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“Objetos-pessoas
ou
Pessoas-objetos”
Rio de Janeiro
Julho de 2018
1
“Quando olho para mim não me percebo.
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A) Val é uma empregada doméstica que presenteia a patroa com um
conjunto de xícaras, travessa e garrafa térmica, que lhe foi sugerido em uma
loja como moderno e o mais vendido. A patroa finge que gostou do presente,
porém não o utiliza com a desculpa de que prefere deixar para usá-lo em
uma ocasião especial.
Essa cena do filme Que horas ela volta? de Anna Muylaert de forma
bastante delicada e simbólica apresenta uma necessidade de demarcar e
externalizar as separações de classe, já tão visíveis, na realidade brasileira.
1
Para nã o atrapalhar a fluência da leitura, as citaçõ es dos textos principais deste
estudo comparativo ocorrerã o apenas em suas primeiras apariçõ es, apó s isso
indicaremos apenas o nú mero da pá gina entre parênteses.
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Esse mesmo efeito acontece com Odradek em A preocupação do pai
de família de Kafka, cuja construção desde o início o apresenta “como um
ser”, com o “aspecto de um carretel de linha achatado e em forma de estrela”.
Esse estranhamento vai num crescendo, do carretel “sai uma varetinha (...) o
conjunto é capaz de permanecer em pé como se estivesse sobre duas
pernas.” O objeto agora consegue ficar de pé sobre as duas pernas, cada vez
mais próximo do humano, quando chegamos ao trecho em que lhe é
perguntado seu nome e ele responde, aceitamos o fato como uma fábula, no
entanto, quando responde à segunda pergunta “E onde você mora?”:
“Domicílio incerto” e ri ao responder, “mas é um riso como se pode emitir sem
pulmões. Soa talvez como o farfalhar de folhas caídas.”, (KAFKA, 1999,
p.73), levamos um susto ao “ouvir” essa risada tão humana-deshumana-
macabra:
Assim como Odradek, o objeto Sveglia também tem uma habilidade que
o distingue dos objetos comuns e o assemelha a um ser vivo, o fato de ficar
em pé: “Tem dois centímetros e fica de pé em cima da mesa” (p.494) Esses
objetos-pessoas serão o foco da parte “B” deste trabalho.
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O direito de existir ficcionalmente, de forma plena, para classes mais
pobres foi conquistado de modo lento e árduo com avanços que causaram
polêmicas e rejeições.
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A +B) Rancière começa a palestra/texto O efeito de realidade e a política
da ficção retomando o conceito de “efeito do real” de Roland Barthes,
descrito no ensaio do livro O rumor da língua. Barthes retira um trecho do
conto Um coração simples para exemplificar o conceito: “um velho piano
sustentava, abaixo de um barômetro, uma pilha de caixas e estojos.” (p.13)
Barthes diz que o barômetro está no texto para produzir no leitor o efeito
do real, o objeto está ali para provar a realidade, como na vida real em que
existem coisas inúteis e carentes de sentido, maior do que a própria coisa em
si. A falta de sentido do objeto para Barthes é explicado como proposital
para um efeito de realidade, então é também um artifício.
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são apropriados pelas classes mais baixas. A entrada dos camponeses e
filhos dos artesãos num novo mundo da sensibilidade, o reino da paixão
selvagem e do ócio também.
Seu rosto era magro, e a voz, aguda. Aos vinte e cinco anos,
davam-lhe quarenta; depois do cinquentenário, parou de
registrar a idade — e, sempre silenciosa, o porte ereto e os
gestos comedidos, parecia uma mulher de madeira,
funcionando de modo automático. (FLAUBERT, 2014, p.14)
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aprendera em pequena a cerzir” (p.59) e Felicité que foi encarregada “ainda
menina para tomar conta das vacas no pasto. (p.15)
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papagaio ocupava a imaginação de Félicité, pois vinha da América,(...)Uma
vez, chegara a dizer: Minha patroa ficaria tão feliz com ele! (p.33)
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existência e tinha necessidade da literatura para inventar os lugares onde ele
se sentia a vontade para existir: “ainda não existem lugares no mundo onde
eu possa fazer os meus passeios”, então essa existência não está se
realizando, se realiza apenas na literatura, na invenção do lugar onde possa
existir. (LAPOUJADE, 2017, p. 24)
A)
“Ou
Ou
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Um ser não está predestinado a um único modo de
existência, ele pode existir segundo vários modos, e não
apenas como entidade física ou psíquica: pode existir como
entidade espiritual, como valor, como representação etc.
(LAPOUJADE, 2017 , p.14)
E prossegue:
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Em relação ao conto A preocupação do pai de família descobre-se que
a preocupação do título do pai consiste, dentre outras razões, em saber o
que vai acontecer com Odradek, “Será que pode morrer?” “ou será que sua
presença continuará nas gerações seguintes?” (p.75) A mesma indagação
sobre a morte do objeto se encontra no Relatório das coisas: “Se ele se
quebrar, pensam que morreu? Não, foi simplesmente embora de si mesmo.”
(p. 496)
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Referências Bibliográficas
KAFKA, Franz. “Um médico rural”. Tradução de Modesto Carone. Companhia das
Letras, 1999
Arquivo da Internet:
http://www.musee-orsay.fr/index.php?id=851&tx_commentaire_pi1%5BshowUid%5D=175
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ANEXO: IMAGEM I
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