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FMU/FIAM-FAAM

CURSO DE MÚSICA

O USO DE ESTRUTURAS HARMÔNICAS E MELÓDICAS DA


MÚSICA BARROCA NA COMPOSIÇÃO DE UMA CANÇÃO POPULAR

Nathan Maia Freitas


São Paulo – SP
2020
Nathan Maia Freitas

O USO DE ESTRUTURAS HARMÔNICAS E MELÓDICAS DA


MÚSICA BARROCA NA COMPOSIÇÃO DE UMA CANÇÃO POPULAR

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado no FMU/FIAM-FAAM como requisito
para a conclusão do Curso de Música.

Orientador: Prof. Dr. Sidney José Molina Júnior.

São Paulo – SP
2020
Dedico este trabalho a todos aqueles que sonham em viver de
música. Nunca é tarde demais para começar.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a minha família: Minha mãe Antônia, meu pai


Everaldo e minha irmã Camila, por sempre me apoiarem, acreditando ou não nos
meus objetivos. O respeito sempre foi e sempre será fundamental na nossa relação.

Agradeço ao professor Mestre Marcelo Barboza, pela paciência e por todos


os ensinamentos ao longo deste curso, ensinamentos estes não só musicais, mas
que servem para todas as áreas da vida.

Ao professor Doutor Sidney José Molina Júnior, pela atenção e orientação


deste trabalho.

A todos os professores que tive durante a faculdade, dentro da instituição ou


não, em especial à professora Mestra Vanessa Nonis, professora Doutora Thereza
Péric, professores Maurílio Silva e Vera Mariotto da Fundação Yamaha Sopro Novo
e professora Maria José Custódio, minha primeira professora de música.

Aos colegas Vinicius Rodrigues - cantor, Lucas José – regente, Douglas


Keneen - compositor e Matheus Luna – educador musical. Sem a ajuda de vocês,
este trabalho não se tornaria realidade.

A todos os colegas do curso de música: Não foi fácil, mas teria sido mais
difícil ainda sem a nossa parceria e apoio mútuo.

Por fim, aos meus amigos não musicais, que leram este trabalho dezenas de
vezes, e mesmo sem entender direito, deram opiniões, sugestões e me seguraram
pelas mãos todas as vezes que pensei em desistir deste curso. Agradecimento
especial a Bruna Mancini, Gabriela Veríscimo, Ana Luísa Guerra, Felipe Martins da
Costa e Larissa Oliveira dos Anjos.
RESUMO

O trabalho aqui exposto tem como objetivo a composição de uma nova


canção popular utilizando elementos de uma peça erudita do período barroco. Para
esta finalidade, um rondó escrito por Johann Sebastian Bach será analisado
harmonicamente e melodicamente através do método de análise presente no livro
Harmonia de Arnold Schönberg. Após isto, serão utilizados os elementos estruturais
obtidos pela análise juntamente com outros métodos composicionais, a fim de se
obter uma nova composição popular como resultado final. Esta nova composição
tem o intuito de explorar as possibilidades de uso das competências aprendidas
durante o curso de música e também promover a interação entre dois estilos
musicais distintos, o popular e o erudito.

Palavras chave: Composição. Barroco. Canção Popular.


ABSTRACT

This present work has its purpose to demonstrate the composition of a new
popular song using elements from a classical piece of music from the baroque era.
To achieve this objective, a Rondeau written by Johann Sebastian Bach will be
analysed using methods from the book “Harmony” written by Arnold Schoenberg and
then, interesting analysed elements of that piece will be used along other
compositional techniques to write the new song. This new piece of music proposes
in its composition to explore the possibilities of using the competences acquired
during the music course as well promote union between two distinct genres: classical
and popular music.

Keywords: Composition. Baroque. Popular music.


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..........................................................................................08

2. PARTE I.....................................................................................................13

3. PARTE II....................................................................................................20

4. CONCLUSÃO............................................................................................29

REFERÊNCIAS.......................................................................................................30
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INTRODUÇÃO

A música pop está sempre tentando se reinventar para não cair no


ostracismo, afinal, a indústria radiofônica na qual estas canções estão inseridas,
sobrevive de vendas expressivas de singles, álbuns e principalmente da execução
insistente de músicas de trabalho que têm como objetivo “grudarem” como chiclete
nos ouvidos da população. Nesta busca por inovação, durante a metade dos anos
1960, as bandas de rock que figuravam no topo das paradas desta época
procuravam uma nova sonoridade: busca que levou a invenção do pop-barroco.

Apoiadas na música erudita, usufruindo de estruturas barrocas como


melodias únicas que se desenvolvem durante a música, composições
contrapontísticas, sofisticados arranjos com instrumentos da época (como o cravo,
quarteto de cordas, etc.), bandas como The Beatles e The Beach Boys montaram
um novo repertório que veio a culminar neste novo gênero.

Exemplos clássicos deste tipo de música podem ser ouvidos em canções de


sucesso, como “Eleanor Rigby” dos The Beatles, com seu quarteto de cordas ou
“Bourée” da banda Jethro Tull, que fez o empréstimo dos oito primeiros compassos
da peça “Bourée em Mi Menor” de Johann Sebastian Bach (BWV 996).

No final dos anos 1960, o gênero entrou em declínio e já não estava mais no
repertório das bandas mais famosas, porém, nunca deixou de ser utilizado
completamente. A canção “Bertie”, de 2005, interpretada pela cantora Kate Bush,
por exemplo, utiliza o acompanhamento de guitarra renascentista (instrumento não
usual no pop) e tema melódico contínuo. Além disso, há pessoas e estudiosos
assíduos deste estilo composicional, como por exemplo, o compositor e arranjador
Giovanni Dettori que compilou e publicou arranjos de fugas modernas usando temas
melódicos de canções de artistas como Lady Gaga, Ed Sheeran e Miley Cyrus,
mesclando-os com técnicas de contraponto das fugas de Bach. Os áudios de seus
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arranjos podem ser ouvidos em seu canal no Youtube, “artofcounterpoint 1”, que
conta com 26,4 mil inscritos até então.

Embasado nas afirmações acima, este trabalho visa explorar a técnica


composicional da união entre a música barroca e a música popular para criar uma
nova canção, a fim de contribuir para o gênero barroco-pop e de experimentar
conceitos aprendidos durante o curso de música.

Para esta finalidade, será usada como referência central o peça “Rondó”,
segundo movimento da Suíte Orquestral n. 2 em si menor, BWV 1067, de Johann
Sebastian Bach. A peça será analisada harmonicamente e melodicamente e, após a
análise, suas estruturas serão utilizadas de diferentes formas na composição de
uma nova canção popular: “Put (You’re Just Like An Angel)”. Além disso, serão
usadas técnicas da composição popular para a escrita da nova canção, técnicas
estas que serão demonstradas no decorrer do trabalho.

A peça de Bach foi escolhida para esta finalidade, pois o compositor alemão é
considerado o maior expoente deste período histórico. Suas composições incluem o
uso de contraponto, organização de melodias motívicas, adaptações de ritmos para
criar movimento, ricas ornamentações e o uso do baixo contínuo, além da ser
percussor no uso de tonalidade, o que torna sua música o exemplo de ideal de
estrutura musical barroca a ser emprestada para a composição deste trabalho.

A Suíte Orquestral em Si Menor foi composta entre 1720 e 1723 quando Bach
trabalhou em Köthen. O compositor, que até então tinha a música sacra como sua
especialidade, compôs um conjunto de suítes voltados para a música secular,
característica que contribui para a execução deste trabalho, tendo em vista que esta
peça será usada para a composição de uma música popular.
Segundo o músico John Keillor do site AllMusic, as suítes orquestrais foram
inspiradas em uma coleção de balés e óperas francesas, começando com uma

1
Ao fim desta publicação, o canal “artofcounterpoint” foi deletado do YouTube, porém os arranjos de
Giovanni Dettori ainda se encontram disponíveis na plataforma.
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“Ouverture”2 e seguido de uma coleção de danças. No caso da Suíte n.2 esses


elementos foram fundidos com a influência de Vivaldi na composição de Bach,
trazendo ostinatos rápidos que trazem velocidade e vivacidade à peça. Além disso,
esta peça foi uma oportunidade para Bach escrever para flauta transversal,
instrumento que se tornava cada vez popular nesta época, e que não
coincidentemente, é o instrumento tocado pelo autor deste trabalho, sendo este
outro motivo para a escolha desta peça ser o centro da pesquisa.

Os outros instrumentos utilizados na composição original do movimento


escolhido da peça, além da flauta transversal, são: o violino, a viola e o baixo
contínuo executado pelo cravo. Esta mesma formação está presente no arranjo
escolhido para a análise, arranjo este o mais próximo do manuscrito original de Bach
e composto pelo violista e arranjador Anand Li.

O movimento escolhido da Suíte Orquestral n. 2 foi o segundo movimento:


Rondó. Essa escolha foi feita a partir da forma da peça, que muito lembra as
canções pop dos dias atuais. Além da constante repetição da parte A, como se fosse
um refrão, o ar vívido e a melodia de fácil acesso da peça também trazem
intrinsicamente características da música pop: uma peça musical que atinge o
ouvinte assim que tocada, que pode ser apreciada no momento imediato da escuta e
que possui uma melodia que fica na cabeça.

A análise da peça será feita através do método de análise harmônica contida


no livro Harmonia de Arnold Schönberg. Serão analisadas a forma da peça, as
tonalidades por qual Bach percorre a peça, sua progressão harmônica e algumas
variações melódicas.
Feito isso, as características principais do rondó de Bach serão introduzidos
na composição da nova canção popular, através do uso de samples melódicos (este
termo será explicado na parte II do trabalho), o aproveitamento de temas, uso de
progressões harmônicas e uma parte dedicada ao uso de harmonia em blocos,
método de composição popular utilizado pelo compositor Ian Guest em seu livro
Arranjo.

2
Em português: “Abertura”. Peças dramáticas com caráter orquestral, usadas como introduções em
um conjunto de danças. Também pode ser executada como peça independente.
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Estas combinações de técnicas populares de composição e elementos


estruturais da música erudita conversam com o objetivo do trabalho, citado no
começo desta introdução: criar uma música pop radiofônica com as principais
características da música barroca, assim como fizeram as bandas de rock nos anos
1960, porém, utilizando os recursos composicionais aprendidos durante o curso de
música.

A seguir, o manuscrito original do “Rondó” da Suíte orquestral n. 2 composta


por Johann Sebastian Bach e em seguida, a análise individual de suas partes no
arranjo feito por Anand Li.

MANUSCRITO ORIGINAL

Parte da Flauta

Parte do Violino I
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Parte do Violino II

Parte da Viola

Parte do Contínuo I

Parte do Contínuo II
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PARTE I: ANÁLISE DO “RONDÓ” DA SUÍTE ORQUESTRAL


Nº2 EM SI MENOR – BVW 1067: SEGUNDO MOVIMENTO.

Com o objetivo de facilitar a análise, a peça será dividida nas suas três
seções: Parte A, B e C. Serão feitos comentários por extenso a respeito das partes
individuais citadas acima destacando o que de importante (e também de diferencial)
foi levado em consideração, e, ao final da parte I, se encontrará a partitura da peça
com a análise na íntegra, de grau por grau harmônico e todas as suas modulações,
de acordo com os conceitos de análise harmônica vistos no livro Harmonia de Arnold
Schoenberg.

1. A) TEMA PRINCIPAL:
A peça se inicia em seu tom principal: Si menor. A melodia principal é
dobrada nas vozes da flauta e do primeiro violino, enquanto as vozes do segundo
violino e da viola repetem a mesma rítmica das vozes superiores, porém em uma
terça abaixo e fazendo um preenchimento melódico com notas de passagem,
provocando uma sensação de “pergunta-resposta” entre as duas primeiras vozes e
as vozes seguintes. No baixo, um pedal se configura a partir do primeiro acorde
(nota si) que se estende como dissonância para o compasso seguinte, fazendo com
que as próximas frases comecem e terminem no meio do compasso. Esse tipo de
técnica é comum em peças como a gavotta3. A parte A segue em uma progressão
simples de tônica e dominante até se concluir em uma cadência perfeita e
retornando ao inicio por conta do ritornelo, sendo convencionalmente interpretada
com espelho de dinâmica na segunda vez, com som mais piano para efeito de
dualidade (uma vez que a peça começa de forma vigorosa e essa é uma típica
característica da música barroca). Por se tratar de um rondó, essa parte é repetida
na integra ao final de todas as seções.

1. B) PARTE B
A parte B trabalha com três tonalidades distintas. O seu inicio se dá com o
silêncio das duas vozes do baixo e com um acorde de Si Maior formado pelas quatro

3
Dança popular francesa do século XVII, composta em 4 tempos e começando a partir do terceiro.
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primeiras vozes, demonstrando a nova tonalidade da seção. No entanto, a entrada


em Si maior serve apenas como ponte para a tonalidade seguinte, Mi Menor, que é
alcançada após o acorde de si maior como quinto grau no compasso 13. A peça
segue adiante nesta tonalidade até retornar para Si Menor no compasso 17 e
prosseguir nesta tonalidade até o fim do retorno da parte A. Há também, entre o
compasso 17 20, na linha da flauta, notas longas que servem de suporte para o
retorno da tonalidade de Si Menor. Essas notas, apesar de já estarem na esfera de
Si Menor, trazem em seus harmônicos elementos de Ré Maior, causando o efeito de
tonalidade sobre tonalidade citado por Arnold Schönberg e definido pelo autor como
“dominante artificial”. Este processo é notável a partir do compasso 18 (Lá maior
com sétima sendo o sétimo grau de Si Menor, mas também soando como o quinto
grau com sétima de Ré Maior). A sonoridade obtida deste efeito é importante, pois
serve como guia auditivo para a modulação que ocorrerá na parte C.

1. C) PARTE C
Nesta seção se inicia a parte mais ágil do rondó, onde muitos grupos de oito
colcheias dão movimentação à peça sem alterar sua fórmula de compasso. Iniciando
no meio do compasso 29, a peça modula para Ré Maior, tonalidade já ouvida por
sobreposição na seção B. Assim como no início da seção anterior, essa modulação
ocorre brevemente para se chegar a uma nova tonalidade, que é Fá# Menor
(Compasso 36). Fá# Menor segue como tonalidade até o compasso 41, onde
modula para Fá# Maior. Neste trecho também se encontra o ponto culminante da
peça, com a nota mais alta da melodia e uma grande variação de velocidades e
texturas, destacando a parte em piano a partir do compasso 42 que não só mostra a
nova tonalidade, mas também “acalma” a peça depois de seu momento mais
enérgico. A partir do compasso 42 também é perceptível um pedal em Fá# Maior de
I, IV e V com sétima que se mantém até a modulação para Si Menor no compasso
45, onde a peça volta para a parte A e se conclui na sua tonalidade original.

A seguir, a análise da partitura na íntegra:


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PARTE II: A COMPOSIÇÃO DE “PUT (YOU’RE JUST LIKE AN


ANGEL)”

Muito do que se ouve no rádio atualmente, quando se trata do universo da


canção popular, deve suas estruturas para a música erudita, sejam suas
progressões harmônicas descendentes do Tratado de Harmonia de Jean-Philippe
Rameau de 1722 ou até mesmo os temas dramáticos e melodias de fácil acesso de
Franz Schubert.

Observando as estruturas barrocas, como o feito na análise do rondó de


Bach, é possível encontrar semelhanças ainda maiores com as canções populares
de hoje e com o pop barroco dos anos 1960, semelhanças estas que serão
apontadas durante a amostragem do processo de composição da nova faixa: “Put
(You’re Just Like An Angel)”.

A começar pela forma da nova canção, foi escolhido o empréstimo da forma


da peça de Bach, a forma rondó. Enquanto na peça barroca em questão se tem uma
estrutura ABACA, muito próximo do que se é conhecido na canção popular por
refrão – verso 1 – refrão – verso 2, etc.; foi incluído na nova canção uma repetição
da parte B, para se obter uma estrutura mais radiofônica ainda, a exemplo de
grandes hits que figuraram no top 3 da parada “Billboard Hot 100”4, como por
exemplo a canção “Bad Romance” de Lady Gaga ou “Bad Blood” de Taylor Swift.
Cada uma dessas seções de “Put” serão analisadas individualmente adiante e
comparadas ao rondó de Bach, a fim de mostrar quais elementos da peça barroca
foram utilizados na nova música.

A respeito da temática e letra, foi-se escolhido o desejo sexual ligado, de


forma sutil, a temas religiosos. Isso acontece por três motivos: o primeiro é o uso
irônico de tal tema, pois na música pop a sexualidade e o desejo sexual são tratados
constantemente (ex: Katy Perry – “Peacock”, George Michael – “I Want Your Sex”) e
tendo em vista que grande parte do catálogo de Bach é religioso, estabeleceu-se um

4
Criada em 1958, a Billboard Hot 100 é uma tabela que lista e avalia as 100 músicas mais executadas e
compradas durante o período de uma semana. É considerada o maior medidor de sucesso de uma canção
atualmente.
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contraponto entre essas duas características distintas, algo que também é familiar
do período barroco uma vez que os contrastes bruscos são intrínsecos deste
movimento estético. Tal ironia já fora utilizada na canção “Buddha’s Delight” do filme
Letra e Música de 2007, interpretada pela atriz Haley Bennett. A ideia do filme era
satirizar essa mescla que é uma constante na música pop, do sagrado com o
profano a fim de criar contraste e choque de valores sociais (ex: Madonna – “Like a
Prayer”, Lady Gaga – “Judas”).

O segundo motivo parte do título da canção, “Put”, que em tradução livre,


significa “Coloque”, ou “Bota” – sendo este segundo termo um famoso meme5 de
internet. Este tipo de uso de informação é decorrente em canções radiofônicas:
utiliza-se o que está na moda, “na boca do povo” para se criar canções que serão
pegajosas e cairão no gosto popular.

O terceiro motivo se relaciona com a afirmativa do primeiro: o arranjo


dramático, a tonalidade predominantemente menor, as nuances melódicas entre
forte e fraco e claro e escuro, juntamente com o timbre quase que “religioso” que se
pede do cantor que irá executar a peça, se contrapõem a letra sexualmente explicita
da canção, fazendo com que esta última seja uma genuína música pop com
elementos fortes da música barroca em todos os seus aspectos.

Apesar de “Put” ser uma canção que utiliza estruturas musicais clássicas do
período barroco, foi utilizado um sample6 do tema principal do rondó de Bach.
Segundo o compositor Howard Goodall em artigo para o jornal The Guardian,
Antonín Dvořák, famoso compositor do período romântico, foi a primeira pessoa a
usar essa técnica, utilizando trechos inteiros de canções folclóricas americanas e
afro-americanas para a construção de sua Sinfonia do Novo Mundo. Na nova
canção composta para este trabalho, o sample da parte A do rondó orquestral de
Bach foi usado na íntegra para a construção do refrão.

5
Termo proveniente da internet para se referir a qualquer informação, termo, vídeo ou música que se
torne viral nas redes, sendo copiada, imitada e constantemente disseminada.
6
Trecho ou elemento de uma música recortado e editado para o uso da composição de uma nova
música.
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A canção dura 3 minutos e trinta e três segundos: não só porque uma canção
popular tem em média entre 3 e 5 minutos mas também números simbólicos em
durações de canções servem para denotar alguma crença de seu compositor, como
na canção “Get Well Soon” da cantora Ariana Grande, que tem 5 minutos e 22
segundos de duração: Uma forma de referência ao dia 22 de Maio de 2017, data em
que ocorreu um ataque terrorista em um de seus shows e que é tema da canção. No
caso da duração de “Put”, essa medida foi adotada como referência a este tipo de
prática.

A instrumentação da nova peça, apenas voz e acompanhamento harmônico,


podendo este ser piano ou violão, foi escolhida a partir da necessidade de se criar
diversas vozes com poucos recursos, sendo o piano ou o violão instrumentos ideais
para tal finalidade e a interpretação vocal, que pede um timbre de voz dramático,
porém compatível com as vozes mais populares do rádio.

Vale ressaltar que o idioma escolhido para a composição da nova música foi o
inglês, pois, a maioria das referências musicais da canção popular utilizadas para a
elaboração deste trabalho são de canções norte-americanas, canções estas que não
por coincidência – uma vez que o inglês é a via de comunicação mais utilizada
atualmente em todas as partes do mundo - figuram sempre nos topos das paradas
mais importantes de música pop mundial.

A seguir, a letra de “Put (You’re Just Like An Angel)” e em seguida, a análise


individual de cada uma das partes da canção.
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Put (You’re Just Like An Inside


Angel) I’m not alright
Letra: Nathan Maia And I’m needing a savior

Tonight
Refrão: All night
Put inside me And you feel like the answering
Angel I see My Christ
By the way you look at me

I know that this is meant to be Pré refrão:


Put inside me Save me
I’m on my knees From my dirty thoughts
And miracles will happen Alone at home, so
Inside those jeans

Refrão:
Put inside me Put inside me
Angel I see Angel I see
By the way you look at me By the way you look at me
I know that this is meant to be I know that this is meant to be
Put inside me Put inside me
I’m on my knees I’m on my knees
And miracles will happen And miracles will happen
Inside those jeans Inside those jeans

Verso 1: Verso 2:
I feel very lonely inside You look like an angel
Tonight A dream
I feel very hopeless Just made for me
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I’m not so religious but By the way you look at me

There’s no more my sins I know that this is meant to be

You’re my relief Put inside me

I’m on my knees

Pré refrão: And miracles will happen

Save me Inside those jeans

From the loneliness

Inside my bones, so Ponte:

I beg you

Refrão: To come into

Put inside me I want you to love me

Angel I see Amen

I know that this is meant to be

Put inside me

I’m on my knees

And miracles will happen

Inside those jeans


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ANÁLISE DA COMPOSIÇÃO DE “PUT (YOU’RE JUST LIKE AN


ANGEL)

Assim como na parte I, a estrutura de “Put (You’re Just Like An Angel)” foi
dividida em três partes para facilitar a análise: A parte A, que apresenta o refrão da
canção, a parte B que está classificada como B1 e B2, pois é repetida nos versos 1
e 2 e a parte C, que é a ponte da canção. Após a análise individual das partes, a
partitura original da canção se encontrará disponível ao final dos textos.
A partitura em questão foi escrita de acordo com partituras de músicas
populares presentes no livro “Arranjo” de Ian Guest. Assim como no livro, a partitura
de “Put” foi elaborada contendo a melodia da canção e seus acordes grafados com
cifras, dando liberdade para que o executante da peça escolha qual instrumento
harmônico irá utilizar.
Pede-se que a execução da peça seja com semínima em 80bpm, assim como
no rondó de Bach. Foram inclusas rápidas mudanças de fórmula de compasso, de
4/4 para 2/4, para que a métrica das frases ficasse correta, uma vez que a peça
original de Bach possui final de frases em tempos deslocados de compasso. Além
disso, a canção está com a linha melódica escrita em oitava abaixo em comparação
ao Rondó de Bach, para ficar condizente com a tessitura do autor do trabalho.
Abaixo, a análise das partes individuais da canção.

2. A) PARTE A - REFRÃO:

A canção começa no tom original da peça de Bach, em si menor e sim


permanece até a parte B. Logo no início da melodia, o sample do rondó já pode ser
percebido, onde a letra de “Put” é encaixada na linha do segundo violino: a melodia
permanece idêntica a original, porém com complementos de notas de passagem
preenchendo os tempos fracos dos acordes, fazendo com que a letra se encaixe
melhor no acompanhamento. O refrão é executado duas vezes, assim como na peça
de Bach, não só como confirmação do tema, mas também como técnica para que se
torne “grudento” assim como as canções populares radiofônicas. A indicação de voz
para o refrão é que se cante com seriedade, pois, apesar da letra sexual, a canção
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procura manter uma atmosfera holística e religiosa assim como o rondó da suíte e a
própria referência mística da letra.

2. B) PARTES B1 E B2 – VERSOS E PRÉ-REFRÃO:

Nesta parte, a canção faz sua modulação para mi menor, tonalidade


predominante no parte do rondó de Bach. A melodia desta vez é original e
construída de forma a soar a mais padronizada possível, a fim de criar uma estrutura
tão chiclete e de fácil acesso quanto o refrão. A progressão harmônica, nas linhas
inferiores a da melodia, continua a mesma do rondó de Bach, no entanto, com um
ritmo harmônico reduzido para acrescentar dramaticidade.
Há também um pré-refrão para conectar a parte a parte B a parte A
novamente. Para isto, é feito um aproveitamento do tema presente do compasso 17
até o compasso 21 da peça erudita, ainda em mi menor, porém caminhando para si
menor, tonalidade do refrão. Nesta parte há também uma leve tonicização (conceito
apresentado anteriormente) do IV grau, mas sem que haja a modulação total, fato
que ocorre pois acontece o mesmo na peça original. A parte B é repetida de forma
idêntica duas vezes, para criar um efeito de verso 1 e 2, entre os refrãos, estrutura
básica de uma canção popular radiofônica. A indicação de voz para estas partes é
que se mantenha o tom místico do refrão, porém de forma mais suplicada por se
tratar de uma metáfora a uma oração.

2. C) PARTE C – PONTE

Em uma canção popular, é usada uma ponte para atingir o ápice de uma idéia
antes do refrão final. No caso de “Put”, a ponte aproveita a tonalidade de Fa#m,
presente também na parte C do rondó de Bach. Neste momento, a composição faz o
uso do sistema de construção de acordes de Ian Guest, empilhando terças e
construindo também tétrades na progressão harmônica de forma a subir uma
escada que leve a melodia a um ápice. Este ápice é aumentado através de uma
colagem melódica, que empresta a linha principal da flauta presente a partir do
compasso 36 até o compasso 39 do rondó, porém, de forma contrária: começando
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com a melodia presente no compasso 39 caminhando em direção ao salto de oitava


no terceiro tempo forte do compasso 36. Este salto de oitava foi utilizado para
aproveitar a ideia do período barroco em que intervalos como este traziam um efeito
apoteótico, e tendo em vista que este é o ponto alto da oração presente na canção
(o “amém” da letra), se torna uma maneira eficaz de concluir a ponte. A progressão
harmônica de Bach continua sendo aproveitada neste trecho também, usada da
mesma forma que na parte C do rondó. A indicação vocal para a ponte é a de
elevação de voz e emoção, por se tratar do ponto culminante da música.

A seguir, a partitura de “Put (You’re Just Like An Angel):


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CONCLUSÃO

Este trabalho teve como objetivo criar uma nova canção a partir de
características da música erudita do período barroco. Para corresponder a esta
finalidade, foram utilizados recursos aprendidos durante os quatro anos do curso de
música de forma que não apenas a composição da nova peça promoveu a união
entre o erudito e o popular, mas também serviu como laboratório de experimentação
e prática de conceitos analíticos e composicionais.
Durante a pesquisa, notou-se a ausência de análises detalhadas referente ao
rondó da segunda suíte orquestral, de forma que a análise aqui apresentada se
torna uma contribuição para a academia, trazendo mais uma opção de interpretação
desta peça.
Além da prática composicional utilizando sample e harmonias em bloco, este
trabalho também serve como referência para práticas de análise, interpretações dos
modelos de composição de Johann Sebastian Bach e do período barroco em si e
uma das formas de como a junção de gêneros distintos pode ser executada.
Por fim, conclui-se que há um vasto campo de pesquisa e métodos na área
composicional da união de gêneros musicais, união esta que pode ser muito bem
sucedida, como foi com pop-barroco dos anos 1960. Este trabalho foi à oportunidade
de explorar algumas dessas possibilidades e ter a certeza de que, de um jeito ou de
outro, estilos difusos podem ser sempre interligados.
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REFERÊNCIAS

LIVROS:

GUEST, Ian. Arranjo 1 – Método Prático. Segunda Edição. Editado por Almir
Chediak. Editora Vitale, 1999. (156 páginas).

SCHÖNBERG, Arnold. Harmonia. Segunda Edição. Tradução de Marden


Maluf. São Paulo: Editora UNESP, 2012 (584 páginas).

ARTIGO:

PEREIRA, Érick Soares de Lima. Proposta: Análise Musical de uma obra


composta por Claude Debussy. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro –
Centro de Letras e Artes, Instituto Villa Lobos. Disponível em <
https://www.academia.edu/30702875/An%C3%A1lise_de_Syrinx> Acesso em 05 de
Abr. de 2020.

SITES:

ALGRAVE, Beatrix. O Barroco na Música. Página da Beatrix. Seção: História


da Música. 14 de Nov. de 2008. Disponível em <
http://www.beatrix.pro.br/index.php/o-barroco-na-musica-1600-1750/> Acesso em 24
de Mar. De 2020.

AUGUSTYN, Adam. Overture. Encyclopedia Britannica. Disponível em: <


https://www.britannica.com/art/overture-music> Acesso em 24 de Mar. De 2020.

COLODRO, Cauê. Você sabe o que é sample? Planeta Música. Seção:


Produção Musical. 24 de Jan. de 2017. Disponível em: <
https://blog.planetamusica.net/voce-sabe-o-que-e-sample/> Acesso em 17 de Mar.
De 2020.
31

KEILLOR, John. Orchestral Suite No. 2 in B minor, BWV 1067. All Music.
Seção: Articles. Disponível em < https://www.allmusic.com/composition/orchestral-
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MAKARAINEN, Kajsa. How does baroque music influence the current music?
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George Michael. I Want Your Sex. Faith. Denmark, Columbia, 1987.

Haley Bennett. Buddha’s Delight. Music and Lyrics: Music from the Motion
Picture. Atlantic Records, 2007.

Jethro Till. Bourée. Stand Up. Londres, Island, 1969.

Kate Bush. Bertie. Aerial. Londres, EMI, 2005.

Katy Perry. Peacock. Teenage Dream. Los Angeles, Capitol Records, 2010.

Lady Gaga. Bad Romance. The Fame Monster. Los Angeles, Interscope,
2009.

Lady Gaga. Judas. Born This Way. Londres, Interscope, 2011.

Madonna. Like A Prayer. Like A Prayer. Nova Iorque, Warner Bros.


Reecords, 1989.

Taylor Swift. Bad Blood. 1989. Nova Iorque, Big Machine Records, 2014.

The Beatles. Eleanor Rigby. Revolver. Londres, EMI, 1966.

CLASSICAL EXPERIENCE. Dvorak - New World Symphony (Full). YouTube.


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LIMA, Fábio. J. S. Bach - Bourreé BWV 996 by Fabio Lima. YouTube. 19 de


Jun. de 2017. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=z4A6XVTGns4>
Acesso em 03 de Maio de 2020.

FILME:

MUSIC and Lyrics. Direção de Marc Lawrence. Estados Unidos: Warner Bros
Pictures, 2007. 1 DVD (104 Min.).

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