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A Aprendizagem Natural

Pedra pré-histórica com pictogramas de culto do Museu Nacional da Dinamarca, Copenhague. Foto: W. Rankin, 2016.

Há vários anos - pelo menos desde que nossa equipe começou a explorar as implicações da
mobilidade - eu venho pensando a respeito da aprendizagem e tentando entender suas estruturas.
Estou convencido de que a maneira como concebemos e praticamos o aprendizado nas escolas é,
em grande parte, o produto de uma série de desafios tecnológicos que antes restringiam o
movimento de informações e pessoas - desafios que agora foram superados ou resolvidos. Entender
a "escola" a partir do interior das estruturas que inventamos para as escolas leva a um tipo de
"problema de câmara de eco" que nos diz mais sobre a instituição do que sobre a própria
aprendizagem. Então, há algum tempo, venho trabalhando para entender outros tipos de
aprendizado - especificamente, o aprendizado automotivado que domina grande parte das nossas
vidas: o aprendizado de hobbies e passatempos que tem como finalidade a nossa própria edificação
e enriquecimento cultural, o aprendizado que realizamos na casa de nossos pais e avós, e o
aprendizado que adquirimos para sobreviver e transitar pela nossa vida cotidiana.

O que vou apresentar aqui hoje é um trabalho em andamento. Embora seja baseado em uma síntese
de pesquisas e experiências, não vou apresentar essa pesquisa aqui hoje. O que mais me interessa
são seus comentários e feedbacks sobre o modelo geral. Este modelo parece plausível? Onde é
falho? Onde estão seus pontos fortes e fracos? Que exceções você poderia apontar? Você consegue
enxergar algum tipo de aplicação? Embora eu esteja trabalhando e pensando nisso há meia década,
preciso da sua ajuda para testar sua firmeza e fortalecê-lo antes de dar os próximos passos.
Comecemos pelo começo: como eu disse acima, esse modelo não é realmente sobre a escola ou o
que podemos entender como experiências de “aprendizagem formal”, e esse modelo não é sobre o
aprendizado que as pessoas realizam em razão de terceiros: seja para conseguir um certificado, ou
para o desenvolvimento profissional, etc. Trata-se do aprendizado que escolhemos por razões que,
em última instância, são completamente nossas. Portanto, não se aplica a uma situação em que
alguém é obrigado a aprender algo por razões que fogem ao seu controle. Em vez disso, este
modelo trata daqueles momentos em que você diz: "Sabe, eu sempre quis aprender a tricotar" ou
“Adorei a forma como você toca guitarra. Bem que eu gostaria de saber tocar”.

Minha opinião é que o momento decisivo para a aprendizagem nesses contextos vem da nossa
curiosidade sobre um elemento específico que está no interior do "fluxo das coisas”, pessoas ou
lugares que encontramos todos os dias. Geralmente, esse "interesse" aparece sob a forma de
novidade: algo que não vemos com frequência ou que nunca vimos antes. Às vezes, nossa
curiosidade está focada em algo, uma espécie de entidade externa e específica e, às vezes, em como
podemos ser diferentes se essa coisa externa se tornar parte de nós ou parte de nossa própria
identidade. De qualquer forma, a curiosidade é o fator de origem do "ecossistema de
aprendizagem", assim como o sol é o fator de origem dos ecossistemas naturais. A centelha de
aprendizado emergente do fluxo de experiência é mais ou menos assim: às vezes vem de apenas um
dos três “elementos substantivos", mas geralmente vem de mais de um – conectando, por exemplo,
uma pessoa e um lugar, ou uma coisa situada num lugar que está sendo usado pelas pessoas:

Figura

1: O "fluxo de experiência" a partir do qual


surge e se desenvolve a curiosidade.

Quando nossa curiosidade é desencadeada, encaramos a primeira opção de aprendizagem. Podemos


deixar essa faísca enfraquecer, ou podemos começar a seguir uma série de etapas em cascata.
Curiosamente, essas etapas recapitulam os elementos que geraram o momento de curiosidade:
conteúdo (“coisas”), comunidade - real ou via mídia sociais (“pessoas”) e contextos - espaços
literais onde nos encontramos ou tipos de espaços culturais, sociais ou históricos que habitamos ou
encontramos. Depois que um elemento capta nossa atenção e curiosidade, iniciamos uma série de
etapas parecidas com estas:
Figura

2: A fase de iniciação da aprendizagem.

Começamos a "fase inicial" da aprendizagem "percebendo" - imaginando a natureza ou expressão


de um elemento (A). A pergunta que fazemos a nós mesmos internamente pode assumir várias
formas: "Como isso funciona?" "Como você faz isso?" "Por que isso acontece?" ou "O que isso
significa?", entre outras. Esse senso de curiosidade ou admiração é fundamental para o restante das
etapas e deve vir de dentro de nós: não pode ser puramente ditado ou controlado por forças
externas. De alguma forma, nosso próprio senso de admiração deve ser despertado. Mesmo que essa
centelha comece com algum tipo de pressão ou requisito externo, a menos que internalizemos a
preocupação ou o interesse em gerar essa centelha, é provável que optemos por não participar do
processo de aprendizagem. Podemos seguir em frente, mas a nossa falta de engajamento inicial
tornará o processo de aprendizado transitório e fraco, o que tornará muito mais provável a
desistência.

Se nosso senso de curiosidade for despertado, passaremos para o próximo passo, que é, em termos
mais gerais, o "social". Esta é a primeira de duas etapas de "produção" - focadas em "construir"
algo, embora o "artefato" que criamos possa assumir várias formas, incluindo formas imateriais,
como práticas. Nesta etapa (B), buscamos conexão com alguém que possa expandir nosso
entendimento, que possa nos oferecer uma perspectiva sobre esta experiência e, muitas vezes, nos
forneça também as ferramentas iniciais e um projeto a partir do qual possamos partir. A "pessoa"
com a qual nos conectamos nesta etapa não precisa, no entanto, ser alguém que encontramos
diretamente: podemos recorrer a um vídeo on-line, ler um livro ou artigo, examinar um diagrama ou
explorar uma série de fotografias. A chave aqui é que aquilo que procuramos não se resuma apenas
a mais informações ou conteúdos; o que realmente estamos buscando nesta etapa é a curadoria - a
seleção cuidadosa de informações ou experiências de alguém que sabe mais ou tem mais
experiência. Em essência, esta é a "extensão de vygotski". Entramos em contato com um outro -
real ou via mídia - que pode estender nossas capacidades, nosso entendimento ou nos desafiar. O
que procuramos é forma, direção e sentido, e isso só pode vir de um encontro com alguém (direta
ou indiretamente) que já caminhou pelo mesmo caminho que estamos seguindo. É importante
estarmos cientes de que essa pessoa não precisa se portar como professora; ela só precisa ser
alguém com mais experiência em relação àquilo que estamos focados em aprender. Podemos ver
uma pessoa tricotando ou tocando violão, por exemplo, e expressar interesse ou curiosidade, em
parte porque sabemos que essa pessoa também pode nos ajudar a encontrar o foco de nosso
interesse de maneira significativa e produtiva. Se não encontrarmos um "outro" para nos ajudar, se
não conseguirmos nos conectar, muitas vezes optaremos por não seguir no processo de
aprendizagem. Embora possamos retornar a uma postura de aprendizado sobre esse elemento em
algum momento no futuro, sem que alguém nos receba e nos ajude a avançar, o conteúdo
geralmente será assustador e intransponível, e optaremos por não participar do processo de
aprendizagem.

Ao nos conectarmos com um "outro", podemos avançar para a próxima etapa (C). Este é o segundo
passo da "produção" e é o momento em que apuramos as qualidades daquilo que queremos
aprender, onde a curiosidade se transforma em verdadeiro aprendizado. Nesta etapa, aplicamos
nossas habilidades ou entendimentos iniciais na criação de um "artefato" (que, novamente, pode ser
durável ou efêmero). Embora “fazer” tenha se tornado moda recentemente, os teóricos da educação
há tempos o veem como o ápice do aprendizado, e por boas razões. O "fazer" exige que operemos
em contextos específicos - espaços onde nosso aprendizado é posto à prova - e exige também que
apliquemos nosso aprendizado de maneira que não estejamos ainda necessariamente prontos ou
totalmente preparados. A aplicação de habilidades, de conhecimentos e do entendimento sobre algo,
portanto, não apenas nos disciplina e nos adapta a comunidades específicas de conhecimento ou de
prática, mas também nos oferece a base para dois tipos de avaliação: uma imediata e “local” e outra
mais difusa e “global”. A primeira forma de avaliação ocorre geralmente nesta etapa e tem a ver
com o nosso senso de como internalizamos as habilidades, o conhecimento e o entendimento que
são o foco do nosso aprendizado. “Estou fazendo isso de maneira correta?”, “Tenho tudo o que
preciso?” ou “Realmente entendo isso?”. Todas essas são perguntas que temos a oportunidade de
responder através da criação de um artefato ao longo desta etapa. Para nós, este artefato que
construímos é, portanto, o primeiro teste real de nosso aprendizado. Sem a oportunidade de tornar
nosso aprendizado em algo "concreto" ou prático, as informações que acumulamos no processo de
aprendizagem podem parecer cada vez mais vagas, confusas e impraticáveis, e esse senso de
abstração pode nos afastar do processo de aprendizado.

Depois de criar um artefato (texto, vídeo, discurso, prática ou qualquer outro material), no entanto,
passamos para a fase de pós-produção, um local em que ocorre a segunda forma de avaliação,
aquela mais "global" (D). Neste ponto, normalmente estamos menos focados nos detalhes de nossa
compreensão do que nas implicações mais gerais do que aprendemos. “Eu gostei disso?”, “Eu me
conectei com isso?” ou “Valeu o tempo que gastei?” são todas perguntas que normalmente fazemos
nesta fase. Todavia, o que é importante aqui não é necessariamente o prazer, pelo menos não no
sentido mais superficial dessa palavra. O que é realmente essencial é o engajamento. Em outras
palavras, não precisamos necessariamente amar o que acabamos de fazer - embora o amor e o
prazer geralmente aconteçam e sejam um grande indicador do compromisso contínuo com o
processo de aprendizado. Às vezes, entretanto, o que sentimos diz menos sobre amor do que sobre
desafio: mesmo que aquilo que acabamos de fazer tenha sido muito difícil e, no final das contas,
decepcionante, desde que nos sintamos desafiados a tentar novamente ou melhorar da próxima vez,
provavelmente continuaremos para a próxima fase do processo de aprendizagem.

A próxima fase do processo de aprendizado reflete quase que inteiramente a primeira fase,
intensificando-se em cada uma das etapas. As perguntas que fazemos no primeiro passo (E) são
cada vez mais sofisticadas e focam em aspectos cada vez mais complexos do tema. Na etapa de
colaboração (F), geralmente procuramos não apenas indivíduos, mas comunidades de pessoas com
experiência ou prática, expandindo o conjunto não apenas de mentores, mas também de
colaboradores disponíveis para nos ajudar. Já na fase de criação (G), nossos projetos se tornam cada
vez mais complexos e ambiciosos. No entanto, no geral, a estrutura se parece enormemente com as
etapas da "fase inicial".
Figura

3: A fase de aprimoramento da
aprendizagem.

No entanto, embora essa “fase de repetição” recapitule as mesmas estruturas gerais da primeira fase,
ela também apresenta dois importantes aprimoramentos. Nosso domínio crescente no passo "fazer"
(G) significa que nossos projetos geralmente se tornam os elementos que gerarão a "faísca" para
novos aprendizes. Já o aperfeiçoamento da nossa experiência, juntamente com a sabedoria que
estamos desenvolvendo através da reflexão como praticantes (H), nos torna excelentes mentores
para os novos aprendizes que estão iniciando as suas próprias etapas de colaboração (B).

À medida que voltamos à fase de aprimoramento, nosso aprendizado se torna mais consistente: nos
tornamos cada vez menos propensos a desistência do processo de aprendizagem e os fatores
intensificadores da aprendizagem continuam a crescer: a complexidade de nossas perguntas, o
alcance de nossa comunidade, o desafio de nossos projetos, e o valor da nossa reflexão.

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