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BO BARROCO AO MODERNISNO: © DESENVOLVIMENTO CicLico po PROJETO LITERARIO BRASILEIRO Affonso Avila ‘Houve momento em que se pretendeu considerar © Modernismo como um fato’ litexirio auténomo, esvinculado das eR ue se pod ais, violeniados ou simplesinente questionados, go. “Fam por metabotimo erlico ov elementos de una nova estrutura. & certo. que um fendmeno dessa ‘Ordem nio se dé tio-somente em razio de uma qui- ‘mica interna adstrita, por exemplo, & arte ow a lit do os limites que demarcavam o espago até ali senvolvide por nosso processo literario, 0 Moder- i \¢o de emergéncia consciente respectivament posse da reali de reflexdo sobre_a realidade, valendo para jea que devemos enguadrar os rétul dices fou transit6rios, que serio no projeto mada mais que “Reece penta evs dete de nossa etapa cfclica e 0s pontos auxiliando-nos a erguer do ‘gem que nos parece mais v Embora a consideracio critica ¢ histérica do Bar- roco no Brasil, especialmente do barroco literétio, j& tenha superado as barreiras da incompreensio e'do preconceito que obstavam a sua exata avalingio, a abordagem objetiva desse primeiro passo ciclico ‘de nosso processo criador ainda requer a cautela das ;, do tico entre mal barroca © aquelas qué Sob outras conceituagies do estilo, se inscrevem ape- Sar disso, por suas fontes ou correlagdes de estrutura, fo grande parimetco ou paidewna barroquista, Néo Gfete @ sjomeno, noe eendemon a, fiaeso de um quadro amplo de projes logieas de desinénciabarrogui poo accntuar, para efeito de nosso exquema int fative, que pesquisas mais recentes na area da.lite- uma anélise formal, linglistica © ideol6gica de sua cestrutura — 05 elementos de processo do que de- nominamos apropriacdo da linguagem © apropriagao da realidade. Assumindo, como nenhum outro autor seu contemporfineo, a totalidade de nossa instancia barroca, o poeta baiano, a par de uma atitude osté- tica e existencial consonante com a visio seiscen- tista do mundo, é jé também o homem europeu tro- i indo ao instrumento lingllistico de ‘A avaliagao ao mesmo tempo estatistica e literéria ‘de manuscritos ou edigSes da época nos abre agora ‘campo bastante para situarmos os elementos de es- trutira que remarcam, també tura, a experiéncia barroca fatar que 0 discurso poético gregoriano difere em ‘spectos do. discurso-padrio da. pocsia Iusa {do mesmo periodo, quer pela temperatura semintica, ial qn gm i retrensnde eat, er pela prépria indole da diego, menos solene © afe~ tada, Para 0 acaloramento semintico do verso con- ‘sem divida, © aproveitamento de uum novo ‘ignficante, rotirado a0 vivo de uma fala de nfida feigio popular ou netiva, © o recurso, fre- 4 predomi fazer-se acentuar na medida em aclimatam e a sedimentacio de ia eésmica propicia a eclosio de rocas caminhario, ao fim do si cciosa da idéia, o que redunda — & excego de al- ‘vas pressbes, par ‘guns poomas de contextura buscadamente cultista — arroquista 1 complementagao caracteri través dora de um ciclo formal maior a que podemos cha- xno incipiente projet ‘de permantacia que inaugural. . Porque se Tundem, nas origens de nc formativo da heranga barroc Aquela altura comecaria a le Gregério de Matos representa bem, por lidade, extensio e tipicidade, aquilo que poderfamos literdrio no Brasil. Através da riqueza ¢ compl DO BARROCO AO MODERNISMO... St ou intermitente, vido a atuar em todo 0 seu pro- cesso de evolucio. Os referidos elementos, apropria~ dos mediante importagio, isto é, assimilados de um elenco de modelos externos e pela via preferencial dda heranga portuguesa, ou apropriados medi condigéo original de aportacio, ou sj dentro de uma perspectiva eriadora jé condensariam, em resumo, no seguinte esquema: postura aberta; 2) reagio ao im- ‘busca de wna fantasia auténoma; ortanto, falar — como antes sugerimos — numa prolongada vigéncia do parlmetro ou paidewna barroquista, ou num grande barroco, que $6 virk a conhecer seu termo integrago dos strates al, exercerd a nosso Yer © Se encaminha para um cic a2 seré 0 do animismo romintico. Das cinzas do Bar- Toco -— para lembrarmos uma imagem a este cara: a Ga Fénix Renascida —, a literatura bras Inia retoma © repropde 0 seu projet, agora mals autonomament. Romantismo: um processo de posse © Romantismo, etapa ciclica que preenche, com revestida formalmente por uma capa retérica quase sempre ingénua e impressionista, nto poderia mesmo ccorresponder, em nivel critic sensibilidade’ condicionados penetrados cada vez mais hi de ser uma tal diacronia que propria, de tho fésico no andamento de nosso pro- ‘concepcio e ‘96es da realizagio objetiva. A obra romfntica, ge- serosa enquanto demarcagio de uma realidade can- Gente de sugesties que se pretendia o espago dife- renciador de uma experiéncia nova, amesquinha-se enquanto, proposicao de linguagem, pois os recursos de construcdo sobre que esta se sustenta esto mi- nados pela ‘auséncia de impeto criativo. A instancia de posse a que corresponde o ciclo do’ Romantismo seta peta, oa fato de maior peso no plano Ga realidade do ‘que no da linguagem © quando, em denadas genetalizadoras, mas a que assume, a con tragosto de nossa exigtncia critica, a verdadeira 1e- presentatividade roméntica no conjunto de seus acer- tos e de seus fracassos. Sob tal Angulo, o painel alen- carlano — como denominaremos aqui 0 bloco de sidade de focos, abarcar em amplitude um pre- de realidade entendida_ como jsse, mas para rendo — como o fazia desde os épicos colo- 8 poesia — 2 heroicizago, em moldos cavalei- , do componente étnico que aquela altura jé me- ‘hos contava no processo estruturador do novo pais: © indio. © painel queria, porém, alcangar universo ‘mais totalizador ¢ caminhar, da'fundagio do mito ‘aulsctone, para a saga do colonizador e para a his- ‘rin de sua fixagao, até atingir a propria contem- ‘com ele erguendo nfo tanto @ imagem Wa, mas antes a imagem de uma ‘do mundo, ainda que na pers- sobre as quais traball dade —, podesse dizer que foi uma etay rolada dentro de uma esfera de expe proxima da experiéncia sensivel da tavam Presentes, movendo entio uma vonts primir que tinba no impacto afetivo 0 seu tinico e verdadeiro grau de tensfio. Entretanto, o espago des- sa prolongada fantasia era conjunturalmente maior do que o de um mero estado de eritio © as fronteiras de sua ineréncia ingém cc&vamos, especularmente, para ‘mente para a poesia, repassando-a hhugoana ou byroniana. O Romant infoio para a ineréncia tingiis- nogativamente — ao nucleamento em curso de pro- 4 frase, 0 sintagma —, Jato. Reformulago do elementos projetados do ciclo se, slo grande barroco, ou mera iternacionais do momento impdem entio. co- mo forga renovadora do pensamento criador. 0 Mo- dernismo quer também utilizarse da liglo das cul- turas mais amadurecidas, assimilando téenicas e, se Sf ‘2 uma necessidade nossa’ de tagmitica © a impos- ra 0 discurso mode metAfora de nossa persona ro" Je mel de Sracema aos olhos de apenas em (ermos de linguagem, mas sobretudo do © péndulo linguagem/realidade, experi- ‘0 desenvolvimento do 30 longo de uma vigncia , 8 conhecer a n0ssa pelo. muiot | Modermismo: um processo de reflexdo E no ambi criagdes mais fortemente — \ oxiginals, 29} tr nitde dante do problema da linguagem, seja pelo pressuposto de um inferente | repensamento’critico da realidade, que devemos ic procurar a obra ou as obras-protétipo instauradoras do ‘espago modernista. Nao obstante a maior | i do salto qualitative ocorrido na frea da les, 0 que prépria © 0 que até entio tinha sido, ‘a0 contritio, mero impressionismo temitico ou re- petigfo ingénua de modelos importados. Assim, 0 que 0 Barroco trouxera remotamente como abertura tiva ao primeiro esboro de uma expressio brasil — elemento de tradigéo que a etapa roméntica focaria sob a camada da sua superticialidade form: experimentagio exerce-se em nivel de reflexdo, com 4 Ft isses de James Joyce. Assim, a propésito de obras Memérias Sentimentais de Joao. Miramar de Oswald de Andrade, © Macunafrma Mério de Andrade, podemos falar fran- ‘adotamos como obras-protstipo da especificidade modemista — prende-se, quando mu- {0, dentro do projeto literério brasileiro, aos fios bas- cinematogréfica em cortes répidos © simultineos ou dda imagem partida em superficies ctbic um stl marcado pela snes «coer cunaima, buscando antes uma tipificagio da ragem, pode-se dizer também que reflui a9 modelo barroco do Peregrino quando abole tempo e espaco seu her6i um outro homo ap 4 angulacZo metonimica, Macunaima, prosa estratu- ral, prefere ater-se a0 dominio da metafora, embora alargando-a & proporedo do mito, Ganhando. a categoria de igo, ainda que essa tradigSo fosse, como imo, articulada sobre valores étnicos de idade inventiva, nés 0 po- de maneira mais procedente do que igo no desenvolvimen- seja a0 modelo ma- © par Miramar-Macunaima condensa e enfatiza, as: sim, toda a proposta estética e nismo. Confluem ¢ atuam nos textos de Oswald ¢ Mério aqueles elementos que, através de um simul- tineo processo de importagio, de aportagiio, definem a redutora originalid DO BARROCO AO MODERNISMO,.. 35 fae Estrangulamento ou reciclagem do projeto Estaria irreversivelmente concluido 0 nista ou 6 ainda sob a sua vigéncia esté ideolbgica que temos de compreender io Titerdrio pés-roseano, especialmente 0 trabalho das novas goragées? Est hismo uma idéia acomodadora ¢ cristalizada, mais proxima talvez da idéia de um pés-modernismo tio oficial. Ao contritio, aqueles que pro Giscursiva © introduzindo no aparato da linguagem poética materinis e signos nZo-verbais, precipitaram sm mais profundo do que pode indiciar um ‘Quanto um fenémeno premonitério de reciclagem. E a critica que pretender nesta altura intuir o futuro desdobramento do projeto de nossa literatura tera {que levar em conta nfo s6 2 aderéncia de novos ma- ‘igualmente as novas reali- mmunieagdo de massa, a as que constituem uma ign inventividade do a interagio das artes sio também de submeter-se 0 discurso lie processo a que jé assistimos da franca per fagem com a linguagem da mi- astica. modernista hi de provalecor, todavia, a radicalidade prospect aquele ver com olhos novos, ver com olhos 6 Roferéncias bibliogréficas de Aftinia Coutinho, 2, Sul Americana, 1968/ Auznean, José de. Romances, Eaigfo consultada: vols. diversos — Sio' Paulo, Edigdes Melhoramentos, 3/6. AwanaL, Aracy. As Artes Plisticas na Semana de 22. ‘Sto Paulo, Eaitora Perspectiva, 1970. Colegio De- bates, 27. Awonape, Mirio de. Macunaima, 2. ed. Rio de Jansiro, ‘Livraria José Olyimpio Editora, 1937. ‘Nittamar Seo" Palo “Bifuso 1968. 'M, Jackson Baitores, 1947. 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