Você está na página 1de 3

UFRGS/IFCH - Departamento de História

Oficina de leitura e escrita de textos históricos

Léo Francisco Siqueira de Moraes

Cartão 244758

Ensaio sobre filme que trate de relações étnico-raciais

Obra analisada: Ó Paí, Ó. Direção de Monique Gardenberg. Brasil, 2007. 1h36min.

“Ó Paí, Ó” retrata o cotidiano do subúrbio baiano, apresentando um enredo


que se passa no bairro do Pelourinho de Salvador da Bahia, em pleno Carnaval. Os
personagens da trama estão interligados por compartilharem o mesmo endereço: o
Cortiço de Dona Joana. Insatisfeita com a inadimplência dos inquilinos, a proprietária
fecha o registro geral de transmissão de água, deixando os moradores em seca total
até que quitem os seus débitos.

O personagem principal, Roque, interpretado por Lázaro Ramos, é um


homem que sobrevive de trabalhos manuais como reparos e pinturas. Embora com
pouca instrução formal, o personagem se mostra o mais “descontruído” do filme,
pois evita meter-se na vida alheia e cultivar preconceitos e estereótipos que estão
presentes nos outros personagens, um comportamento que talvez se deva à sua
proximidade com a música e a arte. Roque é negro e protagoniza uma cena em que
denuncia o racismo da fala do personagem Boca (Wagner Moura), que é branco e
não se sente incomodado em demonstrar o escárnio que sente pela negritude do
local.

A ialorixá Mãe Raimunda, cujo ofício é de o de mãe-de-santo, ganha a vida


jogando búzios e prestando serviços espirituais para criar o filho sozinha. A
cozinheira Baiana é uma mulher de meia idade, muito sábia, que vende quitutes
típicos da culinária de santo baiana como o acarajé e o abará para sobreviver,
fazendo de ganha-pão o conhecimento das vivências no terreiro de Candomblé,
assim como mãe Raimunda. Está presente ainda Carmem, mãe de sete crianças,
que trabalha incansavelmente como auxiliar de enfermagem e ainda realiza abortos
a baixo custo em mulheres pobres para obter renda extra.

A travesti Yolanda se prostitui para sobreviver e chama a atenção para a


realidade das mulheres pobres transexuais. Acaba se apaixonando pelo malandro
Raimundo, que sobrevive de bicos e trai a esposa Maria descaradamente,
evidenciando o machismo e as relações abusivas presentes nos lares brasileiros. A
personagem Neusão fecha o elenco principal, posicionando-se no filme como uma
mulher lésbica masculinizada, proprietária de um bar vizinho ao cortiço, muito
respeitada pela comunidade.

A figura de Dona Joana, dona do cortiço, é central no filme, pois é a mulher


com maior poder econômico da casa. Embora parda, demonstra ter passado por um
processo de “branqueamento social”, colocando-se numa posição diferente da dos
negros, como se não compartilhasse da pobreza e da realidade daquele povo.
Evangélica e extremamente moralista, Dona Joana foi abandonada pelo esposo e
cria os filhos sozinha, repudiando a homossexualidade, o Candomblé e o clima
festivo do carnaval, que considera pecaminosos. Ainda que desaprove, ela convive
com travestis, prostitutas, mães de santo, aborteiras e carnavalescos, dividindo com
eles o mesmo espaço social.

O ápice do filme é encaminhado pelo comerciante Seu Jerônimo, um homem


branco, empresário, que paga um policial militar para “limpar a área” dos moleques
pobres (e em sua maioria negros) que mendigam e roubam os turistas no entorno de
sua loja. Os filhos de Dona Joana acabam sendo confundidos com meninos de rua,
e sendo brutalmente assassinados pelo policial militar, cena que denuncia o
genocídio dos jovens negros e pobres pela elite social branca. Embora evangélica, a
situação de desespero leva Joana a procurar o auxílio espiritual da mãe-de-santo
Raimunda, demonstrando como as diferenciações sociais são construídas e
desconstruídas no espaço suburbano.

A produção superficialmente mostra a vida do povo, a convivência com as


diferenças, o sacrifício do trabalhador pobre para conquistar o pão de cada dia, o
medo da miséria e da solidão. O ambiente suburbano serve, no entanto, como um
pano de fundo para evidenciar problemas sociais e questões estruturais, como o
racismo, prostituição, homofobia, machismo, intolerância religiosa, aborto, genocídio
da juventude negra e abandono parental. Além de denunciar questões sociais
através das histórias individuais dos personagens, chama atenção para a cultura
popular e os blocos de rua que envolvem o Carnaval, apontando os elementos de
resistência e identidade do povo da Bahia.

Você também pode gostar