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Este trabalho versa sobre um tema actual que liga a liberdade de expressão

aos videojogos de uma maneira muito singela.

Se o Direito é irmão da cultura então também é primo da liberdade e


consequentemente dos videojogos. Estes conceitos interligam-se a partir de
um raciocínio muito simples; o ser humano é desde a sua nascença
acompanhado por uma característica jurídica que permite regular e
enquadrar a sua existência na sociedade; a personalidade jurídica. A
susceptibilidade de ser titular de direitos e de estar adstrito a vinculações.

Os direitos que advêm da personalidade jurídica têm um vasto alcance, mas


o nosso foco vai manter-se nos direitos culturais que estão consagrados na
lei fundamental (42º,73º,78ºCRP).
O legislador prevê as manifestações culturais no ensino (43ºCRP, aprender
e ensinar), na ciência, na religião e na expressão do pensamento (37º CRP,
expressão e informação). Mas, em todo o caso, o Estado não pode
programar a educação e a cultura. Isto, no sentido em que o Estado tem a
obrigação de ser laico e neutro nas ideias que transmite. Deve ainda ser o
garante do acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural e o seu
principal propulsor.

Nos seus objectivos contam se assegurar a competitividade, autonomia e


liberdade (78ºCRP).

Se, como podemos concluir, as criações artísticas estão muito ligadas à


liberdade e só através dela podem vingar, então estamos em bom caminho
para explicar como é que a liberdade de expressão é uma alavanca para a
produção de videojogos. O único problema que se põe é se de facto
podemos considerar os videojogos como arte.

Na sociedade actual vemos alargada a nossa noção de cultura e é usual que


livros, músicas, filmes, séries televisivas e animações sejam galardoados
anualmente. Este tipo de cultura também vem associado aos videojogos
que estão disponíveis em grandes superfícies, qualquer pessoa pode deles
usufruir.

Contudo o caso dos videojogos como arte além de bem cultural é um tópico
controverso, tendo em 2010 assumido uma importância no plano político
internacional, com a tentativa de estados conservadores dos E.U.A de banir
a violência dos videojogos e de certa forma destitui-los da protecção da
1ªEmenda, que entre outras protecções, salvaguarda a liberdade de
expressão para toda a propriedade intelectual que detenha valor artístico,
científico, literário ou político.

Este juízo de valor é realizado através de um sistema apelidado de Miller’s


Test que além dos requisitos acima mencionados, avalia também a objecção
ou não ao conteúdo da propriedade intelectual pela população em geral, e,
até recentemente, a questão dos videojogos como detentores de liberdade
de expressão era abordada através do argumento de obscenidade, nunca
tendo um tribunal americano aprovado qualquer proposta que procurasse
retirar a liberdade de expressão aos videojogos.

Contudo o caso mudou em 2010. Pela primeira vez o Supremo Tribunal


americano decidiu ouvir o Estado da Califórnia quanto a uma proposta que
procurava controlar o conteúdo dos jogos; podia ou não estar presente em
jogos de vídeo sob o argumento de estes não terem qualquer valor
artístico? Ainda com a agravante de que prejudicam o crescimento e
maturidade psicológica de menores.

Quais seriam então as consequências de controlo e limite sobre videojogos,


assim como a perda da liberdade de expressão?

De certa forma poderia muito bem resultar na estagnação total da indústria.


Países e outros proponentes de leis que visam regular e controlar os jogos
de vídeo pegariam no caso dos E.UA para promoverem as suas propostas
que nada mais são do que parte de uma agenda política de partidos
conservadores para ganharem o apoio de população pouco esclarecida ou
que ainda vê com preconceito esta industria.

O resultado seria devastador, o progresso e crescimento da indústria dos


videojogos encontra-se em pleno crescimento desde o final dos anos 80,
tais leis poriam fim à liberdade, limitariam a criatividade deixando os
videojogos de ser um veículo cultural e passando a ser nada mais do que
uma substância controlada, de certa forma nada mais do que brinquedos
sem qualquer um dos valores que presentemente conservam.

A própria distribuição de videojogos decresceria, as principais plataformas


comerciais deixariam de vender qualquer título considerado maturo,
tornando assim um dos poucos mercados em crescimento, estagnado e por
fim em recessão.
Mas, haverá um fundo real para estas políticas? Serão os videojogos
veículos de violência gratuita e que prejudicam os menores? Sendo tal ao
ponto de não merecerem a protecção da liberdade de expressão?

Aqui o caso já é mais complicado, havendo dois lados da mesma moeda. Por
um lado a indústria é conhecida e atacada por produzir alguns títulos
controversos e com razão, pois não passam mais do que violência gratuita e
fomentam um comportamento amoral ou reprovável ao jogador mas, por
outro lado existe um completo universo de videojogos que representam
reais triunfos de tecnologia, arte, com capacidade de envolver qualquer um
com a mesma força que um livro ou um filme e despertar no jogador
emoções, promovem a imaginação, a criatividade, capazes de funções
didácticas e de entretenimento. São estas as grandes vítimas do ataque
político e da comunicação social, são estes os que passam ao lado enquanto
pequenos títulos passam ao palco devido ao seu conteúdo controverso.

Nesta realidade existem portanto, os bons, os maus e os feios.

Os bons videojogos, aqueles que não aparecem nas notícias, são jogos
como o da imagem acima (Okami), neste jogo, completamente estruturado
e desenhado de acordo com o estilo de pintura tradicional japonesa, o
jogador toma controlo do Deus nipónico Amaterasu, e é levado num jogo de
lógica e acção num mundo a pincel descobrindo a mitologia japonesa ao
som de temas foclóricos e instrumentais japoneses.

Outros jogos como Portal, utilizam o máximo do motor de física da empresa


Valve, para realizar um aliciante jogo de puzzles que mistura o humor de
Monthy-Python com Douglas Adams, através de uma narrativa que se
desdobra com a exploração e a descoberta do ambiente selado ao mesmo
tempo que uma voz Orwelliana e satírica manipula os eventos em volta do
jogador, apresentado uma contradição com as pistas que um vai
descobrindo.

Shadow of the Colossus e Heavy Rain (imagem acima) são outros dois jogos
que mais eco detém na comunidade a favor do argumento de jogos como
arte.

O primeiro é um jogo envolto em silêncio, num extenso mundo criado a


computador onde toda a acção se passa nas costas de um cavalo, perdido
por entre montes e vales procurando os lendários Colossos, criaturas de
proporções gigantes que desafiam o protagonista em sequências de mérito
cinematográfico e com visuais que puxam a tecnologia da época ao
máximo.

Por fim, Heavy Rain é um título que se apelida de história interactiva,


puxando ao máximo o motor gráfico com um realismo notável, um sistema
de imersão total e uma história de mistério que se altera conforme as
escolhas do jogador enquanto tenta desvendar o mistério por detrás do
“assassino do origami”.

Contudo como já o ditado assim o dizia onde há fumo, há fogo, e existe uma
razão para o qual os jogos de vídeo tem sido alvo de ataque e de bastante
preconceito por parte de algumas comunidades e dos media, estes são os
maus da nossa lista.
São jogos como o da imagem acima (Manhunt) que trazem má fama ao
meio dos jogos de vídeo. Aqui o protagonista é um assassino em série que
procura matar o maior número de pessoas da forma mais violenta possível,
fomentando o sadismo e a violência do jogador, e apelando a um
sentimento de “cool” quanto mais extremo as acções forem, é esta
violência gratuita e imaturidade que arrisca o futuro da indústria, o apelo ao
“gore” e à violência sem qualquer nota positiva a retirar, com um uso
medíocre da tecnologia, para um fim dúbio de entretenimento.

Do outro lado do espectro encontramos outro tipo de jogos controversos,


jogos de guerra que muitos acusam de lavagem cerebral da juventude, que
procura tornar a guerra num simples desporto, deixando os jogadores
afastados da realidade e no mais extremo das críticas pode levar ao treino
de futuros soldados. São estes jogos que a cada seis meses aparecem nas
notícias como promovendo violência e gosto por guerra e conflito, levando
por vezes a momentos de histeria e medo público.
Existem ainda o caso dos jogos de “crime” como o controverso GTA (Grand
Theft Auto), Saints Row ou a saga de Dr1ver. Estes títulos colocam o jogador
no papel de um criminoso, parte de um gangue largando-o nas ruas de uma
cidade, dando depois ao jogador a possibilidade de furtar, extorquir,
assassinar, assaltar todos e quaisquer veículos, pessoas e estabelecimentos
do mundo, sem qualquer promoção do lado narrativo, ou de uma razão.
Simples violência e crua.

Tendo já falado dos Bons e dos Maus, falta somente falar dos feios e tal
como nos jogos existem dois lados da mesma moeda, também nas posições
adoptadas existem em cada bom argumento, uma ideia errada, uma atitude
incorrecta, preconceito e irresponsabilidade, tal como opiniões pouco
esclarecidas.

Os jogos de vídeo são o mais recente veículo cultural de acesso e difusão


geral, que subiu do seu estatuto como simples brinquedo e hobby, para um
louvável mundo de expressão artística e hoje em dia podemos afirmar, faz
parte do quotidiano da sociedade, da nossa identidade cultural.

Contudo tal como o cinema, e as mais antigas belas artes, encontra-se na


luta contra a população conservadora que repudia a mudança dos tempos e
das vontades, para atingir o reconhecimento que lhe é devido. Onde os
nossos avós agiam com preconceito face á televisão e ao seu valor, a nossa
geração depara-se com o preconceito perante os jogos de vídeo, uma
dimensão cultural que alguns ainda não consideram artística.

E não é só da população desinformada que originam críticas. Pessoas


respeitadas em diversos meios, alguns que promoveram e lutaram pelos
direitos artísticos viram-se agora contra a indústria dos jogos de vídeo.

Um dos mais recentes e controversos exemplos é o de Roger Ebert,


considerado por muitos como um dos mais importantes críticos de cinema
vivo, e voz da indústria do cinema, promotor e fomentador de várias
iniciativas do cinema independente. Ebert afirma que vídeo jogos não
constituem arte pela sua natureza interactiva, pelo sistema de acção
recompensa e pela mecânica geral de ser um jogo, para ele todo o valor
artístico deste meio é desconsiderado pela simples razão que não pode ser
experienciado sem interferência destas mecânicas.

Outros críticos são os já mencionados políticos que atacam a indústria com


uma motivação meramente de ganhar o apoio da massa populacional para
suportar as suas campanhas políticas, e do outro lado existem os media, os
mais sensacionalistas procurando deitar as culpas aos jogos pelos
comportamentos da sua juventude (uma situação que em tudo lembra as
acusações atiradas ao cinema, e a autores como Stephen King, atitudes
ainda frescas na história da sociedade).

Mas, não é somente o lado dos críticos que toma atitudes erradas. Os
produtores de videojogos também merecem ser alvo de censura. Por cada
bom e virtuoso jogo, sai material questionável, que procura fazer dinheiro
fácil com controvérsia, ou que procura aliciar a psique humana oferecendo
violência gratuita, nudez parcial com abundância e conteúdo moralmente
reprovável às audiências mais jovens, pondo em causa a imagem do médio
como um todo. São este tipo de títulos que devem deixar de ser produzidos,
e os jogadores como consumidores devem deixar de os comprar, é
necessário para o meio amadurecer para ser levado a sério, e como tal deve
deixar de procurar ser o “fruto proibido” para os mais jovens e deixar de ser
também juvenil e por vezes moralmente irresponsável.

Quer isto dizer que este tipo de leis que procuram regular o conteúdo e a
acessibilidade de videojogos são justificados e necessários?

A resposta é não. Não recai somente nos produtores e nos vendedores de


videojogos a responsabilidade pela existência de menores a jogar jogos
maturos e violentos. Estes são já regulados por instituições como pela PEGI
na Europa e pela ESRB nos E.U.A, estas instituições estabelecem claramente
os sectores etários a que cada jogo se destina e informa o consumidor sobre
todo e qualquer conteúdo.

Portanto se existem estes meios então porque é que vão parar ás mãos das
crianças jogos de vídeo violentos ou bastante acima da sua idade? Esta é
uma questão muito importante pois tal como em muitas situações, são os
pais, os educadores e os responsáveis pelos menores que devem ter em
atenção aquilo que compram, esta responsabilidade não pode ser imputada
à indústria, tal como não podemos imputar a responsabilidade pela música
e os filmes que os nossos filhos vêem aos respectivos meios culturais.

Em alguns países como a Alemanha e a Austrália, embora não haja um


restrição quanto à produção, existem filtros alguns mais duros do que
outros do que pode ser ou não ser vendido. E embora também estes algo
controversos não chegam ao extremo de retirar a liberdade de expressão do
meio como um todo.

Quer isto então dizer que deve haver um maior controlo e não correr riscos?
Não, pois tais acções resultam na estagnação e no entorpecimento da veia
criativa e explorativa dos videojogos. Um não pode simplesmente
argumentar (como algumas destas propostas para a regulação dos
videojogos) que um menor é incapaz de pensar por si sobre que jogos
comprar, e não consegue agir sem que o Estado decida por ele que jogos
comprar.

E caso tais propostas e ideias fossem aceites, seriam o catalisador para


dezenas de problemas e questões que põe em causa não só os direitos dos
menores como a própria democracia.
As classificações etárias são sistemas utilizados para garantir que
conteúdos de entretenimento (por exemplo, filmes, vídeos, DVDs e jogos de
computador) são claramente rotulados com o grupo etário para os quais são
mais adequados. As classificações etárias fornecem orientação aos
consumidores (particularmente pais) para os ajudar a decidir se devem ou
não comprar um determinado produto.

Com a Pan European Game Info quem decide são os pais, o limite de idades
para o acesso aos videojogos está indicado em cada embalagem permitindo
facilitar a triagem do que entra no seio da família.

Assim concluo o meu trabalho, espero que o leitor que desconhecesse o


assunto fique mais esclarecido sobre esta problemática e que a tenha
achado relevante para matéria de estudo.

Raquel Boularot 140108134

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