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Sem Hora Pra Voltar

Com certeza você não está aqui para saber que existem quase
7,5 bilhões de pessoas no mundo ou que um ovo tem cerca de
155 calorias, e claro, não me julgue! Eu sei que essas
informações não vão mudar muita coisa na sua vida. Tá...
desculpa, é melhor eu recomeçar. Não me leve a mal, só não
tô acostumada a estranhos entrando na minha vida desse
jeito. Não que você seja estranho... Beleza, sei que tá
confuso. Melhor eu começar do começo. Essa ao meu lado é a
Maria. Tomo conta dela três vezes por semana. Não é o
emprego dos sonhos, mas dá pra pagar as contas. Ou quase
isso. Mas sempre que as coisas apertam, minha mãe dá uma
forcinha. Ah! Meu nome é Carolina, e não que eu esteja te
dando intimidade, sei que a gente mal se conhece, mas pra
você sou só Carol e é assim que minha história começa.

- Carol?

- Hum?

- Outro dia minha mãe falou que se arrependeu de ter


se casado com meu pai.

- Quem nunca, né?!

- Mas... como assim se arrepender? Nunca entendi bem


isso.

- Bom... Se arrepender é quando você queria ter muito


feito alguma coisa e acaba não fazendo, ou quando
você faz uma coisa que no fundo você sabia que não
era pra ter feito.

- Ah... Entendi. Acho que me arrependi de não ter


pego outro algodão doce.

- Você já se arrependeu de alguma coisa?

- Bom...

Sabe quando uma criança te faz refletir sobre toda sua


vida? Pode admitir, você também já passou por isso, se não
passou, relaxa que seu dia tá chegando. Isso é um pouquinho
deprimente. Eu não soube o que responder na hora, mas, na
verdade tinha uma coisa da qual me arrependia.
Antes de tudo, um aviso! Se você quiser ver uma história
boa e reflexiva, recomendo procurar outra coisa pra
assistir, um documentário talvez. Mas se quiser continuar,
o aviso é: você foi avisado.
Voltando... Meu arrependimento tinha nome e sobrenome.
Leonardo Silva. Leonardo foi, é... não sei... Uma antiga
paixão.
A gente se conheceu na escola e nunca avançamos do nível
“só amigos”. Nunca falei dos meus sentimentos e tudo que
ficou foi um pensamento de como poderia ter sido.
- Oi

- Leonardo?

- Eu tava passando aqui por perto e resolvi te ver.


Posso entrar?

- É... Você quer alguma coisa? Uma água?

- Sim. Tem uma coisa que eu quero muito

- Ai meu Deus

Ai! Tá, isso doeu

Já estamos tão íntimos que eu nem tô me importando tanto


com minha privacidade.
E foi nesse momento fisiológico e glorioso de alívio que
pensei “Por que não?” Porque não tentar e ver no que vai
dar?
É isso aí! Eu sou uma mulher forte, decidida, eu vou atrás
do bo[boy]...
Opa! Lei da gravidade, né amigos? Agora, voltemos a minha
grande ideia, por favor!
Eu estava decidida a encontrá-lo, mas por onde começar? Não
fazia ideia de onde ele morava, mas lembro que uma antiga
colega de escola comentou que o viu trabalhando em um
restaurante mexicano no centro da cidade. E se eu
encontrasse o número ou endereço de lá? Vai que, né?
– Porcaria... não sabia que existiam tantos restaurantes
mexicanos na cidade. Ok Carol... Não custa tentar, né?

Ansiedade, desconforto, falta de ar e palpitações.


Obviamente eu estava bem tranquila.
– Alô?

– Você sabe o que precisa fazer, não sabe?

– Hã,oi?

– Você precisa seguir em frente. Eu estou preocupada com


você

– Alô?

– Chamas do amor sex shop. Em que posso ajudar?

– Oi?

– Em compras acima de R$100,00 o frete é grátis em


até duas horas pra seu fogo na apagar viu, querida? E
melhor... motoboy super discreto, porque não tem
chama que a gente não consiga conter.

– Interessante
Minhas chances tinham sido reduzidas e eu realmente pensava
que ele não trabalhava em restaurante algum. Eu estava
quase desistindo quando…
– Lo que te gusta, Leonardo, bom dia.

– Leonardo?

– Oi, Léo. É a carol, a gente estudo junto, você


lembra?

– E aí Carolzinha?

– Carolzinha?

– Tudo bem, minha linda?

– É... Eu acho que liguei errado

– Que é isso, relaxa. Você ligou pra pessoa certa,


viu? posso ser quem você quiser, vamos conversar.
Depois dessa experiência frustrante, acabei desistindo das
ligações. Lembrei de Pâmela, uma das pouquíssimas pessoas
do colégio que ainda tinham contato comigo. Ela morava no
mesmo bairro que eu, era casada e tinha um filho.

Eu e ela sempre tivemos uma amizade estranha. Sempre me


senti desconfortável com algumas coisas, mas faz parte de
uma amizade, né? Afinal, é bom ter alguém com quem podemos
contar... eu acho.

– Pâmela! 

– Carol! Menina, que coincidência

– Coincidência nada, tava te procurando, mulher. É


urgente. 
– Urgente? Como assim? O que aconteceu? Tá vendo...
Nisso que dá... Você some.
– Não, é... eu tava um pouco ocupada. você sabe, né? 

– Eu bem sei...

– Então, você ainda mantém contato com alguém da


escola?
– Ah! Vez ou outra, eu encontro algumas pessoas.
Semana passada mesmo eu vi a Fernanda parecendo uma
louca no meio da rua. Ai... Aquela menina não vai pra
frente. Chega... Chega dá pena. Parece que parou no
tempo
– Hum! É... Então, você ainda tem o contato de
Leonardo?
– Leonardo... Silva? 

– diCaprio… Claro que é Leonardo Silva, né, mulher! 

– OLHA,eu até que tinha, mas era da casa dos pais


dele, e tem muito tempo que ele saiu de lá, mas…
porque o interesse?
– Não... Era só curiosidade mesmo.

– Sei... Olha, Carol eu queria ficar muito aqui


conversando com você, mas eu preciso buscar o
Davizinho na creche. Mas, me passa seu contato, aí a
gente vai conversando
– Deixa eu pegar um papel aqui
– Mas, enfim... A gente marca, né?! Vamos se falar. Aí
você vem, passa uma tarde aqui em casa, a gente come
um bolo, quem sabe...
– É, vamos marcar então

– Tá bom. Beijo, amada

– Beijo

A gente marca... a gente marca pra mim é quase um “na


segunda eu começo”, ou um “amanhã eu faço”. Quando foi que
comprei uma passagem sem volta para o círculo vicioso
mesmo? Não sei quando parei no tempo, ou quando o tempo
parou pra mim. Sabe como é... As pessoas estão sempre
correndo atrás de alguma coisa e eu nunca fui do tipo
esportista. Minha mãe sempre tentou me proteger de tudo,
mas tô começando a achar que umas quedinhas na vida talvez
me fizessem ter mais coragem.
– Mãe? 

– Filha? Fiz um cozido. Tentei te ligar, mas você não


tava em casa.
– É...  Eu tava hum... ocupada. 

– Tá tudo bem? Você pode dormir comigo aqui de novo. 

– Eu tô bem. Tá tudo bem... Tá tudo bem, Dona Joana.

– Tem certeza? Porque você não tá em casa. Horário de


almoço e você rodando na rua
– É que...Eu tô com um amigo. 

– Amigo? Você não tem amigos, Carolina. 

Ai!

– É... É um novo amigo. 

– Hum, tudo bem. Depois me conta mais desse seu amigo


novo. Se cuida minha filha
– Tá bom, Tchau.

Eu sei que o tempo é um negócio traiçoeiro e que a gente


tem que correr, nem que seja de calçolão e abrir as portas
para as oportunidades que chegam, porque elas não esperam.
Ter alguém é bom, mas...
Então você desistiu de procurar ele? 
– Aff! Você interrompeu meu discurso motivacional. 

– Oi? 

– Depois te explico. E sim! Eu desisti. 

– Mas, por que você não fez uma conta no Instagram, ou


no Facebook. Acho que seria bem mais fácil. 
– O que for pra ser, vai ser. Agora vamos que seus
pais estão te esperando. 
– Ei, a última a chegar é a mulher do padre!

– Ai meu Deus... Ei! Espera. Eu vou ter que correr


mesmo? 
– Espera

Eu estava me sentindo devastada, cansada e morta, porém


viva. Olha pra mim, nem sei o que eu tava procurando. Eu
poderia ter ido por um caminha mais fácil? Poderia! Poderia
ter mandado uma mensagem pra ele? Claro que sim, mas acho
que no fundo eu tava com medo do que eu poderia encontrar.
Sabe quando você assiste um filme e sabe que é um filme,
mas no fundo, bem no fundo mesmo, tem vontade de viver
aquilo, isso quando o filme é bom, claro! Mas a gente sabe
que a vida não começa e termina em 90 minutos e muito menos
não é uma trilogia de sucesso. Eu estava e sentindo mal
porque finalmente minha ficha tinha caído...Eu tava
perdendo a chance de ter alguém legal. E não, não era sobre
Leonardo, não era sobre outras pessoas, era sobre mim. No
final, sempre era eu. Desculpa por entrar numa vibe de
autoajuda, falar todas essas coisas ainda não mudou nada.
Mas já é um bom começo, né? Foi mal se ainda não te levei a
alguma reflexão útil, ou gerei alguma emoção, não sou
psicóloga e nem vou bancar a coach, mas eu precisava de
alguém pra me ouvir, vai que tem outra Carol por aí.
– Alô?

– Oi, Carol vamos pedir uma pizza você vem?

– Ah, não sei. Tô de saída agora

– Que horas você volta? Se não for muito tarde você pode passar
aqui
– Ah... eu não sei, mas a gente pode ver

A gente se priva de fazer tanta coisa porque tá sempre


esperando por alguém, mas esse alguém já estava esperando
por nós, só esperando a gente abrir os olhos, e quando a
gente encontra esse alguém é um caminho sem volta. A gente
toma um rumo sem hora pra voltar.

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