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Transcendencia Humana Sagrado Marlon PDF
Transcendencia Humana Sagrado Marlon PDF
Marlon Schock
Com freqüência ando pelas ruas de meu bairro que é muito arborizado e florido. A
fragrância agradável das flores me faz voltar à infância e a um sentimento delicioso de não
ter preocupação alguma na vida – só o prazer de desfrutá-la em todos os sentidos, com
todos os sentidos. Imagino que você já teve experiências assim. Experienciar este
“deslocamento” é na verdade muito comum para nós seres humanos; isto porque somos
seres de transcendência!
A partir deste texto faremos uma reflexão sobre a transcendentalidade humana e sobre sua
relação com o sagrado. Abordaremos os aspectos ontológicos1 e culturais da
transcendência e o sagrado em sua significação e apreensão. Faremos uma breve analogia
entre os termos transcendência e sagrado para uma possível distinção e para podermos
traçar alguns pontos de afinidade.
Karl Rahner concebe o ser humano como um ser com consciência de si e, como tal, ele se
coloca perante si mesmo com todas as suas possibilidades particulares presentes e futuras,
e, assim, questiona-se e dessa maneira se ultrapassa e transcende (1989, p. 45). Afirma que,
ao se abrir para o horizonte ilimitado do questionamento, o ser humano já transcendeu a si
mesmo (1989, p. 43). E que, ao fazê-lo, se afirma como quem é mais do que a soma desses
componentes analisáveis de sua realidade, mais do que a soma de seus fatores (1989, p.
43). É exatamente essa consciência de si e esta capacidade de questionar e de questionar-se
que evidencia esse algo mais no ser humano.
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A noção filosófica de ontologia, dentro da metafísica, trata do ser em geral e de suas propriedades
transcendentais. (LUFT, Celso Pedro. Minidicionário Luft. São Paulo: Ática, 2000, p. 490). Poderíamos
aproximar ontologia a conceitos como inato/conato/congênito (característico do indivíduo desde, ou antes,
do seu nascimento); inerente (que existe como um constitutivo ou uma característica essencial de alguém ou
de algo); natural; essencial; peculiar; próprio, etc.
Marlon Schock: A transcendência humana e o sagrado 2
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Neste caso se refere àquilo que transcende o físico e que está desde sempre inscrito em cada um de nós.
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Relativo ao ato cognitivo, à capacidade humana de conceber e criar cultura.
Marlon Schock: A transcendência humana e o sagrado 3
transcendência humana desde sua gênese, como também o aspecto cultural: o que pode ser
apreendido, aprendido, portanto, compartilhado, ensinado, algo como “meios de
transcendência” que se manifestam no cotidiano, sob condições culturais específicas.
Como exemplo de meios de transcendência podemos citar o desejo, a esperança, etc.
A imanência envolve uma relação de unidade com a transcendência que já é um todo desde
sempre na dinâmica ontológica do ser humano. Ou seja, não são contextos auto-
excludentes, ou adversos, mas sim realidades que, ininterruptamente, se intercambiam na
dinâmica ontológica humana.
2 - A TRANSCENDÊNCIA E O SAGRADO
O nosso modo de ser se caracteriza por um contínuo devir. Somos seres que aspiram ao
absoluto e que, ao longo do caminho, sonham com a realização do que dormita no fundo de nós
mesmos. Vivemos atravessados pelo pressentimento de si, pela memória do ainda-não
(SAFRA, 2006, p 52).
Na epígrafe acima Gilberto Safra nos dá uma idéia de como as concepções de sagrado e de
transcendência se aproximam e tornam mais complexa nossa discussão. Safra fala do ser
humano como um projeto em andamento, incompleto - um devir; um ser insatisfeito, capaz
de sonhar com a realização de suas mais profundas aspirações, um ser que vive repleto de
memórias e pressentimentos. Ele está falando da dimensão do sagrado, mas bem poderia
estar falando da capacidade humana de transcendência. Isto ocorre também com outros
autores que ao descreverem características evidentes de transcendência, intencionavam
falar da dimensão do sagrado.
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Imanente é o que existe num dado objeto e é inseparável dele (KOOGAN/HOUAISS, 2000, p. 847).
Marlon Schock: A transcendência humana e o sagrado 4
O numen é o objeto próprio da idéia do sagrado, e, como tal, não pode ser apreendido
didaticamente, somente podendo ser descrito por analogia ou metáfora; é objeto
racionalmente incompreensível, somente podendo ser apreendido pelo sentimento
numinoso, que é um estado afetivo da alma (BIRCK, 1993, p. 31). Otto apresenta o numem
como o mysterium tremendum et fascinans, sendo que o mysterium representa o totalmente
outro (qualitativamente diferente) que é simultaneamente repulsivo (tremendum) e atrativo
(fascinans). Para Otto o sagrado é completamente inacessível à compreensão conceitual, e
constitui algo inefável, indizível, inexprimível (1985, p. 11). Podemos aqui argumentar,
entretanto, que hodiernamente a noção de sagrado possui outras dimensões, que não
invalidam ou desmerecem a abordagem de Otto, mas que tiram de suas mãos a premissa de
exclusividade do termo.
Precisamos ter cuidado epistemológico para não forçar a noção de sagrado à concepção
judaico-cristã de religiosidade. Uma distinção se faz necessária até mesmo para não
invalidar as duas categorias em suas especificidades; pelo que proponho uma reflexão do
termo sagrado para além do domínio exclusivamente cristão, para além de Rudolf Otto.
O sagrado pertence como uma propriedade estável ou efêmera a certas coisas (os instrumentos
do culto), a certos seres (o rei, o padre), a certos espaços (o templo, a igreja, os lugares régios),
a certos tempos (o domingo, o dia de Páscoa, o Natal, etc.). Nada há que não possa tornar-se sua
sede e revestir assim aos olhos do indivíduo ou da coletividade um prestígio sem igual. Nada
há, igualmente, que não possa ver-se desapossado dele. É uma qualidade que as coisas não
possuem por si mesmas: uma graça misteriosa vem-na acrescentar a elas (CAILLOIS, 1979, p.
20).
Esta concepção de sagrado não depende da Revelação que vem “do alto”, de Deus, e
possui medidas outras do que seria o divino; tem por agente específico o ser humano e
nasce de uma projeção antropológica que em seu maior espectro se mantém na
horizontalidade se considerarmos a revelação como ação vertical que inspira
primeiramente a reação em mesmo plano; é a representação valorativo-atribuitiva de
afetividade e/ou devoção por um objeto ou ser ausente, o caminho de substituição pelo
qual algo/alguém qualquer se torna sagrado. Representa com a maior força possível o
ausente, o objeto da saudade – ele é o símbolo da ausência.
Rubem Alves diria que nenhum fato, coisa ou gesto possui em si mesmo as marcas do
sagrado: “O sagrado não é uma eficácia inerente às coisas” (1996, p. 24). Ao contrário,
Marlon Schock: A transcendência humana e o sagrado 5
“[...] coisas e gestos se tornam religiosos quando homens os batizam como tais. [...] E,
assim, coisas inertes – pedras, plantas, fontes – e gestos, em si vulgares, passam a ser os
sinais visíveis desta teia invisível de significações, que vem a existir pelo poder humano de
dar nomes às coisas, atribuindo-lhes um valor” (1996, p. 24).
CONSIDERAÇÕES
REFERÊNCIAS
BIRCK, Bruno Odélio. O sagrado em Rudolf Otto. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1993.
RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1989.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BOFF, Leonardo. Tempo de transcendência: o ser humano como um projeto infinito. Rio
de Janeiro: Sextante, 2000.
ELIADE, Mirceia. O sagrado e o profano. Trad, Rogério Frenandes, São Paulo: Martins
Fontes, 1999.
GARCÍA BAZÁN, Francisco. Aspectos incomuns do sagrado. São Paulo: Paulus, 2002.
______. Entre o sagrado e a experiência cristã. Diálogo, São Paulo: Paulinas, ano IX, n.
34, p. 8-12, 2004.
SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O pequeno príncipe. 45. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1997.