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RESUMO
Expoente da produção petrolífera na América Latina, a República Bolivariana da Venezuela
convive com a instabilidade política e econômica causada pela rivalidade polarizada entre os
apoiadores do governo de Nicolás Maduro e seus oposicionistas, pondo em risco a
prevalência dos Direitos Humanos no país. Como resultante dessa problemática, evidencia-se
um fluxo migratório de venezuelanos para o Brasil, que adentram o país por meio das
disposições fronteiriças localizadas no estado de Roraima. Desse modo, com base em uma
pesquisa de natureza qualitativa pura, o presente artigo tem como objetivos localizar os
possíveis motivos ensejadores da crise socioeconômica na qual o país venezuelano está
inserido, dissertar acerca dos pedidos de refúgio dos imigrantes venezuelanos e a concessão
de vistos humanitários por parte do governo brasileiro, além de verificar a posição legal
instaurada no Brasil para o tratamento da questão.
ABSTRACT
The Bolivarian Republic of Venezuela, exponent of oil production in Latin America, lives
with the political and economic instability caused by the polarized rivalry between the
supporters of Nicolás Maduro’s government and its opposers, putting at risk the prevalence of
Human Rights in the country. As a result of this issue, there is a notorious migratory flux to
Brazil of venezuelans, whom enter the country by the border areas in the state of Roraima.
Thereby, based on a purely qualitative research, this article’s objectives are to pinpoint the
possible causing reasons of the socio-economic in which venezuelan country is in, discuss the
refuge requests of the venezuelan immigrants and the permit of humanitarian visas by the
brazilian government, as well to verify the legal position established in Brazil for dealing with
the matter.
INTRODUÇÃO
Exponencial da produção petrolífera global e uma das principais exportadoras de
petróleo cru na América Latina (CEPAL, 2016), a Venezuela se encontra assolada por uma
extensiva instabilidade política e econômica causada, essencialmente, pela rivalidade
polarizadora dos apoiadores do governo de Nicolás Maduro, reeleito em maio de 2018, e seus
opositores.
Como resultado do caos inflacionário que atinge a economia venezuelana,
proporcionando crises no abastecimento alimentício, e as denúncias de violações aos Direitos
Humanos, como o uso ostensivo da força repressiva do Estado contra manifestantes, um
processo de migração para países fronteiriços, como o Brasil e a Colômbia, foi iniciado,
pondo em risco a estabilidade das relações diplomáticas entre Estados-soberanos.
Submetidos a uma realidade social que não promove uma adaptação e vivência
concisa, a onda migratória da Venezuela para o Brasil consiste em um movimento social de
desadaptação, no qual os deslocados não saem do seu país por vontade própria, mas sim para
seguir o instinto mais básico da natureza humana: a sobrevivência.
Desse modo, o presente escrito tem entre seus objetivos verificar os motivos
ensejadores da instabilidade política na Venezuela, como, por exemplo, a dependência da
economia venezuelana com o mercado externo. Ademais, busca-se analisar a veracidade das
denúncias de violações aos Direitos Humanos, realizadas nos protestos contrários ao governo
de Nicolás Maduro em fevereiro de 2014.
Não obstante, o ensaio busca compreender a visão brasileira acerca dos pedidos de
refúgio de venezuelanos no território nacional, suplantada pela concessão de vistos
humanitários por parte do governo brasileiro, além de verificar a aplicabilidade das
disposições legais e medidas públicas instauradas no Brasil acerca da problemática migratória
que atinge o estado de Roraima.
Este trabalho desenvolver-se-á por meio de metodologia qualitativa e quantitativa,
descritiva, bibliográfica, na forma de livros, e documental, com fontes fornecidas por
instituição federal representada por documentos divulgados pelo Poder Executivo e
Legislativo.
2 A CRISE ECONÔMICA E POLÍTICA VIGENTE NA VENEZUELA
Com o surgimento de redes econômicas entrelaçadas e perpetradas pelo fenômeno da
1
Globalização , a problemática migratória internacional se faz presente na realidade política,
econômica e social dos Estados-soberanos. A criação de novos meios de comunicação e de
transporte, flexibilizadores das distâncias, outrora intransponíveis, tornaram mais tênue a
1
Processo de homogeneização de fronteiras e culturas nacionais com aporte no livre mercado e na
desterritorialização da produção. (HENDERSON et al. 2011, p. 152-153)
linha fronteiriça existente entre as nações, permitindo a troca de influências étnico-culturais, a
realização de transações econômicas e aspirações por vidas melhores.
Dessa forma, o efeito do fenômeno global promove não só a maleabilidade de
distâncias, mas também a dependência de países com desenvolvimento tardio, como os
latino-americanos, para com os índices econômicos do mercado externo. Dentre os mais
variados exemplos, observa-se com maior relevância o da Venezuela, caracterizada por sua
intensa atividade petrolífera.
Segundo dados de 2013, a exportação de petróleo cru promovida pela Venezuela
correspondeu a 85,1% do total de todas as suas exportações, com base em informações
divulgadas pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL, 2016).
Destarte, a excessiva dependência da exportação venezuelana aos incentivos do mercado
externo promove a instabilidade da vida política e social no país, assim como de suas
instituições democráticas, em virtude do temor de oscilações do preço do barril de petróleo.
Conforme preceituado pela Constituição da República Bolivariana da Venezuela,
promulgada em 1999, seria dever das instituições públicas do país aderirem aos princípios
constitucionais, que tinham como base proteger a inviolabilidade dos menos favorecidos,
além de desenvolver abordagens para assegurar seus direitos. (ANISTIA, 2014)
Artículo 299. El régimen socioeconómico de la República Bolivariana de Venezuela
se fundamenta en los principios de justicia social, democracia, eficiencia, libre
competencia, protección del ambiente, productividad y solidaridad, a los fines de
asegurar el desarrollo humano integral y una existencia digna y provechosa para la
2
colectividad. [...] (VENEZUELA, 1999)
2
“O regime socioeconômico da República Bolivariana da Venezuela se fundamento nos princípios de justiça
social, democracia, eficiência, livre competência, proteção do meio ambiente, produtividade e solidariedade,
com os fins de assegurar o desenvolvimento humano integral e uma existência digna e proveitosa para a
coletividade.” (Tradução livre realizada pelos autores do presente artigo)
3
Artigo 2.° Venezuela se constitui em um Estado democrático e social de Direito e de Justiça, que propugna
como valores superiores de seu ordenamento jurídico e de sua atuação, a vida, a liberdade, a justiça, a igualdade,
a solidariedade, a democracia, a responsabilidade social e, em geral, a preeminência dos direitos humanos, da
ética e do pluralismo político.” (VENEZUELA, 1999).
(MERCOSUL), mas devido às reiteradas violações aos direitos humanos, teve a sua
participação suspensa em 2017.
Em virtude de uma polarização que já dura há mais de uma década, o país, liderado
desde 2013 por Nicolás Maduro, se vê assolado por uma instabilidade política, iniciada em
fevereiro de 2014, causada pelo embate entre apoiadores e opositores do governo. De acordo
com dados do mesmo ano, os protestos deixaram, entre 4 de fevereiro e 27 de março de 2015,
pelo menos 37 mortos e mais de 550 pessoas feridas. (ANISTIA, 2014)
Entre os relatos, encontrou-se a denúncia de uso excessivo de força coercitiva por
parte da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e do Serviço Bolivariano de Inteligência
Nacional (SEBIN), assim como casos de tortura. Os episódios de violência e tortura, que
abrangeram desde manifestantes até jornalistas e ativistas dos Direitos Humanos,
aconteceram no momento de suas detenções e no período de custódia pelas forças da
segurança nacional da Venezuela. (ANISTIA, 2014)
Ademais, a condução dos meios necessários para o fornecimento do devido processo
legal aos acusados, garantia básica de defesa que deve ser fornecida ao réu submetido ao
processo, foram suprimidos, como a divulgação de informações sobre o motivo de suas
prisões, segundo relatório elaborado pela Anistia Internacional.
Para Amnistía Internacional resulta alarmante que se haya, al parecer, vulnerado el
derecho de los detenidos a ser informados inmediatamente de los motivos de su
detención para permitirles impugnar la legalidad de la misma y comenzar a preparar
su defensa. Resulta preocupante también que se haya negado a los detenidos el
acceso a asistencia jurídica de su elección y el disponer del tiempo y los medios
adecuados para comunicarse con un abogado, Como ha establecido el Comité de
Derechos Humanos y el Relator Especial de las Naciones Unidas sobre la Tortura, el
acceso inmediato y periódico a un abogado es una importante salvaguardia contra la
4
tortura, los malos tratos y las confesiones hechas bajo coacción y otros abusos.
(ANISTIA, 2014)
Os ânimos da contenda entre oposicionistas e aliados de Nicolás Maduro se tornaram
ainda mais inflamáveis em razão da prisão do líder do partido Voluntad Popular, Leonardo
5
López , acusado de incentivar atos de violência nas manifestações de 2014, e mais outros dois
4
“É alarmante para a Anistia Internacional que o direito dos detidos a serem informados imediatamente das
razões de suas detenções parece ter sido violado a fim de não permitir o questionamento da legalidade da prisão
e a preparação de suas defesas. Também é preocupante que tenha sido negado aos detidos o acesso a assistência
legal de sua escolha e que eles tivessem tempo e meios adequados para se comunicar com um advogado,
conforme estabelecido pelo Comitê de Direitos Humanos e pelo Relator Especial das Nações Unidas para
Direitos Humanos. O acesso imediato e regular a um advogado é uma salvaguarda importante contra a tortura,
maus-tratos e confissões cometidas sob coação e outros abusos.” (Tradução livre realizada pelos autores do
presente artigo)
5
Leonardo López foi condenado em 2015 a 13 anos e 9 meses de prisão, mas recebeu o privilégio de
cumprimento de pena domiciliar em 2017 após intensas negociações entre seu partido, o Voluntad Popular, e o
dirigentes, como o coordenador político Carlos Veechio e Antonio Riveiro, dirigente nacional
do partido.
Nos diversos comunicados emitidos, a versão utilizada pelo governo venezuelano
para explicar a crise consiste em acusações de ordens advindas dos Estados Unidos em forma
de represália ao atual sistema econômico vigente no país, caracterizado com uma versão do
socialismo, ambientada no século XXI. Na visão de seus opositores, a crise econômica e
política deriva de sucessivos erros do governo de Nicolás Maduro, como a intransigência para
se moldar aos diálogos internacionais, de natureza capitalista.
De fato, a opinião internacional não parece favorável ao governo de Nicolás Maduro.
Por meio do seu secretário de Estado, Mike Pompeo, os Estados Unidos classificaram as
eleições da Venezuela, que reelegeram Nicolás Maduro em 2018, como fraudulentas,
afirmando sua pouca efetividade para a alteração da conjuntura social do país, conforme
noticiado no jornal G1. (online, 2018).
A represália internacional contra a reeleição de Maduro decorre de críticas materiais
à condução do processo eleitoral no país, marcado por elevado índice de abstenção e suspeitas
de fraudes. Entretanto, analisando formalmente o texto da Constituição Venezuelana, o
mandato do presidente reeleito não apresenta irregularidades, já que o seu art. 6º prevê que o
“seu governo nacional e das entidades que o compõem será democrático, participativo,
eletivo, descentralizado, alternativo, pluralista e de mandatos passíveis de revogação”
(VENEZUELA, 1999).
Apesar da transição de governos de Hugo Chávez para Nicolás Maduro e os esforços
do Estado venezuelano em efetivar o cumprimento de direitos relativos ao acesso a serviços
de saúde e educação, a situação econômica do país, que vivencia crises de abastecimento de
produtos alimentícios, propulsiona a onda migratória para Estados fronteiriços, como o Brasil
e a Colômbia.
6
“As declarações dos Direitos do Homem, proclamadas no fim do século XVIII, resultantes das Revoluções
Americana e Francesa, serviram de fundamento para o Estado moderno, cuja legitimidade deixava de
fundamentar-se em motivos religiosos ou em hierarquias sociais que dividiam a população em estamentos
definidos pelos seus privilégios sociais.” (BRITO, 2012, p. 13)
então União Soviética demonstraram interesse na elaboração de mecanismos para
salvaguardar a condição de humano.
Para isso, em 1949, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada em
uma assembleia geral da ONU. No texto, os países signatários reconhecem os horrores dos
conflitos que serviram de base para sua criação, passando a resguardar, em seu art. 2º, a
invocação de seus direitos sem qualquer distinção:
“Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na
presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo,
de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de
fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita
nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou
do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob
tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania” (ONU, 1949, online) .
Dito isso, a Medida Provisória, assinada por Michel Temer, presidente da república,
acaba por introduzir no texto da legislação infraconstitucional elementos semelhantes aos que
definem o status d e refugiado por parte dos textos da Declaração de Cartagena, assinada em
1984, ao conceber a crise humanitária como resultante, também, de conflito causado pelo
homem que resulte em violação direta ou indireta dos direitos humanos,
CONCLUSÃO
Conforme exposto no presente artigo, apesar de ser um dos principais exponenciais
petrolíferos do mundo, a problemática da crise política na Venezuela, marcada por uma
rivalidade dicotômica partidária entre oposicionistas e apoiadores do governo de Nicolás
Maduro, promove uma ruptura na realidade socioeconômica no país.
Como consequência dessa instabilidade política, a onda migratória para países
fronteiriços como o Brasil promove uma crise nas relações diplomáticas entre
Estado-soberanos, na medida em que a complexa questão da entrada e permanência de
imigrantes venezuelanos no estado de Roraima acabou por revelar uma realidade xenofóbica,
insalubre e de clara vulnerabilidade na condução de políticas públicas por parte do Governo
Federal para a resolução da problemática.
Tendo como um de seus objetivos compreender a crise vivenciada na República
Bolivariana da Venezuela, o presente artigo obteve êxito ao esmiuçar os motivos propulsores
do contexto de desadaptação que o imigrante venezuelano sofreu em seu país de origem,
ocasionando em sua saída, dentre eles a dependência do mercado externo e a tentativa de
golpe sofrida por Hugo Chávez que acabou por ocasionar em vedações ao cumprimento do
texto constitucional do país.
Não obstante, com base nas denúncias de ostensivas violações aos Direitos
Humanos, verifica-se a promoção de meios de cerceamento da condução do devido processo
legal fornecido ao réu no processo. Ademais, o uso desmedido da força coercitiva do Estado
venezuelano, representada pelo Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN) e pela
Guarda Nacional Bolivariana (GNB), durante as manifestações compreendidas entre 4 de
fevereiro e 27 de março de 2014 revela o cerceamento da liberdade de manifestação política e
da insatisfação com o governo, reeleito sob suspeita de fraudes em 2018.
No que diz respeito às disposições legais e públicas adotadas pelo Brasil acerca da
questão migratória, a árdua tarefa de conceituação do indivíduo venezuelano que adentra a
fronteira do território nacional brasileiro promove questionamentos significativos acerca da
efetividade da legislação infraconstitucional que resguarda as medidas de assistência
emergencial para acolhimento de pessoas vulneráveis em razão de crise humanitária, apesar
dos avanços promovidos pela promulgação da Lei de Migração, que resguarda as medidas de
assistência.
Baseada em uma evidente incongruência entre a Lei n°. 13.684 e a Declaração de
Cartagena, da qual o Brasil é signatário, o presente artigo critica, em seus aspectos
conclusivos, a posição do Executivo em fornecer a concessão do visto humanitário para todos
os imigrantes venezuelanos residentes no país, principalmente em Roraima, resultantes de
uma crise humanitária.
Em virtude de tal decisão, a inexistência de análise prévia individual para a
verificação das hipóteses previstas no texto normativo referente à solicitação de refúgio põe
em risco possíveis perseguidos políticos no país de Maduro, que poderão retornar
contrariamente à sua vontade para a Venezuela após o fim do prazo de dois anos de residência
temporária no Brasil.
Sem o acompanhamento individualizado da situação do imigrante no Brasil, com a
ausência da compreensão dos motivos da saída de seu país, o Governo Federal adota uma
posição excludente ao colocar indivíduos que sofreram perseguições políticas ou violações
aos Direitos Humanos na mesma situação daqueles que saíram da Venezuela em razão da
crise econômica, vindo ao Estado brasileiro, por exemplo, apenas em busca de trabalho.
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