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A Teoria da Ação no Processo Civil

Introdução

Comemoramos, neste ano de 2003, o centenário da famosa preleção de


Chiovenda na Universidade de Bolonha a respeito da ação no sistema dos
direitos.
Ponto de partida do abandono da escola exegética e da acessoriedade do
processo em relação ao direito material1 para o encontro, meio século depois,
entre as teorias emancipadoras do processo germinadas na Alemanha na
segunda metade do século XIX e o humanismo do processo justo do
final do século XX, a pregação chiovendiana lançou as bases conceituais da
moderna teoria geral do processo, ao mesmo tempo em que repudiou o juiz
burocrata e inerte, preocupado com a democratização do acesso à Justiça e com
a instauração de uma relação processual impregnada de compromissos do juiz
para com as duas partes2.
Na primeira metade do século XX, foi atribulada a trajetória do direito de ação,
pois, se a auto-suficiência do direito processual e o seu desprendimento do direito
material poderiam parecer progressos científicos, na verdade o exagero abstratista
tornou o acesso à Justiça fácil instrumento da opressão do mais forte sobre o mais
fraco e da utilização da via judicial não para a tutela do direito, mas para retardar
indefinidamente ou impedir o reconhecimento do direito alheio.
Coube a Liebman3, já de volta à Itália depois do final da 2ª Guerra, tentar
recolher os destroços do direito de ação e recompor as suas bases científicas,
despindo-o de preconceitos ideológicos.
Mas nessa altura, já eram muito diferentes as preocupações da ciência
processual, questionada em seus fundamentos e em sua funcionalidade pelas
exigências da tutela jurisdicional efetiva impostas pelo novo Estado Democrático
de Direito.

Rodapé:
1 Alberto Scerbo, Tecnica e Politica del Diritto nella Teoria del Processo,
Rubbettino, Catanzaro,
2000, p. 106.
2 Giuseppe Chiovenda, Principii di Diritto Processuale Civile, 3ª ed., Jovene,
Napoli, 1923, p. 91.
3 Enrico Tullio Liebman, "L'Azione nella Teoria del Processo Civile", Problemi di
Diritto
Processuale Civile, Morano, Napoli, 1962.

Enquanto a doutrina processual e as reformas legislativas se voltaram para a


nova realidade, impulsionadas pela necessidade de enfrentar o custo e a
morosidade da justiça, de equacionar a sobrecarga do aparelho judiciário pelo
excesso de demandas, de dar consistência teórica a novos institutos como as
ações coletivas e o processo objetivo, de rever todo o substrato teórico à luz das
garantias fundamentais do processo justo, ficaram na penumbra, como se
estivessem definitivamente equacionadas, as questões básicas delineadoras do
direito de ação, que somente voltam à tona topicamente na análise de um ou outro
aspecto dessa nova realidade, ou quando a edição de um novo Código, como
ocorreu recentemente na Espanha, exige que sejam reafirmadas
as bases teóricas de todo o sistema processual4.
Parece-me, todavia, que se continuamos aspirando a ter um sistema processual
consistente do
ponto de vista científico e eficiente como instrumento de realização dos ideais de
Justiça que são
inerentes à natureza humana, é preciso retomar a reflexão sobre as suas bases
teóricas, não para
negar o que até aqui foi elaborado e sedimentado através da obra de tantos
expoentes, mas para
reavaliar a sua adequação às novas exigências da sociedade contemporânea e de
uma Justiça em
crise, na tentativa de contribuir para o progresso do processo como saber
científico e não apenas
como técnica circunstancial de solução de litígios e de atuação do Direito.
Nessa perspectiva desenvolve-se o presente estudo sobre o direito de ação.

Rodapé:
4 Juan Montero Aroca, Los Principios Políticos de la Nueva Ley de Enjuiciamiento
Civil, Tirant lo
Blanch, Valencia, 2001.

<9>

Capítulo I - Ação: um Só ou Vários Direitos?

Embora aparentemente intuitivo, porque utilizado na cotidiana linguagem


forense sem
divergências, o direito de ação é um dos conceitos mais equívocos do Direito
Processual científico.
A que direito estamos nos referindo quando tratamos do direito de ação?
Penso que muitas das divergências a respeito da teoria da ação, que ainda se
observam entre nós,
decorrem dos diferentes sentidos em que a palavra ação é utilizada. Com isso não
quero dizer que
as controvérsias se reduzam apenas a uma questão terminológica, mas apontar
para a existência de
vários direitos de diferentes conteúdos, a que igualmente denominamos de direito
de ação e, à luz
dessas diferenças, tentar compreender os requisitos da sua existência, os
elementos que o
identificam e os limites a que está sujeito como direito fundamental assegurador
da eficácia
concreta de todos os demais direitos.
Já Gabriel de Rezende Filho5 acentuava que de ação se fala em diferentes
sentidos: como defesa
do direito, complexo de atos constitutivos do juízo, pretensão, demanda ou jus
quod sibi debeatur
judicio persequendi. O Código de 1939 empregava a palavra como sinônimo de
causa, processo,
feito, lide, demanda, pleito e litígio.

1.1. Ação como Direito Cívico

Num primeiro sentido, falamos de ação como um direito cívico, o direito de


acesso aos órgãos
jurisdicionais6, conferido indistintamente a todos os sujeitos de direito de obter um
pronunciamento do Poder Judiciário a respeito de qualquer postulação. Esse é um
direito
absolutamente incondicionado, conferido a qualquer pessoa independentemente
do conteúdo da sua
postulação. A esse direito corresponde o dever irrecusável de resposta do Estado
juiz. Esse di

Rodapé:
5 Gabriel José Rodrigues de Rezende Filho, Curso de Direito Processual Civil,
vol. I, 3ª ed.,
Saraiva, São Paulo, 1952.
6 Luigi Montesano e Giovanni Arieta, Diritto Processuale Civile, vol. I, 2ª ed., G.
Giappichelli,
Torino, 1996, p. 137.

<10>

reito nada mais é do que o direito de petição aplicado aos órgãos jurisdicionais7.
Como observava Liebman8, a ação, nesse primeiro sentido, tem relevância
apenas no direito
constitucional, mas sua extrema abstração e indeterminação a torna inútil do ponto
de vista
estritamente processual, porque ela não obriga o juiz, como seu destinatário, a
exercer o poder
jurisdicional sobre uma determinada relação de direito material. Esse direito não
tem particulares
elementos individualizadores, nem requisitos que condicionem a sua existência ou
o seu exercício,
apresentando-se sempre com o mesmo conteúdo em todos os casos.
O dever do Estado como destinatário de uma pretensão de qualquer pessoa é
apenas o de
respondê-la de acordo com a lei e com absoluta neutralidade, revelando as razões
da sua resposta,
como conseqüência dos princípios da legalidade, da impessoalidade e da
fundamentação das
decisões, inscritos nos artigos 37 e 93-IX da Constituição.

1.2. Ação de Direito Material

Num segundo sentido, ressurge a ação como pretensão à tutela jurídica do


direito material
(Rechtsschutzanspruch), como direito concreto, como garantia, a também
chamada ação de direito
material19. Na teoria dos direitos fundamentais, a tutela jurisdicional efetiva do
direito material em
benefício do seu titular é um instrumento indispensável da própria eficácia desse
direito, e,
portanto, um direito que integra o patrimônio jurídico de quem possui o direito
subjetivo material.
Renasce o dogma civilista de que a todo direito corresponde uma ação que o
assegura (Código
Civil, artigo 75), ou melhor, de que o titular de qualquer direito pode invocar a sua
proteção
jurisdicional como um atributo do próprio direito material.
Nesse segundo sentido, a ação integra o direito à jurisdição, mas não o esgota,
porque este é
igualmente conferido a quem não é

7 José Frederico Marques, Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, 3ª ed.,
Forense,
Rio de Janeiro, 1966, p. 27; Luigi Paolo Comoglio, La Garanzia Costituzionale
dell'Azione ed il
Processo Civile, Cedam, Padova, 1970, p. 53.
8 Enrico Tulho Liebman, "L'Azione nella Teoria del Processo Civile", Problemi di
Diritto
Processuale Civile, Morano, Napoli, 1962, p. 41.
9 V. sobre a ação de direito material José Maria Rosa Tesheiner, Eficácia da
Sentença e Coisa
Julgada no Processo Civil, RT, São Paulo, 2001, p. 131.

<11>

titular do direito material. Entretanto, como garantia da eficácia concreta do direito


material, a ação
é ela própria um direito fundamental sem o qual nenhum valor teriam todos os
demais, que
restariam meras proclamações vazias e sem conseqüências práticas nas
declarações de direitos10.

1.3. Ação como Direito ao Processo Justo


A ação também é mencionada como o direito ao processo justo, o direito ao
meio através do qual
se exercerá a jurisdição, o direito de postular o exercício da jurisdição por meio de
um processo
revestido de todas as garantias, no qual possa o autor apresentar todas as
alegações e provas
necessárias à demonstração da procedência do seu pedido. Mas o direito ao meio
(o processo justo),
embora seja pressuposto da adequada proteção do direito material, ou do
adequado exercício da
jurisdição sobre o direito material, não é o próprio direito à tutela jurisdicional do
direito material.
Neste terceiro sentido, seria mais correto falar-se em direito ao processo do que
em direito de ação.
Mesmo que o processo seja extinto sem julgamento do mérito, ainda que afinal a
prestação
jurisdicional não seja entregue ou ainda que o direito material não seja tutelado, a
iniciativa do
autor terá desencadeado a instauração da relação processual que deve ter
observado todos os
requisitos de formação e desenvolvimento válido e regular, através da sua
subordinação aos
pressupostos processuais, que têm por escopo assegurar a marcha ordenada do
processo em direção
ao seu fim, com o pleno respeito de todas as garantias fundamentais do processo,
como o
contraditório, a ampla defesa, a imparcialidade do juiz, entre outras.
Nesse sentido, a ação é direito tanto do autor quanto do réu, pois também este
deve ter
plenamente assegurados a ampla defesa, o contraditório, a paridade de armas, o
adequado exame de
suas alegações e provas etc. Já Liebman observava que o ordenamento
processual reconhece a
ambas as partes, independentemente de saber qual delas sairá vencedora, um
igual direito de
conteúdo meramente processual, autônomo e diverso do direito substancial, que é
o direito de
serem ouvidas pelo juiz e dele obterem uma decisão conforme à lei11.

10 Enrico Tullio Liebman, ob. cit., p. 38; Italo Andolina e Giuseppe Vignera, Il
Modello
Costituzionale del Processo Civile Italiano, G. Giappichelli, Torino, 1988, p. 86.
11 Enrico Tullio Liebman, ob. e loc. cits.

<12>
1.4. Ação como Demanda

Há um quarto sentido muito importante para o direito de ação, o de ação como


demanda, como
conjunto de elementos propostos pelo autor que delimitam o objeto litigioso, a res
in judicium
deducta, tanto objetiva quanto subjetivamente. Não há jurisdição sem ação. Cabe
ao autor fixar
quem são as partes, qual é o pedido e qual é a causa de pedir, enfim, sobre que
questões da relação
jurídica de direito material incidirá o provimento jurisdicional.
O princípio da demanda, ou seja, de que cabe ao autor fixar os limites objetivos
e subjetivos das
questões sobre as quais deverá incidir a jurisdição, é fruto do liberalismo
político12, que impede
que o Judiciário intervenha nas relações jurídicas privadas e nas relações entre o
próprio Estado e
os cidadãos, salvo a requerimento de algum interessado e nos limites por este
propostos. É o
princípio da congruência ou da adstrição. Nos sistemas que adotam a tríplice
identidade como
elementos individualizadores da ação, tais elementos em realidade identificam a
demanda13.
A própria palavra demanda é freqüentemente usada no sentido de ato inicial de
impulso do
processo, tomando-se o continente pelo conteúdo14.

1.5. Ação como Direito à Jurisdição

Em quinto sentido, ação é o direito à prestação jurisdicional sobre o direito


material ou, num
conceito mais completo, o direito subjetivo público, autônomo e abstrato, de exigir
do Estado a
prestação jurisdicional sobre uma demanda de direito material. A existência da
ação como direito à
jurisdição nasce da afirmação de um direito material que preencha as chamadas
condições da ação.
Não

Rodapé:
12 Girolamo Monteleone (Diritto Processuale Civile, 2ª ed., Cedam, Padova,
2000, p. 187) ressalta
que quando o princípio da demanda é suprimido e o processo civil é governado
por um sistema
publicístico-inquisitório similar ao processo penal, ou reduzido à categoria de um
procedimento de
jurisdição voluntária, cessa de existir o Estado livre de direito, substituído por um
ordenamento
despótico de polícia. Suprimir ou rebaixar o princípio da demanda no processo civil
corresponde a
suprimir o indivíduo como sujeito de direitos.
13 Luigi Montesano e Giovanni Arieta, Diritto Processuale Civile, vol. I, 2ª ed., G.
Giappichelli,
Torino, 1996, p. 145.
14 Montesano e Arieta, ob. cit., p. 137; Alexandre Freitas Câmara, "Teorias sobre
a Ação: uma
Proposta de Superação", Escritos de Direito Processual, Lumen Juris, Rio de
Janeiro, 2001, p. 57.

<13>

é todo aquele que postula em juízo, que propõe uma demanda, que pratica o ato
inicial de impulso
processual, que exerce os direitos, deveres e ônus de um processo justo, que se
apresenta como
titular desse direito de ação e que, portanto, poderá exigir do Estado o exercício
da jurisdição sobre
o seu direito ao bem da vida pleiteado. As condições da ação vão determinar a
possibilidade de
alcançar esse resultado.
A ação como direito à jurisdição não se confunde com o direito de petição,
porque este é o
direito a qualquer resposta, enquanto aquela é o direito a uma prestação incidente
sobre o mérito,
sobre a relação jurídica de direito material. Tampouco se confunde com a ação de
direito material,
porque a esta tem direito apenas quem seja titular do direito material ao bem da
vida pleiteado,
enquanto aquela cabe a quem simplesmente alegue ser titular do direito material,
mesmo que afinal
não o seja, porque é o direito à jurisdição sobre o direito material, tanto em
benefício como em
prejuízo do autor, que nasce da afirmação de uma situação fático-jurídica
hipoteticamente
agasalhada pelo ordenamento jurídico 15. É direito que o autor compartilha com o
réu, embora
cada um objetive alcançar um resultado prático diverso.
A ação, como direito à jurisdição, também encontra fundamento constitucional,
na garantia da
tutela jurisdicional efetiva (artigo 5°, inciso XXXV da Constituição brasileira),
porque é através
dela que o titular do direito tem acesso à proteção do seu direito material, embora
nem sempre em
conseqüência da sua própria iniciativa.
Como o resultado do exercício da jurisdição pode ser tanto favorável quanto
desfavorável ao
postulante originário, pode-se dizer que mais do que um meio de tutela de um
direito subjetivo, a
ação como direito à jurisdição serve ao interesse público de dar a cada um o que é
seu, e assim
assegurar a convivência pacífica e harmoniosa dos cidadãos no pleno gozo dos
direitos que lhes são
conferidos pela ordem jurídica16.

15 Donaldo Armelin, Legitimidade para agir no Direito Processual Civil Brasileiro,


RT, São
Paulo, 1979, p. 35; Italo Andolina e Giuseppe Vignera, ob. cit., p. 275; Alexandre
Freitas Câmara,
ob. cit., pp. 55 e 66.
16 Enrico Tullio Liebman, ob. cit., p. 31.

<14>

1.6. Importância Atual do Conceito de Ação

Também de ação falamos, mas já em sentido impróprio, como procedimento,


rito ou determinada
postulação fundada na classificação de algum dos elementos da demanda: ações
reais, ações
possessórias, ações inibitórias etc. Essa é uma forma absolutamente inadequada
de compreender o
direito de ação. Seja qual for o conceito adotado, em nenhum deles o rito
processual ou a espécie de
bem ou a natureza do direito servirão para atribuir ou retirar o direito de ação17.
Essa multiplicidade de conceitos e, ainda mais, de teorias que os sustentam
podem gerar a falsa
impressão de que seja inútil definir um conceito de ação ou tentar encontrar uma
razão de ser para a
ação, que não seja uma simples conseqüência do direito subjetivo à tutela do
direito material ou do
direito ao processo justo e garantístico.
Ocorre que o Processo Civil ainda não foi capaz de pacificar as incontáveis
opiniões divergentes
em torno da extensão do direito à jurisdição, mais amplo ou mais restrito em
função do rol e do
conteúdo dos pressupostos processuais e das condições da ação.
Se o direito de acesso à jurisdição fosse um direito subjetivo absoluto, não
deveria sofrer
qualquer limitação à guisa de pressupostos processuais ou condições da ação.
Se, ao contrário,
fosse apenas um poder de desencadear uma atividade estatal no interesse
público, a lei poderia
impor-lhe discricionariamente limitações. Mas se ele é um direito fundamental de
um cidadão a que
se contrapõe o direito igualmente fundamental do adversário de não ser molestado
por um processo
inviável, porque isto reduz ou dificulta o pleno gozo do seu direito material, que o
Estado de
Direito se comprometeu a tornar efetivo, então é preciso definir com clareza as
limitações a esse
direito impostas pela necessidade de conciliá-lo com os direitos fundamentais do
seu adversário, de
tal modo que, sem cercear o amplo acesso à Justiça em benefício daquele que
afirma ser titular de
uma situação juridicamente protegida e da paz social, o direito à jurisdi

17 Enrico Tullio Liebman, ob. cit., p. 36; Luigi Paolo Comoglio, "Note Riepilogative
su Azione e
Forme di Tutela, nell'Ottica della Domanda Giudiziale", Rivista di Diritto
Processuale, Cedam,
Padova, 1993, p. 472.

<15>

ção não se torne para quem tem razão um meio de suprimir ou limitar o pleno
gozo dos seus
direitos18.
Parece-me que aí está delineada a importância do conceito de ação no quinto
sentido acima
exposto (item 1.5), como direito à jurisdição sobre uma pretensão de direito
material, e, ao mesmo
tempo, como freio às demandas inviáveis, estabelecendo o necessário equilíbrio
entre o direito de
amplo acesso à justiça e a garantia da eficácia concreta dos direitos dos cidadãos.
Com base neste
conceito, que adotarei doravante, parece possível compreender, do ponto de vista
das garantias
fundamentais do processo, as diversas questões submetidas à apreciação do juiz,
as diferenças entre
pressupostos processuais, condições de ação e mérito, ao mesmo tempo em que
permite observar
que essas categorias não são tão radicalmente diferentes como pode parecer,
havendo entre elas
zonas limítrofes em que a mesma questão pode ser observada como geradora da
falta de um
pressuposto processual e também de uma condição da ação, ou relativa a uma
destas e também ao
mérito.
O processo é o meio, o instrumento de exercício da jurisdição. Como qualquer
funcionário
público no exercício das suas funções, o juiz deve velar pela validade e
regularidade do processo
desde a sua formação até o final, porque delas vai resultar a legalidade ou
validade da própria
atividade-fim, que é o exercício da jurisdição.
Há, portanto, uma prioridade lógica e, também normalmente, uma anterioridade
cronológica no
exame dos pressupostos processuais, antes das condições da ação e do
mérito19. Como pressupos-

Rodapé:
18 Em sentido contrário, Luigi Paolo Comoglio (ob. cit., p. 471), para quem, se o
direito de ação
tem suporte na Constituição, no plano processual não se revela nenhuma
necessidade residual de
recorrer à figura dogmática da ação como algo autônomo e tecnicamente distinto
do poder de
propor em juízo a demanda. E mais adiante, o mesmo autor (p. 489) diz que, onde
existam, como
existem na Itália, garantias individuais que assegurem aos particulares o acesso
às cortes, ou o
direito incondicionado de provocar os órgãos jurisdicionais, não há mais sentido
algum em postular
e defender a autonomia da ação (ou, ainda mais, das ações tipificadas pela
tradição civilística). Os
únicos problemas que no processo mantêm uma relevância fundamental são os
relativos à
efetividade e à dutilidade variável das formas de tutela (ou, se se prefere, dos tipos
de remédios
jurisdicionais), que podem ser concedidos, a pedido, pelo juiz provocado. No
mesmo sentido, o
mesmo Comoglio (in Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo,
Lezioni sul Processo
Civile, 2ª ed., II Mulino, Bologna, 1998, p. 235).
19 V. José Carlos Barbosa Moreira, "Aspectos da 'Extinção do Processo'
conforme o art. 329 do
CPC", Revista de Processo, n° 57, ano 15, RT, São Paulo, janeiro-março de 1990,
p. 203.

<16>

tos de validade e regularidade da relação processual (jurisdição, competência e


imparcialidade do
juiz, capacidade das partes, inexistência de fatos impeditivos e subordinação do
procedimento às
normas legais), a falta de qualquer deles acarretará a nulidade ou irregularidade
do processo. No
caso de nulidade, se o vício for insanável ou ficar insanado, o processo deverá ser
extinto ou
anulado, e, em conseqüência, o juiz não chegará a apreciar a existência do direito
à jurisdição, o
direito de ação, nem muito menos se esta poderá resultar num julgamento
favorável ou
desfavorável ao autor.
Ultrapassados positivamente os pressupostos processuais, deverá o juiz
apreciar se o autor tem
ou não o direito de exigir do Estado um provimento jurisdicional sobre o direito
material, ou seja,
se ele se apresenta como titular do direito de ação, isto é, titular do direito à
jurisdição. Esse exame
o juiz procederá através da verificação da concorrência das chamadas condições
da ação, para
depois se debruçar sobre o mérito.

<17>

Capítulo II - Condições da Ação

2.1. O que são as Condições da Ação

Na doutrina italiana e em todos os sistemas processuais que sofreram a sua


influência, fala-se de
condições da ação, embora em sentidos bastante diversos. No Direito alemão,
essas condições são
tratadas como pressupostos processuais relativos ao objeto litigioso20.
Para os concretistas, que subordinam a existência do direito de ação à própria
existência do
direito material através dela pleiteado, elas são condições do acolhimento da
demanda, que devem
verificar-se no momento da decisão, distinguindo-se dos pressupostos
processuais, que independem
do conteúdo futuro da sentença, devendo concorrer desde o início do processo21.
Chiovenda delas
trata como "condições gerais da sentença positiva de acolhimento"22.
Já para a maioria dos abstratistas, que reconhecem a existência do direito de
ação
independentemente da existência do direito material, elas são condições da
existência da ação como
direito à prestação jurisdicional sobre o direito material23. Entre estes, há os que
preferem
considerá-las condições do exercício e não da existência do direito de ação24,
como Kazuo
Watanabe, que as entende "condições da ação exercida, cuja carência não afeta o
direito subjetivo
público de ação"25. Estes últimos, seguramente, tentam por essa via

Rodapé:
20 Stefan Leible, Proceso Civil Alemán, Biblioteca Jurídica Dike, Medellín,
Colômbia, 1999, p.
160.
21 Girolamo Monteleone, ob. cit., p. 174.
22 Giuseppe Chiovenda, Principii di Diritto Processuale Civile, 3ª ed., Jovene,
Napoli, 1923, pp.
149 e ss. No mesmo sentido, Marco Tullio Zanzucchi, Diritto Processuale Civile,
vol. I, 6ª ed.,
1964, Giuffrè, Milano, p. 67; Saivatore Satta e Carmine Punzi, Diritto Processuale
Civile, 12ª ed.,
Cedam, Padova, 1996, p. 161.
23 José Frederico Marques, ob. cit., p. 38; Enrico Tullio Liebman, Manuale di
Diritto Processuale
Civile, vol. I, 4ª ed., Giuffrè, Milano, 1980, p. 135; J. E. Carreira Alvim, Elementos
de Teoria Geral
do Processo, T ed., Forense, Rio de Janeiro, 1997, p. 120; Crisanto Mandrioli,
Diritto Processuale
Civile, vol. I, 13ª ed., G. Giappichelli, Torino, 2000, p. 49.
24 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel
Dinamarco, Teoria
Geral do Processo, 12ª ed., Malheiros, São Paulo, 1996, p. 259.
25 Kazuo Watanabe, Da Cognição no Processo Civil, 2ª ed., Bookseller,
Campinas, 2000, p. 77.
No mesmo sentido, José Carlos Barbosa Moreira as denomina requisitos do
regular exercício da
ação. (O Novo Processo Civil Brasileiro, 19ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1998, p.
24)

<18>

conciliar a ação como direito cívico, cuja existência é totalmente incondicionada,


com a ação como
direito à jurisdição.
Também majoritariamente, os abstratistas consideram as condições da ação
como preliminares
estranhas ao mérito da causa, cuja falta acarreta a carência da ação e a extinção
do processo sem
julgamento do mérito e, conseqüentemente, sem formação da coisa julgada
material26.
Entretanto, outros as incluem no mérito. Assim, para Comoglio27, as condições
da ação são
requisitos intrínsecos da demanda, condições de admissibilidade da demanda,
condições de
concessão da tutela. São mérito em sentido lato, podendo fazer coisa julgada. Se
faltam no
momento em que a demanda é proposta, podem validamente surgir no curso do
processo, devendo
subsistir pelo menos no momento da sentença. São condições de admissibilidade
da pronúncia
sobre o mérito em sentido estrito28. E Tesheiner as considera a parcela do mérito
imune à coisa
julgada29.
Para Marinoni e Arenhart, a sentença que afirma a impropriedade da via
escolhida pelo autor
impede a propositura da mesma ação e, portanto, faz coisa julgada, permitindo
que o autor volte a
juízo somente no caso de utilização de uma nova via30.
Penso que as condições da ação são requisitos da existência do direito ao
exercício da função
jurisdicional sobre determinada pretensão de direito material. Sem elas, as partes
não devem ter
direito à jurisdição, a um provimento jurisdicional que possa vir a assenhoreá-las
do bem da vida
postulado. À sua falta, a movimentação da máquina judiciária seria abusiva e
ilícita, pois são elas
que justificam e fundamentam a necessidade da intervenção judicial nas relações
jurídicas entre
particulares ou entre estes e o Estado.

Rodapé:
26 Enrico Tullio Liebman, "L'Azione nella Teoria del Processo Civile", Problemi di
Diritto
Processuale Civile, Morano, Napoli, 1962, p. 46; Donaldo Armelin, ob. cit., p. 46;
Alfredo Buzaid,
A Ação Declaratória no Direito Brasileiro, 2ª ed., Saraiva, São Paulo, 1986, p. 269;
Arruda Alvim,
Manual de Direito Processual Civil, vol. I, 5ª ed., RT, São Paulo, 1996, pp.
363/365; Crisanto
Mandrioli, ob. cit., p. 58.
27 Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, Lezioni sul Processo
Civile, 2ª ed., II
Mulino, Bologna, 1998, p. 244.
28 Ob. cit., p. 245.
29 José Maria Rosa Tesheiner, ob. cit., p. 32.
30 Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do Processo de
Conhecimento, RT,
São Paulo, 2001, p. 49.

<19>

Distinguem-se dos pressupostos processuais porque estes são requisitos de


validade e
regularidade do processo, ou seja, requisitos da relação jurídico-processual
através da qual será
exercida a jurisdição.
Os pressupostos dizem respeito ao processo como um todo ou a determinados
atos em particular.
As condições da ação não dizem respeito à validade do meio, mas à possibilidade
de atingir o fim
do processo, que é o exercício da jurisdição.
Entretanto, embora me pareça clara a distinção, há casos em que o legislador
erige a requisitos de
validade do processo fatos que, ao mesmo tempo, excluem o direito ao exercício
da jurisdição,
como a litispendência ou a coisa julgada. Donaldo Armelin observa31 que há uma
zona cinzenta
entre as condições da ação e os chamados-pressupostos processuais negativos
(litispendência, coisa
julgada, perempção e prejudicialidade temporária).
Nessas hipóteses, tenho entendido que o juiz deve decidir a questão a título de
falta de
pressupostos processuais, pela prioridade lógica que possuem estes em relação
às condições da
ação. Todo órgão público, antes de exercer a sua atividade-fim, deve controlar a
legalidade e a
validade da sua própria atuação, do meio de exercício daquela atividade. Assim, é
por falta do
pressuposto processual objetivo da inexistência de fatos impeditivos que o juiz
extinguirá o
processo na ocorrência de coisa julgada, e não pela falta da condição da ação do
interesse de agir,
embora também ocorra esse defeito.
As condições da ação não levam a um julgamento de mérito, porque delas não
resulta qualquer
pronunciamento conclusivo sobre a existência do direito material, mas apenas a
constatação da
viabilidade, da admissibilidade, da possibilidade desse julgamento. O mérito da
causa é o conjunto
de questões de direito material que o juiz deve apreciar conclusivamente para
acolher ou rejeitar o
pedido ou para proferir um pronunciamento que produza efeitos de direito material.
É verdade que,
ao examinar as condições da ação, o juiz está examinando questões de direito
material, mas de um
direito material apenas afirmado ou hipoteticamente possível, sem nenhuma
conclusão definitiva
sobre a sua procedência, sem a produção de qualquer eficácia no plano do direito
material e,
conseqüentemente, sem a for

Rodapé:
31 Ob. cit., pp. 41/42.

<20>

mação da coisa julgada. Se a questão de direito material exigir uma cognição


profunda e
definitivamente conclusiva, então o juiz terá ultrapassado o plano do exame da
concorrência de
simples condições da ação, para formular um juízo de mérito, com a força da coisa
julgada, se for o
caso. Se a questão de direito material tiver de ser resolvida através de uma
cognição, ainda que
sumária e incompleta, para gerar efeitos de direito material, mesmo sem a
autoridade da coisa
julgada, como na tutela da urgência, cautelar ou antecipatória, também de mérito
será a decisão
judicial. Quando o objeto da jurisdição é uma pretensão exclusivamente
processual, como em
muitas medidas cautelares, o mérito da causa é o direito à medida pleiteada.

2.2. Têm Alguma Utilidade as Condições da Ação?

A meio caminho entre os pressupostos processuais e as questões de mérito,


será que a teoria
processual não pode prescindir de instituto tão fluido e impreciso como as
condições da ação? Será
que os alemães não estão com a razão de incluí-las entre os pressupostos
processuais? Ou será que
em alguns casos não deveriam elas ser tratadas como questões de mérito para
todos os efeitos,
inclusive o de formação da coisa julgada material?
José Ignácio Botelho de Mesquita32 argumenta que, se o fato de o autor poder
movimentar a
máquina judicial, mesmo sem ter o direito material afirmado na inicial, é suficiente
para demonstrar
que a ação não depende da existência desse direito, o fato de o autor poder
movimentar a
mesmíssima máquina, sem ser parte legítima, seria suficiente para demonstrar
que a ação
independe também das chamadas condições da ação.
Marinoni e Arenhart entendem33 que não deveriam existir condições da ação.
Nesse caso, o
Código não precisaria distinguir a sentença de carência da ação daquela que julga
o pedido
procedente ou improcedente.
Para Kazuo Watanabe34, as condições da ação se impõem basicamente por
razões de economia
processual. E Donaldo Armelin sustenta35 que as condições da ação se justificam
com fundamento
em

Rodapé:
32 José Ignácio Botelho de Mesquita, Da Ação Civil, RT, São Paulo, 1975, p. 44.
33 Ob. e loc. cits.
34 Kazuo Watanabe, ob. cit., p. 80.
35 Ob. cit., pp. 46/47.

<21>

princípios de técnica e economia processuais, para impedir que processos se


formem e se
prolonguem sem qualquer possibilidade de êxito, com manifesto prejuízo para
todos, partes e
órgãos jurisdicionais.
Também em razões éticas e econômicas se louva Cândido Dinamarco36,
ressaltando que a
tendência à universalização da tutela jurisdicional é contida pela conveniência
legítima de impedir
a formação de processos sem a mínima condição de produzir algum resultado útil
ou, desde logo,
predestinados a resultados que contrariariam regras fundamentais da Constituição
e das leis. Ao
adversário não seria legítimo, dos pontos de vista ético e econômico, impor
vínculos jurídicos,
despesas e constrangimentos, quando a tutela pleiteada pelo autor se afigura de
antemão
inalcançável.
Igualmente Montero Aroca31 sustenta a inadmissibilidade de demandas
absurdas, quando é
evidente a inexistência do direito alegado, como pedir que o Chefe do Governo
cumpra as
promessas da campanha eleitoral.
Creio que a necessidade das condições da ação resulta, destarte, das garantias
fundamentais do
Estado de Direito, que se impõe o dever de assegurar a eficácia concreta dos
direitos dos cidadãos.
Essa eficácia estará completamente comprometida se o titular do direito puder ser
molestado, sem
qualquer limite, no seu pleno gozo, por ações temerárias ou manifestamente
infundadas contra ele
propostas. Essa necessidade transparece com mais vigor, se se considera que na
sociedade moderna
existem relações de força, e que a litigiosidade de muitos direitos e a sua
perpetuação, decorrente
da morosidade da justiça, certamente favorecem aqueles sujeitos de direito que
têm mais condições
de suportá-las, impondo aos mais fracos a subordinação à sua vontade ou a
aceitação de acordos
iníquos, sob pena de nunca gozarem em plenitude desses direitos.
O abstratismo extremado leva ao fenômeno da autolegitimação, ou seja, de a
ação transformar-se
num direito conferido não pelo ordenamento jurídico, mas pelo próprio acionante.
Basta que ele se
afirme titular de uma situação jurídica protegida pelo direito, para que tenha a
faculdade de tornar o
direito alheio litigioso.

Rodapé:
36 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, vol. II,
Malheiros, São
Paulo, 2001, p. 295.
37 Juan Montero Aroca, Los Principios Políticos de la Nueva Ley de
Enjuiciamiento Civil, Tirant
lo Blanch, Valencia, 2001, p. 99.

<22>

Examinando isoladamente a garantia do mais amplo acesso à tutela


jurisdicional, autores
conceituados, como Ítalo Andolina e Giuseppe Vignera na Itália, ou Juan Montero
Aroca na
Espanha, consideram incompatíveis com o ordenamento constitucional as normas
que subordinem
a admissibilidade de uma certa demanda judicial a uma prévia delibação da sua
não manifesta falta
de consistência38, ou de a pretensão ter ou não possibilidade de êxito39.
O direito fundamental de acesso à tutela jurisdicional por parte do autor
encontra limite,
entretanto, no direito igualmente fundamental do réu de exigir do Estado que lhe
assegure o pleno
gozo do seu direito e, conseqüentemente, de não ser molestado por uma
demanda manifestamente
infundada, cabendo às condições da ação o papel de fiel da balança entre esses
dois direitos
igualmente relevantes.
Num ou noutro caso, de um dos lados da balança pode estar em jogo um direito
que tenha
indiscutivelmente maior relevância, ou um sujeito que mereça do Estado especial
proteção, como
um incapaz, cabendo ao direito processual, através das condições da ação, tornar
mais ou menos
exigente, conforme o caso, a sua postulação ou a sua defesa, ficando sempre
sujeita a escolha do
legislador ou do próprio juiz ao controle da adequação desse juízo de
proporcionalidade pelas
instâncias recursais ou de controle de constitucionalidade.
O que não é possível, e aí me parece que Andolina e Vignera têm absoluta
razão, é generalizar a
subordinação de qualquer demanda a um prévio juízo de acentuada probabilidade
do seu
acolhimento, como remédio para descongestionar a atividade dos juízes de
mérito40.
Não resta dúvida, entretanto, de que a ampliação ou restrição do campo de
aplicação das
condições da ação poderá restringir ou ampliar o dos juízos de mérito, o que terá
reflexos
inevitáveis sobre a coisa julgada e a possibilidade de reiteração de demandas.

Rodapé:
38 Infondatezza é a palavra empregada por Andolina e Vignera, in II Modello
Costituzionale dei
Processo Civile Italiano, G. Giappichelli, Torino, 1988, p. 87.
39 Juan Montero Aroca, ob. cit., pp. 98/99, apesar de categórico, admite esse
juízo de
admissibilidade em casos excepcionais, como os de pedido de cumprimento da
promessa de
matrimônio ou da cobrança de dívida de jogo, vedados pela lei, bem assim nos de
demandas
absurdas, como no exemplo das promessas eleitorais.
40 Ob. e loc. cits.

<23>

2.3. Aferição das Condições da Ação in Statu Assertionis

A concorrência das condições da ação é um juízo de fundada possibilidade de


que o autor veja
acolhida a sua pretensão de tutela do direito material alegado, juízo esse formado
através do exame
da relação jurídica de direito material.
A possibilidade de acolhimento é aferida a partir dos fatos afirmados pelo autor,
in statu
assertionis, porque se desses fatos categoricamente não puder vir a resultar o
acolhimento do
pedido, o autor deverá ser julgado carecedor da ação, não tendo ele direito ao
exercício da
jurisdição sobre o caso concreto.
Já expliquei que esse juízo não é um juízo de mérito. É um juízo sobre questões
de direito
material, mas não de mérito, que parte da situação fática concreta relatada pelo
autor para
fundamentar a sua pretensão41 e do qual decorre, em caso positivo, a mera
admissibilidade do
julgamento do direito material.
Machado Guimarães42, citando Liebman, acentuava que a existência do
interesse e da
legitimação deveria ser resolvida admitindo-se, provisória e hipoteticamente, que
as afirmações do
autor fossem verdadeiras. Tornando-se a questão controvertida, seria necessário
proceder à
instrução, passando o problema a ser matéria de mérito.
Mandrioli43 também ressalta que a demanda deve apresentar-se com
acolhibilidade hipotética,
cabendo ao autor afirmar que existe um direito que necessita de tutela.
Donaldo Armelin44 leciona que as condições da ação esgarçam a sua
abstratividade, vinculando-
a a certa realidade fático-jurídica resultante da afirmação constante da inicial.
E Kazuo Watanabe45 vincula o exame das condições da ação à situação fático
jurídica descrita
pelo autor, com abstração das possibilidades que, no juízo de mérito, terá o
julgador de enfrentar.
Elas conduzem a uma técnica de julgamento antecipado, imposta por razões de
economia
processual.

41 José Frederico Marques, ob. cit., p. 39.


42 Luiz Machado Guimarães, "Carência de Ação", Estudos de Direito Processual
Civil, Jurídica e
Universitária, Rio de Janeiro, 1969, p. 102.
43 Ob. cit., p. 47.
44 Ob. cit., p. 35; ibidem, p. 100.
45 Ob. cit., pp. 80 e 96.

<24>
Discordam da teoria da asserção os concretistas, porque o direito à sentença
favorável não resulta
apenas da afirmação do autor, mas do acolhimento final do pedido. O processo,
não a ação, é que
pode levar a uma sentença de qualquer conteúdo, de acolhimento ou de rejeição,
ou até de extinção
sem julgamento do mérito46.
Mas mesmo entre os abstratistas há os que rejeitam a teoria da asserção, como
Cândido
Dinamarco41 e José Maria Tesheiner48, ressalvando este último apenas a
hipótese de legitimação
ordinária, que decorreria apenas da afirmação do autor.
Se as condições da ação fossem totalmente estranhas ao direito material,
poderia admitir-se a
opinião destes últimos. Mas a sua aferição em face de determinados fatos
originadores do próprio
direito material postulado, como ocorre indiscutivelmente com a possibilidade
jurídica e com a
legitimação ordinária ou extraordinária, levaria ao absurdo de, após exaustiva
instrução e cognição
a respeito desses fatos, resultar o processo numa frustrante sentença de carência
de ação, sem coisa
julgada.
Entretanto, a simples asserção não pode ser considerada suficiente para
conferir ao autor o
direito de ação, sob pena de autolegitimação. A afirmação de situação fático
jurídica apta
hipoteticamente ao acolhimento do pedido formulado deve estar acompanhada de
um mínimo de
verossimilhança e de provas capazes de evidenciar a possibilidade concreta
desse acolhimento e de
que a iniciativa do autor não submete o réu a um ônus de plano manifestamente
abusivo de
defender-se de uma demanda inviável.
As condições da ação se aferem a partir da asserção; pois são um juízo de
mera possibilidade de
acolhimento do pedido, concretamente fundamentada na logicidade da verdade
relatada e das suas
conseqüências jurídicas e na sua sustentação em provas, ainda que mínimas. Ou
seja, não basta a
simples asserção. Se esta for absurda ou vier desacompanhada de qualquer
indício da sua
verossimilhança, deverá o autor ser julgado carecedor da ação, para não
submeter o réu ao ilegal
constrangimento de ter de defender-se e de perder o pleno gozo do seu direito
decorrente da
litigiosidade, sem uma causalidade adequada. E não haverá coisa julgada. Volte o
autor, se quiser,
com outra postulação satisfatoriamente fundamentada.

Rodapé:
46 Girolamo Monteleone, ob. cit., p. 174.
47 Ob. cit., p. 313.
48 Ob. cit., pp. 19 e 29.

<25>

O juiz deve vigiar a existência das condições desde o despacho da petição


inicial (art. 295), para
não sujeitar o réu a um processo injusto. Mas não há nulidade na formação e no
desenvolvimento
do processo sem que concorram essas condições. Haverá apenas nulidade da
sentença de mérito,
porque sem as condições da ação o autor não tem direito à jurisdição sobre o
direito material.
No momento da entrega da prestação jurisdicional, que no processo de
conhecimento é a
sentença, no de execução é a satisfação do credor e no cautelar é normalmente o
do deferimento da
medida, necessariamente devem concorrer as condições da ação. Se elas se
verificaram depois do
ajuizamento da demanda, mas existem no momento da entrega da prestação
jurisdicional, o juiz
deve exercer a jurisdição sobre o direito material. Se elas existiam no momento do
ajuizamento,
mas desapareceram antes do exercício da jurisdição, como, por exemplo, se
ocorrer um fato
extintivo superveniente, o juiz deve decretar o autor carecedor da ação. Nesse
caso, segundo José
Rogério Cruz e Tucci, a sucumbência deve ser imposta ao réu, que deu causa ao
processo49. No
processo de execução, se o fato extintivo for o pagamento ou a renúncia ao direito
por parte do
autor, o processo extinguir-se-á normalmente com a satisfação do credor,
independentemente de
sentença. Se for algum outro fato, extinguir-se-á o processo sem julgamento do
mérito, recaindo
sobre o réu os encargos da sucumbência.

2.4. Teorias Concretas e Teorias Abstratas da Ação

Cala.andrei, no seu célebre estudo sobre a relatividade do conceito de ação50,


ressalta que, desde
as primeiras polêmicas sobre o problema da ação, travadas pelos juristas alemães
no século XIX,
sempre esteve em jogo uma questão política envolvendo as diversas concepções
das relações entre
o cidadão e o Estado, e que nenhuma das diversas teorias propostas pode ser
considerada
absolutamente verdadeira, nem absolutamente falsas51.

Rodapé:
49 José Rogério Cruz e Tucci, A Causa Petendi no Processo Civil, 2ª ed., RT,
São Paulo, 2001, pp.
179.
50 Piero Calamandrei, "Relatività del Concerto d'Azione", Opere Giuridiche, vol.
1º, Morano,
Napoli, 1965, pp. 426 e ss.
50 Luigi Montesano e Giovanni Arieta (ob. cit., p. 136) entendem que no
ordenamento jurídico
italiano atual coexistem normas que pressupõem a ação em sentido abstrato e em
sentido concreto.

<26>

Concretista como era conhecido, o mestre de Florença via no direito abstrato de


agir a expressão
típica de uma concepção autoritária da justiça civil, que busca no processo apenas
a realização de
um fim público e que afasta radicalmente qualquer relação entre a ação e o direito
substancial52.
Para Comoglio53, na sua evolução histórica, a utilidade e a relevância
dogmática do conceito de
ação vão se reduzindo cada vez mais. O conceito abstrato é muito genérico; para
assegurar uma
tutela plena a quem a merece deve permitir também a quem não a merece a
faculdade de demandá-
la em juízo. O concreto é irrazoável e insuficiente, pois tem como conseqüência
afirmar a posteriori
a ilegitimidade da iniciativa do autor, toda vez em que a sua demanda não for
acolhida54. No
processo vivo podem ser vistas ocasionalmente quase todas as concepções de
ação, o que ressalta a
sua relatividade. O importante é que o ordenamento jurídico acolha as garantias
constitucionais do
processo justo.
Mas é o próprio Calamandrei que aponta a função prática da ação no direito
positivo: delimitar o
exercício da jurisdição. A ação é "o poder de preparar para o juiz a matéria e o
programa do seu
provimento"55, porque a onipotência do Estado não pode destruir a necessidade
lógica e
psicológica de conferir a dois órgãos diversos a proposição de um problema e a
sua solução. O juiz
não é posto em contato com a lide, mas com a ação, ou seja, o juiz não equaciona
a relação social in
natura, mas examina apenas se merece ser acolhida, em relação a uma fatispécie
previamente
enquadrada pelo agen-

Rodapé:
52 Ob. cit., p. 440.
53 Luigi Paolo Comoglio, "Note Riepilogative su Azione e Forme di Tutela,
nell'Ottica delia
Domanda Giudiziale", Rivista di Diritto Processuale, Cedam, Padova, 1993, pp.
465 e ss.; Luigi
Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, Lezionï sul Processo Civile, 2ª
ed., I1 Mulino,
Bologna, 1998, pp. 227/235.
54 Liebman ("L'Azione nella Teoria del Processo Civile", Problemi di Diritto
Processuale
Civile, Morano, Napoli, 1962, p. 51) já havia acentuado que, ao argumento dos
concretistas de que
é absurda a figura de um direito de não ter razão, que decorreria da teoria
abstrata, corresponde a
não menos absurda de um direito a ter razão. Na verdade, para Chiovenda, se o
autor não tinha
razão, o fato de ter agido teria feito nascer o direito de ação do réu, tendente a um
resultado
favorável a este, como conseqüência do acertamento negativo do direito
pretendido pelo autor.
(Giuseppe Chiovenda, "Rapporto Giuridico Processuale e Litispendenza", Rivista
di Dirino
Processuale Civile, Cedam, Padova, 1931, recordado por Alberto Scerbo, ob. cit.,
p. 132)
55 Ob. cit., p. 432.

<27>

te em determinado esquema jurídico, a proposta de provimento que por este lhe é


apresentada.
As teorias abstratas tiveram o mérito de desvincular o direito de ação da
existência do direito
material, determinando que as condições da ação, na qualidade de pressupostos
da ação como
direito à jurisdição, fossem examinadas através de uma cognição superficial, num
juízo a priori do
julgamento do direito material. Qualquer indagação mais profunda sobre a
existência dessas
condições poderia vir a constituir um obstáculo ilegítimo ao acesso à tutela
jurisdicional sobre o
próprio direito material, constitucionalmente assegurado.
Mas os concretistas criticam nas teorias abstratas a autolegitimação que
decorre da verificação
das condições da ação in statu assertionis56. O direito de ação nasce das próprias
afirmações do
autor, ainda que totalmente inverídicas ou até absurdas.
Mandrioli57, respondendo à crítica de Monteleone, esclarece que essa
verificação da
legitimidade com base apenas na afirmação do autor se impõe justamente para
evitar a confusão
entre o momento inicial e o momento final do processo, que subsiste quando se
faz depender a
legitimidade de um dado (a titularidade do direito) que não se percebe no início do
processo,
momento em que o juiz dispõe apenas dos termos da sua própria demanda, das
suas afirmações. Por
isso, a ação deve ser um direito abstrato, cuja existência não pode depender da
existência do direito
material. De outra parte, o direito de ação não prescinde totalmente do direito
material, pois
depende da sua afirmação na demanda.
Liebman, em posição às vezes chamada de eclética58, leciona que a ação não
é concreta, pois
sempre traz em si um elemento de risco. A sua abstração não pode ser entendida
no sentido mais
comum. Ela não cabe a qualquer um e não tem conteúdo genérico. Ao contrário,
se refere a uma
fatispécie determinada e exatamente individuada. Ela é condicionada a alguns
requisitos que devem
verificar-se caso a caso em via preliminar, comumente de modo implícito:
interesse de agir,
legitimação para agir e possibilidade jurídica.
Em verdade, se a ação como direito à jurisdição existe independentemente da
existência do
direito material, ele não é criado pela

Rodapé:
56 V. Girolamo Monteleone, ob. cit., pp. 174 e ss.
57 Crisanto Mandrioli, ob. cit., pp. 54 e ss.
58 Liebman, "L'Azione...", p. 46.

<28>
vontade unilateral e arbitrária do autor que se autolegitima e toma a iniciativa de
instaurar o
processo. O próprio Liebman ressalta que a ação é um direito preexistente ao
processo59.
A asserção é necessária, porque o Estado-juiz somente tem o dever de prestar
a jurisdição a
quem se afirme titular do direito a obtê-la. Mas não é a asserção que cria o direito
à jurisdição. Não
basta a asserção. É preciso que objetivamente da situação fática exposta resulte a
concorrência das
condições da ação que, conforme aponta a maioria da doutrina, são a
possibilidade jurídica, o
interesse e a legitimidade.
Na definição dessas condições, é preciso ter sempre em conta que a qualquer
cidadão a
Constituição assegura o acesso à jurisdição, ou seja, que as condições da ação
não podem opor
obstáculos indevidos a esse acesso. Por outro lado, também cumpre observar que
a Constituição
assegura a todos a eficácia concreta dos seus direitos subjetivos (art. 5°, § 1°) e
que, assim, o acesso
à jurisdição não pode impedir ou limitar o pleno gozo do direito por quem
evidentemente é o seu
titular, a não serem razão de algum motivo justo devidamente comprovado. A
eficácia concreta dos
direitos do cidadão exige a sua proteção contra lides temerárias e contra o abuso
do direito de
demandar.
As condições da ação são o filtro mínimo por que deve passar o postulante da
tutela jurisdicional
para assegurar-lhe o mais amplo acesso a essa tutela, com todas as suas
conseqüências, inclusive a
coisa julgada se for o caso, e, ao mesmo tempo, evitar que o adversário seja
submetido a um
processo manifestamente temerário ou injusto, que lhe retira ou limita o pleno
gozo dos seus
direitos e ainda pode causar-lhe prejuízos irreparáveis.

2.5. Possibilidade Jurídica

Para os concretistas, como Chiovenda, a possibilidade jurídica consiste na


existência de uma
vontade legal que garanta o bem pleiteado pelo autor60, condição, portanto, de
uma sentença a este
favorável.

Rodapé:
59 Liebman, "L'Azione...", p. 42.
60 Giuseppe Chiovenda, Principii..., p. 149; Girolamo Monteleone, Compendio di
Diritto
Processuale Civile, Cedam, Padova, 2001, p. 73.

<29>

Entre os abstratistas, especialmente os nacionais, há muitas opiniões


divergentes.
Muitos se referem à possibilidade jurídica como admissibilidade em abstrato do
provimento
pleiteado pelo ordenamento jurídico, como a vinculá-la apenas à licitude do pedido
imediato ou
mediato. Assim, Liebman61 a qualifica como a admissibilidade em abstrato do
provimento
requerido, segundo as normas vigentes na ordem jurídica nacional. José Frederico
Marques62 se
refere à providência admissível pelo direito objetivo. Para Machado Guimarães63,
possibilidade
jurídica é a possibilidade para o juiz, na ordem jurídica à qual pertence, de
pronunciar a espécie de
decisão pedida pelo autor. Carreira Alvim64 sustenta que a possibilidade jurídica
exige que a
pretensão do autor seja em abstrato amparada pelo ordenamento jurídico, ou seja,
que a ordem
jurídica não vede expressamente o provimento pleiteado, e não que a ampare. E
Araújo Cintra, Ada
Grinover e Cândido Dinamarco65 consideram juridicamente impossível o pedido já
excluído a
priori pelo ordenamento jurídico sem qualquer consideração das peculiaridades do
caso concreto.
Todavia alguns desses autores, com freqüência, ao formularem exemplos, se
referem à cobrança
de dívida de jogo66, em que o pedido (pagamento de prestação pecuniária) não é
ilícito, sendo
ilícito ou inadmissível a invocação do direito (obrigação natural) como seu
fundamento (causa de
pedir).
Talvez por isso outros autores prefiram claramente estender essa condição da
ação à licitude do
pedido e da causa de pedir67 ou de qualquer outro elemento da demanda68.

Rodapé:
61 Liebman, "L'Azione...", p. 46.
62 Ob. cit., p. 39.
63 Ob. cit., p. 101.
64 Ob. cit., p. 123.
65 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel
Dinamarco, Teoria
Geral do Processo, 12ª ed., Malheiros, São Paulo, 1996, p. 259.
66 V. José Frederico Marques, ob. e loc. cits; Antonio Carlos de Araújo Cintra,
Ada Pellegrini
Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, ob. e loc. cits.
67 Donaldo Atmelin, ob. cit., p. 51; Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferra e Michele
Taruffo,
Lezioni sul Processo Civile, 2ª ed., I1 Mulino, Bologna, 1998, p. 245; Crisanto
Mandrioli, ob. cit.,
p. 47.
68 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, vol. II,
Malheiros, São
Paulo, 2001, p. 298.

<30>

Quando Liebman, na 3ª edição do seu Manuale, suprimiu a possibilidade


jurídica do pedido do
rol das condições da ação, houve os que a consideraram absorvida pelo interesse
de agir, quanto à
adequação legal do provimento para satisfazer o interesse material, como Kazuo
Watanabe69.
Donaldo Armelin entende que a possibilidade jurídica do pedido ou é matéria de
mérito ou pode
ser reduzida ao interesse e à legitimidade70. Como improcedência prima facie a
qualifica Calmon
de Passos71.
A primeira questão a resolver é se a ilicitude de algum elemento da demanda
deve ser ou não
uma condição da ação, deve figurar ou não entre as condições da existência do
direito de ação,
porque, dizendo respeito à relação jurídica de direito material, parece que essa
matéria deva ser
decidida no juízo de mérito, ou seja, como uma das questões que podem conduzir
à procedência ou
improcedência do pedido.
Se o juiz, ao despachar a petição inicial, se convence de que o pedido não tem
amparo no
ordenamento jurídico ou o seu fundamento é ilícito, deve ele indeferir a petição
inicial, extinguindo
o processo sem julgamento do mérito, ou deve julgar improcedente o pedido? Na
primeira hipótese,
a mesma demanda poderá ser renovada em outro processo (art. 268). Na
segunda, o juiz não poderá
proferir tal decisão logo no despacho inicial, porque somente a decadência e a
prescrição de direitos
não patrimoniais são matérias de mérito que podem ser apreciadas
conclusivamente pelo juiz sem
contraditório prévio (CPC, art. 295-IV).
Se as condições da ação decorrem de um juízo de admissibilidade hipotética,
em face das
afirmações do autor e dos elementos de convicção por ele inicialmente
apresentados, a manifesta
ilicitude da pretensão de direito material deve ser repudiada de plano pelo juiz não
como questão de
mérito, mas como questão preliminar. O mérito não é apenas o direito material,
mas aquele que o
juiz está preparado para solucionar conclusivamente ou com alguma eficácia no
plano do direito
material.

Rodapé:
60 V. Kazuo Watanabe, ob. cit., p. 76.
70 Ob. cit., p. 40.
71 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil,
vol. III, Forense,
Rio de Janeiro, 1974, p. 204.

<31>

Ao despachar a petição inicial, o juiz não estabeleceu o contraditório e não


facultou ao próprio
autor todas as oportunidades para demonstrar a licitude e a procedência da sua
pretensão. Se a
ilicitude transparece manifesta, o juiz não deve permitir que se instaure contra o
réu um processo
que se afigura injusto, mas tampouco pode suprimir desde logo o direito do autor
de, em outro
processo, através de uma postulação formulada com mais consistência, provocar
validamente o
exercício da jurisdição sobre aquela mesma pretensão anteriormente repudiada.
Somente nos casos
previstos em lei (decadência e prescrição), que se justificam pela simplicidade
fático jurídica, pode
o juiz proferir sentença de mérito sem submeter a causa ao regular contraditório.
Segunda questão a equacionar é a respeito do campo de abrangência da
ilicitude que pode
ensejar a decretação da carência da ação por impossibilidade jurídica do pedido.
Araújo Cintra, Ada Grinover e Cândido Dinamarco constatam a existência de
uma tendência
contemporânea à universalização da jurisdição, como conseqüência dos
movimentos pelo acesso à
justiça, conduzindo a uma redução dos casos de impossibilidade jurídica do
pedido72.
Com efeito, o direito de ação constitucionalmente assegurado inclui o direito à
prestação
jurisdicional sobre o direito material, ou seja, a um provimento conclusivo sobre o
mérito. Se o
juiz, a partir de qualquer juízo de ilicitude da pretensão do autor, puder decretar a
carência da ação,
ou seja, deixar de prestar a jurisdição, estará aquele abusivamente privado desse
direito
fundamental. E se isso ocorrer depois do prazo de resposta do réu, também este
estará privado do
mesmo direito a um julgamento conclusivo sobre o mérito73.
Daí decorre que a impossibilidade jurídica do pedido, como causa de carência
da ação, deve ficar
reservada para casos de extrema gravidade e absoluta clareza da ilicitude da
pretensão, ou seja,
apenas para aquelas hipóteses de flagrante ilicitude do próprio pedido, imediato
ou mediato.

Rodapé:
72 Ob. e loc. cits.
73 Ainda no Brasil não se admite recurso do réu contra a sentença que extingue o
processo sem
julgamento do mérito, por suposta falta de sucumbência, apesar de a lei
reconhecer o seu interesse
no julgamento do mérito (CPC, art. 267, § 4°).

<32>

Reproduzo aqui o que já escrevi no meu livro sobre o processo de execução74:


"A possibilidade jurídica é a conformidade do pedido ao ordenamento jurídico
positivo.
Ninguém pode pedir ao juiz o que a lei proíbe. O pedido deve estar em
conformidade com a lei,
porque, na partilha constitucional dos poderes do Estado, ao Judiciário não cabe
criar a lei nem
julgá-la, mas antes aplicá-la e observá-la, dando cabal proteção aos interesses por
ela acolhidos.
O pedido contrário à lei pretende do juiz que atue com excesso de poder,
sobrepondo a sentença
à lei e invadindo esfera de competência de outro Poder. O autor não tem direito ao
exercício da
jurisdição sobre pedido ilícito porque o juiz não detém poder jurisdicional para
realizar atividade
vedada pela lei, para se sobrepor à lei.
A possibilidade jurídica, como condição da ação, refere-se apenas ao pedido,
imediato ou
mediato, não à legalidade da causa de pedir, mas estende-se, quanto àqueles,
também à
impossibilidade material.
A ilicitude da causa de pedir, ou seja, o pedido fundado em negócio ilícito, não
priva o autor do
direito de obter o exercício da jurisdição. Se se tratar de ação de conhecimento, a
ilicitude do
fundamento jurídico do pedido conduzirá a uma sentença de mérito de
improcedência, porque o
autor não tem direito ao bem jurídico com base no negócio por ele invocado, e o
juiz não está
privado do poder de declarar a inexistência desse direito, porque o ato de vontade
do Estado
constante da sentença, que não pode exorbitar dos limites do poder jurisdicional,
se encontra no
dispositivo da decisão, e não na sua fundamentação."
Aliás, com inteira razão leciona Cândido Dinamarco75 que objeto do processo é
exclusivamente
o pedido formulado pelo demandante. Os fundamentos de fato e de direito têm o
objetivo de
construir o raciocínio lógico jurídico que conduz ao direito afirma-

Rodapé:
74 Leonardo Greco, O Processo de Execução, vol. I, Renovar, Rio de Janeiro,
1999, pp. 321/322.
75 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, vol. II,
Malheiros, São
Paulo, 2001, p. 184.

<33>

do, mas nenhuma vantagem prática recebe o autor ou o réu, em sua vida externa
ao processo, só
pelo acolhimento ou rejeição da causa de pedir.
Carência de ação não é apenas falta do direito à prestação jurisdicional. É
também falta de poder
jurisdicional. E esse poder o juiz exerce exclusivamente em relação ao pedido.
A extensão além do pedido dos casos de impossibilidade jurídica, entre outros
inconvenientes,
tem o de permitir que o juiz discricionariamente denegue o exercício da jurisdição
toda vez em que
tiver opinião jurídica contrária à pretensão do autor, mesmo que essa convicção
tenha resultado de
amplo debate e exaustiva cognição. Ora, a jurisdição é indeclinável.
À luz dessas conclusões, examino as quatro hipóteses de impossibilidade
jurídica do pedido
formuladas por José Maria Tesheiner76, a saber:
1) vedação constitucional de exame do mérito (atos institucionais);
2) pedido verdadeiramente impossível do ponto de vista jurídico: pedido de
prisão por dívida
cambial;
3) afirmação da impossibilidade jurídica, para deixar claro que se admitirá a
renovação da ação:
rejeição de pedido de despejo por falta de notificação premonitória;
4) rejeição liminar do pedido, por motivo de mérito, sem que se chegue a citar o
réu.
Segundo o autor, nas três últimas hipóteses destaca-se do mérito uma parcela,
a que se atribui
denominação diferente (carência de ação) e tratamento jurídico diferenciado
(ausência de coisa
julgada).
Parece-me que a primeira hipótese está corretamente qualificada como de
impossibilidade
jurídica do pedido, pois o Judiciário, à época dos governos militares, teve
suprimido o poder
jurisdicional de exercer o controle dos atos administrativos do Poder Executivo
praticados com
base nos atos institucionais.
Também a segunda hipótese caracteriza a impossibilidade jurídica do pedido. A
prisão por
dívidas é vedada em nosso ordenamento jurídico, salvo nas hipóteses
excepcionais previstas na
própria Constituição.

Rodapé:
76 José Maria Rosa Tesheiner, ob. cit., p. 22.

<34>

Já a terceira hipótese não é de impossibilidade jurídica do pedido. O pedido é o


despejo,
perfeitamente lícito. A notificação premonitória é um pressuposto processual
objetivo (inexistência
de fatos impeditivos), cuja falta impede a formação de um processo válido. O
processo deve ser
extinto sem julgamento do mérito (CPC, art. 267-IV), mas não por carência de
ação.
A quarta hipótese somente pode ocorrer nos casos de decadência e prescrição
de direitos não
patrimoniais, por expressa disposição de lei (CPC, art. 295-IV), resultante da
simplicidade fático
jurídica da questão, que permite a sua apreciação liminar em cognição completa,
embora não
exaustiva. Tal decisão fará coisa julgada. Aliás, se até no processo cautelar,
nesses casos, haverá
excepcionalmente coisa julgada (CPC, art. 810), não pode ser diferente no
processo de
conhecimento ou de execução. Por qualquer outro fundamento de direito material,
o juiz não pode
rejeitar liminarmente o pedido, porque não se trata de falta de condição da
ação77.

2.6. Interesse de agir

Para um concretista como Monteleone, o interesse processual, como utilidade


concreta do
processo e do provimento nele reclamado, é o próprio interesse substancial, salvo
nas ações
meramente declaratórias, em que é preciso estabelecer se existe verdadeiramente
uma ameaça a um
direito78.
Já para os abstratistas, como Liebman, o "interesse processual existe quando
há para o autor
utilidade e necessidade de conseguir o recebimento do seu pedido, para obter, por
esse meio, a
satisfação do interesse material que ficou insatisfeito pela atitude de outra
pessoa"79. É um
interesse de 2° grau.
O interesse processual resultaria, destarte, apenas da lide e da necessidade de
equacioná-la para
alcançar o bem jurídico, da necessidade de removê-la através do exercício da
jurisdição. Na
jurisdição voluntária, a serem cabíveis as condições da ação, como me parece,

Rodapé:
77 Embora não me entusiasme a interpretação literal, observe-se que no
parágrafo único do artigo
295, que trata da inépcia e conseqüente indeferimento da petição inicial, o CPC
não menciona,
como no inciso VI do artigo 267, genericamente a possibilidade jurídica, mas
especificamente a
possibilidade jurídica do pedido.
78 Girolamo Monteleone, ob. cit, p. 185.
79 Enrico Tullio Liebman, "O Despacho Saneador e o Julgamento do Mérito",
Estudos sobre o
Processo Civil Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 1947, p. 140.

<35>
o interesse de agir decorreria normalmente da própria lei que subordina a
validade ou a eficácia de
um ato da vida privada ao conhecimento, à homologação, autorização ou
aprovação judicial,
impedindo que o requerente alcance o objetivo jurídico almejado sem a
concorrência da cognição
ou da vontade estatal manifestadas através do órgão jurisdicional.
Em outro texto, o mesmo Liebman80 leciona que o interesse de agir,
freqüentemente
subestimado, libera a ação da necessidade de vir referida a um direito subjetivo ou
a uma sanção
típica, bastando, ao contrário, para torná-la admissível, a existência de um
interesse do autor a obter
o provimento demandado, assim como indicado no ato introdutivo, e em relação
às pessoas
chamadas ajuízo.
Entre nós, Machado Guimarães81 pontuava que o interesse de agir é o
interesse instrumental de
conseguir pelos órgãos da Justiça e através de sua atividade a satisfação do
interesse material.
Nessa concepção puramente abstrata do interesse de agir, que o fazia decorrer
simplesmente da
causa de pedir remota82, não caberia cogitar de nele incluir a aptidão do
provimento ou do
procedimento, matérias circunscritas aos pressupostos de validade do processo,
porque havendo a
necessidade da atuação do juiz haveria interesse como condição da ação, ainda
que impróprios o
provimento ou o procedimento83.
De longa data se observam na doutrina opiniões no sentido de ampliar a
compreensão do
interesse processual.
Já Frederico Marques84 sustentava que somente há interesse quando se pede
uma providência
jurisdicional adequada "a situação concreta a ser decidida".
E Liebman85, em trabalho mais recente, explica que o interesse de agir é a
relação de utilidade
corrente entre a lesão de um direito, que foi afirmada, e o provimento de tutela
jurisdicional que é
demandado.

Rodapé:
80 Enrico Tullio Liebman, "L'Azione nella Teoria del Processo Civile", Problemi di
Diritto
Processuale Civile, Morano, Napoli, 1962, p. 37.
81 Luiz Machado Guimarães, ob. cit., p. 101.
82 José Rogério Cruz e Tucci, ob. cit., p. 173.
83 V. o meu O Processo de Execução, cit., p. 324.
84 José Frederico Marques, ob. cit., p. 41.
85 Enrico Tullio Liebman, Manuale di Diritto Processuale Civile, vol. I, 4ª ed.,
Giuffrè, Milano,
1980, p. 138.

<36>

Também para Comoglio86 o interesse de agir não é o interesse substancial,


mas é o interesse
instrumental de obter o tipo de provimento ou a forma de tutela que aspira quem
propôs a demanda;
é índice da necessidade de tutela jurisdicional, com o qual se medem o grau de
necessidade e de
idoneidade técnica da intervenção do juiz; exprime uma relação adequada de
utilidade entre o tipo
de lesão ao direito e o tipo de provimento jurisdicional que especificamente se
exige para a sua
tutela.
A idoneidade do meio é também ressaltada por Montesano e Arieta87 que
ressaltam ser preciso
demonstrar que o resultado do processo perseguido pelo autor é o meio
necessário para obter um
bem que é matéria do direito subjetivo.
Na nossa doutrina recente a adequação do provimento e do procedimento para
caracterizar o
interesse de agir é exigida, entre outros, por Donaldo Armelin88, Cândido
Dinamarco89, Lima
Freire90 e Tesheiner91.
Para analisar esta questão, parece-me necessário recordar o que são as
condições da ação e qual é
a sua função no Direito Processual Civil.
Já vimos que para chegar ao julgamento do mérito, é preciso em primeiro lugar
que o processo se
forme validamente, através da concorrência dos pressupostos processuais; em
seguida, deve o juiz
verificar se o autor tem ou não o direito de exigir do Estado um provimento
jurisdicional sobre o
direito material, através da verificação das condições da ação (item 1.6 supra).
Se o autor escolhe procedimento inadequado para a obtenção da tutela
jurisdicional necessária ao
equacionamento da situação fático jurídica descrita na inicial, isto não significa que
o autor não
tenha direito a essa tutela jurisdicional, mas simplesmente que o meio adotado é
impróprio, não
pode levar o juiz a validamente exercer a
Rodapé:
86 Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, Lezioni sul Processo
Civile, 2ª ed., I1
Mulino, Bologna, 1998, p. 245.
87 Luigi Montesano e Giovanni Arieta, ob. cit., p. 140.
88 Ob. cit., p. 59.
89 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, vol. II,
Malheiros, São
Paulo, 2001, pp. 301/302, quanto ao provimento.
90 Rodrigo da Cunha Lima Freire, Condições da Ação - Enfoque sobre o
Interesse de agir no
Processo Civil Brasileiro, RT, São Paulo, 2000, p. 99.
91 Ob. cit., p. 23, quanto ao provimento; com exclusão expressa do procedimento
(p. 25).

<37>

jurisdição sobre o caso concreto. Estamos no plano do exame da concorrência


dos pressupostos
processuais.
Se o autor pleiteia provimento inadequado, ou seja, pedido imediato
incompatível com aquela
situação fático jurídica, em muitos casos o juiz poderá suprir essa inadequação,
seja no processo
cautelar (CPC, art. 805), seja no processo de execução (art. 620), em que a
demanda se identifica
apenas pelo pedido mediato, pelo bem da vida, podendo o juiz variar a providência
cautelar ou o
meio executório. Quando o juiz não puder suprir esse defeito, estaremos ainda no
plano da
impropriedade do meio escolhido, ou seja, da validade do processo, e não da
inexistência do direito
à jurisdição.
Aliás, essa impossibilidade de correção de rumos no curso do processo, para
dirigi-lo para o
procedimento adequado, é um formalismo do nosso sistema processual, que já
pode ser remediado
em certos casos, como os de emenda da inicial (CPC, art. 295-V) e conversão do
procedimento
sumário em ordinário (277, §§ 4° e 5°).
Quanto à inadequação do provimento pleiteado, em sistemas processuais de
preclusões menos
rígidas, pode ser corrigida no curso do processo. Aliás, entre nós, desde que o réu
concorde, isso
também é possível até o saneador (CPC, art. 264).
Essas possibilidades a meu ver são suficientes para demonstrar que a
inadequação do
procedimento ou do provimento não implica na ausência do direito de exigir do
Estado o
provimento jurisdicional que equacione a situação fático jurídica, mas em
obstáculo mais ou menos
rígido imposto em cada sistema processual, referente aos pressupostos de
validade do próprio
processo, como atividade-meio da jurisdição. É a lei processual que estabelece
essas restrições, cuja
legitimidade em face do direito de amplo acesso à tutela jurisdicional pode até ser
questionada, mas
que em nada afeta a existência do direito à jurisdição.
Aliás, se as condições da ação se aferem no plano da admissibilidade hipotética
de um
provimento favorável, quando a inadequação do procedimento ou do provimento
somente viesse a
verificar-se após exaustiva cognição ter-se-ia ultrapassado o plano das simples
condições da ação e
adentrado no julgamento do próprio mérito, o que evidentemente não ocorre. Terá,
de qualquer
modo, o juiz de extinguir o processo sem julgamento do mérito, com fundamento
no inciso VI do
artigo 267.

<38>

Mas o interesse de agir não confere ao autor, diante da lide ou da situação


antijurídica por ele
denunciada, o direito de propor qualquer ação. Ele tem um limite intransponível
que é a proibição
de fazer uso do processo com o intuito exclusivo de molestar o adversário,
prejudicando o pleno
gozo do seu direito ou obrigando-o a defender-se de uma demanda temerária.
Antonio Nasi92 observa que no fundo da idéia do interesse de agir, como meio
necessário à
realização do direito, está a de que o único limite ao exercício da ação civil seja a
proibição de usar
o processo com o escopo único de emulação.
No mesmo sentido é a lição de Donaldo Armelin93, para quem não haverá
interesse de agir no
processo simulado (CPC, 129), quando o autor iniciar o processo meramente pelo
animus jocandi
ou por propósitos ilícitos, quando o autor usar da ação como arma de coação ou
para outros fins,
em manifesto abuso de direito.
E Lima Freire94 também destaca que as ações ajuizadas com abuso de direito,
fins subalternos
ou ilícitos não produzirão um resultado útil da jurisdição, especialmente sob a ótica
do Estado.
A ótica do Estado em evitar demandas infundadas é um interesse mais remoto
em assegurar a
paz social, a convivência harmoniosa entre os cidadãos, mas antes desse
interesse se apresenta
como prioritário o cumprimento do dever do Estado de garantir ao réu a eficácia
concreta dos seus
direitos e, conseqüentemente de impedir que ele seja molestado por pretensões
manifestamente
abusivas.
Sem esse limite, o adversário e o próprio juiz ficariam muitas vezes à mercê do
espírito
emulativo do improbus litigator. Figurem-se, por exemplo, ações de bloqueio,
como os embargos
do devedor, a argüição de falsidade, e até mesmo incidentes sobre questões
processuais que
suspendem o processo, como as exceções de suspeição ou de incompetência e o
conflito positivo de
competência, que não podem atar as mãos do juiz quando manifestamente
infundados ou
desacompanhados de qualquer prova que sustente a possibilidade de
acolhimento.

Rodapé:
92 Antonio Nasi, "Interesse ad agire", Enciclopedia del Díritto, vol. XXII, Giuffrè,
Milano, 1972,
p. 35.
93 Ob. cit., p. 59.
94 Ob. cit., p. 102.

<39>

Para respeitar esse limite na aferição do interesse de agir, o juiz não pode
contentar-se com as
simples afirmações do autor, sejam elas quais forem. Essas afirmações devem ser
verossímeis e
virem acompanhadas das provas pré-constituídas de que o autor desde logo
disponha (CPC, arts.
283 e 396)95, cuja dispensa deve ser justificada. A juntada inicial dos documentos
não visa
simplesmente a resguardar o princípio da eventualidade, mas a possibilitar o
exame das condições
da ação, particularmente do interesse de agir96.
Nunca foi tão atual a lição de José Olimpio de Castro Filho97 que, após a
exortação da teoria do
abuso de direito como instrumento de proteção da vítima do abuso, ressalta que,
se há um direito ou
faculdade incontestável de demandar e contestar, coexiste também uma
obrigação, frente à parte
contrária, de não molestar outrem com o processo. Afinal, é o próprio Liebman que
reconhece que
o exercício do direito de postular e defender-se pode considerar-se um ato ilícito,
se alcançar os
extremos da lide temerária98.
Fala-se, algumas vezes, em interesse-utilidade (não necessidade) para justificar
a propositura de
ações em que o autor não depende da jurisdição para exercer o seu direito
material ou pode
alcançar o mesmo objetivo por outro meio não jurisdicional. Assim, por exemplo,
nas ações
meramente declaratórias, na notificação judicial que pode muitas vezes ser
suprida por notificação
extrajudicial e nas ações possessórias propostas pela Administração Pública em
casos de invasão de
terras públicas99.
A meu ver as situações são diferentes. Nas ações meramente declaratórias há
um interesse na
certeza jurídica, abalada por dúvida fundada ou justo receio de que o direito seja
negado. A dúvida
ou o receio devem resultar de fatos concretos e significativos dessas situações. A
reação do réu
muitas vezes servirá para confirmar a existência do interesse.
Na notificação judicial, assim como em outros procedimentos cautelares, a
função do juiz é
meramente receptícia ou de documen-

Rodapé:
95 V. nesse sentido, Lima Freire, ob. cit., p. 102.
96 V. Kazuo Watanabe, ob. cit., p. 86.
97 José Olimpio de Castro Filho, Abuso do Direito no Processo Civil, 2ª ed.,
Forense, Rio de
Janeiro, 1960, p. 40.
98 Enrico Tullio Liebman, "L'Azione nella Teoria dei Processo Civile", Problemi di
Diritto
Processuale Civile, Morano, Napoli, 1962, p. 38.
99 Este último exemplo é de Tesheiner. (Ob. cit., p. 25)

<40>
tação. Conforme esclarece Galeno Lacerda100, a lei atribui ao juiz esses
procedimentos para
segurança das relações jurídicas. Este é o interesse que autoriza a sua
propositura.
Quanto às ações possessórias propostas pela Administração Pública em casos
de invasão de
terras públicas, penso que, ao propô-las, o Estado está abrindo mão da sua
potestade de executar ex
officio os seus atos administrativos por reconhecer que os seus interesses entram
em choque com os
de particulares e que ao Judiciário, como poder independente e eqüidistante, cabe
dirimir com mais
equilíbrio tais conflitos. A necessidade resulta da recusa do Estado em exercer o
seu poder, que me
parece plenamente válida porque reconhece que o interesse público merece ser
examinado em
igualdade de condições com os interesses individuais que a ele se opõem, e
também do litígio
concreto que o antagoniza aos invasores. O que não se pode supor é que o
Estado se exima por essa
via de qualquer responsabilidade, caso a retirada dos invasores cause a estes um
prejuízo
juridicamente apreciável.
Em síntese, o interesse-utilidade nada mais é do que o próprio interesse-
necessidade e o interesse
de agir é a necessidade de recorrer à jurisdição para alcançar o bem jurídico com
base numa
pretensão jurídica suficientemente fundamentada em fatos verossímeis, cuja prova
pré-constituída
disponível seja desde logo apresentada.

2.7. Legitimidade

A ação somente pode ser proposta pelo sujeito que tenha o direito subjetivo de
exigir do Estado a
prestação jurisdicional sobre a demanda. A garantia constitucional do amplo
acesso à tutela
jurisdicional efetiva (artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição) confere esse direito a
todo aquele
que alegue ser titular do direito material em que a demanda se fundamenta e
apresente ao juiz o
mínimo de provas necessárias para demonstrar a possibilidade de efetivamente
deter essa
titularidade101. Esta é a legitimidade ou legitimação ativa chamada ordinária.

Rodapé:
100 Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I,
Forense, Rio de
Janeiro, 1980, p. 16.
101 Segundo Tesheiner (ob. cit., p. 30), que defende a autolegitimação, apenas
pela asserção, nos
casos de legitimação ordinária, na legitimação extraordinária o autor tem de provar
o fato
legitimante.

<41>

Essa garantia impõe que o primeiro dirija a sua ação em face daquele outro
sujeito que,
figurando como parte na relação jurídica material, deverá sofrer a eficácia do
exercício da
jurisdição na sua esfera de interesses. É a legitimidade ou legitimação passiva
ordinária.
Muitas vezes a lei reconhece que o próprio titular da relação jurídica de direito
material pode não
estar em condições de concretamente exercer a sua postulação ou defesa em
juízo. Nesses casos,
confere a algum outro sujeito a legitimação extraordinária para figurar como sujeito
do processo em
que a demanda vai ser objeto de exame. São os casos de substituição processual.
Se a garantia do contraditório efetivo significa que ninguém pode ser atingido
por uma decisão
desfavorável na sua esfera de interesses sem ter tido a mais ampla e concreta
possibilidade de
influir eficazmente na decisão, não podem mais ser toleradas hipóteses de
legitimação
extraordinária exclusiva, ou seja, que confiram unicamente ao substituto a defesa
do interesse do
substituído, como ocorria, por exemplo no regime dotal (Código Civil, art. 289,
inciso III), em que
apenas o marido podia propor as ações judiciais em defesa do dote da mulher.
Também é incompatível com aquela garantia a subordinação do substituído à
imutabilidade da
coisa julgada decorrente da ação proposta pelo substituto sem a sua participação.
A legitimação
extraordinária visa a assegurar o direito de acesso à Justiça a quem, sem ela,
estaria privado daquele
direito, não conferindo a ninguém, sem mandato, o poder de pôr a perder um
direito alheio pela
propositura de ação cujo resultado seja desfavorável ao interesse do substituído.
Nesse caso, apesar
de toda a resistência da doutrina102, a coisa julgada se formará secundum
eventum litis, isto é,
apenas in utilibus. É o que acontece, por exemplo, com os embargos à execução
propostos pelo
curador especial em benefício do executado citado por edital ou com hora certa.
Se os embargos
forem julgados procedentes, o substituído se beneficiará da decisão. Se forem
julgados
improcedentes, a decisão o atingirá apenas a título de eficácia natural da
sentença, facultando-lhe
no futuro propor ação contendo a mesma demanda rejeitada nos embargos.

Rodapé:
102 Enrico Tullio Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, Forense, Rio de
Janeiro, 1981, pp.
82 e 99.

<42>

A doutrina processual, antes da emergência das garantias fundamentais do


processo, repudiava a
coisa julgada secundum eventum litis porque injusta para com o adversário do
substituído, que,
mesmo após ampla cognição e sentença favorável, não ficará livre de ser
novamente molestado
com demanda idêntica. Ela começa a emergir com a sistematização das ações
coletivas, estando
expressa nos §§ 1° e 2° do artigo 103 do Código do Consumidor. A injustiça para
o adversário
existe e deverá ser remediada de algum modo. Isso não permite defender que o
substituído sofra a
perda de um direito em decorrência de uma ficção jurídica, qual seja, a de que o
seu interesse foi
legitimamente defendido por aquele a quem a lei atribuiu essa função, o substituto
processual.
Nem se argumente que no direito norte-americano, de onde importamos as
ações coletivas, elas
fazem coisa julgada erga omnes tanto nos casos de procedência quanto nos de
improcedência,
porque naquele sistema todas as condições são oferecidas a cada indivíduo
integrante do grupo para
expressar o seu interesse na demanda ou dela excluir-se, especialmente através
da
representatividade do sujeito exponencial verificada in concreto pelo juiz, da fair
notice e do opt
out103.

2.8. Outras Condições?


Ao referir-se à extinção do processo por falta de condições da ação, o inciso VI
do artigo 267 do
Código de Processo Civil parece admitir a possibilidade de outras condições, além
das três
geralmente aceitas.
Machado Guimarães104 aponta a ausência de fatos extintivos e de fatos
suspensivos da ação, tais
como a coisa julgada, a perempção, a litispendência e o beneficium excussionis.
Donaldo Armelin105 explica que no processo de conhecimento há duas
condições genéricas,
legitimidade e interesse, podendo haver outras específicas, como o direito líquido
certo no
mandado de segurança, a prova liminar do domínio na ação reivindicatória, o
contrato de locação
com mais de 5 anos na ação renovatória, o título executivo na execução, o fumus
boni juris e o
periculum in mora na

Rodapé:
103 Andrea Giussani, Studi sulle "Class Actions", Cedam, Padova, 1996.
104 Luiz Machado Guimarães, ob. cit., p. 102.
105 Ob. cit, p. 40.

<43>

cautelar, além de outras condições específicas atinentes a alguns procedimentos.


José Maria Tesheiner106 ressalta que, além das três tradicionais, há outras
condições que
destacam parcela do mérito, para, sob a fórmula da carência da ação, afastar a
produção de coisa
julgada material, como a prova do exercício da pretensão (notificação prévia
obrigatória), a prova
de ato vinculado ao exercício da pretensão (prova do depósito preparatório da
ação), a apresentação
de documento indispensável para a propositura da ação, como o título executivo
na execução.
José Carlos Barbosa Moreira107 refere-se a outras condições específicas do
exercício da ação,
como o pagamento ou o depósito das custas processuais e dos honorários
advocatícios a que houver
sido condenado o autor, na extinção sem julgamento de mérito de processo de
ação idêntica (CPC,
art. 268).
A idéia de uma variedade de condições, além das três tradicionais, esbarra a
meu ver na objeção
de que, sendo as condições da ação limitadoras do direito fundamental à
jurisdição, somente seria
possível admitir a sua criação por lei como instrumento de proteção de algum
outro direito
fundamental, com o qual o direito de ação devesse coexistir.
Hoje no processo trabalhista existe a conciliação prévia obrigatória que retarda
por dez dias a
possibilidade de ingresso em Juízo (Lei 9.958/2000).
Alguns dos exemplos acima mencionados não são limitações ao direito à
jurisdição, mas
requisitos circunstanciais de validade do processo (pressupostos processuais)
adotados pelo
legislador por razões de política legislativa, podendo implicar na caracterização do
interesse de agir
como necessidade fundamentada do exercício da jurisdição. Outros se inserem
apenas no interesse
de agir. Outros são questões de mérito, cuja verificação não se dá num mero juízo
de
admissibilidade.
A coisa julgada, a litispendência, a perempção e a conciliação trabalhista
extrajudicial são fatos
impeditivos da formação e do desenvolvimento válido do processo e, ao mesmo
tempo, atestam a
falta

Rodapé:
106 José Maria Rosa Tesheiner, ob. cit., p. 31.
107 José Carlos Barbosa Moreira, o Novo Processo Civil Brasileiro, 19ª ed.,
Forense, Rio de
Janeiro, 1998, p. 24.

<44>

de interesse de agir. Na coisa julgada, a falta de interesse decorre de a jurisdição


já ter sido
exercida. Na litispendência, de já estar pendente processo em que será exercida.
Na perempção, foi
o autor sancionado com a perda do direito de agir por ter feito dele reiteradamente
uso abusivo. Na
conciliação trabalhista, o litígio nos dez dias fixados pela lei pode ser resolvido por
outro meio, que
se tiver êxito dispensará a provocação do exercício da jurisdição. A postergação
do ingresso em
juízo não pode aplicar-se à tutela de urgência, em que o direito à jurisdição
imediata não pode
sofrer qualquer limitação. O tempo de postergação deve ser mínimo, pois a
finalidade não pode ser
a redução do número de demandas pela proibição de acesso à Justiça, mas
obrigar o exercício de
um meio alternativo de solução de litígios que pode ser mais rápido, mais barato e
de melhor
qualidade, sem redução sensível no acesso à tutela jurisdicional estatal.
Já no beneficium excussionis não há qualquer impedimento à formação ou ao
desenvolvimento
do processo, mas apenas extensão subjetiva passiva da execução ao devedor
principal, a partir da
incidência da penhora sobre os seus bens por indicação do fiador108.
O direito líquido e certo no mandado de segurança diz respeito à
desnecessidade de dilação
probatória para elucidação dos fatos em que se fundamenta o pedido109. Trata-se
de pressuposto
processual objetivo (adequação do procedimento) que não subtrai do autor o
direito à jurisdição
sobre o litígio, mas apenas invalida a sua busca através da via do mandado de
segurança.
Também pressuposto processual é o título executivo na execução110,
atestando as condições de
exeqüibilidade do crédito, e não condição da ação, pois o direito à jurisdição,
delimitado pelas
condições da ação, pode adotar diversas formas de tutela, mas na essência é um
só e o mesmo. O
título fundamenta a necessidade da jurisdição, mas não cria o direito à jurisdição.
O mesmo sentido
têm os documentos indispensáveis à propositura da ação e a notificação prévia
obrigatória em
certas ações: são pressupostos de validade do processo e, ao mesmo tempo,
atestam o interesse de
agir do autor.

Rodapé:
108 V. o meu O Processo de Execução, vol. I, Renovar, Rio de Janeiro, 1999, p.
336.
109 V. Leonardo Greco, "Natureza Jurídica do Mandado de Segurança", Revista
Arquivos do
Ministério da Justiça nº 129, janeiro-março de 1974, p. 79.
110 V. o meu O Processo de Execução, vol. II, Renovar, Rio de Janeiro, 2001, p.
117.

<45>

E pressuposto processual é o recolhimento dos encargos da sucumbência para


a renovação de
ação extinta sem julgamento do mérito, como sanção por ter molestado
desnecessariamente o réu
na primeira ação e freio a uma nova demanda abusiva ou inócua, sem que essa
exigência
condicione o direito à jurisdição no segundo processo.
Já a prova liminar do domínio na ação reivindicatória, o contrato de locação com
mais de 5 anos
na ação renovatória, o fumus boni juris e o periculum in mora na cautelar são
questões de direito
material que devem estar afirmadas e minimamente comprovadas para
caracterizar o interesse de
agir como necessidade fundamentada, mas que afinal deverão ser objeto de um
juízo positivo
resultante de cognição mais profunda, sob pena de improcedência do pedido.
Em síntese, há pressupostos processuais que dizem respeito ao processo como
instrumento, e
outros que visam a dar consistência às alegações de direito material do autor,
ajudando a formar um
juízo preliminar positivo de necessidade da jurisdição. Não constituem novas
condições da ação,
pois com elas ou sem elas o Estado tem o dever de prestar a jurisdição sobre o
fato.
Mas auxiliam na formação do juízo preliminar de admissibilidade da ação, pela
justificável
necessidade da jurisdição, servindo como prova do interesse de agir. Do mesmo
modo, existem
questões de direito material que servem num juízo prévio a esse mesmo fim,
embora a final devam
ser decididas como questões de mérito, com todo o peso do pleno exercício da
jurisdição.
Examinados todos esses exemplos, pode-se concluir que não há condições
específicas desta ou
daquela ação, outras além das três tradicionais, porque eventuais requisitos de um
ou outro
procedimento são pressupostos de validade do próprio processo, servindo no
máximo para
caracterizar o interesse de agir. Por outro lado, as ações típicas nada mais são do
que
procedimentos, meios para o exercício da jurisdição, e não o próprio direito à
jurisdição que é
invariável, em todos os casos.

<47>

Capítulo III - Elementos da Ação

3.1. Elementos da Demanda

Os fatos e as relações jurídicas submetidos à jurisdição são múltiplos e


complexos. Para que ela
não venha a atuar mais de uma vez sobre a mesma controvérsia ou sobre o
mesmo direito, é preciso
identificar cada uma das suas atuações. Essa é a utilidade da chamada
identificação das ações.
Na verdade, os elementos de identificação das ações são elementos da ação
como demanda, ou
seja como conjunto de questões propostas pelo autor que identificam o objeto
litigioso e os limites
em que a jurisdição é exercida111. Observe-se que o objeto litigioso não esgota o
universo da
cognição do juiz, porque além das questões propostas pelo autor, o juiz também
tem de examinar a
causa excipiendi, ou seja, os fatos e o direito alegados pelo réu que podem ilidir a
pretensão do
autor e as múltiplas questões de natureza processual e relativas à marcha do
processo.
Stefan Leible112 explica que falta ao direito alemão uma definição de objeto
litigioso. A ZPO
trata de pretensão (Anspruch) quando se refere ao objeto do procedimento (§§ 33,
307, 322 e 537),
recorrendo a conceito do Código Civil que não é adequado ao processo. Sobre o
objeto litigioso a
doutrina alemã pode ser sintetizada em três correntes: a) a que adota um conceito
unilateral de
objeto litigioso: o objeto é determinado somente pelo pedido (Schwab); b) a que
prefere um
conceito dual de objeto litigioso: este é determinado por dois elementos, a
pretensão e os seus
fundamentos fáticos (Arens, Baur, Habscheid e Schellhammer); c) a que adota um
conceito relativo
de objeto litigioso: em demandas condenatórias, para efeitos de litispendência,
cumulação de ações,
alteração do pedido, valor do pedido, seria definido apenas pelo pedido; já para
efeitos de coisa
julgada e execução, os dois elementos; em demandas constitutivas e
declaratórias, só o pedido.
Embora as divergências sejam, em gran-

Rodapé:
111 Giuseppe Chiovenda, Principia..., p. 279; Luigi Montesano e Giovanni Arieta,
ob. cit., p. 145;
Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, Lezioni sul Processo
Cavile, 2ª ed., I1
Mulino, Bologna, 1998, p. 252.
112 Stefan Leible, Proceso Civil Alemán, Biblioteca Jurídica Dike, Medellín,
Colômbia, 1999, pp.
178/182.
<48>

de parte, puramente teóricas, sem grande repercussão prática, a não serem


casos limítrofes, o
conceito dual parece predominar, especialmente na jurisprudência.
Na Espanha, Jaime Guasp113 considera a pretensão, como reclamação
veiculada através da
demanda, ao mesmo tempo um ato processual e o objeto do processo, integrando
este objeto não
como ação que se realiza em um determinado momento, mas enquanto ato já
realizado que, por este
mesmo caráter de estado que imprime à realidade uma vez que tenha influído
sobre ela, faz girar
em torno de si mesma os demais elementos que aparecem na instituição
processual.
Para Andréa Proto Pisani114, o objeto do processo e do julgado se determinam
sobre a base do
direito feito valer em juízo pelo autor. O objeto do processo e do julgado não são
fatos ou atos, mas
sempre e apenas direitos: o direito feito valer em juízo através da demanda do
autor.
Entre nós, referem-se ao pedido como elemento identificador do objeto litigioso
Kazuo
Watanabe115, Cândido Dinamarco116 e Alexandre Freitas Câmara117.
Para DINAMARCO, objeto do processo é exclusivamente o pedido formulado
pelo demandante.
Os fundamentos de fato e de direito têm o objetivo de construir o raciocínio lógico-
jurídico que
conduz ao direito afirmado, mas nenhuma vantagem prática recebe o autor ou o
réu, em sua vida
externa ao processo, só pelo acolhimento ou rejeição da causa de pedir.
Em verdade, parece-me que o objeto do processo é o exercício da jurisdição e
que é esta que tem
por objeto o pedido, a pretensão de direito material formulada pelo autor, para
atribuir-lhe ou não o
bem da vida, através do acolhimento ou rejeição da providência pleiteada. É em
relação ao pedido
do autor que o juiz exerce o poder jurisdicional, manifestando a vontade do
Estado.

Rodapé:
113 Jaime Guasp, La Pretensión Procesal, Civitas, Madrid, 1981, p. 66.
114 Andrea Proto Pisani, "Appunti sul Giudicato Civile e sui Suoi Limiti Oggettivi",
Rivista di
Diritto Processuale, vol. XLV, Cedam, Padova, 1990, p. 387.
115 Kazuo Watanabe, p. 108.
116 Ob. cit., p. 184.
117 V. Alexandre Freitas Câmara ("O Objeto da Cognição no Processo Civil",
Escritos de Direito
Processual, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2001, p. 84), para quem a causa de
pedir não integra o
mérito, tendo a função de tão-somente delimitá-lo.

<49>

Se o objeto da jurisdição é o pedido, a sua atribuição ou não ao autor está


delimitada por outros
fatores, um objetivo e outro subjetivo: como fator objetivo, a relação jurídica de
direito material
que fundamenta o exercício da jurisdição sobre o pedido; e como fator subjetivo,
as partes nessa
relação jurídica de direito material, sobre as quais vai recair o exercício da
jurisdição. Vê-se, pois,
que o conjunto de questões que delimitam o exercício da jurisdição é mais amplo
do que o objeto
da jurisdição, porque, sem a concorrência desses fatores, o exercício da jurisdição
seria impreciso,
transformando-se num instrumento autoritário de intervenção incontrolada na vida
das pessoas,
com inteiro desvirtuamento das suas finalidades institucionais de atribuir o bem da
vida a quem a
ele tenha direito de acordo com o ordenamento jurídico e de intervir nas relações
jurídicas privadas
apenas na medida em que solicitado pelos interessados.
A cognição do juiz não apreende a realidade da vida em sua totalidade, como
também não
apreende a relação jurídica de que pode decorrer a apreciação do pedido em sua
totalidade118,
porque o dom da onisciência ultrapassa a capacidade humana e cada uma das
partes, por mais ética
e leal que seja, tende, ainda que inconscientemente, a expor os fatos e os direitos
que a ela
interessam, que lhe possam ser proveitosos. Ademais, essa limitação cognitiva é
um imperativo
democrático, porque através da jurisdição o Estado intervém na vida e nos direitos
dos particulares
e a sua liberdade assegura- lhes a prerrogativa de definir os limites dessa
intervenção.
Daí resulta que, enquanto o objeto da jurisdição é o pedido, o conjunto de
questões que o
delimitam, o objeto litigioso, abrange o pedido, a causa de pedir e as partes, a
chamada tríplice
identidade, adotada em 1804, por influência de Pothier, pelo Código Civil francês
(art. 1.351) e, a
partir de então, acolhida em numerosos sistemas legislativos, inclusive no nosso
Código de
Processo Civil (art. 301, § 1°), para identificar as ações e equacionar as questões
daí conseqüentes,
como a litispendência, a coisa julgada e a conexão119.
Mas a cognição do juiz ultrapassa o objeto litigioso, porque além desses três
elementos, cabe
ainda ao juiz examinar conclusivamente as questões de direito material suscitadas
pelo réu, a
chamada causa excipiendi, que em conjunto com aqueles compõem o me-

Rodapé:
118 V. Piero Calamandrei, ob. e loc. cits.
119 José Rogério Cruz e Tucci, ob. cit., p. 86.

<50>

rito, ou seja, todas as questões de direito material; vai mais além essa cognição,
incluindo ainda as
questões processuais e relativas à existência do direito de ação e ao
impulsionamento do processo.
Temos, pois, de distinguir o objeto da jurisdição (o pedido), o objeto litigioso
(partes, pedido e
causa de pedir), o mérito, como conjunto de questões de direito material (o objeto
litigioso + a
causa excipiendi), e o objeto da cognição (pressupostos processuais, condições
da ação e mérito).
Neste momento interessa-nos analisar os elementos da demanda (partes,
pedido e causa de
pedir), fixadores do objeto litigioso, pelas conseqüências que deles decorrem.

3.2. Partes

As partes, como elemento individualizador da demanda, são as partes na


relação jurídica de
direito material submetida à apreciação judicial120, que terão de sujeitar-se à
eficácia direta e
necessária do provimento jurisdicional na sua esfera jurídica (partes substanciais).
Se no futuro for
necessário examinar a identidade ou a diversidade de duas ações, é em relação
às partes
substanciais que deverá ser feita essa verificação.
Segundo Chiovenda, há diversidade de ações ou de demandas quando os
sujeitos são outros,
ainda que a coisa ou o efeito pretendidos sejam os mesmos, como nas obrigações
solidárias ou nas
ações de anulação de deliberação assemblear121. A sucessão a título universal
ou singular no bem
ou direito não altera a identidade da ação.
Mas nem sempre as partes que devem necessariamente submeter-se ao
provimento jurisdicional,
por serem os titulares da relação jurídica de direito material deduzida em juízo,
são as partes no
processo (partes processuais ou formais). Já fiz referência a essa questão quando
tratei da condição
da ação da legitimidade.
Por outro lado, muitas vezes a doutrina diverge se a parte formal, simplesmente
por receber a
legitimidade para figurar como parte, não é também por isso mesmo parte no
sentido material. É o
que ocorre, por exemplo, com o Ministério Público quando defende aque-

Rodapé:
120 Crisanto Mandrioli, ob. cit., p. 141.
121 Principii..., pp. 280/281.

<51>

les interesses que a própria Constituição define como essenciais à instituição


(artigos 127 e 129 da
Constituição).
Num processo garantístico, os sujeitos que deverão sujeitar-se
necessariamente ao provimento
jurisdicional devem ter assegurado o direito de atuarem como partes processuais,
como
conseqüência das garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa. A
defesa dos seus
interesses por um outro legitimado somente se justifica para suprir eventual
deficiência no seu
acesso aos meios de defesa e assim assegurar a paridade de armas.
De qualquer modo, isso não é suficiente para definir se o Ministério Público na
ação civil
pública, o Estado na defesa do meio ambiente e o cidadão na ação popular agem
no interesse
próprio ou no interesse alheio. O que me parece certo é que o Estado
Democrático contemporâneo
não mais admite ficções paternalistas. Ninguém que seja titular de um interesse
jurídico próprio a
uma prestação jurisdicional diversa da que resultou do processo em que esse
interesse foi
patrocinado por um daqueles legitimados pode ter de submeter-se à perda desse
interesse ou à
vedação da sua postulação em juízo sem ter tido a possibilidade concreta de influir
eficazmente no
correspondente provimento jurisdicional. Parece-me, entretanto, que o sujeito que
instaurou a
demanda não poderá no futuro alegar a sua qualidade de parte apenas formal
para tentar eximir-se
dos efeitos da decisão ou até para repropor ação idêntica.
Para Chiovenda122, em toda ação há apenas duas partes, o autor e o réu,
como sujeitos ativo e
passivo da demanda. A pluralidade de partes implica multiplicidade de demandas
no mesmo
procedimento. Essa concepção tradicional e linear de uma demanda com duas
partes em posições
antagônicas já não satisfaz a muitas relações jurídicas; não apenas aquelas em
que o mesmo pedido
é formulado em face de vários sujeitos indissociavelmente vinculados em uma
única relação
jurídica (por exemplo, pedido de nulidade do casamento contra os dois cônjuges),
mas também
quando existem três ou mais sujeitos em posições inteiramente diversas.
No primeiro exemplo, sempre é possível argumentar que há tantas demandas
quantas lides,
existindo uma lide em relação a cada

Rodapé:
122 Principii..., p. 582. No mesmo sentido, José Frederico Marques, ob. cit., p. 34.

<52>

sujeito passivo, embora esse entendimento não seja pacífico123. Mas no


segundo exemplo, nem
sempre é possível apontar duas lides do autor contra os dois apontados réus.
Assim, numa ação de
rescisão de contrato entre três pessoas, a iniciativa de um dos contratantes
posiciona
necessariamente os dois outros como réus. No entanto, um deles, citado, pode
aderir ao pedido do
autor e atuar de fato como seu litisconsorte contra o terceiro contratante causador
da rescisão, não
sendo justo submetê-lo aos direitos, deveres e ônus de réu (sucumbência,
interesse de recorrer, por
exemplo). O fato de não ter subscrito a inicial juntamente com o autor não pode
forçá-lo a receber o
tratamento de réu, se não deu causa à rescisão e não podia sozinho satisfazer à
pretensão
rescindente do autor.
Nas ações coletivas, especialmente as fundadas em interesses difusos, o
processo deve ser o
reflexo do pluralismo social, tornando efetiva a articulação e a participação de
vozes
representativas das diversas opiniões existentes na sociedade. Nem sempre o
autor identifica desde
logo os titulares ou porta-vozes desses interesses. No entanto, a sua participação
deve ser
assegurada, seja através de uma intervenção litisconsorcial, seja de uma
intervenção em posição
independente em relação aos litigantes originários.
Na execução, como já tive oportunidade de acentuar, muitas vezes o credor
instaura a execução
contra um sujeito passivo e, a seguir, efetua a penhora de bens de outro, cuja
existência como parte
a lei ignora. Ademais, nenhum direito de defesa é assegurado a sujeitos que
postulam interesses
próprios, que não coincidem com os interesses do exeqüente e do executado,
como o arrematante,
os credores concorrentes, os remidores124. São sujeitos titulares de demandas
acessórias, derivadas
do processo sobre a demanda principal, cujos elementos individualizadores já
estão, pelo menos
parcialmente, determinados pela lei e que, por isso mesmo, não se submetem à
ampla autonomia de
vontade do demandante originário e pleiteiam provimentos jurisdicionais incidentes
no processo da
demanda principal.

Rodapé:
123 Araken de Assis (Cumulação de Ações, 3ª ed., RT, São Paulo, 1998, p. 132)
sustenta que no
litisconsórcio necessário existe uma só ação, enquanto no facultativo há
cumulação de ações.
124 V. o meu O Processo de Execução, vol. I, pp. 331/343.

<53>

Muitas dessas várias posições não afetam a demanda na sua delimitação


subjetiva, porque dizem
respeito a demandas acessórias e instrumentais no contexto de uma demanda
principal. Outras hão
de afetar a composição subjetiva inicial proposta pelo autor, que não pode limitar a
autonomia da
vontade e a liberdade de atuação de outros sujeitos na direção que lhes parecer
mais consentânea
com a defesa dos seus interesses.

3.3. Pedido

O pedido é o objeto da jurisdição. De acordo com Chiovenda125, compõe-se de


pedido imediato
e pedido mediato. O primeiro é o ato que se postula ao juiz ou, também como
geralmente se diz, é a
providência jurisdicional pleiteada pelo autor. O segundo é o bem jurídico ou bem
da vida que o
autor pretende alcançar através do ato ou da providência jurisdicional do juiz.
Para Mandrioli126, como para a doutrina dominante, têm igual importância na
identificação da
demanda os pedidos imediato e mediato.
Em posição divergente, ressalta Monteleone127 que a distinção entre pedido
imediato e mediato
resulta de uma ilusão de ótica, porque à parte não interessa o provimento judicial
em abstrato, mas
como meio de obter o bem da vida. O objeto da demanda é, portanto, o bem da
vida.
Parece-me que o objeto principal da demanda é o pedido mediato, o bem
jurídico ou bem da
vida. As expressões bem jurídico ou bem da vida são equivalentes. A primeira
ressalta que apenas
os bens suscetíveis de apropriação jurídica, sobre os quais possam incidir
relações jurídicas, é que
podem constituir objeto da jurisdição. A segunda acentua que esses bens já
existem ou podem vir a
existir no mundo real, ainda que sejam bens imateriais.
A providência jurisdicional delimita apenas o modo como o juiz pode atingir o
bem da vida para
satisfazer a pretensão do autor. Assim, o juiz pode satisfazer o autor apenas
declarando o seu direito
ao bem, criando, modificando ou extinguindo o direito ao bem, condenando o réu à
entrega do bem,
numa ação de conhecimento;

125 Ob. cit., p. 281.


126 Crisanto Mandrioli, ob. cit., p. 148.
127 Girolamo Monteleone, Diritto Processuale Civile, p. 190.

<54>

numa ação cautelar, apreendendo o bem, prestando uma garantia de


ressarcimento de danos que
porventura possam vir a decorrer de eventual decisão desfavorável sobre o bem;
numa ação de
execução, transformando os bens em dinheiro para satisfazer aos credores,
aplicando ao réu multa
pecuniária diária para forçá-lo a cumprir a prestação devida.
Não é inteiramente correto vincular a individualização da demanda ao pedido
imediato. Nas
ações cautelares e de execução, o juiz pode substituir a providência jurisdicional
pleiteada por outra
igualmente adequada para tutelar o bem jurídico, desde que menos gravosa para
o requerido, de
acordo com os artigos 805 e 620 do Código de Processo Civil. Por isso, tem razão
Araken de Assis,
de que duas execuções da mesma pensão, uma pelo rito da prisão (art. 733 do
CPC), outra pelo da
expropriação (art. 732), são a mesma ação. O mesmo ocorre nas obrigações
alternativas, com
prestação facultativa ou com faculdade de substituição128. Medidas cautelares
aptas
concorrentemente a proteger um mesmo interesse podem ser concedidas uma
pela outra, sem que
isso implique julgamento ultra ou extra petita.
Também na tutela específica de obrigações de fazer ou não fazer (art. 461), os
meios coativos
podem variar. Não existe nesses casos qualquer violação ao princípio da
congruência ou da
adstrição, porque o bem jurídico está precisamente delimitado. O modo de
alcançá-lo é que é
variável, a critério do juiz.
Quando se diz que o pedido imediato identifica a demanda, quer-se significar
que o juiz não
pode ir além do pedido, ou seja, se a providência pleiteada numa ação de
conhecimento foi a
simples declaração da existência de uma obrigação, o juiz não pode condenar o
réu a cumprir essa
obrigação, indo além do que o autor pediu; se o pedido foi a condenação, o juiz
não pode executar a
prestação. Mas nas ações cautelares ou de execução não existe esse risco,
porque o pedido já é a
satisfação de uma prestação ou a proteção de um interesse, não violando a
liberdade do autor que
esse objetivo seja alcançado pelo meio por ele proposto ou por qualquer outro,
desde que atendidos
os pressupostos de adequação e do prejuízo mínimo para o requerido.

Rodapé:
128 Ob. cit., p. 154.

<55>
Os pedidos se interpretam restritivamente (artigo 293). Entretanto, como em
qualquer
manifestação de vontade, deve o juiz atender preponderantemente à intenção do
autor e não ao
sentido literal da linguagem (Código Civil, artigo 85).
Assim, divergências doutrinárias ou a utilização de vocábulos com falta da
necessária precisão
não podem impedir que o pedido seja julgado em conformidade com a essência
da manifestação de
vontade do autor. Decretar a anulação de um ato jurídico é normalmente uma
providência
constitutiva negativa; declarar a nulidade é providência meramente declaratória.
Se o autor pediu
esta com base em fatos que ensejam aquela, deve o juiz decretar aquela,
atendendo à essência da
manifestação de vontade do autor. Se a inicial não é clara quanto à real intenção
do autor e o
alcance da providência jurisdicional pode ter relevantes conseqüências jurídicas, o
juiz deve
mandar que o autor esclareça o seu pedido, mas nunca se ater exclusivamente ao
sentido literal das
palavras empregadas.
No pedido genérico, o bem da vida é relativamente indeterminado, mas
determinável. No pedido
alternativo, há apenas uma demanda, mas há dois bens ou duas prestações aptas
a satisfazer a
pretensão do autor.

3.4. Causa de pedir

Se até agora verificamos divergências doutrinárias profundas a respeito das


diversas questões
abordadas, em nenhum caso a tentativa de superá-las terá sido tão árdua como
as que teremos de
enfrentar a respeito da causa de pedir.
Os manuais nos quais todos estudamos no Brasil ensinaram-nos que esse
elemento da ação se
compõe dos fatos e dos fundamentos jurídicos do pedido: os fatos considerados
como os
acontecimentos do mundo ou da vida dos quais se origina o direito alegado pelo
autor, os fatos
constitutivos do direito do autor, que compõem a chamada causa de pedir remota;
e os fundamentos
jurídicos; como o direito subjetivo material gerado por aqueles fatos, com base no
qual o autor
formula o pedido: a chamada causa de pedir próxima. Os fundamentos jurídicos
não são os
dispositivos legais apontados pelo autor. Na causa de pedir remota se incluem os
fatos violadores
do direito subjetivo material, o que leva alguns autores a subdividirem-na em
causa de pedir ativa
(os fatos constitutivos do direito) e causa de pedir passiva (os fatos violadores). Da
causa de pedir
remota resulta o interesse de agir129.

<56>

Aprendemos também que duas teorias regem a causa de pedir como elemento
individualizador
da ação ou da demanda: a teoria da substanciação e a teoria da individuação.
Pela primeira,
expressamente adotada pelo nosso Código de Processo Civil, no artigo 282, inciso
III, não basta o
direito para identificar a ação. É necessário alegar o direito decorrente de
determinados fatos, ou
seja, a ação se individualiza pelo direito decorrente dos fatos alegados pelo autor.
Variando os fatos
ou variando o direito, outra é a ação ou a demanda. Pela teoria da individuação,
bastaria a alegação
do direito como fatispécie determinada, servindo qualquer fato apto a gerá-lo para
identificar a
demanda.
Para Araken de Assis, na teoria da substanciação a multiplicação dos fatos
caracterizadores da
causa de pedir passiva não gera pluralidade de ações130. E José Rogério
Tucci131 observa que na
ação declaratória o fato lesivo é substituído pelo fato contestado.
A teoria da substanciação pura (fatos + fundamentos jurídicos do pedido em
qualquer caso)
encontra duas dificuldades no Direito brasileiro. De um lado, as regras constantes
dos artigos 462 e
474 do Código de Processo Civil: o primeiro, permitindo que o juiz aprecie de
ofício fatos
constitutivos do direito do autor por este não alegados; o segundo, incluindo no
chamado efeito
preclusivo da coisa julgada todas as alegações que o autor poderia opor à rejeição
do pedido. Por
esses dispositivos estariam incluídos na causa de pedir fatos diversos dos
alegados pelo autor?
Nesse caso, teria o Código abandonado a substanciação em benefício da
individuação da causa de
pedir?
A segunda dificuldade apontada com freqüência pela doutrina é o chamado jura
novit curia. O
juiz conhece o direito. A mudança da qualificação jurídica dos fatos não
modificaria a causa de
pedir. Neste caso, a ação estaria individualizada apenas pelos fatos alegados pelo
autor, não pelo
direito, que seria extraído pelo juiz dos fatos alegados: da mihi factum, dabo tibi
jus.

Rodapé:
129 José Rogério Cruz e Tucci, ob. cit., p. 179.
130 Araken de Assis, ob. cit., p. 149.
131 Ob. cit., p. 154.

<57>

Mas mesmo nos países apontados como seguidores da teoria da individuação,


a análise das
hipóteses em que a demanda se identifica pelos fatos ou diversamente pela
relação jurídica tornou-
se sobremodo complexa, o que levou vários autores modernos a concluírem que é
impossível
caracterizar um sistema homogêneo fundado em uma ou outra teoria.
Montesano e Arieta132 ressaltam que a doutrina moderna demonstrou que a
substanciação e a
individuação são duas faces da mesma realidade.
E Comoglio133 também conclui que as teorias da substanciação e da
individuação são o verso e
o reverso da mesma medalha, sendo preferíveis soluções mais elásticas.
Na Alemanha, Leible134 explica que as divergências devem ser consideradas
puramente teóricas
e que a composição dual do objeto litigioso (pretensão + fundamentos fáticos) está
prevalecendo,
especialmente na jurisprudência. Reconhecendo a relatividade da questão, José
Rogério Tucci135
leciona que o modelo de Stuttgart, hoje adotado na ZPO, obriga as partes a
apresentarem as
alegações fáticas e jurídicas em uma única oportunidade, estando mais próximo
da teoria da
substanciação.
Aos poucos as duas teorias se aproximaram, de tal modo que fatos e direito
compõem
normalmente em conjunto a causa de pedir e identificam a demanda. Não basta
alegar fatos: é
preciso dar-lhes configuração jurídica; não basta alegar direitos: é preciso apontar
de que fatos
aqueles se originam. De qualquer modo, é a vontade do autor da demanda que
deve definir se a
postulação se funda em determinados fatos ou em quaisquer fatos com a mesma
configuração
jurídica; ou ainda em determinados fatos, seja qual for a sua configuração jurídica.

3.5. Jura novit Curia

Chiovenda136, freqüentemente apontado como partidário da teoria da


individuação, lecionava
que a causa é um fato jurídico, ou

Rodapé:
132 Luigi Montesano e Giovanni Arieta, ob. cit., p. 148.
133 Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, ob. cit., p. 253.
134 Stefan Leible, ob. cit., p. 182.
135 José Rogério Cruz e Tucci, ob. cit, p. 108.
136 Principii..., p. 283.

<58>

seja, um fato do qual deriva a existência, a modificação ou a cessação de uma


vontade concreta de
lei. A mudança do ponto de vista jurídico decorrente do mesmo fato jurídico não
evita a exceção de
coisa julgada.
Jaime Guasp137 entende que o fundamento da pretensão processual não é a
sua motivação,
invocada ou não, mas os acontecimentos da vida em que se apóia, não para
justificá-la, mas para
particularizá-la. As razões justificativas não são fundamentos, não integram a
pretensão: jura novit
curia; narra mihi facturo, dabo tibi jus.
Monteleone138 aduz que não viola o princípio da correspondência entre o
pedido e o decidido o
juiz que dê aos fatos qualificação ou interpretação jurídica diferente das partes.
Desde que se funde
sobre os fatos alegados, a sentença pode adotar motivação diversa da alegada
pelas partes.
Mandrioli139 sustenta que a causa de pedir se resolve na referência concreta
àquele fato ou
àqueles fatos que são afirmados e alegados como constitutivos e por isso também
individualizadores do direito que se faz valer. A mudança da qualificação jurídica
(comodato ou
locação) não muda o objeto do processo, que é determinado com base na
individuação dos fatos
constitutivos. A função individualizadora pertence aos fatos constitutivos de um
direito e
conseqüentemente aos fatos como idôneos a dar lugar a um efeito jurídico, e isto
implica a
apresentação de uma relação jurídica que, embora não vincule o juiz, é antes uma
hipótese de
qualificação jurídica.
Málaga140, na Espanha, pouco antes da nova Ley de Enjuiciamiento Civil que
entrou em
vigorem janeiro de 2001, sustenta que a causa de pedir compreende somente
fatos: a qualificação
ou argumentação jurídicas não integram o objeto do juízo. Se em dois juízos se
formula a mesma
pretensão entre as mesmas partes, baseada nos mesmos fatos individualizadores,
a mera mudança
de qualificação jurídica não altera nem transforma a causa de pedir.

Rodapé:
137 Jaime Guasp, Derecho Procesal Civil, tomo 1º, 3ª ed., Instituto de Estudos
Políticos, Madrid,
1968, pp. 226/227.
138 Girolamo Monteleone, Diritto Processuale Civile, p. 243.
139 Crisanto Mandrioli, ob. cit., pp. 150/151.
140 Francisco Málaga Diéguez, La Litispendencia, J. M. Bosch, Barcelona, 1999,
pp. 540/542.

<59>

Nesse sentido dispõe expressamente o artigo 664º do Código de Processo Civil


português, com a
redação que lhe deu o Decreto-lei 329-A/95:
"Art. 664° - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à
indagação, interpretação
e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados
pelas partes, sem
prejuízo do disposto no artigo 264°."
Na verdade, a aplicação do jura novit curia não pode implicar desvirtuamento da
vontade do
autor quanto à fixação dos limites da res in judicium deducta. Se o autor alegou
comodato, o juiz
não pode decidir o pedido com base em locação. Se os fatos não caracterizam o
comodato, mas a
locação, o pedido de entrega da coisa deve ser julgado improcedente141, mas o
autor não pode ser
impedido de, com base nos mesmos fatos, propor a entrega com base na locação,
nem obrigado a
ver julgado o seu pedido com base em direito diverso do voluntariamente
invocado. Por outro lado,
o réu não pode ser apanhado de surpresa: defendeu-se do comodato e vê o
pedido acolhido com
base na locação da qual não se defendeu.
A primeira solução para esse problema, alvitrada em alguma doutrina brasileira,
seria submeter a
nova qualificação jurídica dos fatos ao crivo do contraditório: obrigar o juiz a ouvir
as partes sobre
a qualificação pretendida, facultando-lhes novas alegações e novas provas. José
Rogério Tucci142,
referindo-se ao iura novit curia ressalta que o juiz, sem alterar os fatos expostos,
deve imprimir o
enquadramento jurídico que o fato essencial mereça, ainda que diverso do que lhe
atribuiu o autor,
mas a nova qualificação exige a prévia audiência das partes, em respeito ao
contraditório. José
Roberto Bedaque143, discutindo a questão, aceita com reservas o iura novit curia,
acentuando que
o contraditório é o principal fundamento do princípio da adstrição e, portanto, a
liberdade na
aplicação da norma jurídica deve ser examinada à luz do contraditório.

Rodapé:
141 Estou abstraindo no argumento a cogitação de qualquer outra questão
relativa à adequação do
procedimento ou à falta de identidade do pedido imediato (reintegração de posse,
no comodato:
despejo, na locação), que certamente seriam igualmente óbices ao acolhimento de
um pedido pelo
outro.
142 Ob. cit., pp. 160/163.
143 José Roberto dos Santos Bedaque, "Os Elementos Objetivos da Demanda
Examinados à luz
do Contraditório", Causa de pedir e Pedido no Processo Civil (Questões
Polêmicas), coords. José
Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque, RT, São Paulo, 2002,
pp. 34/42.

<60>

Essa solução, de certo modo, é adotada no novo Código de Processo Civil


francês que em seu
artigo 12 manda que o juiz decida o litígio de acordo com as regras de direito que
lhe são
aplicáveis, dando ou restituindo aos fatos e atos litigiosos a sua exata qualificação,
sem se prender à
denominação proposta pelas partes. A mudança da denominação do fundamento
jurídico somente
está impedida quando as partes, em virtude de um acordo expresso sobre direitos
disponíveis,
vincularam a decisão às qualificações e questões de direito às quais entenderam
limitar o
debate144.
Comentando essa norma, Serge Guinchard145 esclarece que, até época
recente na França, era
freqüente a Corte de Cassação englobar no objeto do litígio a coisa postulada e o
fundamento das
pretensões, censurando o juízo de mérito toda vez em que ele requalificava o
fundamento jurídico
da pretensão. Entretanto, uma evolução ocorreu, com fundamento no artigo 12 do
novo Código e a
Corte de Cassação não mais reprova a modificação pelo juiz do fundamento
jurídico das pretensões
das partes, desde que essa requalificação observe estas três condições: 1) não
modifique o objeto do
litígio, isto é, o resultado econômico e social almejado pelas partes, o que gera
certa imprecisão; 2)
se funde sobre os fatos debatidos; 3) respeite o princípio do contraditório.
Solução diversa é a que se delineia na nova Ley de Enjuiciamiento Civil da
Espanha (Lei nº 1 de
2000), que estabelece no § 2° do apartado 1 do artigo 1.218 o seguinte:
"El Tribunal, sin apartarse de la causa de pedir acudiendo a fundamentos de
hecho o de Derecho
distintos de los que

Rodapé:
144 "Art. 12. Le juge tranche le litige conformément aux règles de droit qui lui sont
applicables.
Il doit donner ou restituer leur exacte qualification aux faits et actes litigieux sans
s'arrêter à la
dénomination que les parties en auraient proposée.
Il peut relever d'office les moyens de pur droit quel que soit le fondement
juridique invoqué par
les parties.
Toutefois, il ne peut changer la dénomination ou fondement juridique lorsque les
parties en vertu
d'un accord exprès et pour les droits dont elles ont la libre disposition, I'ont lié par
les qualificátions
et points de droit auxquels elles entendent limiter le débat.
Le litige né, les parties peuvent aussi, dans les mêmes matières et sous la
même condition,
conférer au juge mission de statuer comme amiable compositeur, sous réserve
d'appel si elles n'y
ont pas spécialement renoncé."
145 Serge Guinchard, Méga Nouveau Code de Procédure Civile Commenté, 2ª
ed., Dalloz, Paris,
2001, p. 28.

<61>

las partes hayan querido hacer valer, resolverá conforme a las normas aplicables
al caso, aunque no
hayan sido acertadamente citadas o alegadas por los litigantes."
Comentando esse dispositivo, Andrés de La Oliva Santos146 assinala
inicialmente que esse
dispositivo pressupõe que a sentença seja congruente com a causa de pedir,
entendida como
integração dos fundamentos fáticos e jurídicos e, quanto a estes últimos, que não
pode ser adotada
fundamentação jurídica diversa da proposta pelo autor, mas apenas, dentro desse
marco, aplicar
com a maior precisão e acerto as normas que considere aplicáveis, passando por
cima de erros de
citação, de argumentação incoerente ou contraditória, de omissões, que não
impedem o
conhecimento do direito em que o autor quis basear a sua pretensão. A
jurisprudência do Tribunal
Supremo da Espanha deixa claro que a regra iura novit curia significa: 1° que o
Direito independe
de prova; 2° que o juiz pode e deve aplicar o Direito que conhece, sempre que se
atenha ao
fundamento genuíno da pretensão.
Oliva Santos cita em seguida alguns exemplos de aplicação do princípio dentro
desses limites:
1°) citação errônea de uma ou várias normas positivas, sempre que das alegações
do autor se possa
depreender sem qualquer dúvida qual é a norma ou conjunto de normas que
pretendeu utilizar; 2°)
omissão da alegação de uma ou várias normas positivas, se está claro que o autor
nelas apóia a sua
pretensão; 3°) incorreta denominação de um princípio geral de Direito, quando as
alegações do
autor permitem identificar o princípio correto; 4°) errônea qualificação de um
negócio jurídico, se é
possível deduzir das alegações qual é o negócio correto em que o autor apóia a
sua postulação; 5°)
erro na qualificação jurídica de um fato ou circunstância em que se apóia um
fundamento, quando o
que se alega permite conhecer o fundamento correto em que o autor quer apoiar a
sua pretensão;
6°) contradições internas, confusões ou erros de argumentação, sempre que seja
possível a partir
dos fatos e das alegações do autor determinar o fundamento principal de sua
pretensão e, se
necessário, os fundamentos subsidiários. A congruência, segundo o autor, não
deve ser apurada
apenas com base na parte dispositiva da sentença, na inicial e na contestação.
Antecedentes fáticos,
funda-

Rodapé:
146 Andrés de la Oliva Santos e outros, Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento
Civil, Civitas,
Madrid, 2001, p. 386.

<62>

mentos da demanda, da contestação e da reconvenção, alegações


complementares e acessórias,
inclusive as produzidas em audiência, servem para identificar a causa de pedir.
Penso que esta segunda orientação, restritiva da aplicação do iura novit curia, é
mais coerente
com o princípio da demanda, que confere ao autor o poder de fixar os limites
objetivos e subjetivos
da demanda e conseqüentemente com a própria liberdade das partes. Conforme
reiteradamente
assinalado no curso deste estudo, o litígio posto em juízo não é o litígio in natura,
mas aquele
configurado pelos delimitadores fáticos e jurídicos estabelecidos pelo autor,
mesmo porque o
objeto da jurisdição civil não são os fatos, mas o pedido. Os fatos podem ainda ser
o objeto da
jurisdição penal, na qual a acusação não tem nenhum poder de escolher o direito
que deflui desses
fatos (v. o artigo 383 do nosso Código de Processo Penal), mas não da jurisdição
civil, em que os
fatos constituem apenas um dos elementos individualizadores da demanda, não
constituindo o
objeto da jurisdição. Ao autor deve ser reservado o poder de limitar a demanda
fática e
juridicamente. Mas, sem dúvida, quando houver falta de clareza ou de precisão na
qualificação
jurídica, o juiz deve ir em busca da essência da manifestação de vontade do autor,
e não da
aparência (Código Civil, artigo 85). Esse entendimento encontra reforço também
no fato de que em
nosso Direito não existe nenhuma regra expressa que corresponda ao artigo 664°
do Código
português ou ao artigo 12 do Código francês. Assim, parece que o disposto nos
artigos 282-III e
264 é suficiente para exigir que a demanda se estabilize em torno dos fatos e do
direito alegados
pelo autor.
Se o juiz se deparar com alguma das situações exemplificadas por Oliva
Santos, aí a
requalificação fática deverá corresponder à real intenção do autor, subjacente à
falta de clareza ou
de precisão das suas alegações. Na dúvida, o juiz deverá pedir ao próprio autor -
e deverá fazê-lo
logo, porque inepta a petição inicial (CPC, artigo 295, parágrafo único, inciso II) -
que esclareça a
sua manifestação de vontade, assegurando desse modo que eventual
requalificação atenda
efetivamente à verdadeira intenção do autor. Em qualquer caso, sobre a nova
qualificação jurídica
deverá ter o réu nova e ampla oportunidade de oferecer alegações e de propor e
produzir provas,
como conseqüência das garantias constitucionais do contraditório e da ampla
defesa.

<63>

3.6. Os Fatos e o Direito Identificadores da Demanda

Nos artigos 131 e 462, o nosso Código de Processo Civil recomenda ao juiz o
exame na sentença
de fatos não alegados pelas partes. Qual seria o âmbito de aplicação dessas
normas, tendo em vista
que os fatos constitutivos do direito do autor individualizam a demanda e devem
ser por este
alegados, em obediência ao princípio da demanda?
Para compreender o alcance do artigo 131, que determina que o juiz na
sentença examine todos
os fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas
partes, é preciso
distinguir os fatos jurídicos dos fatos simples147. Jurídicos ou jurígenos são os
fatos fundamentais
dos quais decorre o direito do autor; simples são fatos secundários que compõem
o fato jurídico ou
que auxiliam na comprovação da sua existência.
Chiovenda148 já ressaltava que a causa de pedir não sofria qualquer
modificação pela variação
dos fatos simples ou motivos, que apenas servem para provar a existência do fato
jurídico.
Arruda Alvim149 esclarece, a meu ver corretamente, que o artigo 131 do CPC
refere-se aos fatos
simples, considerados na linha do fato jurídico e que o juiz fica adstrito aos fatos
jurídicos aduzidos
pelo autor, não aos fatos simples.
Francisco Málaga150 ressalta que a causa de pedir compreende o conjunto de
fatos, trazidos pelo
autor em sua demanda, que originam e individualizam a pretensão por ele
formulada. A inclusão
dos fatos na causa petendi depende da natureza do direito afirmado pelo autor,
posto que somente
são relevantes aqueles necessários para caracterizá-lo e distingui-lo de outros.
Mandrioli151 distingue o que chama de fatos principais, que representam o
pressuposto
necessário da subsistência do direito, dos fatos secundários. E observa que às
vezes vários fatos
geram o mesmo direito. O critério orientador para estabelecer se a referência a
fatos diversos
implica diversidade de causa de pedir (e portanto de ação) está em verificar, com
uma apuração de
direito substancial, se

Rodapé:
147 Araken de Assis, ob. cit., p. 205.
148 Principii..., p. 283.
149 Arruda Alvim, ob. cit., p. 362.
150 Ob. cit., p. 532.
151 Ob. cit., pp.151/153.

<64>

o fato diverso fundamenta um direito diverso, ou antes o mesmo direito. A função


individualizadora pertence aos fatos constitutivos de um direito e, então, aos fatos
como idôneos a
dar lugar a um efeito jurídico, e isto implica a apresentação de uma relação
jurídica que é
justamente a conseqüência daqueles fatos.
Na ânsia de equacionar a complexa relação entre os fatos e o direito material, a
doutrina alemã e
italiana difundiu a distinção que Tucci152 atribui a Othmar Jauernig na Alemanha
e Cerino Canova
na Itália, mas que, em verdade, conforme ele próprio, se enraíza em fontes mais
antigas153,
segundo a qual há pedidos autolimitados (selbstabgegrenzte Anträge) e pedidos
heterolimitados
(fremdabgegrenzte Anträge).
Segundo Comoglio154, são autodeterminados (ou autolimitados) aqueles
direitos (propriedade,
direitos reais de gozo e outros direitos absolutos) que podem existir apenas uma
vez com o mesmo
conteúdo, e entre os mesmos sujeitos, independentemente da variação do
respectivo fato genético; e
são heterodeterminados (ou heterolimitados) aqueles direitos (direitos de crédito,
outros direitos
relativos e direitos reais de garantia) que podem subsistir e ser constituídos várias
vezes com o
mesmo conteúdo, entre os mesmos sujeitos. Os primeiros são normalmente
afirmados e
individuados com base no seu conteúdo, sem que assuma relevância diferencial a
alegação de um
ou mais fatos constitutivos concorrentes e, portanto, o juiz pode examinar fatos
diversos dos
alegados pelo autor, porque o direito é o mesmo. Os segundos devem ser
afirmados e identificados
em função exclusiva daquele específico fato constitutivo, cuja variação faz variar a
sua identidade
contenutística. Nos direitos heterodeterminados a mudança do fato constitutivo
singular comporta a
mudança do direito a tutelar. Em síntese, nos direitos heterodeterminados a
variação de fatos
geradores do direito material resultaria em demanda diversa e por isso o sucesso
de cada ação
depende da minuciosa caracterização dos fatos geradores do direito, enquanto
nos

Rodapé:
152 Ob. cit., pp. 99 e 117.
153 José Rogério Cruz e Tucci (ob. cit., p. 85) observa que já no Traité des
Obligations de Pothier,
de 1760, aparecia a distinção entre as ações reais e pessoais quanto à causa de
pedir.
154 Luigi Paolo Comoglio; Corrado Ferri e Michele Taruffo, Lezioni sul Processo
Civile, p. 253.

<65>

direitos absolutos os fatos têm importância secundária e contingente155.


Adota a mesma distinção Chiovenda156, para quem nas ações reais, como a
de reivindicação, a
causa é o fato da propriedade e não um ou outro modo de aquisição, o mesmo
ocorrendo nos
demais direitos absolutos.
Gian Franco Ricci157, indo além, sustenta que a doutrina dominante dispensa a
alegação dos
fatos constitutivos nos direitos absolutos, o que evidentemente não se aplica ao
Direito brasileiro,
em face do preceito expresso do inciso III do artigo 282 do CPC. Para esse autor,
direitos
autodeterminados são a propriedade, todos os direitos reais, como a servidão, e
os direitos
absolutos, como os status. Em todos esses casos o direito não pode existir a não
ser uma vez em
relação a aquele sujeito, parecendo irrelevante a indicação da fatispécie que o
originou. Essa
característica não se aplica aos direitos reais de garantia, em que qualquer outro
título que viesse a
ser alegado constituiria um direito diferente. Já nos direitos heterodeterminados,
como o pagamento
de obrigações pecuniárias, o direito é individualizado pelo respectivo fato
constitutivo. Nos direitos
heterodeterminados, variando o fato constitutivo, varia o próprio direito, salvo se
forem fatos
constitutivos, que, mesmo diversos, convergem para um único resultado, para um
único direito, que
permanece o mesmo tanto do ponto de vista quantitativo, quanto qualitativo.
Repudia, criticando
Menchini, Verde e Cerino Canova, que possa considerar-se o mesmo direito a
entrega de coisa com
fundamento em comodato, locação ou depósito, que são direitos diversos.
A mesma distinção entre direitos absolutos (propriedade e outros direitos reais
de gozo, estado
das pessoas e direitos da personalidade) e relativos (direitos de prestação) é
encontrada em outros
autores, como Proto Pisani158, Montero Aroca159, José Frederico Marques160,
Montesano e
Arieta161.

Rodapé:
155 Araken de Assis, ob. cit., p. 134.
156 Principii..., p. 284.
157 Gian Franco Ricci, "L'Allegazione dei Fatti nel Nuovo Processo Civile", Rivista
Trimestrale di
Diritto e Procedura Civile, Giuffrè, Milano, ano XLVI, 1992, pp. 848/854.
158 Andrea Proto Pisani, ob. cit., p. 391.
159 Juan Montero Aroca et alii, El Nuevo Proceso Civil (Ley 1/2000), Tirant lo
Blanch, Valencia,
2000, p. 195.
160 Ob. cit., p. 36.
161 Ob. cit., p. 149.
<66>

Mas essa matéria está muito longe de ser pacífica.


Assim, por exemplo, para Chiovenda162, nas ações constitutivas, cada fato
constitui uma causa.
Do mesmo modo pensa Araken de Assis163, para quem duas ações anulatórias
com base nos
mesmos fatos, qualificados numa como erro e noutra como dolo, são a mesma
ação. Já em sentido
um pouco diferente, Monteleone164 entende que nos direitos potestativos, direitos
à constituição de
um efeito jurídico em relação a outro sujeito, a individuação advém através do bem
da vida
(anulação, resolução, rescisão, constituição) e do fato jurídico que por lei constitui
o seu
pressuposto (erro, dolo, violência, inadimplemento, interrupção do caminho na
servidão de
passagem). Diversamente para Abrantes Geraldes165, nas ações constitutivas em
geral, cada fato
individualiza uma demanda, enquanto nas ações de anulação e declaração de
nulidade é o tipo de
vício jurídico que identifica a demanda, podendo resultar de mais de um fato166.
Para Araken de Assis167, o autor que reivindica a propriedade com fundamento
em testamento e
na compra e venda cumula duas ações. José Maria Tesheiner168 também
sustenta que, julgada
improcedente ação declaratória da propriedade fundada em título de domínio, não
se há de obstar
uma segunda ação, fundada em usucapião, ainda que consumado anteriormente
à propositura
daquela. Igualmente Abrantes Geraldes169 entende que nas ações reais o fato
gerador do direito
identifica a demanda.
Para Araken de Assis170, embora absoluto o direito ao estado matrimonial, dois
adultérios com
pessoas diferentes fundamentarão

Rodapé:
162 Ob. cit., p. 285.
163 Ob. cit., p. 142.
164 Girolamo Monteleone, Diritto Processuale Civile, p. 195; no mesmo sentido,
Luigi Paolo
Comoglio, Lezioni sul Processo Civile, p. 253.
165 Antônio Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil,
vol. I, 2ª ed.,
Almedina, Coimbra, 1999, pp. 202/203.
166 O Código Português, no seu artigo 498° pretende equacionar a matéria,
dispondo que nas
ações reais a causa de pedir é o fato jurídico de que deriva o direito real, enquanto
nas ações
constitutivas e de anulação é o fato concreto ou a nulidade específica que se
invoca para obter o
efeito pretendido.
167 Ob. cit., pp. 144 e 148.
168 José Maria Rosa Tesheiner, ob. cit., p. 46.
169 Ob. cit., p. 205.
170 Ob. cit., p. 148.

<67>

ações diferentes. Em sentido análogo, Pais de Amaral171 entende que, nas


ações de divórcio, a
causa de pedir é uma determinada expressão injuriosa, uma determinada
agressão física, um
determinado ato de adultério, havendo pluralidade de ações a cada nova violação
do dever de
fidelidade, ainda que com a mesma pessoa.
Inconciliáveis são as múltiplas opiniões sobre a causa de pedir nas ações
constitutivas. Para
Mandrioli172 e Monteleone173, a causa de pedir pode vincular-se a todos os
possíveis fatos
geradores do mesmo direito. Já para Cerino Canova174 e Proto Pisani175, a
anulação é um único
direito. Para Chiovenda176, Lent177 e Abrantes Geraldes178, cada fato constitui
uma causa.
Para Araken de Assis179, a multiplicidade de lesões ao direito material (causa
de pedir passiva)
não implica mais de uma ação. Em sentido oposto, Montesano e Arieta180
observam que o sujeito
que propõe uma ação não invoca a tutela de um direito com referência a todas as
suas possíveis
lesões, em abstrato hipotisáveis, e em relação a todos os seus possíveis efeitos,
mas deduz sempre
uma concreta e específica necessidade de tutela, gerada de uma ou mais lesões
já verificadas ou em
curso de desenvolvimento. Sugerem, em conseqüência, a necessidade de rever a
noção de que as
ações constitutivas são o exercício de direitos potestativos, abrangendo todos os
fatos da mesma
natureza do fundamento invocado.
Parece absolutamente impossível, nesta altura, tentar equacionar as
divergências expostas que
estão muito longe de esgotar todas as hipóteses em que pode surgir dúvida sobre
a abrangência
fática da causa de pedir.
Penso, entretanto, que a busca de uma saída pode ser frutífera a partir da
reflexão em torno da
observação de Montesano e Arieta

Rodapé:
171 Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 2ª ed., Almedina,
Coimbra, 2001, p.
332.
172 Ob. cit., p. 156.
173 Diritto Processuale Civile, p. 195.
174 Apud Mandrioli, ob. e loc. cits.
175 Ob. cit., p. 400.
176 Ob. cit., p. 285.
177 Apud José Rogério Cruz e Tucci, ob. cit., p. 98.
178 Ob. cit., p. 202.
179 Ob. cit., p. 149.
180 Luigi Montesano e Giovanni Arieta, ob. cit., p. 152.

<68>

de que não se pode definir o alcance fático da causa de pedir, a não ser adotando
como ponto de
partida a intenção do autor.
Comoglio181 também defende que a função identificadora da causa petendi
deva permanecer
tendencialmente a mesma. Os efeitos vinculantes do julgado sucessivo devem
limitar-se apenas
àquela única causa petendi que, por vontade da parte, identifica o particular direito
acionado, sem
que o juiz possa automaticamente estendê-los também a outras não deduzidas,
ainda que
teoricamente sejam alternativas ou concorrentes.
Aqui também deve prevalecer o princípio da demanda. É verdade que essa
perquirição nem
sempre é fácil, especialmente quando, anos depois, pretendemos verificar o
alcance da coisa
julgada.
No curso do processo, essa investigação ainda é possível, porque as partes
ainda dependem da
decisão do juiz e devem colaborar na delimitação da coisa litigiosa, podendo o juiz
tomar as
providências necessárias para elucidar a intenção da manifestação de vontade do
autor. Mas depois
de findo o processo, e até mesmo muitas vezes no curso do próprio processo,
pode tornar-se difícil
apurar qual é o alcance do ato originário de iniciativa processual, e em que medida
se estabeleceu a
litigiosidade. Quando isso ocorrer, creio que o recurso à doutrina processual
poderia levar a adotar
algumas regras de aplicação subsidiária, decorrentes dos princípios gerais do
processo, em especial
o princípio da demanda.
A primeira regra seria a de que nos direitos absolutos (direitos reais de gozo,
direitos relativos ao
estado das pessoas e direitos da personalidade), salvo evidente manifestação em
contrário do autor,
aplica-se o preceito do artigo 462, podendo o juiz conhecer do direito com base
em outros fatos
além daqueles enunciados pelo autor na petição inicial, desde que sejam fatos da
mesma fatispécie,
isto é, fatos com as mesmas características jurídicas dos fatos alegados
inicialmente. Assim, se a
mulher propõe contra o marido ação de separação alegando agressão física no
dia 1° de janeiro de
2002, mas a final esse fato não fica demonstrado, mas sim que a autora foi vítima
de agressão no
dia 20 de março, este outro fato deve servir para sustentar o acolhimento do
pedido de separação,
devendo o juiz sub-

Rodapé:
181 Comoglio, Lezioni sul Processo Civile, p. 255.

<69>

metê-lo ao crivo do contraditório, de modo a permitir que as partes ofereçam


alegações e provas a
seu respeito182.
À objeção de Tesheiner183 de que mesmo nas ações fundadas em direitos
reais deve prevalecer
a substanciação, não me oponho. Ocorre que, me parece necessário distinguir
fatos geradores do
mesmo fundamento jurídico do pedido e direitos geradores do mesmo pedido.
No exemplo acima, as duas agressões em dias diferentes caracterizam a
mesma espécie de lesão
(violação ao dever de respeito à integridade física do outro cônjuge) ao direito da
autora. Os dois
fatos têm as mesmas características jurídicas e geram, portanto, um só direito.
Seriam o que
Chiovenda, Liebman e outros chamam de fato jurídico. Se o fato inicialmente
alegado fosse uma
agressão física e o fato provado fosse o adultério, já não seriam fatos da mesma
fatispécie e,
portanto, não estariam abrangidos na mesma causa de pedir.
Já na declaratória fundada em título de domínio e ação de usucapião, o pedido
é o mesmo, mas
decorrente de relações jurídicas diferentes. Não apresentam a mesma fatispécie,
não são o mesmo
fato jurídico. São causas de pedir diversas. Já se se tratasse de uma ação de
indenização por
desapropriação indireta, em que a propriedade é fundamento jurídico do pedido, a
sua aquisição por
compra e venda ou por sucessão são fatos abrangidos pela mesma fatispécie.
Alegado um e
provado o outro, a ação é a mesma, salvo delimitação expressa em contrário por
parte do autor.
Todavia, se a autora da ação de separação tivesse expressamente delimitado a
relação jurídica
fundamentadora do seu pedido, como, por exemplo, se tivesse reconhecido que o
marido
freqüentemente a agredia, mas declarado que vinha pedir a separação apenas
com base na agressão
do dia 1° de janeiro, que considerava excepcionalmente grave porque era o dia do
seu aniversário,
então nenhum outro fato poderia servir para fundamentar o acolhimento desse
pedido.
Já nas ações sobre direitos relativos, direitos de prestação, a regra subsidiária,
se impossível
apurar a intenção do autor, é a de que cada fato principal, apto por si só a
sustentar o direito
invocado, iden-

Rodapé:
182 V. Alexandre Alves Lazzarini, A Causa Petendi nas Ações de Separação
Judicial, RT, São
Paulo, 1999.
183 Ob. cit., p. 46.

<70>

tifica uma demanda e que na qualificação jurídica do fato também deve ser
respeitada a vontade do
autor. Como dizia Chiovenda184, pouco importa que rejeitada uma ação, outra
possa ser proposta
por um outro fato, ainda que da mesma natureza. Aos possíveis inconvenientes
dessa reiteração
indefinida de juízos pode remediar o réu pedindo em via reconvencional uma
sentença que declare
válido o ato em geral ou propondo uma ação declaratória com esse objetivo.
Mas também aqui há exceções. A ação declaratória negativa, segundo o
mesmo Chiovenda185,
comporta variação fática. Fernando Luso Soares186 leciona que nessas ações de
simples declaração
negativa de um direito ou de um fato invocado, a causa de pedir é a inexistência,
independentemente de qualquer fato concreto que a caracterize.
Nas ações que tenham por fundamento uma série de fatos ou fatos constantes,
como a ação de
responsabilidade do administrador por gestão fraudulenta da sociedade, em
verdade o suporte fático
já é objetivamente complexo, abrangendo não apenas os fatos concretos alegados
pelo autor, mas
quaisquer outros caracterizadores da fraude no curso do período de tempo em
que o réu
permaneceu no exercício daquela função.
A essas regras sobrepor-se-á sempre a revelação, desde que possível, da
verdadeira intenção do
autor, ao propor a demanda. Discorrendo sobre as posições conflitantes que
existem no Direito
brasileiro a respeito do alcance da coisa julgada tributária, uma mais restritiva,
agasalhadora do
enunciado da Súmula 239 do Supremo Tribunal Federal, outra menos restritiva,
Arruda Alvim
demonstra que, apesar de fundamentadas nos mesmos dispositivos de lei, "é em
decorrência do
pedido que se diversificam as posições"187. Esta é a regra de ouro.

3.7. A Identidade da Ação e o Efeito Preclusivo da Coisa Julgada

Muitas outras indagações o tema sugere, a serem equacionadas à luz do


princípio da demanda.
Entre elas, seguramente, a do efei-

Rodapé:
184 Ob. cit., p. 285.
185 Ob. e loc. cits.
186 Fernando Luso Soares, Processo Civil de Declaração, Almedina, Coimbra,
1985, p. 589.
187 Arruda Alvim, "Anotações sobre a Chamada Coisa Julgada Tributária",
Revista de Processo,
ano 23, outubro-dezembro de 1998, RT, São Paulo, p. 7.

<71>
to preclusivo da coisa julgada, previsto no artigo 474 do Código de Processo Civil,
que considera
repelidas todas as alegações que o autor poderia opor à rejeição do pedido.
Essa regra não pode ser interpretada como um alargamento da causa de pedir
sem a explícita
manifestação de vontade do autor. Apesar da preocupação de alguns188, na
verdade, o que fica
precluso para o autor como conseqüência do trânsito em julgado da sentença de
mérito é a
possibilidade de invocar outros fatos simples ou circunstâncias que não alterem a
causa de pedir.
Também ficam seguramente preclusas as defesas indiretas do autor às defesas
indiretas do réu que,
pelo princípio da eventualidade, deveriam obrigatoriamente ter sido objeto de
alegação na réplica
(artigo 326).
Assim, não se pode extrair do efeito preclusivo da coisa julgada a perda da
faculdade do autor de
formular o mesmo pedido com causa diversa, mas será o princípio da demanda
que irá delimitar o
alcance do objeto litigioso de cada ação.

Rodapé:
188 J. E. Carreira Alvim, Elementos de Teoria Geral do Processo, 7ª ed.,
Forense, Rio de Janeiro,
1997, p. 131.

<73>

Conclusão

Ao término destas singelas reflexões, acredito haver demonstrado que o estudo


do direito de ação
não é inútil.
Ao contrário, é preciso que a doutrina processual, sem prejuízo da salutar
reflexão sobre a
efetividade, retome o seu estudo à luz das garantias fundamentais do processo,
desprendendo-se de
opções redutoras, como a substanciação ou a individuação da causa de pedir, ou
de postulados
anacrônicos, como o iura novit curia, para encontrar um adequado ponto de
equilíbrio entre o
direito de acesso à Justiça do autor e o direito do réu de não ser molestado por
uma demanda
injusta, assim como definir o alcance da eficácia da prestação jurisdicional sem
trair a sua
fidelidade à vontade inicial do demandante. Por outro lado, parece-me forçoso
reconhecer que as
condições da ação cumprem importante função garantística. Há, certamente,
ainda, muitas outras
questões a equacionar, o que deve animar-nos a prosseguir na sua reflexão, que
deve estar sempre
assentada sobre os princípios da efetividade do processo e do mais amplo
alcance das garantias
fundamentais que inspiram o Processo Civil contemporâneo.

<75>

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Este livro foi transcrito para o braille por:


Flávio Emerson Dias Ferreira Bill
Odair Lara
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