chegando a 15 mil em
1760, e 17.500, após 1780.5 O rio Cross divide a Baía de Biafra em duas
partes que correspondiam, no século XIX, a duas zonas comerciais: a leste,
Velho Calabar (atual Nigéria) e Camarões, onde eram feito o comércio de
escravos, marfim, óleos, pau-brasil, pimentas, entre outras mercadorias;
a oeste, Bonny e Novo Calabar (ambos na atual Nigéria), onde se comer-
cializavam escravos e inhames.6
Pesquisas recentes têm chamado a atenção para a importância dos
portos da Baía de Biafra como lugares expressivos de embarque de escra-
vos para as Américas. A tabela a seguir, apresenta o fluxo dos escravos que
saía de Biafra para as Américas, tendo como base o Slavery Trade Database.

Tabela 1 – Destinos de africanos embarcados


na Baía de Biafra (1626-1851)
Chesapeake Jamaica Barbados Cuba Brasil África Total
1626-1650 18,735 5,157 172 26,014
1651-1675 1,116 7,210 33,412 336 269 922 59,248
1676-1700 3,802 14,335 9,568 0 9,212 0 48,976
1701-1725 12,997 2,256 5,636 0 18,170 0 51,811
1726-1750 21,248 52,238 24,479 390 8,881 0 145,939
1751-1775 6,024 67,968 39,632 3,588 2,327 29 253,687
1776-1800 119,747 3,718 11,263 6,736 162 293,461
1801-1825 32,846 1,799 50,968 53,378 8,492 230,979
1826-1850 122,957 18,005 30,173 199,601
Total 45,186 296,599 136,979 189,502 122,135 39,949 1,309,716
Fonte: The Trans-Atlantic Slave Trade Database (<www.slavevoyages.org>) apud BROWN, Carolyn A.; LOVEJOY, Paul E. The bight of
biafra and slavery. In: BROWN, Carolyn A.; LOVEJOY, Paul E. (Ed.). Repercussions of the Atlantic Slave Trade: the interior of the bight
of the biafra and the african diaspora. Trenton: Africa World Press, 2010.

De acordo com Brown e Lovejoy ainda não é possível afirmar a con-


centração dos escravos embarcados na Baía de Biafra para as Américas,
pois a pulverização em diferentes destinos dificulta qualquer conclusão
preliminar. Contudo, esse processo demográfico sugere que as pessoas
que saíram da Baía de Biafra, por certo, passaram por um processo de

5
LOVEJOY, Paul E.; RICHARDSON, David. The slave ports of the bight of biafra in the eighteenth
century. In: BROWN, Carolyn A.; LOVEJOY, Paul E. (Ed.). Repercussions of the Atlantic Slave Trade:
the interior of the bight of the biafra and the african diaspora. Trenton: Africa World Press, 2010.
6
BEHRENT, Sthephen D.; LATHAN, A.J.H.; NORTHRUP, David. The diary of Antera Duke, an eighte-
enth-century african slave trader. Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 100.
ressignificação cultural assumindo a identidade “ibo” presente no Caribe
e na América do Norte; no Brasil eram identificados como “calabares”.7
Um interessante exemplo de reconstituição das experiências de es-
cravos no âmbito das conexões entre diferentes regiões das Américas e
as costas africanas é o caso de Mahommah Gardo Baquaqua. Analisando
sua biografia, Robin Law e Paul Lovejoy ofereceram uma importante
contribuição sobre a vida diária dos escravos, sobretudo no que se refe-
re às recorrentes ressignificação identitárias dos africanos submetido à
escravidão nas Américas. Essa biografia revela detalhes sobre a infância
de Baquaqua na África Ocidental, a sua escravidão e liberdade.8 De acor-
do com Paul Lovejoy, a biografia pode ser um importante recurso para a
história atlântica, pois não se trata apenas de uma história singular, mas
também da representação de uma história coletiva. A biografia poderia
ser um recurso ampliado na medida em que fosse possível aplicar este
método em diferentes situações.9
Outro estudo importante é a trajetória atlântica dos “príncipes” de
Calabar, foco principal da pesquisa de Randy Sparks, uma importante
contribuição para o entendimento do processo de integração dos afri-
canos com a história do mundo atlântico. O processo de ressignifica-
ção cultural e identitária de cada africano levado como escravo para as
Américas envolveu uma trajetória de trabalho e busca pela liberdade, fu-
gas, negociações, saudade da terra ancestral que podem ser percebidos
como o ponto alto da obra em questão. Segundo o autor, após a derrota
na guerra africana, os “príncipes” passaram pela escravidão no Caribe,
uma fuga para os Estados Unidos, a ajuda de missionários metodistas em
missão que lhes rendeu a passagem pela Inglaterra, até o retorno à África,
já adultos.10 A obra de Sparks oferece informações valiosas mas, por sua
natureza literária, traz problemas do ponto de vista historiográfico. Por
seu estilo narrativo, a obra apresenta problemas de compreensão, como
o fato de usar a expressão “príncipes” de Calabar numa sociedade onde as
linhagens baseavam num critério comercial e não nobiliárquico.11

7
BROWN, Carolyn A.; LOVEJOY, Paul E. The bight of biafra and slavery. In: . (Ed.).
Repercussions of the Atlantic Slave Trade: the interior of the Bight of the Biafra and the African
Diaspora. Toronto: Africa World Press, 2010.
8
LAW, Robin; LOVEJOY, Paul. The biography of Mahomah Baquaqua: his passage from slavery to
freedom in Africa and America. Princeton: Markus Wiener Publishers, 2007.
9
LOVEJOY, Paul. Biography as source material: towards a biographical archive of enslaved Africans.
In: LAW, Robin (Ed.). Source material for studing the slave trade and the african diaspora. [S.l.]: Centre
of Commonwealth Studies, University of Stirling, 1997. p. 119-140.
10
SPARKS, Randy J. The two princes of Calabar: na eighteenth-century Atlantic odyssey. Cambridge:
Harvard University Press, 2004.
11
Eu vivenciei esse problema, pois a obra de Sparks, por algum tempo foi a única fonte de informação
sobre Calabar que eu obtive acesso. Essa limitação, por algum tempo, me provocou uma longa con-
fusão sobre a história, a cultura e a sociedade da região. Agradeço ao Profesor Paul Lovejoy pela rica
contribuição ao conversar comigo sobre Calabar, Biafra e a disponibilização de bibliografia sobre o
tema.
A obra que melhor oferece um panorama da história e da sociedade na
Baía de Biafra e as diferentes conexões no âmbito da diáspora africana na-
quela região, é o valioso trabalho The Diary of Antera Duke, an Eighteenth-
Century African Slave Trader de Sthephen D. Behrendt; A.J.H. Lathan e
David Northrup, publicado em 2010.12 Esses autores contextualizaram o
diário de um mercador de escravos do Velho Calabar e suas relações com
os negociantes ingleses. Antera Duke, assim como o seu pai e o avô, era
um comerciante de escravos e aprendeu a se comunicar em inglês com
os comerciantes britânicos, o que o levou a escrever um diário, conser-
vado por anos em uma biblioteca, até ser publicado na década de 1950;
e recentemente analisado pelos autores em questão. Assim, o diário de
Antera Duke é a mais extensa fonte histórica sobre a história do Velho
Calabar preservada até os dias atuais. Antera fazia parte de uma linhagem
de comerciantes efik que emergiram no comércio atlântico ainda durante
o século XVII, esclarecendo que não havia uma organização nobiliárquica
naquela região, assim como o ocidente a compreende.13
Os portugueses foram os primeiros a visitar o rio Cross e iniciar práti-
cas comerciais na Baía de Biafra. Contudo, foram os capitães e mercadores
britânicos que iniciaram uma próspera sociedade com os mercadores efik
naquela região africana ao longo do século XVIII. As demandas africanas
por mercadorias atlânticas transformaram comunidades de pescadores
que viviam ao longo do rio Cross – no importante entreposto de mercado-
rias européias, asiáticas e africanas de Velho Calabar. Comerciantes desse
porto ofereciam diferentes mercadorias para o mercado transatlântico
como marfim, pau-brasil, óleos, pimentas, inhames e escravos.14
Como mostram Paul Lovejoy e David Richardson Bonny, era um dos
três portos mais importantes da Baía de Biafra. Entretanto tinha uma
péssima reputação entre os comerciantes, por conta de seus pântanos
infestados de mosquitos, doenças contagiosas e ar muito úmido. Vem
dessas condições ser conhecido pelos comerciantes ingleses como o “hor-
roroso buraco” (“the horrid hole”). Apesar desses problemas no século
XVIII, Bonny tornou-se a principal referência comercial da Baía de Biafra,
haja vista o crescimento e a consolidação das autoridades reais da “nova
cidade”. A existência de uma autoridade política centralizada facilitou as
negociações comerciais baseadas na proteção e na concessão de créditos.
Com isso Bonny acabou por superar o comercio até então concentrado no
porto rival, chamado Old Calabar pelos ingleses.15
Enquanto a ausência de crédito em Calabar obrigava que as vendas
tivessem por base apenas as cargas dos navios, limitando o volume de
12
BEHRENT, Sthephen D.; LATHAN, A.J.H.; NORTHRUP, David. The diary of Antera Duke, an eighte-
enth-century african slave trader. Oxford: Oxford University Press, 2010.
13
Ibidem.
14
Ibidem, p. 46-47.
15
LOVEJOY, Paul; RICHARDSON, David. This horrid hole: royal authority commerce and credit at
Bonny, 1690-1840. Journal of African History, London, v. 45, p. 363-394, 2004.
negócios à capacidade de carregamento das embarcações, os hábeis nego-
ciantes de Bonny usavam seus estoques e também a “promessa de lucros
futuros” para a obtenção de créditos, o que possibilitava o financiamento
de novas mercadorias e com o sucesso comercial e a manutenção do po-
der político na localidade. Em Bonny, a segurança de créditos dependia
de acordos pessoais entre os mercadores ingleses e os comerciantes de
Bonny. Apesar de sua má reputação, o porto estava preparado para atingir
uma posição predominante na Baía de Biafra.
Para os ingleses, era importante saber que haveria mercadoria à dis-
posição. Entretanto, não foi apenas a disponibilidade de escravos que as-
segurou o poder econômico de Bonny e nos arredores da Baía de Biafra:
sua capacidade de acumular créditos, ultrapassar seus próprios limites
geográficos e ambientais desfavoráveis, bem como a possibilidade de ofe-
recer boas condições para o comércio, como suprimentos para a “carga
de escravos” comercializada foram fundamentais.16 No caso do bergantim
São José aqui estudado, o suprimento era a farinha.
Embora permanecessem como áreas de influência comercial da
Inglaterra, nem Calabar, nem Novo Calabar, nem Bonny foram colônias
inglesas até o século XIX, o que facilitou as atividades de exportação de
escravos para as Américas em contrapartida ao consumo de mercadorias
vendidas pelos mercadores ingleses. Tampouco foi um dia colônia portu-
guesa. Era uma região independente, de influência inglesa. Muitas merca-
dorias inglesas utilizadas no comércio de escravos circulavam por aquela
região. Segundo Sparks, o comércio de armas de fogo inglesas dava des-
proporção nas lutas entre os grupos locais que disputavam espaço e poder
naquela região. Lovejoy e Richardson acentuaram que as relações entre
ingleses e Velho Calabar giravam em torno das “novas modalidades de
crédito” que mediavam o comércio na região. Além disso, as constantes
guerras eram um fator determinante para a contínua oferta de escravos,
bem como a necessidade de gêneros de difícil perecimento que serviriam
para alimentar tropas e prisioneiros de guerras escravizados e depois fei-
tos escravos para serem enviados para as Américas.
Após 1807, com a abolição da escravidão no Império britânico, mer-
cadores ingleses não abandonaram os negócios na Baía de Biafra. Talvez,
essa nova situação tenha aberto um espaço para novos e antigos parceiros
interessados em comercializar escravos naquela região. Esse pode ter sido
o caso dos comerciantes do recôncavo da Guanabara que chegaram até lá
com sua carga de farinha.

16
Ibidem.
A farinha, uma “mercadoria de partida”
para o comércio de escravos

Era o ano de 1810. O senhor José Reginaldo de Mello e Velho era


um viúvo pai de três filhos, proprietário de “umas terras” localizadas na
freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Magé, cuja sede era a vila de
Magé, situada no chamado “fundo” da baía da Guanabara. Assim como
a maioria dos produtores do Recôncavo, Reginaldo de Mello e Velho pro-
duzia mantimentos, entre eles farinha de mandioca. Naquele ano José
Reginaldo resolveu diversificar os seus negócios e associou-se a Manoel
Antônio Coelho, comerciante estabelecido na praça do Rio de Janeiro e
mais dois sócios. O ousado negócio visava comercializar os mantimentos
por ele produzidos e outras mercadorias fora da Baía da Guanabara, em
alguns portos atlânticos. Mais que uma associação comercial essa foi uma
história de família que envolveu o próprio Reginaldo de Mello e Velho,
seus três filhos Manoel, Luíza e José, o sargento e comerciante Manoel
Lopes Ribeiro, seu sogro; e o comerciante Manoel Antonio Coelho, seu
sócio e companheiro de viagem.

Figura 16 – Viagem redonda


Fonte: Mapa do autor
Segundo a documentação investigada, havia um planejamento bem
definido por meio do qual pretendiam realizar uma “viagem redonda”
pela costa africana onde venderiam suas mercadorias em troca de escra-
vos. Embarcados em 1810, a viagem correu bem até o trecho entre os
portos de Benguela e Calabar17 quando o senhor Reginaldo de Mello e
Velho veio subitamente a falecer. Sua tragédia pessoal não interrompeu a
viagem e, muito menos, os negócios. De volta ao porto do Rio de Janeiro
a escravaria adquirida foi entregue aos que a tinham encomendado e o
pagamento recebido. Ao receber, em nome dos netos, a parte do falecido
genro Manoel Lopes Ribeiro alegou prejuízo na partilha dos lucros e deu
entrada em um processo judicial contra os sócios de Reginaldo de Mello e
Velho, em favor de seus netos.18
Em 1812, o sargento Manoel Lopes Ribeiro, pai da viúva de Reginaldo
e avô de seus filhos e herdeiros, foi nomeado tutor dos três netos me-
nores. Na condição de tutor, citou Manoel Antônio Coelho em juízo “pe-
dindo certa quantia procedente da sociedade” constituída para as viagens
do bergantim São José Diligente, alegando que os valores repassados por
Manoel Antonio Coelho a seus netos eram inferiores aos que eles teriam
direito. Segundo Ribeiro, seu falecido genro tinha direito a 25% dos lucros
dos negócios da viagem da qual não voltara vivo para casa. Além desse
percentual, exigia ainda uma indenização pela morte do genro, para que
os órfãos dispusessem de capital para financiar novos investimentos. Por
fim, declarava temer pelo fim da sociedade, alegando que sem ela estavam
em risco todos os agricultores que haviam se associado ao genro na ex-
pectativa de bons negócios. Negócios esses que, segundo ele, envolviam
o “[...] futuro dos gêneros que carregavam de todos os interessados que
viviam no sertão que José Reginaldo se tornara administrador de toda
a negociação de qualquer viagem que o bergantim pudesse fazer para a
Costa da África, Porto de Calabar [...]”.19
José Reginaldo era, portanto, o cabeça de um grupo de agricultores do
Recôncavo (também chamado “sertão”, antiga designação colonial) que
se associaram para fazer negócios com comerciantes de maior porte da
Praça do Rio de Janeiro. Sendo Ribeiro um homem de prestígio (comer-
ciante e militar), aos olhos dos pequenos agriculturoes vizinhos do fale-
cido Reginaldo devia possuir prestigio e contatos para garantir o sucesso
da empreitada. Foi neste contexto que Reginaldo montou a viagem ao

17
Esclarece-se que a Baía de Biafra, ao longo de sua história no tráfico atlântico de escravos, tinha
três importantes portos: Calabar, também conhecido como “Velho Calabar”; Elem Calabari, tam-
bém conhecido como “Novo Calabar”; e, por último, Bonny. Neste texto, quando não for encontra-
da nenhuma distinção, estou me referindo ao primeiro deles. Ainda esclareço que esse critério foi
extraído da bibliografia internacional utilizada como referencia para este texto.
18
Neste processo e na documentação a ele juntada estão as informações aqui utilizadas para a elabo-
ração deste capitulo. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, doravante AN-RJ. Inventários: Juízo de
órfãos. José Reginaldo de Mello e Velho. Caixa 1122. Processo 346. Magé, 1811-1830.
19
AN-RJ. Processo 346. Magé, 1811-1830, p. 14.
chamado “porto de Calabar” com objetivo de vender farinha e comprar
escravos.
Em sua petição, Manoel Lopes Ribeiro afirmava que os sócios de seu
genro voltaram ao Rio de Janeiro com os valores da venda dos mantimen-
tos em Calabar e ainda negociaram todo o “carregamento” do bergantim,
ou seja, os escravos adquiridos; e acusava o comerciante Manoel Antônio
Coelho de ludibriar seus netos no montante a receber. Em defesa do genro
e de seus herdeiros alegava que “[...] José Reginaldo era o principal sócio
que contribuiu para a contratação dos mantimentos que foram carregados
pelo bergantim e a compra dos gêneros pelos comerciantes de Calabar”.20
Informava ainda que os netos haviam recebido apenas a quantia de
900 mil réis, referentes a quarta parte da arrematação do bergantim em
hasta publica, nada mais tendo os herdeiros recebido porque o réu, ou
seja, o comerciante Manoel Antonio Coelho, não concordara em prestar
contas das despesas, das receitas e dos lucros da referida “viagem redon-
da”. Por fim, exigia que os cálculos dos valores fossem refeitos em juízo
e fosse apresentado o “cálculo da quantia e da conta exata referentes à
viagem, bem como a apresentação de todos os papéis relativos à mesma”.
Em sua defesa, o réu Antônio Manoel Coelho apresentou novas informa-
ções sobre o caso. Segundo ele, quando o bergantim retornou de Calabar,
os “oficiais do mar” fizeram inventário de todos os bens a bordo, e disso
existiam cópias que foram distribuídas aos interessados, inclusive aos re-
presentantes do sócio falecido e a quarta parte dos ganhos disponibiliza-
dos na ocasião correspondia à quantia de 900 mil réis. O montante teria
sido abatido da dívida que o falecido acumulara com a sociedade, faltando
ainda 1:600$000 (um conto e seiscentos mil réis), que não cobrou aos
herdeiros devido ao infortuito por que passavam.
Declarou ainda que assim que chegou ao porto do Rio de Janeiro, deu
ciência dos fatos e das contas do bergantim ao senhor Manoel Lopes
Ribeiro, pois sabia que esse responderia pelos herdeiros de seu sócio que
eram menores de idade. Naquela ocasião, segundo suas palavras, propôs
a partilha dos escravos para que cada parte fosse vendida de acordo com
as conveniências de cada um, porém, o senhor Ribeiro não aceitara a pro-
posta. Uns escravos foram vendidos a dinheiro e outros a prazo. Como
resultado dessa longa negociação foi apurada a importante quantia de
16:600$258 (dezesseis contos, seiscentos mil e duzentos e cinquenta e
réis), cabendo a cada um dos quatro sócios 4:152$564 (quatro contos,
cento e cinquenta e dois mil e quinhentos e sessenta e quatro réis), da
qual abatida a dívida de 1:664$750 acumulada pelo falecido, daria um
saldo líquido de 2:487$814 (dois contos, quatrocentos e oitenta e sete mil
e oitocentos e quatorze réis) a ser entregue aos herdeiros. Coelho esclare-
ceu ainda que a diferença entre o total e os valores pagos correspondia aos
escravos vendidos a prazo, montante que seria entregue aos herdeiros tão
20
Ibidem.
logo os pagamentos fossem integralizados. Dessa forma, o senhor Coelho
encerrava sua defesa declarando que eram injustas as acusações contra
ele.
Não existem “ilhas historiográficas”. Todas as histórias estão conec-
tadas de alguma forma. As pequenas propriedades que produziam fari-
nha no Recôncavo da Guanabara tinham o seu lugar no mundo atlântico.
Esse processo mostra, num nível de detalhes não descrito por qualquer
outra documentação já citada, a efetiva participação de um agricultor do
Recôncavo nos amplos mercados formados pelas relações entre Brasil e
África, através do pouco lembrado porto de Calabar na Baía de Biafra. A
defesa do senhor Antônio Manoel Coelho, comerciante experiente, resi-
dente na cidade do Rio de Janeiro, dá a dimensão da diversificação dos
investimentos realizados nessas viagens. Por certo, a grandeza dos lucros
obtidos foi possível por conta do baixo custo das “mercadorias de parti-
da”, conseguida através da associação com o agricultor e produtor de fari-
nha José Reginaldo de Mello e Velho e seu grupo de pequenos produtores
do Recôncavo.
A associação desses dois homens mostra como, juntos, eles garantem
uma “mercadoria de partida” barata e assim ultrapassam as fronteiras do
comércio local para arriscar a sorte no outro lado do Atlântico. A análise
isolada do processo não permite detalhar as condições da viagem nem
dos negócios realizados nos portos atlânticos em que a embarcação teria
ancorado. Todavia, a denúncia feita pelo sargento Manoel Lopes Ribeiro
traz informações valiosas sobre as articulações de seu genro com outros
produtores de farinha para prover de boa carga o bergantim São José
Diligente, justificando assim uma viagem tão longa e arriscada. O proces-
so permite ainda identificar o modo como José Reginaldo se relacionava
com os comerciantes de Calabar, indicando seu conhecimento prévio des-
se porto e de seus negócios.21
No códice 242 do Arquivo Nacional,22 identifica-se o registro de uma
viagem do Rio de Janeiro para Calabar/Bony com escalas em São Tomé
e Príncipe e Benguela, no ano de 1810. Contudo, ao examinar “viagem
redonda” do Bergantim São José Diligente, percebe-se que foi realizada
no sentido inverso, iniciando em Benguela, subindo depois até Calabar e,
por último, descendo para uma parada em São Tomé, de onde a embarca-
ção retornou ao Rio de Janeiro. Se houve equivoco no registro, essa pode
ter sido a viagem do bergantim Diligente, que nesse caso teria tido como
21
Segundo Lovejoy e Richardson, os três portos da Baía de Biafra guardaram uma certa ascendência
em períodos específicos dos séculos XVIII e XIX. No trabalho consultado, tais autores indicam que
o início do século XIX foi um período de ascendência do “Velho” Calabar e de Bonny. Em função
disso, assume-se que as informações encontradas na documentação original tratavam desses por-
tos. Ver: LOVEJOY, Paul E.; RICHARDSON, David. The slave ports of the bight of biafra in the
eighteenth century. In: BROWN, Carolyn A.; LOVEJOY, Paul E. (Ed.). Repercussions of the Atlantic
Slave Trade: the interior of the bight of the biafra and the african diaspora. Trenton: Africa World
Press, 2010.
22
AN, Diversos. códice 242. Rio de Janeiro, 1795-1811.
destino Bonny. Se não, outra embarcação teria, no mesmo ano, seguido o
mesmo rumo do Diligente, provalmente com os mesmos objetivos.
Segundo Luís Felipe de Alencastro, no século XVII o Recôncavo da
Guanabara fornecia em torno de 680 toneladas anuais de farinha de man-
dioca para Angola e à medida que a demanda por escravos aumentava,
crescia o consumo de víveres em Luanda, a farinha entre eles. Portanto,
a farinha constituía uma das peças de encaixe na economia do Atlântico
Sul, fosse na alimentação das tripulações dos tumbeiros fosse para ali-
mentar os escravos que estavam nos portos africanos a espera de serem
embarcados, fosse como suprimento das tropas que protagonizaram as
“longas guerras brasílicas” em Angola.23
A importância da farinha de mandioca na produção agrícola do Rio de
Janeiro remonta o século XVIII, pode ser constatada na Tabela 1, cons-
truída a partir de informações do Relatório do Marquês do Lavradio ao
vice-rei Luís de Vasconcelos:

Tabela 1 – Produção agrícola das Freguesias


do Recôncavo do Rio de Janeiro (1769-1779)
Mercadorias Quantidade Unidade de Medida
Açúcar 464 Caixas
Aguardente 257 Pipas
Farinha 45.920 Sacos
Arroz 20.990 Sacos
Feijão 1.560 Sacos
Milho 1.315 Sacos
Fonte: Relatório do Marquês do Lavradio ao Vice-rei Luís de Vasconcelos (1769-1779). RIHGB, tomo 76, p. 327-328, 1913.

Açúcar e aguardente, tradicionalmente conhecidos como as principais


mercadorias produzidas pela Capitania do Rio de Janeiro, que tinham um
participação fundamental nas atividades comerciais do Atlântico não pro-
tagonizaram a produção agrícola das freguesias guanabarinas na segunda
metade século XVIII. Contudo, a farinha de mandioca tinha uma partici-
pação que girava em torno do dobro de todos os outros gêneros somados.
Assim, agregado às informações de que a farinha de mandioca de outras
regiões do país era concentrada no Rio de Janeiro, na primeira metade
do século XVIII, é possível afirmar: essa não era apenas uma mercadoria
de abastecimento regional, mas que seguramente também tinha uma im-
portante participação na dinâmica do comércio atlântico. A importância
crescente do porto do Rio de Janeiro na rede comercial constituída em
torno do Atlântico, no âmbito do império português, é analisada por João
Fragoso:

23
ALENCASTRO, Luís Felipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos
XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 251-256.
Trata-se sim, de perceber o aumento da complexidade que a economia do
Rio de Janeiro assume com o decorrer dos setecentos. Ela passa, lenta-
mente, a ser ponto de encontro de diferentes rotas de comércio interno
– leia-se dos diversos mercados regionais internos e das acumulações deles
derivadas –, um ponto fundamental para o comércio externo e, em par-
ticular, um entreposto na redistribuição colonial de produtos vindos do
reino e de outras partes do Império luso.24

Entre esses produtos estava a farinha produzida no Recôncavo da


Guanabara. O caso do senhor José Reginaldo de Mello e Velho não foi oca-
sional e os “caminhos” da farinha do recôncavo fluminense, percorridos
por barqueiros, carreiros e tropeiros não encontravam fim só no interior
de Minas Gerais ou nas ruas do Rio de Janeiro, eram também “mercadoria
de partida” para negócios realizados do outro lado do Atlântico em rotas
até agora impensadas que merecem mais atenção por parte dos historia-
dores do comércio atlântico. As viagens pelo Atlântico exigiam conheci-
mentos e cuidados específicos sobre as correntes e monções marítimas
que circulam entre os continentes europeu, africano e americano. Havia
épocas do ano em que a viagem era mais recomendada, quando os ventos
corriam nas direções favoráveis, facilitando a vida de capitães e marujos.
No geral, no século XIX, as rotas atlânticas eram as mesmas já percor-
ridas nos séculos anteriores, mas o conhecimento sobre elas se alargou,
assim como a qualidade das embarcações, o que permitia uma pequena
redução no tempo de travessia.25 É importante destacar que essa proximi-
dade entre os portos atlânticos não se dava apenas no âmbito das ativida-
des econômicas, mas também na própria dinâmica da administração do
Império português, como se pode verificar nas constantes transferências
de funcionários entre as colônias portuguesas do Atlântico.26 É importan-
te evidenciar que as conexões atlânticas também influenciaram as trans-
formações culturais que ocorreram entre os dois continentes, sobretudo,
porque o comércio de escravos representou a migração forçada de pessoas

24
FRAGOSO, João. A noção de economia colonial tardia no Rio de Janeiro e as conexões econômicas
do Império Português: 1790-1820. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVEA,
Maria de Fatima (Org.). O antigo regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-
XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 333.
25
Já no século XVI era conhecida uma rota então chamada “viagem larga” entre Lisboa e Luanda que,
dependendo da época do ano e das condições meteorológicas, fazia as embarcações aportarem no
Brasil de onde pegavam correntes mais favoráveis até Angola. No início do século XVII, o eixo das
trocas comerciais entre o Brasil e Angola passava pelo Recife (a 35 dias de viagem de Luanda), por
Salvador (a 40 dias de viagem) e Rio de Janeiro (a 50 dias) (FRAGOSO, João. A noção de economia
colonial tardia no Rio de Janeiro e as conexões econômicas do Império Português: 1790-1820. In:
FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVEA, Maria de Fatima (Org.). O antigo regime
nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI- XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Bra-
sileira, 2001. p. 249-251).
26
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Poder político e administração do complexo atlântico português
(1645-1808). In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda Batista; GOUVÊA, Maria de Fátima
(Org.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 285-315.
que carregavam suas tradições e seus signos que foram base para a ressig-
nificação cultural que ocorreu nas Américas.27
No século XIX, a farinha de mandioca já era bem conhecida nos mer-
cados africanos. Um outro argumento que pode fundamentar a hipótese
do Rio de Janeiro ter sido, por muitos anos, um centro de distribuição
da farinha de mandioca produzida no Brasil para os mercados atlânticos,
decorre da informação de que os excedentes de farinha do mercado de
Salvador eram encaminhados para o Rio de Janeiro. Segundo Barickman,
na década de 1820 muitas embarcações oriundas das vilas produtoras de
farinha no sul do Recôncavo Baiano eram enviadas para o Rio de Janeiro e
Pernambuco.28 Na edição de 19 de janeiro de 1822, o jornal Correio Carioca
registrou uma grande quantidade de farinha entrando no porto do Rio de
Janeiro, proveniente de várias regiões do sul da província, como a Ilha
Grande, termo de Angra dos Reis e outros carregamentos vindos de ou-
tras províncias, como Santa Catarina.29 Certamente essas viagens já acon-
teciam antes e se multiplicaram com a chegada da Corte ao Rio de Janeiro
e o consequente aumento da população na cidade. Mas seria esse o único
motivo dessa transferência de farinha da Bahia para o Rio de Janeiro?
Quem seriam os consumidores desta farinha? A hipótese aqui levantada é
que parte dessa farinha deixava novamente o porto do Rio de Janeiro com
destino aos portos africanos, e que esse comércio tem sido menosprezado
pela historiografia e precisa ser melhor analisado.
Por trás de todos esses circuitos comerciais estava o interesse dos
comerciantes do Rio de Janeiro, em particular no comércio de escravos.
Sobre isso, Roquinaldo Ferreira afirma:

Por trás do fluxo constante de homens e mulheres despejados nos portos


brasileiros, estavam interesses locais satisfeitos por um número bastante
limitado de mercadorias desses interesses não era óbvia. No início, foram
necessários tempo e resolução de conflitos até o alcance de uma conver-
gência de interesses. Só então foram montadas as eficientes redes de cap-
tura e transporte que anualmente despejaram milhares de cativos nos
portos do Brasil.30

O comércio de escravos compreendia um emaranhado de interesses


econômicos distribuídos nos dois lados do Atlântico. Ao longo das últi-
mas décadas muitas pesquisas têm se voltado para o tema. Em trabalho
27
MILLER, Joseph C. Way of death: merchant capitalism and the Angolan Slave Trade, 1730-1830.
Madison: The University of Wisconsin Press, 1988.
28
BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo,
1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 137.
29
Correio Carioca, n. 009, Sábado, 19.01.1822.
30
FERREIRA, Roquinaldo. Dinâmica do comércio intracolonial: geribitas, panos asiáticos e guerra no
tráfico angolano de escravos, século XVIII. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda Batis-
ta; GOUVÊA, Maria de Fátima (Org.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa
(séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 341.
pioneiro, Pierre Verger analisou a rota entre a Bahia e a costa ocidental
africana, desvendando não só o comércio de escravos, mas os caminhos
do ouro e do tabaco negociados nos portos da Baía do Benim, mais conhe-
cida como Costa da Mina, entre os séculos XVII e XIX. Manolo Florentino
apontou para o comércio de escravos entre o Rio de Janeiro e Luanda, a
partir da década de 1790 até aos primeiros 30 anos do século XIX, rota
esta também investigada por Luís Felipe de Alencastro para o século XVII.
Por fim, Mariza Soares, enfatizando a distinção entre rotas majoritárias e
minoritárias, enfocou a rota entre a Costa da Mina e o Rio de Janeiro no
século XVIII.31
Se na rota baiana para a Costa da Mina o tabaco era o produto de maior
aceitação, em Angola a aguardente e o açúcar de baixa qualidade tinham
preferência. O historiador Joseph Miller destaca a correlação entre o uso
desses produtos nos mercados africanos:

[...] em um sistema assemelhado ao uso da geribita pelos comerciantes


do Rio na compra de escravos de Benguela e Luanda. [...] Vendiam cacha-
ça e tabaco aos negociadores em terra, como faziam os luso-africanos em
Angola, que organizavam a complexa variedade de mercadorias africanas
na demanda por seus escravos, e retornavam ao Brasil com pouco trabalho
realizado, mas também com uma operação de baixo custo financeiro.32

Esse baixo custo financeiro apontado por Miller pode ser também
identificado no Brasil quando os comerciantes usavam sua própria farinha
como “mercadoria de partida”, reduzindo assim os riscos e os custos do
negócio de escravos. Avançando nas conclusões de Miller – que se ocupou
apenas do comércio entre Luanda e Rio de Janeiro –, Roquinaldo Ferreira
vem estudando também as conexões entre comerciantes de Angola e da
Bahia. Na mesma direção, Luciene Reginaldo apresentou o impacto social
dos escravos da África centro-ocidental na população escrava de Salvador
e do Recôncavo Baiano. Em contrapartida, como desdobramento da pes-
quisa de Soares sobre os africanos chamados “minas”, na cidade do Rio
de Janeiro, uma coletânea recente reúne resultados de pesquisa de vários
historiadores ocupados com as relações comerciais entre o Rio de Janeiro
e a Baía do Benim, reforçando a necessidade de uma investigação combi-
nada das rotas majoritárias e minoritárias nos quatro principais portos
do Atlântico para o comércio de escravos no Brasil: de um lado, Rio de
31
VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo do Benin e a Bahia de Todos
os Santos dos séculos XVIII e XIX. São Paulo: Corrupio, 1987; FLORENTINO, Manolo. Em costas
negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia
da Letras, 1997; ALENCASTRO, Luís Felipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlân-
tico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000; SOARES, Mariza de Carvalho
(Org.). Rotas atlânticas da diáspora africana: da Baía do Benin ao Rio de Janeiro. Niterói: EdUFF,
2007.
32
MILLER, Joseph. A economia política do tráfico angolano de escravos no século XVIII. In: PANTO-
JA, Selma; SARAIVA, José Flávio Sobra (Org.). Angola e Brasil: nas rotas do Atlântico Sul. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. p. 27.
Janeiro e Salvador, de outro os portos da Costa da Mina e da costa centro
ocidental.33
Todos esses trabalhos têm sido fundamentais para o avanço das in-
vestigações sobre as consideradas grandes rotas comerciais entre o Brasil
e a África na vigência do comércio atlântico de escravos, legal ou ilegal.
Todavia, de alguma forma, esses trabalhos inibiram as investigações so-
bre outras rotas do ponto de vista dos negociantes do Brasil que serviam
como alternativas ao comércio controlado por negociantes de maior por-
te. Em todos os casos têm sido deixados de lado pelos historiadores do
Brasil os portos da Baía de Biafra. É nesse espaço de rotas minoritárias –
face ao número global de escravos importados – que se situa a rota entre
o Rio de Janeiro e os portos da Baía de Biafra aqui estudada. Importante
destacar que não se trata de uma rota minoritária – se considerado o volu-
me de escravos exportados a partir de Bonny e Velho Calabar ao longo dos
séculos. Assim como no caso da rota da Baía do Benim, ela é minoritária
para o Rio de Janeiro.

A “viagem redonda” e as mercadorias negociadas

Volto então ao caso do bergantim São José Diligente. A dita “viagem


redonda” por ele realizada remete a uma multiplicidade de portos – e não
a uma rota bilateral, como usualmente as rotas são tratadas. Os dados
apresentados pelo Transatlantic Slave Trade Database, de algum modo já
mostram essa circularidade quando indicam o embarque de escravos em
vários portos diferentes, assim como o seu desembarque em mais de um
porto. Entretanto, a disponibilidade dessas informações não tem incenti-
vado os estudiosos a pensar essa multiplicidade de modo a questionar os
modelos bilaterais construídos e reiterados em várias obras. Para avançar
nessa reflexão, o caso do bergantim São José Diligente dá pistas impor-
tantes, mostrando os interesses dos membros da sociedade constituída
por Reginaldo e seus parceiros. Em primeiro lugar, optaram por um porto
pouco frequentado pelos comerciantes da Praça do Rio de Janeiro, depois,
investiram numa viagem com múltiplas paradas, por uma variedade de
produtos a serem negociados para, por fim, com o lucro obtido, comprar
os escravos no porto de Calabar. Ao que tudo indica, a historiografia sobre
o comércio atlântico de escravos tem focalizado a etapa final de muitas
dessas viagens, deixando de lado uma parte considerável das rotas segui-
das, dos negócios realizados e da história a ser contada. Para que tal pers-
pectiva seja melhor esclarecida apresento a seguir a grande diversidade
de mercadorias e de serviços, além dos inúmeros portos visitados pela
tripulação do bergantim São José Diligente.

33
SOARES, Mariza de Carvalho (Org.). Rotas atlânticas da diáspora africana: entre a Baía do Benim e
o Rio de Janeiro. Niterói: EdUFF, 2007.
O movimento das mercadorias negociadas ao longo da viagem pode
ser estabelecido a partir do próprio processo judicial estudado. Por de-
terminação da Justiça, foi a ele anexada uma declaração do réu, Manoel
Antônio Coelho, com a descrição de todas as despesas e receitas relativas
às negociações realizadas pela tripulação no período de 12 a julho e 31
de outubro de 1811. Também foram relacionadas todas as despesas com
manutenção, serviços públicos, mão de obra e suprimentos. Além disso,
foram registradas duas longas listas com todas as mercadorias levadas do
Brasil e vendidas na África, e vice-versa.
Para facilitar a leitura do registro contábil, organizei dois quadros com
as despesas e as receitas, com as respectivas listas das mercadorias con-
tidas num anexo ao processo, apresentado em defesa do réu. É claro que
a fonte analisada exige uma dose redobrada de crítica por ter sido produ-
zida pelo próprio réu, em sua defesa. Percebe-se em todo o processo uma
nítida intenção de diminuir a importância da viagem, bem como de seus
lucros. Todavia, mesmo com a ausência de informações ou a quase certa
alteração de valores, os dados apresentados são reveladores da complexa
atividade comercial realizada.

Quadro 1 – Despesas do São José Diligente, 1811


Local Negócios Forma de negociação Valores
São Tomé Manutenção Compra de uma âncora de ferro, 90$000
por ter se perdido duas
São Tomé Manutenção Compra de miudezas para o navio 107$600
São Tomé Serviço público Direitos por 272 escravos 952$000
São Tomé Suprimento Compra de comestíveis 434$490
Benguela Suprimento Compra de comestíveis 366$020
Benguela Suprimento Compra de comestíveis 574$990
Benguela Manutenção Várias outras coisas compradas 422$490
na conta do capitão
Calabar Compra Aquisição e frete de escravos 6:325$000
RJ Serviço público Direitos de alfândega pelo açúcar, 52$700
fumo e aguardente
RJ Serviço público Despesas com Alfândega 8$320
RJ Remuneração Soldada do Capitão 1:800$000
RJ Remuneração Idem Cirurgião 280$000
RJ Remuneração Piloto 240$000
RJ Remuneração Para Antônio, João Domingos 86$268
e Francisco de Castro pelo
transporte e cuidados com a
ração consumida
RJ Remuneração Para dois escravos que 64$000
trabalharam ao longo de toda a
viagem
RJ Remuneração Para Euzébio José Gomes 2$860
Local Negócios Forma de negociação Valores
RJ Remuneração Para João Marques Ribeiro pela 9$600
contagem dos escravos
RJ Aluguel De canoas usada para ir e vir a $640
bordo
RJ Serviço público Despachante 6$400
RJ Serviço público Visita da Saúde para o 539$500
desembarque
TOTAL 11:357$598
Fonte: Arquivo Nacional. Inventários: Juízo de órfãos. José Reginaldo de Mello e Velho. (Anexos). Caixa 1122. Processo 346. Magé,
1811-1830.

Note-se que até aqui não tinham sido incluídas as despesas e a revista
da compra dos escravos comprados no porto de Calabar, nem tampouco a
considerável quantidade de farinha aí vendida.

Quadro 2 – Receitas do bergantim na viagem redonda, 1811


Local Tipo de negócios Negociação Valores
São Thomé Transporte Do passageiro José dos Santos 16$500
Pacheco pela ida e vinda a São
Thomé
Calabar Frete de Entrega de diversas mercadorias 2:794$851
mercadorias naquele porto
Calabar Comércio Venda de mercadorias 2:246$705
transportadas do Rio de Janeiro
Calabar Comércio Venda de mercadorias para o 29$200
cirurgião
Benguela Frete de Dinheiro recebido pelo 160$750
mercadorias transporte da farinha de
Antônio Carvalho Ribeiro que
tomou conta para Francisco
Marques
Benguela Frete de Dinheiro recebido por entregar 13$600
mercadorias na forma de carregação do navio
Benguela Frete de Referente ao carregamento de 447$150
mercadorias cinco dedº tirado do paiol do
navio
Rio de Comércio Venda em separado de 4 100$000
Janeiro escravos para o Capitão do
Navio
Rio de Comércio Venda de mercadorias trazidas 964$590
Janeiro do porto de Calabar
Rio de Comércio Venda dos escravos por 16:600$000
Janeiro encomenda e aleatórios
Rio de Comércio Mercadorias importadas para 451$000
Janeiro vender
TOTAL 23:823$746
Fonte: Arquivo Nacional. Inventários: Juízo de órfãos. José Reginaldo de Mello e Velho. (Anexos). Caixa 1122. Processo 346. Magé,
1811-1830.
Se comparados o total da despesa (11:357$598) com o total da receita
(23:823$746) vê-se que, mesmo daí deduzidos ainda os riscos do empre-
endimento, os custos da embarcação e outros, os números demonstram
ter sido o empreendimento bem lucrativo.
Uma análise cuidadosa dos quadros mostra que a principal atividade
econômica era o comércio de escravos. Uma comparação entre os valores
investidos e os valores arrecadados com o “negócio de almas”, percebe-se
que o investimento é quase triplicado. Na ponta oposta dos negócios está
um comércio miúdo, difícil de ser avaliado: o da venda de outras merca-
dorias oriundas das roças e engenhos do Recôncavo da Guanabara nos
portos africanos. Além da farinha, foram arroladas no inventário do ber-
gantim aguardente, tabaco, açúcar, arroz, entre outras. Essas mercadorias
eram certamente usadas como suprimento da tripulação, mas poderiam
também, em certa medida, entrar no rol dos produtos vendidos.
Os proprietários do São José Diligente tinham ainda outras formas
para a arrecadação de numerários. Em primeiro lugar aparecem as ativida-
de de frete e transporte de pessoas e mercadorias, mostrando a diversida-
de de negócios ao lado do comércio de escravos. Muitos comerciantes que
tinham negócios entre o Brasil e a África não tinham, necessariamente,
embarcações para deslocar suas mercadorias. Dessa forma, associavam-
-se a proprietários e capitães das embarcações para frete. De acordo com
os depoimentos extraídos do processo o bergantim foi a Benguela onde
foram entregues algumas mercadorias transportadas a título de frete. Ali
foi vendida uma parte da farinha, bem como aguardente e fumo. Também
ali embarcou um comerciante com destino a Calabar, a parada seguinte da
embarcação. Em Calabar, mais farinha e outras mercadorias foram vendi-
das e desembarcadas – encomendas que estavam no bergantim a título de
frete; e foram finalmente adquiridos 272 escravos (nem todos chegaram
ao Rio de Janeiro, devido à mortandade na viagem). De Calabar, a viagem
prosseguiu para a Ilha de São Tomé, onde foram realizados os despachos
burocráticos para legalizar as mercadorias a serem transportadas para o
Rio de Janeiro.34

Uma parada em Benguela

Embora por sua particularidade o capítulo esteja voltado para o co-


mércio de escravos com a Baía de Biafra, não se pode ignorar a importân-
cia de Benguela na viagem do São José Diligente onde, acredito, a farinha
de mandioca foi também uma mercadoria atlântica muito mais negociada
do que a historiografia tem estabelecido.35

34
Para visualizar as paradas da “viagem redonda” aqui estudada ver mapa inserido neste capítulo.
35
Para isso, estou desenvolvendo o projeto “Escravidão, Tráfico e Farinha: um novo olhar sobre as
relações atlânticas entre Rio de Janeiro e Benguela, 1790-1830”, com financiamento do Programa
Nacional de Pesquisa da Biblioteca Nacional e do Ministério da Cultura (2010-2011).
Benguela era um dos mais importantes portos transatlânticos.
Fundada em 1617 entre os rios Katumbela e Kapondo, Benguela foi
sempre parada das rotas portuguesas para reparo de embarcações e su-
primentos, água em especial, mesmo antes de se tornar um importante
porto exportador de escravos. Somente Ajudá (Whydah, Uidá, Ouidah),
Luanda e Bonny superaram Benguela no cômputo geral da exportação de
escravos para as Américas.36 Mariana Cândido explorou os pontos de liga-
ção entre o comércio escravo, o movimento das fronteiras e a formação da
identidade em Benguela. Assim, procurou analisar o impacto do comércio
atlântico de escravos na região, procurando perceber as estreitas relações
entre os luso-africanos e os crioulos escravistas no processo de disponi-
bilizar escravos para as demandas atlânticas, a reconfiguração social im-
plicada por essas relações bem como os impactos do comércio atlântico
de escravos na sociedade de Benguela. Mariana Cândido também acen-
tua que as relações comerciais entre o litoral e o interior do sudeste de
Angola, identificando o sal, a geribita, os tecidos asiáticos, entre outras,
como as mercadorias preferidas nos mercados africanos para a aquisição
de escravos.37
Benguela ganhou dimensões mais precisas para os interesses do
Império quando foi tornada referência para a ocupação portuguesa ao sul
do rio Kwanza. Uma região de diferentes reinos que mantinham posturas
antagônicas tornou-se um lugar de grande quantidade de escravos que
passaram a ser adquiridos em feiras e repassados para comerciantes flu-
minenses. Não há dúvida de que Benguela era uma das principais fontes
de escravos encaminhados para o Brasil, sobretudo para o sudeste bra-
sileiro. Segundo Joseph Miller, os brasileiros começaram a exportar es-
cravos de Angola em grande escala a partir de 1710, quando ocorreu um
aumento de 2 mil escravos até 1730, chegando a um pico de 8 ou 9 mil
por volta de 1784-1795.38 A necessidade de escravos para serem empre-
gados nos mais variados setores da economia brasileira, as correntes ma-
rítimas e a proximidade geográfica com o porto carioca, a disponibilidade
de escravos nas feiras e mercados ao sul do rio Kwanza e o interesse por
determinadas mercadorias de origem fluminense, sem dúvida são razões
que podem explicar uma relação tão estreita. Ainda segundo Mariana

36
CÂNDIDO, Mariana Pinho. Enslaving frontiers: slavery, trade and identity in Benguela, 1780-1850.
PhD Dissertation in History. Toronto: York University, 2006.
37
Ibidem.
38
MILLER, Joseph. A economia política do tráfico angolano de escravos no século XVIII. In: PAN-
TOJA, Selma; SARAIVA, José Flávio Sobra (Org.). Angola e Brasil: nas rotas do Atlântico Sul. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. p. 63. Segundo a historiadora angolana Rosa Cruz e Silva, “...
conduziu Benguela em direção ao portos brasileiros, milhares e milhares de homens, feitos embar-
car para um novo mundo, para responder em primeira instância às solicitações de uma economia
para a qual a mão de obra barata resgatada em África constituía a pedra basilar para o seu desen-
volvimento.”( SILVA, Rosa Cruz e. Benguela e o Brasil no final do século XVIII: relações comerciais
e políticas. In: PANTOJA, Selma; SARAIVA, José Flávio Sobra (Org.). Angola e Brasil: nas rotas do
Atlântico Sul. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. p. 127).
Cândido, os comerciantes brasileiros dominaram o comércio de escravos e
de outras mercadorias em Benguela. Muitas embarcações brasileiras fre-
quentavam o porto de Benguela, o que levou um fluxo intenso entre o
Brasil e aquela região centro-africana. As mercadorias e os interesses de
comerciantes brasileiros estimulavam os empreendimentos de sertanejos
e pombeiros que organizavam caravanas em direção ao interior da África
Central, onde muitos escravos eram adquiridos, entre outros lugares, nas
feiras de onde vinham a maioria dos escravos vendidos em Benguela com
destino aos portos brasileiros.39
Após Benguela e a Baía de Biafra, o bergantim São José Diligente fez
ainda uma parada na Ilha de São Tomé, obrigatória para registro alfan-
degário e apresenta uma novidade interessante já que além dos escravos,
também gêneros alimentícios foram despachado para o Brasil, sob a res-
ponsabilidade do capitão, indicando que devem ter sido adquiridos em
Benguela ou Calabar. A importância da passagem por São Tomé deveu-se
a reparos na embarcação e resolução de questões burocráticas e adminis-
trativas. Em São Tomé também embarcaram para o Rio de Janeiro outros
quatro passageiros, todos comerciantes. Essa variedade de transações e
serviços mostra que outras atividades orbitavam em torno do comércio
de escravos estreitando e reforçando os vínculos entre os portos do Brasil
e da África. Por fim, é importante ressaltar a predominância de produtos
manufaturados, sobretudo tecidos, comprados na costa africana, o que
demonstra que esses portos também eram lugares para a negociação de
mercadorias trazidas de outros lugares, Europa e Oriente, ampliando com
isso ainda mais as redes comerciais que atravessam o Atlântico.
O porto de Benguela era bem conhecido dos comerciantes de escravos
que atuavam na cidade do Rio de Janeiro. Já Calabar e Bonny fogem às
expectativas dos estudiosos do comércio de escravos destinados ao Rio de
Janeiro. Esparsas referências a escravos vindos de Calabar na cidade do
Rio de Janeiro no século XIX aparecem nos livros de batismo. Entre eles,
Soares cita o livro da Freguesia de São José onde constam 38 escravos
identificados como Calabar, sendo 12 mulheres. Também na Irmandade
de Santo Elesbão e Santa Efigênia, da mesma cidade, frequentada por
“pretos-minas”, foram encontrados sete calabares.40 Embora os motivos
que levaram esses comerciantes do Rio de Janeiro a escolherem o porto
de Calabar não fiquem claros nas fontes encontrados, uma das hipóteses
é a de que o motivo esteja associado à oferta dessas mercadorias ingle-
sas41 que, além dos escravos, interessavam aos comerciantes fluminenses,
39
Ver CÂNDIDO, Mariana Pinho. Enslaving frontiers: slavery, trade and identity in Benguela, 1780-
1850. PhD Dissertation in History. Toronto: York University, 2006. p. 126-131.
40
SOARES, Mariza de Carvalho. From Gbe to Yoruba: ethnic changes within the Mina Nation in Rio
de Janeiro. In: FALOLA, Toyin; CHILDS, Matt (Org.). The Yoruba Diaspora in the Atlantic World.
Bloomington: Indiana University Press, 2004. p. 236-237.
41
SPARKS, Randy J. The two princes of Calabar: na eighteenth-century Atlantic odyssey. Cambridge:
Harvard University Press, 2004.
haja vista que algumas delas foram adquiridas pelos comerciantes do
Recôncavo naquele porto centenas de peças de chitas, lenços e outros pa-
nos, outras centenas de tesouras, “lindezas”, barras de ferro, maços de
coral, barris de chumbo, navalhas, facas e facões foram trazidos da costa
africana. Além disso, mesmo não constando no despacho feito em São
Tomé quando do inventario da carga do São José Diligente, houve tam-
bém a importação para o Brasil de pistolas, canhões e pólvora adquiridos
no porto de Calabar.42
As grandes rotas atlânticas eram forjadas de acordo com as demandas
de cada viagem e suscitadas pelos diversos interesses dos muitos agentes
envolvidos nas costas africanas e brasileira. Desta forma, os mecanismos
do comércio atlântico de escravos se multiplicavam e, para o seu entendi-
mento, é preciso levar em consideração os diferentes sistemas de crédito,
a diversidade das estratégias africanas para atender à demanda por es-
cravos. Assim, as diferentes mercadorias negociadas ao lado dos escravos
nos portos atlânticos da África precisam ser melhor analisadas, entre elas
uma das mais importantes, como demonstrei neste capitulo, foi a farinha
de mandioca produzida no recôncavo do Rio de Janeiro.

42
AN. Inventários: Juízo de órfãos. José Reginaldo de Mello e Velho (Anexos). cx. 1122. Processo
346. Magé, 1811-1830.
Referências
I - Fontes

I.1. Fontes manuscritas

Arquivo da Cúria Diocesana de Nova Iguaçu - ACDNI

• Livro de Batismos, Matrimônios e Óbitos de Escravos da Freguesia


de Santo Antonio de Jacutinga, 1686-1721.

Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro - ACMRJ

• Habilitações Matrimoniais.
• Livro de Óbitos e Testamentos da Freguesia da Sé, 1776-1784.
• Livro de Óbitos de escravos da Freguesia de Santa Rita,1812-1818.
• Livro de Óbitos de escravos da Freguesia de Santa Rita, 1824-1830.
• Livro de Óbitos de escravos da Freguesia de Santa Rita, 1820-1832.

Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro - AGCRJ

• Códices 46, 58 e 61.


• Ofício da Secretaria de Estado de Negócios para o Senado da
Câmara de 21/04/1823.
• Livros de Décima Urbana das freguesias de São José, Sé, Santa Rita
e Parte do Engenho Velho - 1809-1831.
• pedidos de licença para escravos de ganho.

Arquivo Histórico Ultramarino - AHU

• Códices 225 e 226


• Avulsos, Rio de Janeiro, cx. 13 e 84.

Arquivo do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro – AMSB/RJ

• Códices 39, 55, 147, 1143 e 1161.


Arquivo Nacional do Rio de Janeiro – AN/RJ

• Códices 70, 73, 204, 403 (vols. 1 e 3), 410, 425, 424, 484.
• Inventários: Juízo de órfãos. José Reginaldo de Mello e Velho.
Caixa 1122. Processo 346. Magé, 1811-1830.
• Série documentos biográficos. Agostinho Hoffman, c 233,5.
• Série Marinha. Ministério/Secretaria de Estado. B2 – XM – 787.

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro – BN/RJ

• Guarnição do Rio de Janeiro com seus uniformes e mappas do nú-


mero de homens tanto dos regimentos pagos como dos auxiliares
feito por José Correa Rangel ajudante de infantaria com exercício
de engenheiro 1786.
• Representação dos proprietários, consignatários e armadores de
resgate de escravos dirigida a S.A.R., Rio de Janeiro, 1811 – códice
I, 17-12-1; códice II, 34-27-15; códice II, 34-26-19.

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do a notícia de sua navegação às Índias orientais, ilhas de Maldiva, Maluco,
e ao Brasil, e os diferentes casos, que lhe aconteceram na mesma viagem nos
dez anos que andou nestes países: (1601 a 1611) com a descrição exata dos
costumes, leis, usos, polícia, e governo: do trato e comércio, que neles há:
dos animais, árvores, frutas, e outras singularidades, que ali se encon-
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Os autores
Organizadores

Mariza de Carvalho Soares


Professor Associado do Departamento de História e do Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora
1d do CNPq. Autora de Devotos da Cor: Identidade étnica, religiosidade e
escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII (Civilização Brasileira, 2000);
Episódios da história afro-brasileira (em co-autoria com Ricardo Salles,
FASE, 2004); organizadora da coletânea Rotas Atlânticas da Diáspora
Africana: da Baía do Benim ao Rio de Janeiro (EdUFF, 2007).

Nielson Rosa Bezerra


Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense; Diretor de
Pesquisa e Assuntos Pedagógicos do Centro de Referência Patrimonial
e Histórico de Duque de Caxias e da Baixada Fluminense; atual Bolsista
de Produtividade de Pesquisa da Biblioteca Nacional; coordenador do
Projeto “Escravidão, Farinha e Comércio na Baixada Fluminense, séculos
XIX e XX” que recebe apoio da Linha Memória e Patrimônio da Secretaria
Estadual de Cultura do Rio de Janeiro. Autor de As chaves da Liberdade:
confluências da escravidão no Recôncavo do Rio de Janeiro, 1833-1888
(EdUFF, 2008).

Autores

Camila Baptista Dias


Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense; coordena-
dora da equipe de Planejamento Institucional de Educação Assistida por
Meios Interativos-NEAMI/UFF; professora da rede estadual de ensino do
Rio de Janeiro.

Cláudio de Paula Honorato


Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense; membro do
Instituto de Pretos Novos do Rio de Janeiro; professor do Departamento
de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Duque de
Caxias; professor da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro.

Denise Vieira Demétrio


Doutoranda em História pela Universidade Federal Fluminense; atual
bolsista da CAPES; coordenadora assistente do Laboratório de História
Oral e Imagem-LABHOI/UFF.

Juliana Barreto Farias


Historiadora e jornalista; doutoranda em História pela Universidade de
São Paulo; atual bolsista do CNPq; colunista da Revista de História da
Biblioteca Nacional; autora de No labirinto das nações: africanos e identida-
des no Rio de Janeiro, século XIX. (em co-autoria com Flávio Gomes e Carlos
Eugênio Líbano, Arquivo Nacional, 2005); Cidades negras: africanos, criou-
los e espaços urbanos no Brasil escravista do século XIX. (em co-autoria com
Carlos Eugênio Líbano Soares, Flávio dos Santos Gomes e Carlos Eduardo
Moreira, Alameda, 2008)

Lucimar Felisberto dos Santos


Doutoranda em História pela Universidade Federal da Bahia; atual bol-
sista do Programa Internacional de Bolsas de Pós Graduação da Fundação
Ford.

Michel Mendes Marta


Bacharel em História pela Universidade Federal Fluminense; mestrando
pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
Fluminense.

Paulo Henrique Silva Pacheco


Mestre em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro;
pesquisador do Laboratório de Estudo das Diferenças e Desigualdades
Sociais-LEDDES/UERJ; professor de História da Prefeitura Municipal de
Magé.

Ynaê Lopes dos Santos


Doutoranda em História pela Universidade de São Paulo; atual bolsista
de doutorado da Fundação de Amparo a Pesquisa de São Paulo-FAPESP.
Coleção História
1. As Repúblicas no Brasil: política, sociedade e cultura
Jorge Ferreira (Organizador)
2. Escravidão Africana no Recôncavo da Guanabara, XVII-XIX
Mariza de Carvalho Soares e Nielson Rosa Bezerra
(Organizadores)
PRIMEIRA EDITORA NEUTRA EM CARBONO DO BRASIL

Título conferido pela OSCIP PRIMA (www.prima.org.br)


após a implementação de um Programa Socioambiental
com vistas à ecoeficiência e ao plantio de árvores referentes
à neutralização das emissões dos GEE's – Gases do Efeito Estufa.

Este livro foi composto na fonte Chaparral Pro, corpo 11.


Impresso na Globalprint Editora,
em papel Pólen Soft 80g gramas (miolo) e Cartão Supremo 250 gramas (capa)
produzido em harmonia com o meio ambiente.
Esta edição foi impressa em março de 2011.

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