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PETER BURKE - A ESCOLA DOS ANNALES

BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a


Revolução Francesa da Historiografia. São Paulo:
Fundação Editora da UNESP, 1997.

Sem dúvida, a originalidade e a inovação são


caminhos que levam qualquer profissional, de
qualquer área, a tornar-se referência. Eis que na
historiografia essa regra não é inexistente. O inglês
Peter Burke reitera isto ao publicar esta obra, A
escola dos Annales.

Annales foi uma revista criada na França em 1929,


responsável pela criação do que hoje é chamado de
“Nova História”. Até o momento da criação desta
revista, a história era basicamente positivista. Esta
história consiste na exaltação de grandes homens,
grandes feitos, uma história política que em muitos casos era uma forma de legitimação.
Quaisquer outras abordagens históricas, quando tentadas, dificilmente recebiam o
devido interesse. Aos poucos, essa história positivista fortemente influenciada pelas
Ciências Naturais começou a receber duras críticas, principalmente por parte dos
durkheimianos. Foi então que Lucien Febvre e Mark Bloch criaram a já citada
revista Annales. Sua metodologia, que futuramente se estabeleceu como novo
paradigma, consistia em abrir caminho para uma interdisciplinaridade entre a história e
as Ciências Sociais, aos poucos estendendo esta conexão com outras disciplinas como a
Geografia, Antropologia e a Psicologia.

A história que até o momento consistia apenas em apresentar a narrativa de acordo


com as fontes – e nesse caso as fontes dificilmente ultrapassavam os limites da escrita –
passou a apresentar mais do que narrativas, mas problemáticas; deixando de focar
exclusivamente em grandes feitos, abrindo caminho para o estudo de temas cotidianos.
Essa roupagem que lembrava as ciências sociais deu à história uma concepção mais
científica que até o momento relutava-se em admitir.

Sendo um pouco mais específico, pode-se dizer que a história tradicional era
narrativa, possuía uma cronologia definida, escrita de forma linear, usando documentos
oficiais como fonte, era evolucionista e privilegiava fatos de cunho político. A história-
problema foge deste padrão, a começar pelas fontes. Tal qual Gilberto Freyre fez em seu
clássico Casa grande e senzala, o novo historiador utiliza-se de fontes diversas, de
imagem à arquitetura. Dispensa uma ordem cronológica e, mais do que reproduzir os
documentos, ele precisa interpretá-los; escolhe um objeto de estudo presente e busca as
respostas no passado. Não tenta ser imparcial, anulando sua crítica e sua opinião, e
claramente escolhe os fatos de acordo com o que for mais conveniente para seu estudo.
Mais do que narração de fatos, essa Nova História está carregada de senso crítico.

A primeira geração da escola dos Annales foi liderada basicamente pelos seus


criadores: Lucien Febvre – o maior defensor da história-problema, do uso de fontes não-
documentais e do diálogo entre os historiadores quanto a suas metodologias – e Mark
Bloch. Estes, entre outras coisas, buscavam mais do que as singularidades da história,
marca positivista; buscavam uma “história das mentalidades”. Algo diferente do que o
líder da segunda geração da escola, Fernand Braudel, focalizou.

Braudel acreditava em uma história de “três períodos”. A história de curta duração,


média duração e longa duração. A primeira podemos explicar fazendo uma analogia
com as noticias que diariamente vemos nos jornais. Fatos que fazem parte de uma
história de um curto período. Um período maior classifica-se como média duração e por
fim, a história de longa duração é aquela que para Braudel importava. A história de
longa duração não sofria interferência de pequenos fatos, da história de curta duração.

Criando sua metodologia em cima de uma história que, mantendo-se interdisciplinar,


era claramente quantitativa, Braudel usou a demografia e o tempo como objetos de
estudo. Sua obra mais importante, O Mediterrâneo e Felipe II, é um claro exemplo
disto. A obra apresenta de forma clara que, para o autor, a geografia e o tempo são de
importante influência na história. Não podemos ignorar, obviamente, o fato desta obra
ter sido criticada consideravelmente, mas seria um erro ainda maior ignorar os
paradigmas que ela ajudou a fortalecer. Neste ponto a história das mentalidades sofreu
um decréscimo de importância, visto que nesta nova abordagem quantitativa a história
das mentalidades não possuía a mesma sustentação que a história socioeconômica.

Durante a terceira geração da escola dos Annales, duras críticas foram advindas de sua
abordagem. Por conta de sua crítica, os historiadores do movimento foram acusados de
negligenciarem a história política. A crítica não procedia, pois o afastamento da história
política não era algo generalizado dentro dos Annales. Nesta época há uma retomada da
história narrativa e de eventos.

O livro de Peter Burke não é o único que aborda a escola dos Annales. Contudo, pode
ser considerada a mais bem-sucedida síntese do que foi este movimento e o que ele
significou para a história. Desmistifica a idéia de conflito entre a História Cultural e a
História Marxista, nos apresenta com riqueza de informações a evolução do movimento,
seus grandes nomes e suas metodologias. Historiadores em geral devem ter contato com
esta obra, já que dela podem ser extraídas informações cruciais para o entendimento das
mudanças que marcaram a escrita da história no século XX. Se hoje a história é tão
vastamente fragmentada – e não dou a esta fragmentação um caráter pejorativo, visto
que o leque de possibilidades aumenta consideravelmente –, devemos isto em grande
parte ao movimento que este livro tão competentemente analisa. 

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