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Meneghetti, o Gato Dos Telhados - Revista Opera
Meneghetti, o Gato Dos Telhados - Revista Opera
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23/08/2020 Meneghetti, o gato dos telhados - Revista Opera
Agia sempre sozinho, nunca em parceria, por achar que ninguém, além dele,
suportaria a tortura sem abrir o bico. Tinha um código de ética próprio: jamais
coagia a sua vítima, preferindo usar a inteligência para subtrair o que queria, e
sob nenhuma hipótese roubava de um pobre ou de um operário. Seus alvos
eram sempre joalherias, casas de câmbio ou mansões. Dilapidou quase todas.
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livrou-se das roupas e mergulhou no rio Tamanduateí de uma altura que faria
qualquer mortal voltar de joelhos à cela.
Nadou até a margem e subiu no telhado da primeira casa que encontrou pelo
caminho. Completamente nu, saltando de telhado em telhado, chegou até a
residência de seu tio, onde tomou cachaça para esquentar (estava congelando
de frio), vestiu roupa nova e pegou um revólver emprestado. Só quando
amanheceu descobriram que Meneghetti havia fugido.
Durante anos a polícia esteve à sua procura. E durante anos ele burlou os
investigadores, chegando ao ponto de comparecer, sem o bigode que lhe
de nia o rosto, numa entrevista coletiva que o chefe de polícia (na época o
cargo era equivalente ao de secretário de segurança pública) concedeu à
imprensa. Na ocasião, a rmou aos jornalistas que iria prender Meneghetti em
48 horas. Mas assim que a entrevista chegou ao m, Meneghetti entregou um
bilhete para um repórter na entrada da delegacia: “Então por que não me
prendeu agora? Eu era aquele rapaz de chapéu e roupa clara, sentado à sua
esquerda”.
Prender Meneghetti passou a ser, mais do que nunca, questão de honra para
Roberto Moreira (este era o nome do chefe de polícia). Em 1926, numa manhã
de inverno rigoroso, após semanas de campana em frente à residência onde
morava Concetta, mulher de Meneghetti, a polícia deu voz de prisão assim que
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Meneghetti chegou à delegacia com o rosto des gurado pelas coronhadas que
tomou dentro da viatura. Para piorar sua situação, o delegado Waldemar Dória
morreu durante o cerco, atingido por dois tiros nas costas. Embora o calibre
das balas retiradas do corpo fosse o mesmo usado pela polícia, Roberto
Moreira atribuiu a autoria dos disparos a Meneghetti, que passou por
inúmeras sessões de tortura, inclusive com pau-de-arara e choque elétrico,
para confessar um crime que não havia cometido. Como suportou de modo
estoico o suplício, sem ceder aos verdugos, jogaram-no numa solitária, onde
cou incomunicável e sem banho de sol por longos 15 anos.
Durante esse tempo, Concetta morreu sem que o marido pudesse se despedir.
Isolado, Meneghetti desenvolveu algumas manias, como usar a água da latrina
para lavar a comida que lhe serviam na cadeia, com medo de que estivesse
envenenada. Por não reconhecer no sistema o poder legítimo para privar-lhe
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Foi preso de novo algumas vezes e fugiu sempre (seria preciso um almanaque
para descrever todas as suas fugas, cada uma mais extraordinária do que a
outra). Por m, caiu numa penitenciária de onde não havia como escapar.
Dada a sua fama, Meneghetti passava a maior parte do tempo com os pés, os
punhos e o pescoço atados a correntes num antigo tronco de escravos. Pela
primeira vez um presídio de segurança máxima o vencera.
Voltou às ruas somente em 1959, graças aos esforços do advogado Paulo José
da Costa Jr., um dos poucos amigos de sua con ança e o único que não
desistira dele. Envelhecido e sem a agilidade de antes, recolheu-se até que seu
nome não passasse de uma velha lembrança perdida na noite dos tempos.
Todos julgavam que Meneghetti estava morto ou havia voltado para a Itália.
Em 1970, porém, aos 92 anos de idade, foi preso pela última vez tentando
arrombar a porta de um palacete na rua Fradique Coutinho, na Vila Madalena.
Trazia nas mãos o velho pé de cabra, el companheiro de trabalho, que já não
operava como antes. Morreu em 1976, pobre e solitário como sempre foi.
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nesta terra que me causa nojo. Que o vento espalhe meu pó e que ele se dilua
no ar.”
PS: Há bons livros para quem quiser saber mais sobre a história de
Meneghetti. São eles: Meneghetti — O Gato dos Telhados, de Mouzar Benedito
(Boitempo) e O Incrível Meneghetti, de Paulo José da Costa Jr. (Jurídica
Brasileira). O Grande Ladrão, de Renato Modernell (Sulina) é um livro infanto-
juvenil e, portanto, romanceado. O melhor de todos é Memórias — Vida de
Meneghetti, de 1960. Trata-se de um livro autobiográ co que parte de extenso
depoimento dado pelo “gato dos telhados” ao autor, M. A. Camacho. Este
exemplar é raríssimo (o único disponível neste momento na Estante Virtual
custa R$ 1.250,00). Por incrível que pareça, a vida de Meneghetti nunca foi
contada no cinema, à exceção dos curta-metragens Dov’e Meneghetti, feito por
Beto Brant (1989) e de Réquiem Meneghetti (2016).
Bruno Ribeiro
É colunista de Cultura da Revista Opera. Foi repórter e crítico de música no jornal Correio
Popular e Secretário Municipal de Cultura na cidade de Campinas (SP). É também letrista e
escritor de vários livros publicados, entre eles A Suprema Elegância do Samba (Pontes, 2005)
e Helenira Resende e a Guerrilha do Araguaia (Expressão Popular, 2007).
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