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AULA 6 – UMA LONGA INTRODUÇÃO AO SEGUNDO

REINADO
1. Introdução
Nesta exposição, como mencionado, será apresentado o ambiente cultural do Rio de Janeiro,
que é o mesmo de todo o Brasil, e será feito um recorte dentro do recorte no que será exposto
sobre cultura. Indica-se a obra de Adolfo Morales do Los Rios Filho, chamada O Rio de Janeiro
Imperial. Este livro é técnico, cheio de dados e recursos, fontes, documentos e indicações, e
aborda o Rio de Janeiro imperial, seu desenvolvimento urbano, suas ruas, as procissões
religiosas, as músicas, os folclores etc. Quando se fala de Império, necessariamente, o Segundo
Império está intimamente ligado não apenas ao termo, mas ao imaginário popular.
A lembrança nostálgica de um Império é muito viva, principalmente no Rio de Janeiro. A
presença física de Dom Pedro II ainda é muito sentida neste lugar, ainda que nem sempre
assumida e compreendida.

2. O ambiente cultural do Rio de Janeiro


O Brasil tem uma história curta, comparada à outras nações, mas ainda assim densa sob o
ponto de vista historiográfico. Várias vezes foram falados temas ora distintos, ora simétricos,
por exemplo. No que envolve cultura em um país com essas proporções, não é possível que se
mencione de tudo, mas homens como Câmara Cascudo são bons caminhos. As revistas culturais
que os Estados promoveram e o mundo quase inexplorado das escritoras brasileiras no século
XIX também são meios para entender este mundo cultural.
Sendo, portanto, impossível estudar o ambiente cultual do Brasil como um todo, o Rio de
Janeiro é utilizado como instrumento para falar dele, pelo fato de que este lugar foi a capital do
Império e o polo cultural do país. Traz em si toda uma história e a tradição brasileira,
diferentemente da atual capital, Brasília. Pode-se fazer uso de fontes materiais comparadas e
ver, por exemplo, as diferenças entre a Catedral de Brasília (primeira imagem abaixo) e a Antiga
Sé do Rio de Janeiro (segunda imagem abaixo):

Há um legado imperial e histórico na Antiga Sé, enquanto a Catedral de Brasília idealiza


um questionável futuro. Ou seja, uma está voltado ao tempo, à realidade, ao passado e, portanto,
enraizada em alicerces conservadores; a outra é revolucionaria, progressista e idealiza o tipo de
homem ideal. Esse exemplo foi utilizado para mostrar que o Rio de Janeiro tem um legado
colonial e português e o de uma cultura que não é estanque, uma vez que durante a República
Velha e parte do período Vargas, neste lugar continuará sendo desenvolvido um ambiente
cultural urbano a nível nacional, e não apenas a nível regional.
Portanto, falar do Rio de Janeiro no século XIX é falar da Capital imperial e cultural do
Brasil. Não é porque se é capital do país que ela necessariamente cumprirá o papel de voltar os
olhares do homem para o passado, pois atualmente Brasília não consegue fazer isso. Por este
motivo, foi feito o recorte de ambiente cultual do Império a partir de algumas facetas do Rio
imperial.
Além disso, o recorte dentro do recorte foi feito porque não é possível abordar as micro-
expressões culturais à exaustão. Como exemplo, as festas religiosas têm características
marcantes, como a de São Benedito e a do Divino Espírito Santo: são festas católicas, mas
tinham públicos e formas de expressões muito diferentes.

3. Ambiente livresco e literário


O que aqui pretende-se falar está ligado a um aperfeiçoamento intelectual, que está
representado a partir de algumas materializações, como em livros. Quando se avança em uma
leitura; quando se compra um clássico ou se progride dentro de um tema, o que se sente é que
se está promovendo um aperfeiçoamento cultural. Muitas vezes de maneira testemunhal e
outras de maneira coletiva: a biblioteca de algum grupo promove este aperfeiçoamento de
maneira coletiva, e a de um individuo em sua casa, de maneira privada.

3.1. Livrarias
Adolfo Morales de Los Rios Filho cita uma série de principais livrarias da primeira metade
do século XIX e mostra que a vendagem de livros não era pequena. Muitos nomes em francês
e outros estrangeiros; muitos livros e traduções recém iniciadas; muitos livros no seu original;
muitos autores brasileiros que inclusive escreveram seus textos em francês, como Nabuco, por
exemplo: esse era o ambiente da época. Sem discutir o ideal francês de parte do século XIX
durante os conflitos de aspiração ora inglesa, ora francesa, ora de repudio ao legado português,
neste período, dentro de seus homens alfabetizados, havia uma venda significativa de livros, de
maneira proporcional, logicamente.
Uma das críticas feita a Dom Pedro II, era a de que ele, tão erudito, era imperador de um
país com muitos analfabetos. Esta, no que tange o citado, é um tanto quanto injusta, pois ele
não organizou o século XIX e o Segundo Império sozinho. É simplista culpar especificamente
o homem que está no poder como culpado por todo o desenvolvimento histórico, ainda que
tenha culpa. É possível que se discorde dele, mas não se pode ser injusto no que envolve o seu
próprio mérito enquanto indivíduo, pois se assim fosse feito, seria relegado o seu legado cultural
de ter sido o mecenas de homens como Carlos Gomes e de outros tantos notáveis da música, da
escultura etc.
3.2. As bibliotecas
Para falar das bibliotecas, é preciso ter em mente que há uma continuidade. Por exemplo,
quando se fala da Biblioteca Nacional, fala-se de Dom João VI e de um aperfeiçoamento técnico
e científico durante o Segundo Reinado, ou seja, algo contínuo. Adolfo Morales diz que:
“Há aqui uma forma de organização em que a principal das instituições públicas de
difusão do saber era a Biblioteca Nacional (...) é a sexta maior biblioteca do mundo”.

É possível ver o quão paradoxal é o Brasil possuir a sexta maior [1] biblioteca do mundo e
não ter uma universidade entre as cem melhores do planeta. E mais do que isso: ter um número
tão pífio de leitores. Segue Morales:
“Organizada em 1810 com a livraria trazida por Dom João VI e enriquecida com o
valioso espolio de Frei José Mariano da Conceição Veloso e com as bibliotecas do
Conde da Barca, dos doutores Manuel da Silva Alvarenga e Francisco de Melo Franco
e de José Bonifácio, além do arquivo de documentos do marquês de Santo Amaro,
teve na sua direção homens do valor de Gregório José Viegas, Padre Joaquim
Damasco, Frei Antônio de Arrabida, Cônego Januário da Cunha Barbosa e doutor José
de Assis Alves Branco Muniz Barreto.”

É uma instituição de respeito, de vanguarda, com notáveis que participaram ativamente na


ampliação de seu acervo. Parte significativa do acervo de Bonifácio está lá e de outros tantos
também, além de fontes materiais, e muitas outras obras e trabalhos.
Dentro ainda de toda essa ideia de século XIX, tem-se também bibliotecas individuais,
como a de Oliveira Lima, que está nos Estados Unidos a pedido dele, pois já na época de seu
falecimento as bibliotecas no Brasil não gozavam de bons cuidados. Um outro exemplo é Assis
Brasil, que não só construiu o seu castelo, como também tinha um acervo significativo. Como
este espaço não é aberto ao público e há uma grande burocracia, seus livros estão guardados e
empoeirados.

Parte da biblioteca de Oliveira Lima, que possui


mais de 58 mil obras
Parte da biblioteca de Assis Brasil, em seu castelo

Os dois exemplos foram dados para mostrar que um dia este país teve homens que possuíam
grandes bibliotecas pessoais. É importante notar que isto é coerente, uma vez que há uma
Biblioteca Nacional tão forte e pungente como a que se tem no Rio de Janeiro.
Outro ponto no que envolve os ambientes culturais do Brasil é o fato de sempre haver um
padre ou um frei. Inclusive na citação feita acima sobre o Biblioteca Nacional pode-se perceber
isto. Uma das crises do momento atual é justamente a desqualificação do clero, este mesmo que
serviu como pedagogo do barbarismo brasileiro.

3.3. Artes
Los Rios Filho ainda diz, destacando as artes no Brasil:
“O Museu de Belas Artes, somente em 1843, é que pela iniciativa de Felix Emilio
Taunay, então diretor da Academia de Belas Artes, é organizada a pequena pinacoteca
do Brasil, com as obras trazidas da Europa por Joachim Lebreton, chefe da Missão
Artística Francesa, e com as que pertenceram ao Conde da Barca.”.

Há com isso o embrião da Academia de Belas Artes, que também merece destaque e deve
ser visitado.

3.4. Jornais
No que envolve os jornais é importante mencionar que os partidos políticos tinham os seus
próprios e a imprensa era livre. O primeiro ato de perseguição a alguém, ou seja, uma censura,
foi à Carlos de Laet, já no período republicano. Ainda que muitas vezes de maneira excessiva,
havia a liberdade máxima dentro da imprensa, tanto que Dom Pedro I e Dom Pedro II jamais
versaram para que essa ela fosse censurada, ainda que ela os atacasse.
Os jornais tinham uma clara linha política, os jornalistas eram opinativos, as críticas
literárias não se davam entre pares, impressões políticas eram dadas com arrojo e as sátiras
transitavam com liberdade dentro dos periódicos. E inclusive a Questão Religiosa já citada,
pode ser compreendida a partir dos próprios jornais de Recife.
Um dos barbarismos explícitos do sistema escravocrata dá-se na presença de classificados
de escravos: homens vendidos em jornais. Eles têm uma grande força enquanto fonte e vestígio
do século XIX, com todas as suas facetas. Assim diz Alfredo em seu livro:
“Quando os negros fugiam ou eram seduzidos, expressão muito corrente significando
que já tinham sido induzidos a abandonar seus patrões ou senhores, lá viam os seus
indefectíveis anúncios com curiosos detalhes: o João Carioca era descrito como sendo
grosso de corpo, com o sinal, rodeando o olho esquerdo que diz ser de garrafa. Sem
dois dedos no pé esquerdo, pés muito chatos; muito barbado e feio de cara”.

Quem tem um trabalho magistral de catalogação de jornais no que toca especificamente


esses e o este sistema foi Gilberto Freyre, que foi o pioneiro neste tipo de trabalho. E isto é
reconhecido por Nilo Pereira quando ele faz o que Freyre fez com os negros, ou seja, a sua
conclusão sobre a Questão Religiosa no Brasil. Ele, inspirado em Gilberto, fez o trabalho de
extração documental dos jornais, para concluir e apresentar o seu trabalho.
Em suma, tem-se aqui trechos de um ambiente livresco e literário com certos recortes
culturais desse Rio de Janeiro imperial e, portanto, o coração intelectual do próprio Império.

4. Outros aspectos desse ambiente cultural


Há alguns nomes que merecem ênfase: Machado de Assis, o mulatinho de Bruno Tolentino,
que poderia ser citado com exaustão. Tolentino era poeta e chamava carinhosamente Machado
com esse nome. É uma expressão muito bonita e muito brasileira, uma vez que o legado mestiço
é um tesouro, apesar de muitas vezes, como o próprio Padre Manuel da Nóbrega escreveu,
formado pelo pecado. Mas ainda que assim o fosse, quando se olha para a mestiçagem e seus
bons frutos, pode-se dizer que ela é a encarnação do que está escrito no versículo 20 do capítulo
5 da Carta de São Paulo aos Romanos: “onde abundou o pecado, superabundou a graça”.
Poderia ser citado o ambiente das confeitarias e cafetarias; ser descrito que no primeiro
acidente automobilístico quem dirigiu o carro foi Olavo Bilac, e o carro era de propriedade de
José do Patrocínio: um dos primeiros homens a ter um carro no Brasil era negro. O sistema
social brasileiro era complexo e sem definições; se se olhar apenas o escravo, pode-se entender
o negro de uma forma, no entanto, houve escravos brancos, mesmo que em um número muito
rarefeito.
Também se pode pensar em André Rebouças, que era um notável, negro, abolicionista e
monarquista, que inclusive suicida sem a esperança no Brasil. Foi amigo de Carlos Gomes, que
era mestiço e compôs uma obra – Lo Schiavo – em deferência aos próprios escravos, além de
ter uma relação com Nabuco. Este, em todo dia 13 de maio depois do de 1888, ou seja, depois
da abolição da escravatura, enviava flores para a Princesa Isabel. É importante notar como todas
essas coisas se entrelaçam pois Nabuco era amigo de André Rebouças, tanto que quando este
suicida, o próprio Nabuco fica triste e se desespera porque perdeu um amigo. Este último
também fez o primeiro discurso da Academia Brasileira de Letras, que foi presidida por
Machado de Assis, que sentava na cadeira de José de Alencar, o romancista, este por sua vez
que foi o escritor de Guarani, que também dá título à opera de Carlos Gomes. Esta obra, quando
foi apresentada pela primeira vez no Rio de Janeiro, foi dedicada à Dom Pedro II e foi uma
“homenagem de gratidão do súdito Carlos Gomes” (CARVALHO, Ítala de, A vida de Carlos
Gomes).
A descrição da primeira apresentação de Guarani no país é comovente:
“O professor Cernicchiaro, que tinha então 16 anos de idade, faz a descrição de como
ocorreu esta solene apresentação:
Foi uma noite de exuberante exaltação, de palpitante entusiasmo e de um
deslumbramento de luzes que nossas jovens almas jamais deveriam esquecer. Através
das emoções ardentes das primeiras notas de uma ópera que penetrara com delírio no
coração de um público de eleição. Era toda inspiração do gênio brasileiro e a poesia
selvagem do início longínquo da jovem pátria amada. O teatro provisório, demolido
depois em 1878, erguia sua tosca mole no Campo de Santana, rodeado de silêncio e
de pálida luz de alguns lampiões de gás, mas naquela noite parecia estar envolto, como
num fluido imponderável de angustiosa expectativa que o iluminava. Às 8 horas, a
sala transbordava de expectadores. Os olhos dos intelectuais e dos demais assistentes
irradiavam reflexos estranhos. A respiração era irregular, os corpos agitavam-se nas
poltronas esperando numa cálida atmosfera as inefáveis sensações que cada um deles
experimentaria ao primeiro contato com as melodias da ópera do glorioso compositor
Patrício. Na tribuna imperial, ao lado da cena, quatro poltronas de espaldar dourado
aguardavam suas majestades que deviam assistir ao espetáculo; nos camarotes de
primeira ordem, as mais ilustres famílias de uma aristocracia que devia desaparecer
com a República, brilhavam de elegância e sorriam de contentamento.
José de Alencar, o ilustre escritor, assistia também ao espetáculo, deliciando-se ao
desenrolar das harmonias que acrescentaram tamanho brilho a nova imortalidade à
sua obra literária. No antigo camarote imperial, colocado em frente ao palco no fundo
do teatro ricamente enfeitado, tendo de cada lado dois imensos candelabros com velas
acesas, presidia a comissão dos conterrâneos do maestro, vinda especialmente de
Campinas para assistir a apoteose e prestar homenagem ao ilustre campineiro, a quem
entregaram em nome da cidade, um rico presente. Era uma grande medalha de ouro
com um brilhante engastado subdo valor.
Levantou-se o pano de boca de cena, e como era de prever após cada um dos trechos
da música imortal que já havia transportado num delírio de entusiasmo à culta e
dificílima plateia do Scala de Milão, ecoaram rajadas de aplausos. Homens e senhoras
de pé aplaudiram aclamando o maestro. Os intérpretes e o ferrari também foram
chamados inúmeras vezes ao proscênio. O Imperador e a imperatriz sorriam
desvanecido. O público, fascinado. A pátria toda enfim tinha o orgulho de pode dizer:
O Brasil tem um mestre, digno dos mestres do Velho Mundo.
No fim da ópera, o público havia atingido o ponto máximo do entusiasmo e a coroar
o clamoroso sucesso, o Imperador manda chamar Carlos Gomes para lhe conferir a
comenda da Ordem da Rosa. O público ignorando a razão que impediu o maestro de
comparecer mais uma vez no palco, continuava a aplaudir com frenesi reclamando o
autor em altos brados. Quando finalmente Carlos Gomes reapareceu na cena, com a
condecoração no peito, a massa compacta dos espectadores de pé, agitando os lenços,
prorrompeu num brado de entusiasmo que saia de todos os corações.
Viva o Imperador, viva Carlos Gomes. Era como o grito fremente da pátria
agradecida, a saudação fraternal, a apoteose de glória da arte musical brasileira. O
artista já aclamado na Europa devia estar profundamente comovido vendo-se enfim
rodeado em sua terra natal de uma muralha de afeições admirativas que os inimigos
não puderam derrubar naquele momento solene”. (CARVALHO, Ítala Vaz de, A vida
de Carlos Gomes).

Compositor de Guarani, apresenta ao seleto público brasileiro a ópera que narra a epopeia
indígena, este legado e esta vertente que o brasileiro possui em sua genética, com uma dignidade
ocidental. Carlos Gomes, com seu trabalho, utiliza o outrora bárbaro e o dignifica à uma ópera
que faz jus a grandeza do Brasil. Apresenta não só ao imperador e à Imperatriz – que o estimulou
a ir estudar na Itália –, mas ao autor primeiro de Guarani, esta pérola, que como Ítala descreveu,
dignificou ainda mais o escrito de José de Alencar.
Este era o país em que o escritor e o compositor estavam juntos, dignificando, cada um a
seu modo, o indígena. E mais do que este, o brasileiro e sua cultura. Esta exuberante descrição
do ainda menino Cernicchiaro, com 16 anos, tem estilo e capacidade descritiva, algo que muitas
vezes não é encontrado em senhores. Em suma, há neste trecho um pouco da descrição dessa
esfera cultural do Rio de Janeiro e do Brasil.
Carlos Gomes apresentou essa mesma peça no teatro Scala de Milão, e muitas vezes
recebendo do europeu o olhar preconceituoso ao pensar que no Brasil só havia mata. Gomes,
no Scala, dignificou o seu país, a arte e o legado brasileiros de tal modo que ele foi
respeitadíssimo durante toda a sua vida, não só na Itália, mas por outros grandes nomes da
música.
Ele é uma figura inescapável quando se fala do ambiente cultural do Segundo Império. Foi
financiado por Dom Pedro II e foi amigo fiel dele, e também foi fiel àquilo que Santo Tomás
ensina, que é a virtude da gratidão. Em um momento de intensa dificuldade, de doença,
amargando luto, e de pobreza, recusou ser o compositor do hino republicano, não por um ideal
monárquico, mas pela gratidão que está na sua própria essência como seu alicerce.

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[1] Atualmente a Biblioteca Nacional não é mais a sexta maior biblioteca do mundo.

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