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Acaça

As definições mais elementares do acaçá (àkàsà)  é de uma pasta de milho


branco ralado ou moído, envolvido, ainda quente, em folhas de bananeiras. A
definição é correta, mas extremante superficial, pois o acaçá é de longe a comida
mais importante do candomblé. Seu preparo é forma de utilização nos rituais e
oferenda. Envolvem preceitos e regulamentos bem rígidos, que nunca podem
deixar de ser observados.
Todos os orixás, de Exu a Oxalá, recebem acaçá. Todas as cerimônias, do ebó
mais simples as sacrifícios de animais, levam acaçá. Em rituais de iniciação, de
passagens fúnebres e tudo o mais que ocorra em uma casa de candomblé só
acontece com a presença do acaçá. A vida e a morte no candomblé se processam
à partir desta oferenda fundamental, sem a qual nenhum homem seria poupado
dos dissabores e percalços do destino. Quando recorremos á história dos orixás,
percebemos o grande mal que a humanidade todas as vezes que se afasta do
poder divino, representada, nesse caso, pelo poderoso Orun, a morada de todas
as divindades, e pelo supremo, senhor do Destino dos Homens. Olodumaré,
também conhecido como Olorum (Zambi).
Só existe uma oferenda capaz de restituir o axé e desenvolver a paz e a
prosperidade na Terra, ela é justamente o acaçá. Mas o que faz de uma comida
aparentemente tão simples a maior das oferendas aos orixás?
Será que todos sabem o que realmente é um acaçá?
Façamos então uma classificação dos elementos que compõem o acaçá para
chegarmos à derradeira conclusão. Primeiramente, é preciso esclarecer que a
pasta branca à base de farinha de milho (que fica alguns dias de molho e depois
passada pelo pilão ou moinho) chama-se na verdade eco (èko). Depois de coxear,
uma porção da pasta ainda quente, é envolvida em um pedaço de folha de
bananeira para enrijecer (na África é utilizada outra folha, chamada èpàpo),
tornando-se, agora sim, um acaçá. (Hoje em dia nós temos a facilidade de
encontrar o milho vermelho moído que é o fubá vermelho e o milho branco que é
o fubá branco, mais existem sacerdotes que ainda utilizam o ritual de
antigamente).
Percebe-se a fundamental importância da folha de bananeira, uma vez que o eco
só passa a ser acaçá quando envolvido em uma folha verde que lhe atribui
existência individualizada, pois passa a ser uma porção desprendida da massa,
assim como e emi, que dá vida aos seres, é, na verdade, uma parte da atmosfera,
ou do próprio Olorum, que todos ser leva dentro de si, o sopro da vida, o ar que
respiramos.
Portanto, o acaçá é um corpo, o símbolo de um ser. A única oferenda que restituí
a redistribui o axé.
É importante insistir que o que faz do acaçá um corpo único, eminente
representação de um ser, é a folha, seu poderoso invólucro verde, que lhe confere
individualidade e força vital diante do poderoso orun, os orixás e do grande Deus
Oludumaré.
Somente a água é tão importante quanto o acaçá, pois não existem substitutos
para nenhum dos dois, que são, a exemplo do obi, elementos indispensáveis em
qualquer ritual. Ambos configuram-se como símbolo da vida, e é justamente
para afastar a morte do caminho das pessoas, para que o sacrifício não seja o
homem, que são oferecidos.
O acaçá remete ao maior significado que a vida pode ter: a própria vida. E por
ser o grande elemento apaziguador, que arranca a morte, a doença, a pobreza e
outras mazelas do seio da vida, tornou-se a comida e predileção de todos os
orixás.
Fato é que quem não faz um bom acaçá não é um bom conhecedor do candomblé,
pois as regras e diretrizes da religião nunca foram ditadas pela intuição.
“Constituem grandes fundamentos cristalizados” ao longo de anos e anos de
tradição. Aos incautos vale afirmar que candomblé não é intuição, mas
fundamento sim, e fundamentos se aprende.
Fundamento é o segredo compartilhado, o detalhe que faz a diferença e a prova
de que ninguém pode enganar o orixá.
O acaçá deve permanecer fechado, imaculado até o momento de ser entregue ao
orixá. Só então é retirado da folha. É como se o sagrado tivesse de ficar oculto até
a hora da oferenda, prova de que o segredo é quase sempre um elemento
consagrado. E o segredo do acaçá é enrolar na folha de bananeira, é o que
mantém um terreiro de candomblé de pé. Não existe acaçá que não seja enrolado
na folha de bananeira..
Entretanto, a imprudência vigora em muitos terreiros e não raras vezes se ouve
falar de novas iguarias apresentadas como acaçá. Os mais comuns são os acaçá
de pia e de forma. No primeiro caso a massa de ecó, mais grossa, é colocada às
colheradas sobre o mármore das pias, onde os bolinhos esfriam antes de serem
utilizados nos ritos. Na segunda receita a massa é espalhada em uma forma e
posteriormente cortada em quadradinhos. Este é um procedimento incorreto e
condenável, e as pessoas que agem assim então fadadas ao insucesso e não
podem ser consideradas pessoas de axé.
Não há candomblé sem acaçá, nem acaçá sem folha. A religião dos orixás não
admite modificações na essência na essência, e esta comida é essencial, portanto,
inviolável. Primeiro vem o acaçá antes dele só a vida. Logo, a folha de bananeira
guarda uma vida. Deixar a massa do acaçá exposto é o mesmo que deixar a vida
vulnerável. Eis o grande fundamento.

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