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Sobre os textos e a seção Lévi-Strauss:

 Lévi-Strauss: História e etnologia. Faz par com os próximos textos dele.


 ___: Sociologia francesa. Marca o ponto de virada do estruturalismo levistraussiano.
 ___: Introdução à obra do Marcel Mauss
 ___: Aulas inaugurais do Collège de France
 ___: Raça e história. “Crítica ao imperialismo da história”.
 ___: As descontinuidades culturais no sistema econômico. Tese sobre a relação entre
antropologia e colonialismo e sobre o que significam descontinuidades culturais.

Sobre a segunda aula da seção:

 ___: ...família.
 ___: ...
 ___: Abertura dos Mythologiques.

A obra do Lévi-Strauss é normalmente dividida em três blocos: sobre parentesco, totemismo e


pensamento selvagem, mitológicas.

Sobre a bibliografia complementar:

Um texto do Deleuze, um texto do leach sobre o Lévi-Strauss e textos do próprio Lévi-Strauss


(como por exemplo o Totemismo hoje). Dar uma olhada no texto do Ivan Simonis sobre o Lévi-
Strauss (a paixão pelo incesto).
Lévi-Strauss, C.: As descontinuidades culturais e o desenvolvimento econômico

1. A invasão das américas e as descontinuidades culturais escancaradamente óbvias


a. Resumida em duas soluções: ou são humanos passíveis de conversão cristã, ou
são animais.
b. No século XVIII, o problema se coloca verdadeiramente no que define o autor
como um modo sociológico.
i. E no entanto, as premissas seguiram as mesmas: o modelo
comparativo com a própra civilização ocidental.
ii. Rousseau: os “primitivos” encontram-se perfeitamente equilibrados
entre os polos de Natureza e Cultura.
c. Em nenhum caso, também, parece-se levar a sério a possibilidade de um
“desenvolvimento solidário”, ou seja, a possibilidade de que existam
diferentes possíveis desenvolvimentos para a humanidade.
2. Método marxista: análise do desenvolvimento como uma propriedade intrínseca da
civilização ocidental. Não porque outras sociedades não se desenvolvam, mas sim
porque a economia política é, ela mesma, um desenvolvimento epistemológico da
civilização ocidental.
a. Engels: as civilizações “primitivas” t6em desenvolvimentos próprios que foram
apropriados pelo capitalismo
b. Marx: a industrialização emana do desenvolvimento, não é uma substância em
si (Lênin mais tarde dirá o mesmo do Estado).
3. Marx e a apropriação da mais valia: a mais-valia é um desenvolvimento lógico do
trabalho, e não leva necessariamente à sua exploração. Ao contrário, a exploração da
mais-valia só foi possível através de um processo paralelo de expropriação dos
colonizadores sobre os colonizados (o ponto de Jason Moore enfatiza).
a. O que o capitalismo faz com a classe trabalhadora é uma continuidade lógica
do que colonizadores fizeram com colonizados.
i. Economia política e sociologia, no Marxismo, dependentes da
etnografia.
b. A escravidão direta da colonização permite a escravidão dissimulada do
trabalho assalariado.
i. Relação de complementariedade entre subdesenvolvimento das
sociedades anteriormente “primitivas” e o desenvolvimento do centro
capitalista.
c. E justamente por seu caráter histórico, essa questão não pode ser abordada
em abstrato: ela é uma realização histórica concreta.
4. Portanto, a análise marxista da colonização desfaz o preceito de Malinowski, de que o
subdesenvolvimento seja um “acidente” entre uma civilização mais ativa e outra mais
passiva.
5. O contato direto é posterior ao contato indireto: agentes patogênicos e mudanças na
fauna e flora que acontecem muito antes do encontro cara a cara entre os ocidentais e
seus outros.
a. E contato de técnicas também: machado de metal destruiu as instituições
aborígenes sobre a posse de utensílios de pedra.
b. As críticas do autor são extremamente contundentes, mas ignoram também as
possibilidades de reinvenção e resistência dos contatos.
6. E aqui começa a análise de grupos sociais que “resistem ao progresso”
a. Os iroqueses de Nova York, grandes mestres da construção civil,
especializaram-se como uma forma de subsistência ilhada dentro do sistema
capitalista e porque, teoricamente, a forma de trabalho substituiria uma forma
de trabalho autótone original que havia sido destruída, mas cujo lugar na
estrutura se manteria.
b. Três razões, segundo o autor, para a resistência: vontade de unidade, respeito
pelas forças naturais, repugnância pelo devir histórico (no sentido marxista de
história?)
7. Vontade de unidade pode ser entendida também como resistência à competição, que
por sua vez é determinada por uma espécie de outra relação entre homem e mundo,
entre homens.
a. De acordo com o autor, há, por exemplo, uma preferência pelo consenso em
lugar de decisões de maioria por voto.
8. Respeito pela natureza depende de uma descontinuidade universal, segundo o autor,
entre cultura e natureza, e uma primazia da cultura sobre a natureza. No entanto, nas
sociedades primitivas, há também um terreno da “sobrenatureza” que mistura-se à
natureza (definida pelo autor como pré-cultura e/ou sub-cultura).
a. Portanto, desvalorização de objetos manofaturados que possam influenciar a
relação com a sobrenatureza: prescrições no uso de objetos manofaturados.
i. Restrição à “instrumentalidade”. Resistência à commodificação?
b. E todo um sistema de crença para justificar ou simbolizar da primazia da
(sobre)natureza sobre a cultura.
c. Homologia natureza/cultura e fêmea/macho
i. Que a Strathern vai desmontar no texto “Sem natureza, sem cultura”
9. A recusa da história: não é o conceito estritamente Marxista. Para o autor, trata-se de
uma resistência ao “fazer histórico”, ou, à mudança ao longo do tempo.
a. E ainda manda um comentário edipiano sobre os lovedu
b. Abertura ao exterior reduzida, espírito endógeno.
Lévi-Strauss, C.: La sociologie française

1. Um nascimento precoce entre a ousadia da teoria e a pobreza de dados concretos.


a. E no entanto ela teoria inspirado diretamente a sociologia e etnologia de
ingleses e estadunidenses.
b. Seu mérito é a previsão de que a sociologia seja uma ciência, em primeiro
lugar, e que ela tenha uma relação direta com a etnologia, apesar dos esforços
do começo do século XX em manter as duas disciplinas separadas.
i. E no entanto, a sociologia francesa, nascida da crítica à sociedade,
pode ser entendida como uam espécie de “etnologia dentro de casa”.
Isso significa admitir o caráter de reformador social da etnologia, não?
2. A sociologia como um método ou atitude ao fenômeno humano, nunca como uma
disciplina isolável.
a. Como a tendência de geógrafos de realizar uma etnologia ligada à ecologia de
determinadas regiões da frança.
b. Ou seja, a sociologia francesa oferece metodologia universal.
c. E mesmo a influência entre primeiros linguistas, entre eles Saussure, de
Durkheim.
d. Sociologia como “mãe das ciências humanas”
3. O pressuposto é que, sendo a sociologia definida como um estudo universal do
Humano, todas as sociedades desenvolvem-se necessariamente como Sociedade
a. E começa a ficar difícil, já que a sociologia está em todas as ciências humanas,
o que define então o trabalho do sociólogo.
4. Os fatos sociológicos: fatos “coisas” e fatos “representações” (que seria entendido
como um aporte psíquico à organização social).
a. Durkheim: processos mentais coletivos como reino dos Ideais.
b. E Lévi-Strauss define como essa a disputa entre Durkheim e Tarde: o último
defenderia uma psicologização individual dos fenômenos sociais, enquanto o
primeiro defendia uma psicologia coletiva do mundo das Ideias.
i. E ainda que Durkheim tivesse teoricamente ganhado a disputa, os
desenvolvimentos da psicanálise e de outras ciências da psicologia no
início do século XX mostraria que tarde não estaria tão longe assim.
5. A sociologia e seu laço estreito com a etnologia. Sua diferença também, segundo o
autor, com os estudos folclóricos pré-Durkheim
a. O laço estreito demonstra-se também por interpretações de caráter
evolucionista na etnologia, trazidos como dados brutos para análises
sociológicas: a superstição primitiva para explicar, por exemplo, a religião
ocidental; os dons para explicar a economia capitalista etc.
i. “Fatos sociais totais”?
ii. Metodologias analítica e sintética (dialética).
6. Como funciona, então, o método sociológico de Durkheim? Uma análise de As formas
elementares da vida religiosa
a. Fundamentalmente: ideias universais sempre presentes, com variações menos
ou mais desenvolvidas. O que Talal Asad chama à atenção, quando fala das
Instituições. Da mesma forma, Wagner com sua crítica à Sociedade.
b. E no entanto, Lévi-Strauss começa a chamar à atenção um problema de lógica
interna entre duas explicações durkheimianas: a explicação funcional e a
explicação histórica
i. Porque se contradizem: a explicação histórica admite a possibilidade
de formas sociais que já não têm função atual, mas que se mantêm; a
explicação funcional prega que toda forma social tenha uma função
ainda atual.
ii. O problema da explicação histórica torna-se evidente no problema do
incesto desenvolvido por Durkheim: se a sociedade “primitiva” capaz
de explicar a proibição do incesto ocidental é um grupo de aborígene,
com relações complexas de totemismo e filiação, isso significaria dizer
que o incesto ocidental é um resto sem função atual.
iii. E o próprio Durkheim dá uma explicação acochambrada para resolver
o problema: a criação de uma dualidade entre forma e função no
interior dos fatos sociaisa partir de uma oposição entre explicações
funcional e histórica.
c. Em outras palavras, Durkheim precisa explicar a contradição recorrendo ao
domínio do simbólico como “quase” pré-existente à forma social. Esse “quase”
é precisamente um problema. Segundo o autor, uma resistência kantiana ao
pensamento dialético.
i. E para tenta destensionar a questão, Durkheim termina por recorrer a
um “genetismo”, ou seja, a uma emergência, passagem, da Natureza à
Cultura.
ii. O que, segundo o Lévi-Strauss, é resolvido de outra forma na sua
época pelo recurso ao inconsciente (que não é Natural).
1. O Inconsciente é o que permitiria a passagem entre indivíduo
e sociedade, entre consciência finalista e desenvolvimento
histórico contingente
7. O esforço durkheimiano é um esforço tipológico das formas sociais, de tipos de
sociedade. Daí o avanço, segundo o autor, que a sociologia trouxe, ao permitir que se
saísse de uma visão unidirecional do desenvolvimento das sociedades humanas.
a. O que pode ser entendido aqui, talvez, como um início de análise sincrônica.
b. O esforço morfológico.
i. Uma morfologia que existe, inclusive, em um nível superior às
necessidades materiais, pois, caso contrário, segundo Durkheim, as
sociedades seriam demasiadamente variadas, e a comparação seria
impossível. Ou seja, que existam regularidades, formas elementares
isoláveis é um indício de que essas formas existem
independentemente de um condicionamento do meio.
Lévi-Strauss, C.: História e etnologia

1. Uma diferença essencialmente metodológica: a sociologia com o método comparativo,


a história com o método mográfico e funcional.
a. E a sociologia, por não ter conseguido se desenvolver como ciência autônoma,
poderia ao menso hoje ser considerada como uma especialidade da etnologia,
essa sim que floresceu nas primeiras décadas do século XX.
2. Etnografia seria um método descritivo para recolher materiais sobre sociedades, que
seriam usados posteriormente em comparações pela etnologia (ou antropologia
social/cultural).
a. Ambas em uma posição contraditória com a história, que é uma contradição
com a própria maneira de lidar com o tempo: reconstituições de presentes
sem passado. Atribuição de história a sociedades “sem história”.
3. Uma crítica ao evolucionismo: a escolha de diferentes critérios para construir uma
evolução linear muda a hierarquia da série. Critérios potencialmente ilimitados, séries
hierárquicas potencialmente ilimitadas.
a. E muitos etnólogos responderam a essa insuficiência com o desenvolvimento
de um método comparativo não entre sociedades, mas entre tipos, elementos
sociais que poderiam ser identificados e agrupados: segundo Tylor, arco e
flecha é uma “espécie”, deformação de cabeças é uma espécie etc.
i. Espécie no sentido biológico, ou seja, uma tentativa de dar um caráter
de morfologia biológica ao estudo etnológico.
b. A crítica que Lévi-Strauss faz é a seguinte: se com o evolucionismo biológico as
espécies mostraram-se como interpenetradas, é a reprodução que ainda
permite aos naturalistas algum grau de circunscrição. Mas o mesmo não pode
ser dito, por exemplo, de instrumentos e técnicas de sociedades humanas,
pois não há reprodução biológica que permita circunscrever espécies.
i. Descontinuidade radical entre instrumentos, mesmo quando suas
formas sejam similares. Descontinuidade radical, portanto, das
próprias sociedades.
4. Portanto, para lidar com a insuficiência do método tipológico do difusionismo, é
preciso algum grau de reconstrução histórica. O maior exemplo para o autor é o
conceito de “totemismo”.
a. Portanto, o difusionismo tem muito em comum com o evolucionismo, pois
ambos dependem de uma linearidade hierárquica de séries e de uma
tipologia biológica para isolar instituições ou práticas.
i. Tipos difusionistas são como estágios dos evolucionistas: abstrações às
quais sempre faltará exemplos concretos.
ii. Ideologia.
5. Já que mesmo que certos traços culturais ou técnicos tenham realmente se difundido
à maneira que defendem os difusionistas, falta ainda uma investigação séria,
etnográfica e histórica, sobre os processos conscientes e inconscientes de
incorporação de tais traços.
a. Ou seja, falta considerar as dinâmicas das próprias sociedades, que não
podem ser reduzidas ao mecanicismo da causa e efeito.
6. Lévi-Strauss sugere outro método: um estudo detalhado da sociedade-objeto na sua
totalidade e de suas relações com sociedades vizinhas. Determinar assim a história de
certos traços culturais e, principalmente, a maneira como foram recebidos, alterados,
recusados etc.
a. O que está em jogo aqui, me parece, é tirar o interesse da pesquisa sobre
traços arbitrariamente circunscritos e colocá-lo sobre as próprias sociedades
que, estas sim, serão capazes, por suas próprias práticas, de fazer emergir seus
traços culturais.
b. E no entanto, mesmo esse método é incapaz de captar com certeza a história
das transformações entre traços culturais. Como é possível saber qual costume
veio antes, qual tribo influenciou qual?
i. Se for esse o interesse (evolucionismo velado) da história, é claro.
c. Um método portanto indutivo, e com sérias restrições às possibilidades de se
compreender objetivamente os fenômenos sociais e suas histórias.
i. Este, precisamente, sendo o problema que Boas tentava enfrentar.
ii. O resultado é uma micro-história, cuja única ligação com o passado da
macro-história, é através dos mesmos erros do difusionismo ou do
evolucionismo.
7. Malinowski toma o sentido contrário das (im)possibilidades da história: fazer um
estudo exclusivamente sincrônico, desistir de compreender como as coisas vieram a
ser.
8. Como fazer então? Lévi-Strauss apresenta seu método a partir do problema das
organizações dualistas, que teoricamente existem em diversas sociedades por todo o
mundo.
a. Não ao evolucionismo: se as organizações dualsitas fossem um estágio em
uma série hierárquica, faltaria determinar quais seriam então os estágios
anteriores e com qual critério se justificaria tal passagem
b. Não ao difusionismo: ele simplesmente escolheria a forma mais complexa de
organização dualista e proporia todas as outras formas em todas as outras
partes do mundo como simplificações posteriores, empréstimos, corruptelas,
difusões, sem no entanto conseguir reconstituir a continuidade desse
movimento proposto.
c. O problema, em ambos os casos, parece ser a premissa de um único ponto de
partida em comum. Ou seja: como se não fosse possível pensar que as
organizações dualistas diversas tenham origens também diversas.
i. E a resposta do método Boasiano iria justamente nessa direção:
contentar-se em estudar individualmente, na sua história e na sua
função, cada organização dualista em cada região e sociedade.
ii. E assim, a etnologia deixaria de ser “logia”. Trata-se simplesmente de
um tipo de História, envergonhada de si mesma.
d. E a resposta de Malinowski, como já dito, é de simplesmente ignorar o
problema da história, fechar-se cada vez mais dentro da sociedade escolhida e
esperar, num momento de ascese ou arrebatação, chegar a algum tipo de
verdade universal. Fechar os olhos para a história no diálogo atemporal.
i. Dizer que uma sociedade funciona é um truísmo. Mas dizer que tudo
em uma sociedade funciona é um absurdo.
ii. E parece ser esse truísmo a úncia coisa que uma etnologia à la
Malinowski parece produzir: uma redução grosseira ao biológico.
9. Já que o que interessa ao etnólogo não é a universalidade de uma função, mas sim
suas diferenças
a. E no entanto, o método intuitivo de Malinowski só é capaz de produzir
universalidades brutas e truísmos a partir das diferenças. Ou melhor, a partir
do apagamento das diferenças.
i. Mistura estranha de dogmatismo com empiricismo.
b. Construções apressadas que só fazem das populações estudadas um reflexo
de nossa própria sociedade
10. A etnografia e a história: expansão de uma experiência particular para permitir que
seja experimentada por outras pessoas em outros tempos e espaços.
a. A etnografia produzi materiais de sociedades vivas que podem ser usados
tanto por etnólogos quanto por historiadores. Assim, a tensão passa a ser
entre os métodos da etnologia e os da história.
i. A diferença é a escolha da perspectiva: a história escolhe as
perspectivas conscientes; a etnologia escolhe as perspectivas
inconscientes da vida social.
11. Ou seja: existe uma atividade inconsciente na vida social, nos hábitos, na moral, na
maneira como pensamos, e cabe à etnologia desvendá-los, tendo como base
sociedades “outras”
a. Natureza inconsciente dos fenômenos naturais. Assim como dos fenômenos
linguísticos, o que parece justificar o uso do método da linguística estrutural
(Saussure e principalmente Jakobson) para se fazer etnologia.
b. E o método da etnologia deve ser, portanto, o de encontrar traços de oposição
gerais, universais, que seriam impostas a substâncias particulares.
Epistemologia hilomórfica da fonologia estruturalista.
i. Atingir a estrutura inconsciente, dos significantes portanto, para
explicar e interpretrar as instituições e costumes particulares.
c. O método da história (diacrônico) e o da fonologia (sincrônico): encontrar
estruturas subjacentes a transformações diversas ao longo do tempo.
d. No exemplo das organizações dualistas, portanto, tratam-se de correlações e
oposições subjacentes que, se o caráter universal é verdadeira, devem estar
presentes inclusive em sociedades que não apresentam organizações
dualistas.
i. Três traços fundamentais: exigência de regra, reciprocidade da
alteridade, e caráter sintético da dádiva.
12. Missão da etnologia, portanto: desvendar o repertério da arquitetura lógica humana
que pre-existe a quaisquer emergências históricas.
a. Uma missão que a história usa constantemente como metodologia, mesmo
que não nesses termos: descer ao inconsciente para encontrar a explicação
dos desenvolvimentos históricos, o desenrolar dos eventos.
i. Identidade fundamental entre as oposições explícito – implícito e
particular – universal, e missão de ambas as disciplinas de realizar essa
passagem.
1. A História faz o mesmo percusso, mas voltada para trás,
caminhando em marcha ré: sem nunca tirar o olhar do
particular, ela se aproxima do universal sem encará-lo, apenas
para conseguir um ângulo mais rico e complex do particular.
2. Jânus.

Em geral, defesa do método estruturalista, indicando em primeiro lugar as falhas de


outras escolas de etnologia, todas baseadas em uma visão “errada” de seus objetos
fundamentais. O estruturalismo permite à antropologia não só uma diferença de método, mas
também de objetivos, e dessa vez um objetivo finamente definido: realizar, como disciplina, o
caminho inverso do que se realiza como sociedade e como indivíduo, ou seja, caminhar do
consciente ao inconsciente, do particular ao universal, do explícito ao implícito.

Nessa epistemologia, os universais não são definidos a priori a partir de recortes


arbitrários e ideológicos, como era o caso do evolucionismo e do difusionismo, que, além de
tudo faltam em dados concretos; nem a história, ou seja, o movimento de transformação ao
longo do tempo. Não se define nem uma substância essencial nem um ponto universal de
onde as linhas de diferenciação partiriam. O universal, definido em antecipação, tem uma
natureza puramente lógica: traços de oposição. Avança-se por dedução, para entender a
diferença como conteúdo de significantes também diversos, mas não infinitos.
Lévi-Strauss, C.: Raça e história

1. A diferença entre diferença quantitativa e diferença qualitativa; ou, como dizia o


Goldman, uma diferença sem hierarquização.
a. No caso da Antropologia, no íncio do século, a questão fica ainda mais
espinhosa: a passagem do evolucionismo biológico ao evolucionismo social.
No entanto, falando-se de raças, nada, nem no espectro puramente biológico,
pode objetivamente confirmar uma diferença racial entre seres humanos.
b. E mesmo que se pudessem isolar diferentes raças humanas, as diversidades
sociais e culturais são paralelas e com histórias de desenvolvimento
completamente diferentes de possíveis “aptidões” biológicas de determinadas
raças.
i. Duas grandezas em dois planos diferentes; portanto, separação
fundamental entre natureza e sociedade.
c. E no entanto, é preciso voltar a este tópico justamente para não permitir que
um preconceito de fundo volte a se proliferar: o suposto progressso superior
da “civilização branca” em relação a outras civilizações de “outras raças”.
i. Assim, não é suficiente simplesmente desmontar a ideia de raças
humanas biológicas; é preciso lidar explicitamente com as diversidades
(diferenças) culturais.
2. A primeira dificuldade para tentar entender a diversidade humana: as culturas diferem
no tempo e no espaço – diacronia e sincronia.
a. E o ponto essencial que até hoje parece não ter ficado claro: as sociedades
ditas “primitivas” contemporâneas foram precedidas por outras. Não são
povos sem transformação.
b. Duas forças que atuam nas sociedades humanas: uma que tende à
particularização, outra à homogeinização.
i. Roy Wagner e as duas forças.
c. Diferenciação intrafamiliar e homogeinização interfamiliar (em territórios
contíguos)
i. Exemplo: o russo e sua diferenciação de outras línguas da mesma
família, ao memso tempo em que se aproximou foneticamente das
línguas fino-úgricas e turcas.
d. Tese: um campo de diversidade que se mantém em equilíbrio precário, para
além do qual não se pode avançar, mas abaixo do qual não se pode existir?
i. Como uma curva, uma função.
e. Importanto, da mesma forma, considerar as diferneças internas a cada
sociedade: sistemas de castas, grupos, regras de casamento etc.
i. Nova Tese: quanto mais volumosa e homogênea uma sociedade,
maior sua diferenciação interna?
3. Jamais as sociedades humanas estão sós: as diferenças e diversidades são móveis e
dinâmicas
a. Pensar as sociedades menos em conjuntos fechados, mais como relações
entre si.
4. O etnocentrismo: uma tendência “psicológica” de se repudiar as diversidades naturais
das sociedades humanas
a. Os bárbaros da antiguidade são os selvagens da modernidade: continuidade
entre atitudes e políticas etnocêntricas.
i. Nesse processo, reativa-se a oposição natureza e cultura para se negar
a natureza da diversidade e fechar os portões da cultura aos “outros”,
relegando-os à esfera exclusiva da natureza, da animalidade, da não-
fala.
b. Segundo Lévi-Strauss, o etnocentrismo seria universal às culturas humanas; o
estatuto de humano termina onde termina a tribo, o grupo linguístico,
determinada sociedade etc. Algo que Pierre Clastres, por exemplo, vai
desenvolver com a diferença entre etnocentrismo e etnocídio. Algo que o
perspectivismo vai também desenvolver posteriormente, demonstrando como
essa afirmação de universalidade do etnocentrismo parte de uma concepção
equivocada do estatuto de humanidade para outros povos.
i. Porque o pressuposto é que existe uma esfera da natureza que é
reconhecida universalmente, cuja distinção da esfera da cultura
também é reconhecida universalmente, e que permitiria, através de
determinadas culturas, restringir o reconhecimento da substância
“humano”. Como se essa substância, a natureza humana, fosse
universal.
ii. Por exemplo, Lévi-Strauss cita o estatuto de “fantasma” que algumas
culturas dão a outras, mas ignora o estatuto de “fantasmas” que essas
mesmas culturas recebem de outros seres não-humanos. Lembrar dos
“vermes vermelhos”, maneira como os espíritos ongon enxergam os
humanos vivos; ou mesmo o “nossa futura comida” dos Ma:í
(Araweté).
c. No entanto, um ponto especialmente importante: o bárbaro é inicialmente o
homem que acredita na barbárie – é negando a humanidade a outros
humanos que se realizam as ações mais “desumanas”.
5. E aí entramos na contradição entre diversidade humana e universalidade da espécie
humana; uma contradição que é, novamente, entre a própria natureza e cultura,
particular e universal etc.
a. Ou seja, como buscar “fraternidade universal entre os humanos” e ao mesmo
tempo lidar com a diferença?
i. Já que, como bem aponta Chakrabarty, a relação entre pessoas se dá a
partir da sensibilidade, e um conceito abstrato de humanidade
universal não é capaz de gerar relações sensíveis.
b. Além disso, a abstração do Humano guarda em si um falso evolucionismo:
todas as diversidades culturais seriam estágios, etapas, capítulos de uma
mesma história universal. Em outras palavras, ainda que o pudor pós-Segunda
Guerra Mundial não permita mais considerar explicitamente o humano
moderno, europeu, branco, como o molde universal apra a abstração humana,
esse molde permanece implícito à contradição entre humanidade abstrata
universal e diversidade concreta cultural.
i. Já que o movimento que tais pesquisas realizam, como pressuposto, é
o de partir da diversidade para chegar à unidade.
c. Para completar, o salto de evolução biológica para evolução social é
metodologicamente torto e falho: não há evidências que permitam
transformar elementos discretos em contínuos – machados não geram
machados, nem crenças geram crenças etc.
i. O verdadeiro e o falso evolucionismo
ii. O evolucionismo social, surprendentemente, é anterior ao biológico, e
desenvolvido à sua revelia.
6. A sedução e os riscos de, na falta de dados empíricos, transformar sociedades ditas
primitivas contemporâneas em modelos para reconstruir a história da civilização
europeia: comparar pinturas contemporâneas com as pinturas do paleolítico, por
exemplo.
a. O problema não é nem apenas o aspecto evolucionista (e, implicitamente
racista) desse tipo de abordagem, mas também a falta de metodologia
científica envolvida, já que quanto mais antiga a civilização, menos dados
empíricos temos e cada vez mais ilusória é a comparação com sociedades
contemporâneas ditas primitivas.
b. A dificuldade existe inclusive em o que a primeira vista pareceria a mesma
técnica. Exemplo: uso de utensílios em pedra talhada. No entanto, os modos
de fabricação são diferentes, as formas geométricas diversas e mesmo seus
usos impossíveis de serem definidos apenas por comparação.
i. O mesmo vale para as ditas pinturas rupestres.
7. Povos sem história? Povos, simplesmente, cuja história nunca seremos capazes de
conhecer. Ou ao menos não com nossos métodos históricos ou arqueológicos, a dizer,
baseados no estudo de documentos escritos e de artefatos recuperados em
escavações.
a. Todos os povos são adultos, “mesmo os que não mantiveram um diário de
suas infâncias e adolescências”.
b. Mas o autor diferencia dois tipos de história: uma progressiva, acumulativa;
outra com a mesma força, mas sem “o dom sintético”.
i. O que significaria dizer que a história é um caminho único, novamente,
não?
c. E no entanto, a ideia de progresso técnico é ligeiramente abalada, ou ao
menos seu ordenamento temporal, quando se percebe que diferentes técnicas
que eram consideradas como “estágios” de uma evolução linear foram em
realidade contemporâneas.
i. E inclusive há técnicas de talhar pedra de mais de 200 mil anos que
seriam difíceis de se reproduzir hoje.
8. Não negar um progresso da humanidade, mas concebê-lo com mais prudência?
a. Desdobramento no espaço de civilizações que antes concebíamos como
escalonadas no tempo.
b. O progresso como o movimento do cavalo do xadrez: saltos, mutações e que
não vão na mesma direção.
c. E entra o progresso das civilizações das Américas nas suas relações de
conhecimento com animais e plantas locais, acumuladas durante milênios.
i. A quem inclusive a civilização europeia deve seu desenvolvimento.
Novamente, a questão da apropriação (ou expropriação) ao lado da
exploração, no desenvolvimento do capitalistmo europeu.
d. E aqui começam as complexificações dos termos que ele havia definido antes:
história estacionária e história cumulativa.
9. A distinção entre as duas formas de história é intrínseca às culturas analisadas ou
depende da perspectiva etnocêntrica da cultura que analisa? A civilização europeia
confere o estatuto de história cumulativa apenas às civilizações cuja significação seja
(ou ao menos pareça, pois os equívocos proliferam) transparente. História cumulativa
é a história cujos significados entendemos, ou acreditamos entender.
a. Como parêntese, o valor da educação como reflexão sobre o devir histórico de
nossas sociedades.
b. Deslocamo-nos, portanto, com nossos próprios sitemas de referência. Como as
meias que deslocam o próprio espaço quando viradas do avesso, e outros
objetos estranhos da topologia.
c. E importante lembrar, inclusive, que a distinção modernos – extra-modernos
só faz sentido da perspectiva, do movimento focal dos próprios modernos.
Depois, pode-se debater que uma característica intrínseca da modernidade é o
de espalhar, ou ao menos tentar, sua própria perspectiva por toda a terra,
numa espécie de colonização epistemológica.
10. No entanto, é preciso evitar a tentação de recair sobre o humano abstrato formado
por uma colcha de retalhos de elementos culturais de diversas civilizações, como se
tais elementos estivessem lá apenas para contribuir a essa mesma imagem única do
Humano.
a. E aqui o autor coloca explicitamente seu projeto como etnologia: menos um
esforço de inventariar os traços separáveis de civilizações, e mais em tentar
entender as origens secretas (inconscientes, estruturais) das escolhas
culturais.
11. No entanto, essa euforização da diversidade cultural humana corre o risco de nos levar
a um relativismo absoluto, um solipsismo em que todos os pontos de vista e todos os
modos de conhecimento são questionáveis.
a. Uma das respostas pareceria dizer, simplesmente, que uma civilização, a
ocidental, é superior a todas as outras pelo simples fato de que todas as outras
ocidentalizam-se cada vez mais rapidamente.
b. Mas isso significaria considerar de maneira extremamente ingênua os
processos e os motivos que levam a essas ocidentalizações: colonização,
expropriação, exploração, epistemicídio ou genocídio direto.
i. Lembrando Pierre Clastres: se todas as civilizações são etnocêntricas
(e já vimos que mesmo essa afirmação dificilmente pode ser mantida),
apenas a ocidental é etnocida.
c. Portanto, a “superioridade” ocidental seria, objetivamente, talvez uma
superioridade na capacidade de apropriar-se de energia e reverter em mais
mecanismos de apropriação.
i. Acúmulo de energia per capita (sem que a redistribuição per capita
seja realmente efetuada, é preciso frisar)
12. A questão do acaso como articulador de uma desvalorização tanto do passado do
próprio ocidente quanto do presente de outras culturas. Exemplo clássico é o fogo:
seu “descobrimento” é o acaso de um raio.
a. Uma idade do ouro tecnológica, em que as invenções eram colhidas como
frutos da natureza.
i. Ou seja, o acaso como explicação preguiçosa para a invenção e o
desenvolvimento laborioso de técnicas nem um pouco simples, como
o talhamento de pedras, a domesticação de plantas e animais,
preparação e cocção de argila, cozimento a vapor etc etc etc.
b. No entanto, o acaso tem um papel, na forma de probabilidade, na tentativa de
se compreender os acúmulos técnicos que puderam fazer surgir e proliferar
rapidamente tanto a revolução neolítica quanto a revolução industrial
i. Tais revoluções, inclusive, como acúmulos de condições tão diversas e
complexas quanto, talvez, o surgimento da vida na terra, dependem
muito pouco de raças ou culturas específicas, produzir-se-iam em
outros lugares se não nos lugares onde apareceram.
ii. Como se houvesse, novamente, uma estrutura inconsciente, uma
espécie de rede de probabilidades que compreende toda a espécie
humana.
1. Mas isso não é um tanto quanto determinístico? Ainda mais
pensando-se na catástrofe climática, isso significaria que
estávamos fadados a destruir o planeta.
13. Voltando à ideia de histórias cumulativas ou histórias estacionárias, estamos diante
agora de uma espécie de coeficiente de acumulação, determinado, segundo o autor,
por probabilidades matemáticas. O exemplo que ele usa é o jogo de uma roleta, em
que séries curtas de números consecutivos são relativamente comuns, mas facilmente
ignoráveis por estarmos colocando nossa atenção nas séries mais longas, muito mais
raras. O ponto é que as grandes revoluções não estão baseadas na raridade de séries
longas de fatores convergentes, mas sim em múltiplas séries curtas que se sucedem.
a. Ou em outros tipos de séries, como a alternância entre vermelho e negro, ou
entre par e impar. O ponto é que o desenvolvimento da humanidade não
segue apenas um caminho.
b. E entra aqui o fato de considerarmos diferentes jogadores acumulando os
resultados de suas roletas para formar séries longas entre si, ou seja,
considerar que nenhum desenvolvimento tecnológico de uma cultura se dá de
modo isolado, mas sempre no contato entre culturas.
i. Mas com isso não voltamos ao problema da Humanidade única
usando uma roupa de retalhos?
14. O tempo e o espaço são, para o autor, os campos em que divergências e diferenças
reorganizam-se para formar saltos tecnológicos. Nesse sentido, Lévi-Strauss explica a
diferença entre Américas e Europa, na mesma época, pelo menor tempo qeu as
civilizações americanas tiveram para divergir entre si e, potencialmente, aumentar
seus resultados nos reencontros. “As civilizações pré-colombianas estão cheias de
lacunas; elas têm, se se pode dizer, buracos”
a. Mas o problema parece ser, no entanto, novamente o de isolar formas
tecnológicas em si, que podem ser consideradas em sua sucessão como
estágios.
15. A única fatalidade de um grupo humano, a única coisa que pode condená-lo a uma
“história estacionária”, ao fim e ao cabo, é a de estar só.
Discussões em aula:

Novamente a questão da escolha do objeto e a consideração de suas simetrias e/ou


assimetrias: por exemplo, estudar os massacres policiais do ponto de vista da polícia é
diferente de estudar o mesmo assunto do ponto de vista das populações atacadas. E mais
diferente ainda estudar o mesmo assunto a partir da resistência aos ataques. Enfim, uma
questão ética e de posição política.

Qual é o ponto de vista de controle? Ou seja, qual é o ponto de vista que entra em
contradição direta com o ponto de vista definido para o estudo? Entender, principalmente,
que esses pontos de vista não são definidos apenas peos pesquisadores, mas também, e
principalmente, pelas populações estudadas. Um agenciamento entre pesquisador e
população pesquisada. No entanto, mesmo esse agenciamento não é um simples cruzamento,
especialmente quando se tem em conta que é o pesquisador, após a experiência etnográfica,
que tem o poder institucional de tirar conclusões e tecer análises.

O interesse do Marcio, em sua pesquisa, era tentar entender como se constitui o


objeto política a partir de uma investigação antropológica. Tentar desenhar uma análise dos
sistemas políticos ocidentais a partir da antropologia. No entanto, e novamente, qual é o
ponto de vista de controle que entra em contradição com essa empreitada? O pressuposto era
que as populações escolhidas, ainda que inseridas na mesma rede macropolítica, não atuavam
politicamente e nem entendem política da mesma forma que o pesquisador, no caso, o
próprio Marcio.

Mas então, se tudo pode ser abordado a partir da Antropologia, qual é a diferença
entre um estudo antropológico da política e um estudo do mesmo assunto a partir das ciências
políticas ou da sociologia? Segundo Lévi-Strauss: a desestabilização do observador, a produção
de conhecimento a partir do observado. A prática antropológica, sobretudo, supõe uma
descontinuidade entre observador e observado, uma descontinuidade produzida pela própria
epistemologia antropológica e que, novamente, deveria, por princípio, perturbar o observador,
não o observado.

Por exemplo, e ainda sobre o mesmo tema, é preciso partir do princípio de que as
sociedades estudadas não precisam da antropologia para pensarem sobre si mesmas. Mais do
que isso, significa dizer também que não é a epistemologia ocidental a única capaz de produzir
gênios ou “grandes pensadores”. Citando Lévi-Strauss, é muita pretensão que só a Europa teve
gente como Pasteur. Esse princípio nos leva de volta, inclusive, ao contra-colonialismo do
Antonio Bispo dos Santos. Ou seja, é uma força que precisa ser reativada a cada instante para
resistir à pretensão ocidental de que as epistemologias ocidentais são superiores a todas as
outras. Uma força que precisa ser reativada, inclusive, nas práticas moleculares, não apenas
nas grandes análises e interpretações molares. Contar a história no estilo samba enredo da
Mangueira.

Segundo Stengers, contar uma outra história, uma história que resista à história do
status quo, exige um princípio de simetria que impeça a definição de consequências
hierarquizantes entre vencedores e vencidos. Não existe norma metodológica geral para tirar
conclusões do encerramento de uma luta entre vencedores e vencidos. É sempre possível
reabrir as controvérsias, as lutas. Principalmente porque, voltando ao Bispo, essas lutas
continuam existindo.

Relembrando Clastres, é essa encruzilhada que a própria prática antropológica nos


coloca “naturalmente”: o contato, e portanto o risco de contaminação, com práticas
minoritárias que podem desestabilizar nossas epistemologias ou, na pior das hipóteses, terem
seus massacres e derrotas reafirmados pela academia ocidental. Antropologia como
cruzamento entre técnica a partir da opressão e ponte entre descontinuidades e diferenças.

Indo para Lévi-Strauss e a questão de antropologia “pura” e “diluída”, a tese é que o


rendimento da antropologia é maior quando o distanciamento, e portanto o choque e o
estranhamento produzido, entre observador e observado é maior. Essa distância, seguindo o
paralelo com a Astronomia, permitiria, ainda segundo Lévi-Strauss, uma compreensão das
propriedades essenciais das outras sociedades. Estamos aqui às voltas, claro, com a noção de
estrutura. O trabalho de campo, também segundo Lévi-Strauss, também nos permite
experimentar a dúvida e desafiar nossas certezas, faz parte da educação dos etnólogos. O que
significa que a antropologia é uma ciência empírica.

Ou seja, como narrativizar, recontar, traduzir, práticas à primeira vista, para nós,
ininteligíveis? Lévi-Strauss, sendo talvez parafraseado por Deleuze em A lógica do sentido, se
perguntaria sobre como a falta de sentido produz sentido. Especialmente porque a afirmação
da ininteligibilidade é uma força política perigosa.

Para Lévi-Strauss a antropologia seria a formulação do Humano como universal. Esse


universal na sua obra, no entanto, não é tão simplesmente definido. Mais do que isso, ainda
que alguns textos dele afirmem que a tarefa da antropologia é encontrar esses traços
invariantes de fundo em todas as sociedades, parece que ele pouco a pouco afasta-se,
especialmente com o Mythologiques, dessa pretensão... Como se ele começasse a se
interessar muito mais pela diferença que essas invariantes produzem do que pelas invariantes
em si. Como se o universal fosse tão abstrato que não se estabiliza como objeto de estudo,
empurra constantemente nosso campo de investigação para as variantes, as diferenças não
hierarquizáveis. Uma força, inclusive, “menor” da obra do Lévi-Strauss.

Seria possível pensar nos universais, portanto, como forças? Ou seja, no lugar de uma
classificação universalista, forças universais em pouco número mas que, misturadas entre si e
com materiais diferentes, geram resultados infinitamente diferentes. É esse o ponto, aliás, da
linguística estruturalista: a partir de um número bastante limitado, umaa produção
potencialmente ilimitada. Transformar classificações em forças implica, inclusive, considerar as
forças como coisas a serem estudadas, não como gavetas em que colocamos o que estudamos.
Ou seja, desafiar os próprios universais, não considerá-los como contêineres universalmente
neutros.

O desafio: como pensar uma diferença pura (ou seja, não valorizável) que não
(re)estabeleça a incomunicabilidade, o solipsismo. Até porque, só há comunicação real entre
diferenças. E mais, tratar a cultura como invenção, como criatividade e produção de diferenças
é um método, um caminho do fazer antropológico.

Lembrar do texto zapatista sobre o subcomandante Marcos.

Segunda parte da aula:

Não basta apenas desestabilizar ou questionar as epistemologias centrais, se não há,


nessa reformulação do modelo, um lugar para as práticas nativas. Ou seja, não basta denunciar
a colonização se não levarmos a sério as práticas contra-colonizatórios de outros grupos que já
resistem, a despeito e à revelia do nosso pressuposto de lutar por eles.

O Lévi-Strauss, novamente como encruzilhada, nesse encontro entre linguística,


sociologia, filosofia, direito e arte. Três avatares analógicos que percorrem o estruturalismo
levistraussiano: a fonologia, a matemática e a música. Mais ainda, o que percorre essas três
analogias, está o recorte da geologia, a possibilidade de localizar estruturas subjacentes
verticalmente mais profundas, inconscientes, que poderiam explicar as variações
aparentemente caóticas da superfície.

Lévi-Strauss, então, debruça-se sobre esse conjunto enorme de dados sobre


parentesco, afinidade e consaguinidade e uma certa intuição de que há um sistema para esses
dados. No entanto, tal sistematicidade ainda não havia sido realmente definida, considerando-
se todas as variações mundiais (e as repetições separadas por sociedades distantes). Para Lévi-
Strauss, se há repetição, deve haver uma ordem subjacente que possa explicá-la. Ou seja, se os
comportamentos de casamento não são nem completamente localizáveis na esfera da
natureza nem na esfera da cultura, como compreendê-la?

Para Lévi-Strauss, a esfera da Natureza é regular, mas ausente de regra. Ao contrário, a


Cultura é a esfera da regra, mas também da variação. Se o evolucionismo enfatiza o universal
biológico, os funcionalistas e os culturalistas enfatizam as variações culturais. O esforço do
Lévi-Strauss é buscar um equilíbrio, ou algo mais profundo, entre os dois pólos da natureza e
da cultura. Surge a intuição de que entre regularidade e variação, possa existir uma
regularidade na variação, uma regra universal: a proibição do incesto. Lembremos, no entanto,
que a subst6ancia desse incesto é o que varia de sociedade para sociedade, mas
universalmente está algum tipo de proibição de alguma ou algumas possibilidades de
casamento.

A unviersalidade da proibição do incesto é o cerne da questão: uma proibição que


realiza, articula a passagem entre natureza e cultura, entre forma e substância. Entre
significante e significado.

Simonis define essa etapa como o primeiro estágio, o estágio institucional (instituição
do incesto e do casamento) da análise. Lévi-Strauss não para aí, no entanto, já que se pergunta
por que o incesto é, afinal de contas, universal. Mais do que isso, como não desmontar a
passagem entre natureza e cultura ao simplesmente localizar a universalidade do incesto no
polo da natureza ou da cultura, ou cair num intelectualismo evolucionista de que há um
reconhecimento cultural de um dado natural. Para Lévi-Strauss, no entanto, a oposição
natureza e cultura é uma produção da proibição do incesto, não um a priori. Natureza e
cultura, portanto, é uma metodologia, uma técnica.

No entanto, para Lévi-Strauss, há uma distinção formal universal do que, no ocidente,


se substancializa em natureza e cultura. A resposta então para a universalidade da proibição
do incesto é perceber suas possibilidades positivas: proibir certos tipos de casamento é, ao
memso tempo, e principalmente, definir outros tipos de casamento que são liberados. São
essas regras de exogamia que instauram a humanidade como a conhecemos. O casamento
para fora é o que permite sair do grupo biológico para a criação de alianças sociais. Alianças,
inclusive, intrinsecamente recíprocas, já que abrir mão de um parceiro de proximidade
biológica é permitir que esse parceiro una-se com outro grupo e estabeleça uma troca entre
grupos biológicos diferentes.

Tudo se passa, então, como se estivéssemos trocando pessoas entre grupos biológicos,
e é a proibição do incesto que impulsiona a integração social com essas trocas.

No entanto, Lévi-Strauss tampouco aí se detém. Através de numerosos sistemas de


parentesco em quatro continentes diferentes, opera-se um processo de redução que chega a
duas formas elementares: a troca restrita e a troca generalizada. O resultado é a substituição
de uma realidade sensível e aparentemente ininteligível por uma realidade formal, inteligível e
subjacente (portanto, não consciente) à realidade sensível. Assim, existiriam três estruturas
fundamentais de todas as sociedades humanas: troca de palavras, troca de bens e troca de
pessoas.

E ainda não paramos aí (os dois últimos capítulos). Deparamo-nos com uma bifurcação
de caminhos que retoma o começo das estruturas elementares do parentesco: o interesse
pelos processos de integração social (sociedade aqui como um dado, portanto); o interesse
pelas condições de existência das sociedades humanas (em que condições são possíveis e
necessárias?)

Essa é a bifurcação, para Lévi-Strauss, entre as ciências sociais e antropologia, ou seja,


a consideração ou não da sociedade como um dado gratuito. Em outras palavras, se não
considerarmos a sociedade como um dado gratuito, é preciso ir além da reciprocidade. É
preciso que a reciprocidade seja estruturada em algo mais profundo: inconsciente estrutura,
função simbólica, pensamento simbólico, espírito humano etc. Algo propriamente biológico
que exige, força a comunicação entre os animais humanos, que nos permite perceber o mundo
a partir de nosso ponto de vista e simultaneamente do ponto de vista de outrem. É esse algo,
essas estruturas subjacentes à reciprocidade, que seriam o objeto último da antropologia, para
Lévi-Strauss.

Há algo, portanto, nos seres humanos que os distingue na natureza: a possibilidade de


rotacionar perspectivas. O que instaura uma contradição potencial entre perspectivas, cuja
única síntese possível é a troca. Uma antropologia no sentido estrito: uma teoria do humano
que não caia, novamente, nem no funcionalismo biológico nem no relativismo absoluto
culturalista. Estamos às voltas então com uma natureza virtual que já guarda sua própria
totalização desde o princípio, como potência?, e que nunca realmente se totaliza em suas
atualizações.

No entanto, a resposta para as condições de existência da possibilidade do humano


não pode se produzir apenas em uma meditação filosófica, estritamente presa à nossa
inteligibilidade ocidental, mas sim no choque com sociedades cuja aparente inteligibilidade
nos força a pensar, justamente, nas passagens cada vez mais complexas entre natureza e
cultura, entre repetição e variação. Por isso antropologia, não filosofia.

A unidade não é transcendente, portanto, às variações culturais, mas sim uma lógica
subjacente. Uma lógica sem redução. Uma lógica, poderíamos inclusive dizer, que deixa de
estar subjacente às variações, mas que começa a se produzir como um efeito de superfície?
Referências:

Começo de Arts and agencies, do...Gel?

La-pensée-Lévi-Strauss, da Favret

The White Entitlement de Hage, Jhassan, publicado no The Guardian

Correspondências entre Jakobson e Lévi-Strauss

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