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Imagens de poemas de amor

Dout. 2018 / 2° semestre


mais verde que uma erva, de safo

Igual ao deuses esse homem A língua paralisa; um arrepio


Me aparece: diante de ti De fogo, fugaz e fino,
Sentado, e tão próximo, ouve Corre-me a carne; enevoados
A doçura da tua voz, Os olhos; tontos os ouvidos.

E o teu riso claro e solto. Pobre O suor me toma, um tremor


De mim: o coração me bate Me prende. Mais verde sou
De assustado. Num ápice te vejo Do que uma erva – de mim
E a voz se me vai; Não me parece a morte longe
.............................................
o vento alívio
O amor sacode Enfim, cara, vieste – e bem. Com
Meu coração, tal Ânsia te esperava – e muito. Que
O vento caindo Saibas: em minha alma acendeste
Sobre os robles Um fogo que a devora.
Da montanha.
Fanatismo, Florbela Espanca
Minh’alma de sonhar-te, anda perdida Quando me dizem isto, toda a graça
Meus olhos andam cegos de te ver! Duma boca divina fala em mim!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida! E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Não vejo nada assim enlouq uecida... Que tu és como Deus: Princípio e Fim!”
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa...”


Amor violeta, de Adélia Prado

O amor me fere é debaixo do braço,


de um vão entre as costelas.
Atinge o meu coração é por esta via inclinada.
Eu ponho o amor no pilão com cinza
e grão de roxo e soco. Macero ele,
faço dele cataplasma
e ponho sobre a ferida.
Apontamentos para o poema ‘amor violeta’
• Roxo --- cultivar resistente do feijão vermelho;
• Ferir debaixo do braço ---- espaço de fragilidade do corpo humano, lugar
onde se enfia a faca ao matar um animal;
• Mistura: o amor + cinza + grão roxo; [cinza= o que restou da combustão;
nigredo alquímica: integração à sombra, aos aspectos obscuro da psique,
volta às emoções, intuições, oensamentos, percepções primevas; associada
à cor negra --- Saturno, o planeta que causa medo pela escuridão, mas tb
ensina e é representação da sabedoria; nigredo, na alquimia, é o primeiro
passo para a ascese: depurar-se das sombras internas (raivas, invejas,
ódios, etc); morte e dissolução dos corpos; cinza é pó, o que restou da
combustão; a cinza é, tb, representação da transitoriedade, do luto,
penitência e purificação;
• Soca e macera, fazendo um cataplasma; o que é cataplasma? Ervas
maceradas que servem para tirar inflamações de feridas purulentas...
• Sobre a ferida;
Medievo, Adélia Prado

Senhor meu amo, escutai-me,


a donzela espera por vós, no balcão.
Cuidai que não acorde os fâmulos
a paixão que estremece vosso peito.
Os galgos estão inquietos, a alimária pateia.
Rogo-vos que vos apresseis.
Apontamentos para ‘medievo’
• Medievo --- poesia medieval --- trovadorismo;
• Meu amo: “superior”, mas tb forma servil usada no trovadorismo
pelo poeta qdo dava voz ao feminino se dirigir ao amado;
• Escutai-me, cuidai, rogo-vos, apresseis: Tempo verbal: 2ª pessoa
plural --- impõe respeito e subserviência; aqui, ironia? Que
significam?
• A donzela espera: é o sujeito lírico na 3ª ps ou a amada do “meu
amo”? O que pode significar o distanciamento da 3ª ps? Quem é a
donzela?
• Apresseis: urgência do amor, amor ou sexo? --- cena comum na
poesia trovadoresca
Do amor, Adélia Prado
Assim que se é posto à prova, produz ouro em pepitas,
na cinza do óbvio, quando elixires de longa vida,
atrás de um caminhão vazando nasce de seu acre
o homem que pediu sua mão a árvore da juventude perpétua.
informa: É como cuidar de um jardim,
‘está transportando líquido’. quase imoral deleitar-se
Podes virar santa se, em silêncio, com o cheiro forte do esterco,
pões de modo gentil a mão no joelho um cheiro ruim meio bom,
[dele como disse o menino
ou a rainha do inferno se invectivas: quanto a porquinhos no chiqueiro.
claro, se está pingando, É mais que violento o amor.
querias que transportasse o quê?
Amar é sofrimento de decantação,
Apontamentos para ‘do amor’
• O poema pode ser dividido em quatro partes distintas e consecutivas;
• Primeira parte: 01-11 versos ---- os dois modos do amor de uma mulher pelo marido,
passado algum tempo de casamento --- santa se te submetes, rainha do inferno (puta) se
o desafias

• Segunda parte: 12-16 versos ---- metáfora para amar: é ... O que são: ‘sofrimento de
decantação’, ‘ ouro em pepitas’, ‘elixires de longa vida’, ‘juventude perpétua que nasce
do azedo’

• Terceira parte: 17-22 versos ----- comparação do amor com: ‘cuidar de um jardim’; no
jardim há cheiro forte de esterco (bom e ruim), comparação interna ---- jardim com
chiqueiro

• Quarta parte: verso 23 ----- metáfora para o amor --- síntese: violência

• De que violência fala o eu-lírico?


canção, cecília meireles
Não te fies do tempo nem da eternidade,
que as nuvens me puxam pelos vestidos, Aparece-me agora, que ainda reconheço,
que os ventos me arrastam contra o meu desejo! a anêmona aberta na tua face
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro, e em redor dos muros o vento inimigo...
que amanhã morro e não te vejo! Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te digo...
Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
ó lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te escuto!
Lu brandão
agarro uma ponta deste cordão amarelo teus lábios
tu agarras a outra ponta da linha azul
até
um oceano de distância entre nós
te sentir sôfrega
e juntas arder
desatamos sufocar
destecemos
destrançamos teu hálito de cereja e cigarro respira no
este novelo [céu da
minha boca
até uma ponta tocar na outra
e o meu rosto sentir o doce respirar que
[sopra pelos
Chanson d’amour, de Neide Archanjo
Posto que é noite, E feliz
Em tua pele Anuncio
Uma fímbria de mar Que és azul
Permanece. E serás azul
Para todo o sempre.
Com a boca recolho
Ondas algas espumas. Um azul
Que nem conheces.
Cantiga de amiga, de Neide Archanjo
Nesta tarde de junho lábios de cetim.
quase julho quem me faria levantar
feita de bruma Os filmes são improváveis senão ela
só levanto os encontros adiáveis aldrava de mim?
se ela chamar por mim, hoje não saio daqui
voz rouca só levanto Em seu ventre
seios de marfim. se ela, adormeço
olhos de alecrim colho amoras
Amados, amigos, chamar por mim. qual Salomão em seu jardim
esqueçam a poeta e só me levanto
e seus dizeres A casa descansa se ela e seus ais
só levanto porque é sábado, chamarem por mim.
se ela chamar por mim, a cidade descansa
dedos róseos porque é sábado.
Apontamentos sobre o texto: “figuras do amor medieval”, de Kathrin
Rosenfield, in O amor na literatura
• Há um abismo entre a realidade rude e grosseira das relações entre homem e mulher na Idade
Média e a noção moderna de amor;
• Mergulhada numa realidade hostil à mulher e cada vez mais arredia aos prazeres eróticos, a
poesia do século XII é capaz de inventar figuras, imagens, metáforas que representam as relações
entre homem e mulher de maneira inédita – idealizadas, sublimes, maravilhosas;
• Algumas perspectivas deste processo de via-a-ser a noção de amor começa com artifícios
poéticos dos trovadores, os quais transpõem as fórmulas erótico-poéticas do misticismo árabe e
cristão para o campo das relações efetivas e reais entre homem e mulher;
• O termo latino de amor e suas derivações neolatinas ocupam na Idade Média um lugar marginal e
até pejorativo, começando a afirmar-se apenas a partir do século XII;
• o misticismo árabe se afirma nos movimentos heréticos e na nova literatura laica e mundana dos
trovadores que se espalha pela europa a partir da espanha e do sul da frança. O ‘livro do
conhecimento’, de avicena, os escritos de avicebron, o livro da flor de ibn dawud e o livro o colar
da paloma de ibn hasm são verdadeiros manuais de uma nova concepção de amor
• Neles, [nos livros de árabes místicos] os trovadores encontram fundamento
de múltiplas transposições das relações concretas e sexuais para infinitos
jogos ideais e imaginários. O amor não-satisfeito aparece aí como uma
fonte não apenas de um imenso sofrimento, mas também de uma
beatitude inaudita, de uma paixão contínua e não submetida aos
paroxismos e intervalos do ato sexual;
• A castidade e o segredo aparecem assim como símbolos de um novo tipo
de amor. O abster-se da profanação (tanto pelo ato sexual como pela
nomeação da bem-amada), que marca as figuras poéticas árabes e
trovadores, eleva a mulher a um lugar simbólico, situado além do alcance
do desejo material e da possessão física.
• Essas figuras, que estabelecem um contraste e uma contradição flagrante
em relação à realidade da dominação e da hostilização da mulher na
sociedade medieval, viabilizam, no entanto, a invenção de novas
representações concernentes ao universo feminino.
• Nos moldes dessas figuras medievais, a mulher – dama e suserana – torna-
se signo de um além inatingível. A relação de vassalo com sua suserana é
estigmatizada pelo obstáculo, pela separação insuperável, que repercute
nas metáforas do segredo e do enigma inominável, assim como nos jogos
altamente poéticos com letras, palavras e tropoi (anagramas, trocadilhos,
enigmas, charadas). As representações do amor não-satisfeito e impossível,
da morte carnal como porta de entrada para uma outra realidade, para um
universo mais pleno, medeiam uma nova concepção da paixão na qual
amor e morte estão intimamente associados;
• As representações do amor cortês e trovadoresco não podem ser
compreendidas como testemunhos diretos do sentimento do respectivo
autor. Elas são muito mais o resultado de uma experimentação lúdica com
figuras pertencentes a outros discursos (teologia, misticismo, política), cuja
transposição para o campo das relações entre homem e mulher trará
apenas, em um segundo momento, o nascimento de um sentimento que se
instala e cresce na matriz da invenção poética.

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