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ISSN 2237-6011 107

As origens e as bases da Filosofia Suzuki


no ensino de Música para crianças

Amanda Cristina dos Santos RITZMANN1


Sara Cecília CESCA2
Resumo: Este artigo científico se propõe a lançar reflexões em torno dos
conceitos filosóficos da abordagem de Shinichi Suzuki, bem como sua
aplicabilidade na educação de crianças. Tem como objetivo apresentar ao público
de professores(as), pais, mães e alunos(as) as vivências e observações que
impulsionaram Shinichi Suzuki em seu amplo trabalho como teórico e educador,
apresentando suas observações em torno da formação dos pequenos desde a
tenra idade. Baseadas na observação sobre como os bebês aprendem sua língua
materna, destacaremos as reflexões que possibilitaram Suzuki a compreender
o mesmo princípio na aprendizagem do instrumento. Apresentaremos as bases
filosóficas que substanciam a afirmação “toda criança é capaz” de adquirir
habilidades diversas e essenciais para a vida, sendo a música apenas uma delas.

Palavras-chave: Filosofia Suzuki. Educação do Talento. Desenvolvimento


Infantil.

1
Amanda Cristina dos Santos Ritzmann. Especialista em Educação Musical pelo Claretiano –
Centro Universitário. Bacharel em Violino pela Universidade Estadual do Paraná (Unespar), campus de
Curitiba I. E-mail: <acs2907@gmail.com>.
2
Sara Cecília Cesca. Doutoranda e mestra em Música pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp). Especialista em Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas pela Universidade Federal
de Brasília (UnB). Bacharel em Música pela Universidade de São Paulo (USP). Licenciada em Música
pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). E-mail: <sara.cesca@gmail.com>.

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The origin and principles of the Suzuki


Philosophy in music education for children

Amanda Cristina dos Santos RITZMANN


Sara Cecília CESCA
Abstract: This essay presents and reflects on the principles of Shinichi Suzuki’s
philosophy and its impact on children’s education. It intends to show teachers,
parents and students the experiences that inspired Suzuki’s great work as an
educator, presenting his observations on children’s development since early
childhood. Based on how babies learn their mother tongue naturally, we will
show the reflections that led Suzuki to realize that the same process could be
used to learn an instrument. We will present the philosophical principles which
support the affirmation that “every child can” learn several abilities essential to
life, with music being only one possibility.

Keywords: Suzuki Philosophy. Talent Education. Children Development.

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1.  INTRODUÇÃO

O presente artigo científico tem como tema a apresentação


dos princípios filosóficos que orientam a abordagem do ensino de
música para crianças de Shinichi Suzuki. A difusão de seu pensa-
mento cresce mundialmente desde sua implantação, segundo dados
da Suzuki Association of the Americas. O tema escolhido possui
ampla relevância por se tratar de uma abordagem especialmente
difundida no ensino de instrumento para crianças. Ter os princí-
pios e conceitos da Filosofia Suzuki reunidos em um mesmo artigo
facilita a busca e compreensão daqueles que têm interesse em co-
nhecer mais sobre o tema. As reflexões apresentadas destinam-se
a professores que não têm conhecimento sobre a Filosofia Suzuki,
professores que desejam aprofundar-se, e pais e mães de alunos(as)
adeptos dessa filosofia de ensino.
Apresentaremos os princípios que deram origem às bases pe-
dagógicas de Shinichi Suzuki, bem como os principais conceitos
que orientam sua abordagem. Refletiremos, também, sobre suas
contribuições para o desenvolvimento humano além da Música.
Este trabalho parte de uma revisão bibliográfica composta
por livros, artigos, monografias, teses e dissertações escritas por
músicos e educadores musicais. Como suporte teórico filosófico,
faremos uso da obra Educação é Amor, do próprio Shinichi Suzuki,
a única de suas obras traduzida para a língua portuguesa.

2.  DA EXPERIÊNCIA PESSOAL AO SURGIMENTO DA


FILOSOFIA

Shinichi Suzuki (1994), violinista e educador japonês, afir-


ma, em sua obra Educação é Amor, que o sentido da vida deve ser a
busca pelo amor, pela verdade, virtude e beleza. Ao traçar um pano-
rama de suas obras, bem como uma análise biográfica de sua vida,
é possível perceber a preocupação do educador com a formação
musical e pessoal de seus alunos e alunas. Em linhas gerais, Suzuki
(1994) destaca em sua obra o potencial que cada criança traz consi-
go e que a educação do talento apenas comprova um caminho para

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adquirir habilidades diversas, isto é, “[...] o objetivo da educação do


talento é treinar as crianças, não a ser músicos profissionais, mas a
ser bons músicos e mostrar toda a sua habilidade em qualquer pro-
fissão que escolherem” (SUZUKI, 1994, p. 76).
Beatriz Ilari (2012, p. 187) destaca, em seus escritos, que Su-
zuki “propõe uma nova leitura da criança instrumentista, do talento,
do papel da socialização na aprendizagem instrumental e do poten-
cial da educação musical na vida humana”, o que contribui para que
sua abordagem seja “[...] uma das mais bem-sucedidas em termos
de repercussão internacional” (ILARI, 2012, p. 189), rendendo-lhe,
inclusive, uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz em 2012.
Os motivos nobres que levariam ao surgimento da Educação
do Talento (nome atribuído à Filosofia Suzuki) podem ser explica-
dos quando retomamos fatos da infância e juventude do músico.
Desde pequeno, aprendeu com seu pai, dono de uma fábrica de
violinos, a importância do ouvir os outros, lição que o marcou bas-
tante. Suzuki (1994) conta, em Educação é Amor, que foi inspirado
por livros de filosofia ocidental, dentre eles, Diário, de Leon Tols-
tói. Aos 17 anos, impactado com o pensamento de Tolstói, Suzuki
começou a refletir sobre a vida e sobre a consciência humana, e
considera que foi nessa época que seus “fundamentos foram esta-
belecidos” (SUZUKI, 1994, p. 63).
Ao voltar da escola, mesmo jovem, ainda gostava de brin-
car com outras crianças da vizinhança para absorver seu espírito
e sua mansidão (SUZUKI, 1994). Foi durante essas brincadeiras
que Suzuki, inspirado pelos escritos de Tolstói, começou a questio-
nar o futuro dos pequenos: “Por que não poderiam ser criadas para
manter a beleza de suas almas? Deve haver alguma coisa errada
com a educação” (SUZUKI, 1994, p. 65). A escola em que estudava
também teve grande influência na criação de sua filosofia, pois foi
onde ele aprendeu a ideia de “Caráter primeiro, habilidade depois”
(SUZUKI, 1994, p. 65), aspecto essencial de sua obra Educação é
amor e de sua Filosofia.
Suzuki iniciou seus estudos de violino sozinho, após ouvir
e encantar-se pela obra Ave Maria de Schubert, gravada por Mis-
cha Elman (SUZUKI, 1994). Após estudar em Tóquio, no Japão,

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mudou-se para Berlim, onde escolheu Karl Klinger para ser seu
professor de violino após ouvi-lo tocar (SUZUKI, 1994). Segundo
Suzuki (1994, p. 72), “[...] ser orientado por um homem de tão alto
caráter, realmente foi uma benção”. O músico sempre valorizou o
caráter daqueles com quem entrava em contato:
Um dia você descobrirá que a melhor e maior benção na
terra é poder entrar em contato com pessoas dotadas de
alta humanidade que, também através de sua arte, tem uma
alma pura e nobre. E qualquer coisa que você possa absor-
ver dessa grandeza e beleza de caráter determinará o seu
valor como pessoa. Entretanto, para perceber e assimilar
essas qualidades, precisa-se humildade e poder de julgar,
que só vem através da sinceridade, do amor e do conheci-
mento (SUZUKI, 1994, p. 38).
Como conta em Educação é Amor, Suzuki (1994) também
criou uma bonita amizade com Albert Einstein, o que conta ser
[...] uma das coisas mais maravilhosas que aconteceram na
minha vida. Daí proveio toda minha convicção e a teoria
básica para a motivação que me permitiu lançar, com ple-
na segurança, o movimento de Educação do Talento para
crianças pequenas (SUZUKI, 1994, p. 74).
Após tocar em um jantar, o talento do japonês foi questionado
por uma senhora, que se perguntava como ele podia reproduzir tão
bem uma peça alemã para violino. Einstein prontamente respondeu
que todas as pessoas são iguais, o que inspirou Suzuki profunda-
mente e corroborou as ideias que vinha desenvolvendo desde a ju-
ventude (SUZUKI, 1994).
Além de Tolstói, Suzuki cita Mozart como uma de suas mais
importantes fontes de inspiração. Após ouvir um quinteto para cla-
rinete, em Berlim, ele passou a se sentir “[...] sob o inescapável
comando de Mozart”, que teria deixado a ele a herança de “cuidar
da felicidade de todas as crianças” (SUZUKI, 1994, p. 77).
Em 1945, já de volta ao Japão, Suzuki encontra o país “[...]
empobrecido e o dinheiro de todos, congelado” (SUZUKI, 1994, p.
57). Além das dificuldades financeiras, que o levaram a ficar sepa-
rado fisicamente de sua esposa Waltraud, o músico enfrentou uma
séria doença estomacal (SUZUKI, 1994, p. 58). Porém, durante

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esse período, teve tempo de desenvolver um sistema de aritmética


que seguia tudo o que acreditava ser necessário para o aprendizado,
o que o fez ter mais certeza de que “[...] o princípio da Educação
do Talento, baseado na maneira como se aprende a língua materna,
vai certamente mudar o rumo da educação” (SUZUKI, 1994, p. 58,
destaque nosso).
Segundo Yoshihara (2007 apud ILARI, 2012, p. 197), “os
anos de guerra tiveram um forte impacto sobre Suzuki”, o que fez
com que ele buscasse uma “educação igualitária e democrática”.
A Educação do Talento proposta por Suzuki não era apenas um
método para ensinar música para crianças, mas um valioso meio de
“fazê-las recuperar a confiança em si mesmas, e desenvolverem a
persistência necessária para auxiliá-las a ultrapassar a grande cri-
se, contribuindo para a reconstrução do Japão” (FONTERRADA,
2005, p. 154).
Em sua obra, Suzuki (1994, p. 83) enfatiza que “[...] o que
virá de uma criança depende inteiramente de sua educação”, e por
essa razão dedicou todas suas forças “para a promoção da Educa-
ção do Talento” (SUZUKI, 1994, p. 83, destaque nosso). Declara,
também, que seu
[...] desejo é de que todas as crianças deste mundo possam
ser boas criaturas humanas, pessoas felizes, com habilida-
des superiores, e me dedico com todas minhas energias a
realizar isso (SUZUKI, 1994, p. 83).
Segundo Madsen (1990, p. 58, tradução nossa), Suzuki citava
Pablo Casals e sua frase de que a música é capaz de mudar o mun-
do, complementando: “E quem irá proporcionar isso? Não é essa
a responsabilidade e missão de todos os envolvidos com educação
musical?”.

3.  AS BASES DA FILOSOFIA SUZUKI

O Método Suzuki vai além dos livros de repertório. Segundo


a musicista e professora americana Barbara Barber (1993, p. 33,
tradução nossa),

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[...] apesar de seu repertório ser publicado e normalmente


chamado de “método”, ele é na verdade uma filosofia edu-
cacional que pode ser usada no ensino de qualquer matéria
ou habilidade, para alunos de qualquer idade.
Edwin Ludtke (2010, p. 6), também chegou à mesma conclu-
são, como cita em sua monografia:
Entendi que muito mais do que aquelas músicas que co-
nheci, havia uma filosofia que pretendia atuar no desen-
volvimento humano dos seus alunos ensinando valores.
Ludtke (2010, p. 37) também explica o método como “[...]
um caminho didático para a aplicação de sua filosofia”.
Suzuki (1994, p. 41) acredita que “[...] toda criança pode ser
educada, é apenas uma questão de método de educação”, e frisa que
“talento não é herdado ou inato, mas tem de ser educado e desen-
volvido” (SUZUKI, 1994, p. 23). José Fortunato Fernandes (2011)
conclui que sua filosofia pode ser aplicada em locais diversos e
que o professor deve estar atento às necessidades do aluno. Suzuki
(1994) também diz, em Educação é Amor, que o talento precisa ser
cultivado em todas as áreas, o que faz com que suas ideias possam
ser usadas em outros campos, não apenas na Música.
Segundo Barber (1993, p. 33, tradução nossa), Suzuki:
[...] chama seu plano de “abordagem da língua materna”,
visto que segue os mesmos passos pelos quais as crianças
aprendem a falar: exposição, imitação, incentivo, repeti-
ção, adição e refinamento.
O músico japonês chegou a essa abordagem, a qual chama
de “método perfeito” (SUZUKI, 1994, p. 12), já adulto, por volta
dos 33 anos, quando, ao indagar-se sobre como poderia ensinar um
aluno de 4 anos a tocar violino, percebeu que toda criança fala sua
língua materna “fácil e fluentemente” (SUZUKI, 1994, p. 12). Bar-
ber (1993, p. 33, tradução nossa) explica que “[...] o ensino Suzuki
é som antes do símbolo, o que é, de fato, a mais ‘tradicional’ forma
de ensino do mundo”.
A Educação do Talento busca educar as crianças “desde o
berço, para terem alma nobre, alto senso de valores e habilidades
esplêndidas” (SUZUKI, 1994, p. 26). Suzuki buscava em seus alu-

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nos e alunas algo além das habilidades musicais, e cuidava para


que eles(as) crescessem para ter um coração fino e puro (SUZUKI,
1994).
O ambiente no qual a criança está inserida tem grande impor-
tância para que todas essas qualidades se desenvolvam. Segundo
Eric Madsen (1990, p. 78, tradução nossa), se ela:
[...] vive em um ambiente harmonioso, a criança desenvol-
verá habilidades superiores às daquelas que foram criadas
por pessoas violentas dentro de um cenário de guerra de-
vastador.
De acordo com Suzuki (1994, p. 21), “[...] a única habilidade
superior que a criança pode ter ao nascer é a de se adaptar com
maior rapidez e sensibilidade ao seu ambiente que as outras crian-
ças”.
Em Educação é Amor, os alunos e alunas são comparados a
sementes que, com trabalho diário baseado na “paciência e repe-
tição”, vão se desenvolvendo até que o “‘broto da capacidade’ se
estabeleça” (SUZUKI, 1994, p. 15). Segundo Barber (1993, p. 33,
tradução livre), o nome Educação do Talento nasce nas reflexões
de Suzuki, quando compreende que “[...] toda criança nasce com
um notável potencial e, provida de um ambiente musical estimulan-
te e treinamento excelente, pode aprender a tocar um instrumento”.
Outro ponto diferenciado da Filosofia Suzuki é o envolvi-
mento da família no aprendizado musical. Segundo Suzuki (1994,
p. 20), “[...] o destino das crianças está na mão de seus pais”. Bar-
ber (1993, p. 33, tradução nossa) compara essa visão à do papel
dos pais no ensino musical tido como tradicional, dizendo que “[...]
qualquer professor aprecia apoio e encorajamento dos pais. No en-
tanto, eles não cobram que o pai/mãe tenha um papel tão ativo no
processo de aprendizagem”. De acordo com Suzuki (1994, p. 12),
“[...] educação deve começar no dia do nascimento” e primeiro se
deve “[...] educar o espírito, e depois, desenvolver a habilidade”
(SUZUKI, 1994, p. 92). O músico ainda dá um conselho aos pais:
“[...] se você é formal e severo e tem a atitude ‘isto – é – educação’,
você vai imediatamente atrapalhar a criança” (SUZUKI, 1994, p.
92).

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A Filosofia Suzuki traz também, em seus princípios, o incen-


tivo e o elogio como alicerces para o desenvolvimento de diferen-
tes habilidades; e a confiança, virtude adquirida por um processo
nutrido de amorosidade e respeito, fortalece as bases do aprendi-
zado. Quando pronuncia suas primeiras palavras, é comum o bebê
receber elogios e aplausos e, consequentemente, os mesmos que
aplaudem o estimulam para que pronuncie cada vez mais. Segundo
Suzuki, assim como com os bebês, esse mesmo processo de mi-
mese ocorre com a criança perante as etapas do aprendizado do
instrumento. Quando suas conquistas são reconhecidamente legíti-
mas, se enchem de orgulho e prazer por concluir com êxito tarefas
ou adquirir novas habilidades. Baseada em afetos dessa natureza, a
criança sedimenta seu vínculo com a prática musical, sua confiança
e gozo em tocar se dá por ser capaz de tocar.
No âmbito da estratégia pedagógica, a realização de aulas em
grupo é a grande porta de entrada para o desenvolvimento das tra-
mas sociais, e as orientações técnicas, bem como a escolha padrão
das peças sugeridas por Suzuki, possibilitam execuções musicais
em larga escala em qualquer lugar em que se encontrem alunos e
alunas que seguem o método, afinal, todos sabem o mesmo reper-
tório de cor. Segundo Suzuki (1994), tocar junto com crianças mais
adiantadas é uma bela influência e incentiva os alunos a crescer.
Para Suzuki (1994, p. 87), “[...] a capacidade de memorizar
é das mais importantes na vida e deve ser incutida profundamen-
te”. Para isso, é necessário ouvir e repetir as músicas que se deseja
tocar. Em Educação e Amor, o músico fala que “[...] habilidade é
algo que devemos criar ou elaborar em nós mesmos. Isso significa
repetir e repetir até que algo seja parte de nós mesmos” (SUZUKI,
1994, p. 47). De acordo com Suzuki (1994), a repetição é essencial
para conseguir tocar a música de forma fluída e bela.
O violinista também apresenta dois preceitos que substan-
ciam sua filosofia: primeiro, “não se apresse”; e segundo, “[...] não
descanse em seus esforços” (SUZUKI, 1994, p. 48). Para ele, “[...]
uma pessoa inativa não desenvolve habilidades” (1994, p. 27), ou
seja, é necessário desenvolver junto com a criança a habilidade de
transformar pensamentos e desejos em ações. Se a criança não cria

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desde cedo esse hábito, “[...] essa postura de ‘adiar para mais tar-
de’, influencia o destino de uma pessoa a vida toda” (SUZUKI,
1994, p. 46, destaque do autor).
O próprio Suzuki (1994) precisou desenvolver autodisciplina
e repetição ao aprender violino, o que solidificou ainda mais a base
para a criação de sua filosofia:
Minha autodisciplina transformou-se, em outras palavras,
no método da Educação do Talento. [...] ‘Tocar passando
por cima’ várias peças não significa praticar bem se ne-
nhuma delas é tocada realmente de maneira excelente. [...]
Isso não vale só para a música, mas também, para todas as
outras atividades (SUZUKI, 1994, p. 46 e 47).
Segundo Fernandes (2011, p. 41), a Filosofia Suzuki “[...]
traz conceitos muito simples de serem entendidos e desenvolvidos:
fé, autodisciplina, repetição, paciência, perseverança e principal-
mente amor”.

4.  BENEFÍCIOS PARA AS CRIANÇAS: BREVE DEPOI-


MENTO

O propósito de Shinichi Suzuki é fazer com que todas as crian-


ças do mundo “sejam felizes e bem cuidadas” (SUZUKI, 1994, p.
100). Segundo Ilari (2012, p. 188), “[...] a essência da Educação do
Talento é a formação integral do ser humano”. Para que isso acon-
teça, é necessário que professores, pais, e todos os envolvidos na
educação da criança estejam em sintonia e dispostos a aplicar e vi-
venciar a abordagem como um todo. Caso isso ocorra, cremos que a
experiência musical da criança será muito mais rica e significativa.
Em minha experiência como aluna de violino, a participa-
ção da família na educação musical foi muito benéfica. Minha mãe
acompanhou minhas aulas de violino desde o início e permaneceu
em sala de aula até minha adolescência, sempre anotando atenta-
mente as instruções dos professores e reproduzindo em casa o que
era necessário praticar durante aquela semana. Além disso, o apoio
dos outros familiares, que sempre me motivaram e estiveram pre-
sentes nas minhas apresentações musicais, foi essencial para que

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a música se tornasse ainda mais especial em minha vida e criasse


diversas memórias agradáveis para toda a família.
Fui aluna Suzuki desde os 5 anos de idade e vejo que os en-
sinamentos que recebi influenciaram diversos aspectos em minha
vida, não somente aqueles ligados à música, mas também no que
diz respeito a aumentar minha confiança e disciplina. Por exemplo,
essas habilidades facilitaram muito meu desempenho na escola re-
gular, pois sabia como estudar para conseguir bons resultados, esta-
va habituada a treinar minha memória, e mostrava desenvoltura ao
apresentar trabalhos escolares e ao debater ideias em sala de aula.
Ludtke (2010) cita, em sua monografia, quatro habilidades
sugeridas pela Unesco que seriam “pilares do conhecimento”. São
elas: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos
e aprender a ser. A Filosofia Suzuki abrange esses quatro tópicos
por meio de uma abordagem amorosa e que incentiva a criança
a desenvolver todo seu potencial. Ludtke (2010, p. 36) diz sobre
Suzuki que, “[...] em todo o tempo, concepção, desenvolvimento,
aplicação, ele tinha em mente o desenvolvimento de outras habili-
dades nos seus educandos”.
Segundo Barber (1993, p. 33, tradução nossa), o que faz com
que essa abordagem educativa seja diferente e especial é “[...] sua
impressionante habilidade de desenvolver as crianças e enriquecer
suas vidas”. Para isso, professores interessados podem procurar
cursos oferecidos pela Suzuki Association of Americas, que são mi-
nistrados por pedagogos altamente qualificados. É importante que
professores e pais tenham consciência do que é a Filosofia Suzuki,
para que as crianças possam aproveitar ao máximo todos os benefí-
cios que sua prática tem a oferecer.
Outro aspecto importante a ser analisado diz respeito à con-
fusão conceitual que geralmente se faz da abordagem e, de acordo
com Ludtke (2010, p. 8), “[...] incoerências entre filosofia e méto-
do podem levar a resultados diametralmente opostos aos objetivos
iniciais”. Ludtke (2010, p. 6) complementa essa ideia ao afirmar
que muitas vezes “[...] há um pensamento mais voltado para a apli-
cação puramente técnica do método, o que não era nem de perto
a intenção expressa pela filosofia”. Segundo Fonterrada (2005, p.

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154), o Método Suzuki – utilizado de acordo com os princípios e


ideias originais de Shinichi Suzuki – mostra que “[...] as crianças
são capazes de desenvolver as habilidades necessárias à execução
de obras importantes da literatura do instrumento”.
Fernandes (2011, p. 40) conclui, após utilizar algumas estra-
tégias da Filosofia Suzuki, ao ensinar canto coral para adolescentes
em cumprimento de medida socioeducativa, que a filosofia “[...]
pode transformar o caráter desses adolescentes, trazendo resultados
surpreendentes e tornando nossa sociedade melhor”. Suzuki afirma
com firmeza “que toda criança pode adquirir habilidades superio-
res, e essa minha fé nunca foi decepcionada” (SUZUKI, 1994, p.
93).

5.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das considerações e reflexões apresentadas, podemos


compreender de que forma Shinichi Suzuki concebeu as bases da
sua filosofia de ensino e, posteriormente, o modo como estruturou
seus alicerces metodológicos. Desde a juventude, pôde colher de
suas observações a compreensão do impacto do ambiente na for-
mação humana, bem como a importância da repetição e dos bons
exemplos como fatores para o desenvolvimento de habilidades.
Destacamos, também, a importância da relação triádica den-
tro da Filosofia Suzuki, cabendo ao professor(a), juntamente com
pais e mães, o desenvolvimento de estratégias de ensino (na aula
e em casa) para que a confiança e o prazer de fazer bem aquilo
que se faz possam gerar sempre o ímpeto de conquistar outras no-
vas aptidões em qualquer criança. É importante também, que o(a)
professor(a) seja familiarizado com a Filosofia e saiba adaptá-la à
realidade cultural e social de cada aluno(a).
Pode-se também notar o tamanho da atenção e do cuidado
que Shinichi Suzuki dedicou aos seus alunos e a todas as crianças
ao seu redor, acreditando sempre que, mediante um treinamento
de excelência, qualquer uma delas seria capaz de desenvolver ha-
bilidades, além de crescer em sensibilidade, sabedoria e conduta.

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Suzuki faleceu em 1998, aos 99 anos, tempo suficiente para deixar


seu legado no mundo da música e da educação.

REFERÊNCIAS

BARBER, B. Traditional and Suzuki teaching: a comparison. American Suzuki


Journal, v. 22. n. 1, p. 33, 1993. Disponível em: <https://suzukiassociation.org/
news/traditional-suzuki-teaching-comparison/>. Acesso em: 20 mar. 2017.

FERNANDES, J. F. A filosofia de Shinichi Suzuki aplicada ao canto coral


para adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. Revista Espaço
Intermediário, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 38-53, jun. 2011. Disponível em: <http://
www.ufmt.br/ufmt/unidade/userfiles/publicacoes/3d49344b42c9b31bdafb3a51
9187ea49.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2017.

FONTERRADA, M. T. O. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação.


São Paulo: Editora Unesp, 2005.

ILARI, B. Shinichi Suzuki: a educação do talento. In: ILARI, B.; MATEIRO,


T. (Orgs.). Pedagogias em Educação Musical. Curitiba: Intersaberes, 2012. p.
185-218.

LUDTKE, E. M. Os quatro pilares da educação e filosofia Suzuki: um caminho


possível para a sócio-educação musical. 2010. 45f. Monografia (Licenciatura em
Música) – Instituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artes. Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Rio de Janeiro, 2010. Disponível em:
<http://www.domain.adm.br/dem/licenciatura/monografia/edwinludtke.pdf>.
Acesso em: 20 mar. 2017.

MADSEN, E. The genesis of Suzuki: an investigation of the roots of Talent


Education. 1990. 71f. Dissertação (Master of Arts) – Department of Administration
and Policy Studies, Faculty of Education. McGill University, Montreal, 1990.
Disponível em: <https://suzanne1.files.wordpress.com/2014/08/the-genesis-of-
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SUZUKI, S. Educação é Amor. 2. ed. Santa Maria: Palotti, 1994.

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