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DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
CAMPUS XIII – ITABERABA
COLEGIADO DE PEDAGOGIA
ITABERABA-BA
2014
1
Graduando do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia: docência e gestão de processos educativos, pela
Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Campus XIII. Professor de filosofia e sociologia na rede municipal de
ensino de Itaberaba.
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Professora Assistente da UNEB, Campus XXIII – Itaberaba – Ba.
1
Candomblé: percepções e vivências dos Meninos do Axé
RESUMO:
O presente artigo apresenta os resultados da investigação sobre as percepções e vivências dos
Meninos do Axé sobre o Candomblé, no município de Itaberaba- BA. O estudo teve como referencial
teórico os autores Pierre Bourdieu, Janaína Azevedo, Kabengele Mununga, Vivaldo Costa Lima para
levar ao entendimento da trajetória dos negros no Brasil, a tentativa de desculturação e a
demonização da religiosidade africana por meio da difusão de estereótipos em relação aos negros, os
quais, não ficaram restritos às ruas, adentrando também o espaço escolar. Os documentos oficiais
elaborados pelo Ministério da Educação, que legislam sobre as questões étnico-raciais contribuíram
para elucidar os princípios norteadores sobre o tema, e ainda, os conteúdos sobre religiões, no
currículo escolar, do Município, revelaram alguns elementos pra refletir sobre o lugar da religião de
matriz africana na escola. Esse trabalho buscou a compreensão dos Meninos do Axé, alunos
praticantes do candomblé, diante da discriminação dentro e fora da escola, bem como as suas
percepções acerca da sua religião. O estudo concluiu que os Meninos do Axé percebem o candomblé
como lugar de diversão, aprendizado, resistência e, valorização da cultura.
PALAVRAS-CHAVE:
INTRODUÇÃO:
3
Graduando do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia: docência e gestão de processos
educativos, pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Campus XIII. Professor de filosofia e
sociologia do município de Itaberaba.
4
Pessoa que passou pelos rituais introdutórios na religião. Na Umbanda a iniciação se dá por meio
de “batizados” e outras obrigações, no candomblé Ketu, Angola e Jêje, a iniciação começa com o
ritual do Borí (oferenda ao ori - cabeça) e se necessário far-se-á a feitura de santo por meio da
raspagem e catulagem, que por serem fundamentos religiosos não serão aqui explicados.
2
curiosidade, resolvi ir. Chegando lá, era uma festa de Exu Pomba-gira Cigana5. Para
mim foi um susto: sempre ouvi dizer que pomba-gira era um espírito das trevas que,
perseguia, matava e cometia diversas atrocidades contra inocentes, mas, não tinha
mais como voltar atrás e lá fiquei, percebendo o ritual religioso construindo outro
olhar.
Fui pego de surpresa, mas respondi a ele que era porque eu tinha como
costume usar fios de contas diferentes para cada dia. Entretanto, não sabia que
aquela criança fizera esta pergunta, mas sabia de todo fundamento que aquele
acessório religioso tem, afinal, em conversa com o aluno, descobri que tanto ele
quanto a sua mãe eram iniciados em um terreiro de candomblé.
5
Representação feminina do Orixá Exu que, na cultura africana representa os caminhos e é o Orixá
mais próximo dos seres humanos.
6
A quarta-feira é dedicada a Iansã; A quinta-feira, a Oxóssi. Por isso as cores dos fios de conta eram
diferentes: a conta vermelha para Iansã e a verde para Oxóssi.
3
não usava nada que o identificasse como sendo praticante de religião de base
africana na escola, supostamente por medo do preconceito.
7
Ato de demonizar. Aludir à religião dos negros a cultos satânicos.
4
Todavia, a escola também é instrumento de mudanças, cabendo a ela
propiciar o contato com diferentes culturas, ideias e reflexões de modo a refazer os
conceitos preconceituosos em relação ao negro. Para Cunha Junior (2009; p.97) “a
educação pluralista deve garantir os conhecimentos sobre as diversas culturas e
religiões da humanidade”.
8
Técnica de coleta de dados que se dá por meio de entrevista coletiva, cujo objetivo é obter muitos
dados rapidamente, o que não seria possível com entrevistas semiestruturadas.
5
Para que se compreenda essa discussão, o presente trabalho foi dividido em
tópicos. O primeiro tópico tratará da história da religião africana no Brasil. O
segundo, que se divide em dois subitens, abordará a percepção da religião pelos
meninos no terreiro, na rua e na escola, buscando compreender como estes
espaços atuam na formação destes alunos e alunas de candomblé.
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A África não é um continente homogêneo, por isso muitas são as culturas e
religiões destes povos. As religiões de base africana 9 , como a umbanda e o
candomblé, se caracterizam pelos seguintes aspectos: a existência de um Ser
supremo, de elementais 10 ligados à natureza (orixás, inquices e voduns) danças
ritualísticas, o fetichismo (oferendas, remédios naturais, amuletos, incorporação de
espíritos), culto às entidades por meio do sacrifício animal e a crença na vida após a
morte.
Existe uma crítica ferrenha aos sacrifícios de animais que são realizados nos
cultos de candomblé. Mas, o sacrifício tem papel fundamental na ritualística. Mesmo
assim, os próprios praticantes da religião têm consciência que é preciso ter limites,
pois acima de qualquer coisa é preciso ter “respeito à vida que ali está sendo
imolada” (AZEVEDO, 2010, p.136). É infundada a afirmação de que os sacrifícios
podem contribuir para extinção de alguma espécie, pois os animais utilizados nos
seus rituais são domesticados e servirão de alimento, como galinhas e cabras, por
exemplo. Animais selvagens não são utilizados nos rituais por conservarem uma
energia que pode causar desequilíbrio no ritual. Azevedo (2010, p.136), contribui
para esta discussão ao afirmar que:
9
Usa-se o termo por que estas são religiões surgidas nos territórios colonizados, tendo como base a
religiosidade africana.
10
Espíritos ligados aos elementos da natureza: terra, água, fogo e ar.
7
necessário para equilibrar o axé 11 . Para os Meninos do axé, as oferendas e
sacrifícios são necessários: “pros orixás se sentir bem, pro orixá comer e estar se
alimentando... dá comida ao santo da pessoa pra que o Orixá ajude a matéria”.
(...) vemos o culto aos orixás como manifestação divina. Cada Orixá
controla e se confunde com um elemento da natureza, do planeta ou da
própria personalidade humana, em suas necessidades e construções de
vida e sobrevivência. O culto também ocorre nas Casas de raiz indígena,
que o fazem valendo-se dos deuses daquele panteão. (AZEVEDO, 2009,
p.19).
11
Força vital do Orixá. Equivalente ao “amém” cristão.
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Utilizar-se-á a denominação para generalizar os elementos destes cultos.
13
Lei do retorno.
8
afastar os negros de sua cultura e religiosidade, ou seja, uma política de
desculturação.
Para os africanos não há vida dissociada da religião. Tudo gira em torno dela.
Ela funcionou como uma forma de manter viva toda a cultura e valores trazidos da
África. Assim, num período de segregação, o negro encontrou na religiosidade o
meio de manter viva e reafirmar a cultura e sua identidade africana (SILVA, 1989).
14
Candomblé Keto, Angola ou Jeje.
9
área geográfica relativamente comum e estável de moradia e uma
semelhança de componentes linguístico-culturais (...) (PARÉS, 2007, p. 23-
26).
Ainda falando da festa de Erê, à noite o culto foi iniciado com a mesa de sete
meninos, como é de comum nos carurus. O Erê dono da festa incorporou a mãe de
santo e fez festa com os presentes: distribuíram-se balas, pirulitos, sorvetes de
Maria-mole e fez a partilhas dos bolos vendendo-os por “cinquenta noventa”, como
eles diziam, já que os filhos de santo da casa também estavam manifestados com
15
Cultos em que os praticantes incorporam espíritos por meio do êxtase.
16
Espiritismo segundo a doutrina de Allan Kardec.
17
Cultos indígenas diversos.
18
Espírito infantil; Orixás crianças ou Ibeji.
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seus erês. E as pessoas compravam os doces da “quitanda do erê”. E enquanto os
meninos comiam cantavam-se pontos19 para eles.
3. OS MENINOS E A RELIGIOSIDADE
Normal, não fala nem bem e nem mal. Se fala mal, a gente fica triste.
Outras têm preconceito, xingano de macumbeiro, num quer mais brincar
com a pessoa. Tudo é: ele vai fazer macumba! Tem que ter respeito, num
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pode discriminar (Ana – Informante do grupo focal ).
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Rezas cantadas.
20
Rezas em louvor aos orixás.
21
As falas dos meninos serão assim identificadas: informantes do grupo focal.
11
Negra’, no calendário escolar (BRASIL, 2003). Mas a criação da lei apenas não é
suficiente para reparar anos de negação da cultura afro-brasileira. Como bem
(...) a letra fria da lei não vem, como em um passe de mágica, fazer as
transformações educativas ansiadas e desejadas pela comunidade, mas é
um instrumento imprescindível para nortear as ações de um projeto de
nação que não desconsidere o quesito educação, peça fundamental na
construção de uma sociedade mais justa e humana.
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Os Meninos do Axé demonstraram por meio de suas respostas que
participam do candomblé não apenas por influência familiar ou por ocupação, mas
porque gostam e veem no culto um lugar de “diversão”. Nota-se que, eles não estão
neste espaço obrigados pela família, mas para eles, o candomblé é lugar de prazer,
pois o terreiro deixa de ser apenas um templo, mas, um espaço de aprendizagem
religiosa e, sobretudo, cultural, como enfatizou Maria:
(...) pra mim diversão e por “caso” do samba, a dança, união, a dança e a
cultura. O axé, pra mim é o axé, a cultura, a cultura. Tem rezas, tem ebó,
tem reza. Os orixás: Iemanjá que é mãe d’água / Oxossi que é rei das
matas / Ogum rei das estradas / Exu é dono das encruzilhadas / Oxum das
águas doces/ Ah... só isso só... Ah! E Obaluaê das perebas. (Informante do
grupo focal).
É uma religião boa, ensina as rezar pra quando tiver assim tipo morreno,
ensina a gente a saber o que é errado e o que não é. Tem rezas, tem ebó.
O candomblé ensina obedecer os mais velhos, ter muito respeito com as
pessoas mais velhas, ajudar as pessoas, ajudar o santo. Cuidar do terreiro.
As pessoa que tem respeito e responsabilidade. Todas as pessoas é
importante. Pra tá no candomblé tem que acreditar. É que um dia a pessoa
pode ser recompensado por ter fé (Informante do grupo focal).
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A inferiorização da cultura negra e, sobretudo, a demonização das religiões
de matriz africana, fizeram parte de uma “ideologia de genocídio racial e cultural”
(Silva, 1989, p.58) que ficou conhecida como política ou Ideologia de
embranquecimento. Uma tentativa de eliminar quaisquer vestígios da cultura negra
da historiografia brasileira.
Maria disse que já foi vítima de preconceito de um vizinho intolerante por ser
de outra religião e, dentre os colegas da rua também já sofreu discriminação e
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recebeu convites para sair do candomblé, sob a justificativa de que deveria aceitar o
verdadeiro Deus. Ela foi enfática ao afirmar que, não sente vontade de mudar de
religião, pois, gosta mesmo é do candomblé.
Quando perguntado se já havia negado, por algum motivo que sua religião
era o candomblé, a resposta de Antônio fora a seguinte:
Eu já. Vergonha e medo. É que tinha várias pessoas, ai fico com vergonha...
Eu falei que não era não, eu tinha vergonha dela ficar mim xingando lá;
minhas amigas já sabe que minha mãe faz caruru e perguntou o que era eu
falei que num sei. Se sentir assim, muito triste de falar, eu não posso dizer
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que sou o que sou, é ruim. O orixá se sente maltratado (Informante do
grupo focal).
Que não saio, porque cada um tem que seguir sua religião e eu sou dessa e
tem que continuar nessa. Num vô sair pra agradar os ‘zotro’. A gente
escolheu e foi escolhido... Nunca passou pela minha cabeça não. O orixá
pode nos abandonar, a gente pode morrer, a gente pode ficar sem lugar pra
morar, sem amigo, pode ficar ‘passano’ fome, várias consequências. Só
quando a gente morrer que pode (Informante do grupo focal).
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Grifos do autor
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A todo tempo eles mostram o lugar que a religião ocupa na vida deles. Para
estes Meninos, o candomblé é uma religião de escolhidos que, a qual eles não
devem abandonar, pois veem no culto e zelo dos ancestrais o equilíbrio de suas
vidas.
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A minha escola fala mais da igreja católica e outras religiões. Ano passado,
falava de candomblé, esse ano não, a professora só falava de Deus. Fala
mais da igreja do que do candomblé. Fala, fala dos africanos, meu professor
de educação física fala muito, fala da fome. Que os africanos trouxe o
candomblé pro Brasil. Já falaro que os africanos é do candomblé, também
(Informante do grupo focal).
Vida além da morte: As respostas elaboradas para vida além da morte pelas
Tradições Religiosas (ancestralidade – reencarnação – ressurreição –
nada); O sentido da vida perpassada pelo sentido da vida além-morte.
Contato com textos sagrados permitindo a sensibilização para o mistério
pelo entendimento do sobrenatural que sustenta a dimensão religiosa
(ITABERABA, 2012, p.27).
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A escola se restringe a apresentar a cultura negra a partir da escravidão, não
considerando a forma de vida antes dela, criando assim a ideia de folclorização da
cultura Africana, lembrada às vezes no dia 20 de novembro. Para Ferreira (2011, p.
09),
Na minha escola a maioria sabe e outras não. Porque tem uns que mora
aqui perto de casa e vê o batuque; uns vem comer cariru e depois sai
falando coisa. Tem uns que não, tem outros que nem toca no assunto; tem
uns que nem toca sabe, agora tem uns que me xinga. Eu peguei, num fiz
nada, sentei na cadeira, depois ai eu fui disse pá diretora, a diretora num
resolveu, num resolveu, cabô. Ela não me xingou mais. Eu já usei
contregum pra ir pra escola, quando eu entrei a camarinha, ai eu fiquei de
recuperação, ai tive que ir. Eu também, eu fui com ele. Coberto. Porque eu
tinha vergonha do povo ficar, me chamar de macumbeiro, de ficar, de sentar
perto de mim e ficar dizendo que vai pegar macumba nela. Fio-de-conta, já.
Já que ainda eu coloquei pra dentro da blusa. Por causa do mesmo motivo
do contregum, a mesma coisa (Informante do grupo focal).
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A dificuldade deles em se assumirem dentro da escola é justamente porque,
não há, por parte dela, a preocupação em problematizar, repensar esses conceitos.
Ao contrário do que propagam, os negros viviam num sistema tribal, muito
semelhantes aos indígenas brasileiros, que se constituíam de várias aldeias
pertencentes ao mesmo clã. Da junção entre tribos africanas surgiram grandes
reinos africanos, cada um com sua língua, costumes e religiosidade própria. O poder
político centrava-se no rei. Pode-se citar como exemplo o Egito, que diferentemente
do que se imagina era constituído por negros. Portanto, é inadmissível que se
justifique o racismo dizendo que os povos negros não eram desenvolvidos e, por
isso deveriam ser submetidos à escravidão (SCHMIDT, 2005).
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Casa, escola e rua são espaços de vivencia de toda a criança. Como espaço
alternativo da casa tem-se a rua que, também é lugar de interação, logo de
aprendizagem. A rotina diária dos Meninos alterna-se entre esses espaços. Se no
Terreiro eles aprendem os ensinamentos da religião, como o respeito a todos, na rua
e, sobretudo na escola, padecem sob o olhar preconceituoso daqueles que insistem
em chamá-los de “macumbeiro”.
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Para os Meninos do Axé, o candomblé ensina. Por meio dos cantos, danças,
comidas ritualísticas, amor aos Orixás, mitos... aprende-se o respeito a todos,
independente de religião. O candomblé para eles é cultura.
A fala dos Meninos pede a todo instante respeito a sua religião, assim como
eles respeitam as demais. Para eles a religião não é apenas ocupação de tempo,
mas a forma de manter viva a cultura negra e reafirmar sua negritude. Chegando ao
ponde de eles preferirem que a escola em fale, pois se não fala bem é melhor que
não fale mal.
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