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Resumo: O presente texto objetiva discutir sobre como as discussões do corpo social e do capital
corporal são desenvolvidas nos escritos do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Inicia com
considerações acerca do corpo e sua construção social, realizando uma conexão com os principais
conceitos do autor, destacando o habitus e a incorporação das disposições realizadas nos processos
de socialização nos campos sociais e evidenciando, na perspectiva da economia dos bens simbólicos,
as discussões sobre o capital corporal, em que as propriedades corporais são entendidas como capital
para a obtenção de lucros sociais. Finaliza-se o capítulo discutindo o capital corporal e o
investimento no corpo, apontando de forma prática a possibilidade de observação deste tipo de
capital e com o extrato das considerações finais, que percorrem alguns argumentos apontados ao
longo da publicação com intuito de fechamento.
Palavras-Chave: corpo social; capital corporal; Pierre Bourdieu.
Abstract: This paper aims to discuss how the discussions of the social body and corporal capital are
developed in the writings of the French sociologist Pierre Bourdieu. It begins with considerations
about the body and its social construction, making a connection with the main concepts of the author,
highlighting the habitus and the incorporation of the provisions made in the socialization processes
in the social fields and showing, from the perspective of the symbolic goods economy, the
discussions on corporeal capital, in which corporeal properties are understood as capital for the
attainment of social profits. The chapter concludes by discussing the body capital and the investment
in the body, pointing out in a practical way the possibility of observing this type of capital and with
1
Possui graduação em Educação Física pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1995), graduação em
Ciências - Licenciatura de 1 Grau pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória
(2000) e graduação em Ciências Biológicas pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da
Vitória (2004). Mestrado em Educação na UFPR, na linha de cultura, escola e ensino. Atualmente é QPM da
Escola Estadual Nicolau Copérnico. Tem experiência na área de Educação Física, Educação, Mídias na Educação
e Ciências Biológicas.
2
Possui graduação em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná (1991), especialização em Educação
Física Escolar/UFPR (1994), mestrado em Educação na linha de Cultura, Saberes e Práticas Escolares pela
Universidade Federal do Paraná (2003) e doutorado em Educação, também pela UFPR (2007), onde defendeu tese
sobre a apropriação da teoria sociológica de Pierre Bourdieu no campo acadêmico educacional. Atualmente é
professora associada da Universidade Federal do Paraná no curso de Educação Física, professora permanente da
Pós-Graduação em Educação - UFPR. Tem experiência na área de Educação Física, com ênfase em Expressão
Corporal, Dança e Sociologia do Esporte. Ainda atua na área da Sociologia da Educação, com ênfase na teoria
sociológica de Pierre Bourdieu e na área de Metodologia de Ensino Superior
the extract of the final considerations, which cover some arguments pointed out throughout the
publication with the intention of closing.
Keywords: social body; body capital; Pierre Bourdieu.
Introdução
Este artigo pretende discutir sobre como as discussões do corpo social e do capital
corporal são desenvolvidas nos escritos do sociólogo francês Pierre Bourdieu e alguns de seus
comentadores. Inicia com considerações acerca do corpo e sua construção social, realizando
uma conexão com os principais conceitos do autor. Tais conexões são desenvolvidas valendo-
se do modo de pensamento relacional de Bourdieu que interconecta disposição (habitus),
situação (campo) e bens simbólicos (capitais).
O significado de tais discussões tem a ver com a possibilidade de refletir com o autor
sobre a somatização de relações de dominação que acontecem pelo corpo, lugar de investimento
e princípio de sua eficácia, bem como desvelar que é a partir do adestramento dos corpos que
se impõem as disposições mais fundamentais, que ao mesmo tempo inclina e torna o indivíduo
apto para entrar nos jogos sociais (BOURDIEU, 2002). A entrada e permanência nos jogos
sociais dependem da obtenção de trunfos ou cartas mestras em forma de capitais, sendo um
desses bens, o corporal.
Na possibilidade de entender a conceituação de corpo e de construção social do corpo
proposta por Pierre Bourdieu, intenciona-se torná-la uma ferramenta de análise para a
elaboração de estudos que utilizam estes conceitos.
A relevância de tal empreitada é ressaltada por Montagner (2006, p. 518) quando alerta
que,
Diversos autores3 têm se dedicado ao exame e estudo das abordagens de Bourdieu sobre
3
Verificar entre os comentadores brasileiros: MEDEIROS, C. C. C. de. Habitus e corpo social: reflexões sobre o
corpo na teoria sociológica de Pierre Bourdieu. Movimento, Porto Alegre, v.17, n.01, p.281-300, janeiro/março
o corpo. Apontam inclusive Chevallier e Chauviré (2010, p. 30) que este destaque é possível e
bem vindo porque “a Filosofia de Bourdieu é uma Filosofia do corpo, uma Antropologia da
existência humana como social feito corpo”.
Medeiros (2011) corrobora com Détrez (2006) quando afirma que Bourdieu reflete o
corpo em torno de três eixos: o corpo como lugar do senso prático, o corpo como manifestação
do habitus e o corpo como enjeux (aposta, mecanismo, investimento) de poder e dominação. O
corpo como lugar do senso prático seria onde o corpo reage muito mais a partir do ato reflexo
do que da reflexão, pois depois da aquisição e incorporação de valores ele estaria condicionado
a responder de forma automatizada as situações que ocorrem no meio social, o corpo como uma
construção social. Em relação ao segundo eixo, o corpo seria a manifestação do habitus onde
as escolhas alimentares, esportivas, as habilidades motoras contribuem para moldar os corpos
conforme as classes sociais revelando o esquema corporal como depositário de toda uma visão
do mundo social e de pertencimento a um grupo social.
Entende-se aqui o habitus como as maneiras de ser, de pensar, de perceber e de agir;
como o conjunto de ações e reações inculcadas no agente no processo de socialização que
constrói o corpo social. A partir da análise das disposições incorporadas, do esquema corporal,
dos movimentos, das técnicas e dos usos do corpo, pode-se afirmar que o corpo é um produto
social desde as dimensões de sua conformação visível, até nas formas de se portar e se
comportar, em que expressa sua relação com o mundo social (BOURDIEU, 1977). O corpo
assimila então, desde o nascimento, valores existentes nas relações familiares e no grupo social
de convívio imediato. Sobre essa inculcação ou assimilação inicial serão sobrepostas as
posteriores, aquelas advindas do meio escolar e das relações sociais nele possibilitadas e,
posteriormente, no mundo do trabalho e demais campos sociais pelos quais o indivíduo
circulará, dependendo de diversas mediações.
Como ressalta Bourdieu (2002a, p. 81),
de 2011; MONTAGNER, M. A. Pierre Bourdieu, o corpo e a saúde: algumas possibilidades teóricas. Ciência &
Saúde Coletiva, Rio de Janeiro. vol. 11 n.2: 515-526, 2006, entre outros.
incorporação das estruturas sociais. Explica que se trata de um conjunto de ações e reações
incorporadas pelos indivíduos a partir da vivência em sociedade, que surge das interações
sociais do meio e molda as atitudes e os pensamentos, tornando-se uma matriz cultural
internalizada que opera concretamente sobre o agente. Para Wacquant (2002a, p. 102), “... o
habitus é um conjunto de desejos, vontades e habilidades, socialmente constituídas, que são ao
mesmo tempo cognitivas, emotivas, estéticas e éticas”.
No terceiro eixo o pertencimento social leva o corpo a ser o local de aplicação e de
reprodução das formas de dominação (social, física e simbólica), um enjeux privilegiado para
o exercício da violência simbólica. Nesse terceiro eixo se torna fundamental a localização do
agente nos campos sociais, entendendo o campo como um espaço social concorrencial
estruturado distinto de posições hierarquizadas em que se delimitam práticas que obedecem ao
senso prático e corroboram com a construção e o reforço do habitus, do capital e do gradual de
poder, dando ao seu detentor vantagens, possibilitando o trânsito pelo campo e facilitando as
associações, o que se entende no arcabouço teórico de Bourdieu como “economia dos bens
simbólicos”.
O agente quando possuidor de capital específico circula de maneira fluída, potencializa
os agenciamentos e facilita a sua aceitação pelos demais. De modo destacado, o conceito de
capital será abordado na próxima secção, acentuando-se o conceito de capital corporal. Por ora
é interessante enfatizar que a quantidade e a forma de acumulação de capital são diferentes entre
os indivíduos, mas, quando entram em um campo, passam a conjugar ideias e atitudes. É a partir
das igualdades entre os membros, dos valores comungados, da héxis corporal específica desse
campo que são construídas as fronteiras e os limites do campo. Possuir características comuns
passa a ser necessário para a permanência nesse grupo e no jogo. Aqui está novamente
configurado o senso prático, a necessidade social que se torna natureza, a ação imediata às
conformações de um campo sem necessidade de acesso a consciência imediata, uma ação que
deriva da incorporação reflexa do habitus e que é carregada de significação, envolvendo
esquemas motores e automatismos corporais sensatos ou habitados pelo senso comum
(BOURDIEU, 2011).
O senso prático orienta escolhas por ser portador de uma finalidade retrospectiva, uma
antecipação às exigências de um campo, um “senso do jogo”, uma antecipação, a configuração
do encontro entre o habitus e o campo. A circulação efetiva em determinado campo produz um
conhecimento singular que predispõe o comportamento do agente, a seguir as regras, a
mergulhar num universo único que o faz mover-se com fluência e pertencimento neste espaço.
Pierre Bourdieu distingue, no decorrer de sua obra, quatro principais tipos de capital: o
social, o cultural, o econômico e o simbólico.
O capital social refere-se à extensão da rede de relações que um agente pode
efetivamente mobilizar e do volume de capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse
exclusiva de cada um daqueles que está ligado, da rede de relações que estabelece socialmente
e do reconhecimento interno no contexto (BOURDIEU, 2007a).
O capital econômico refere-se a bens materiais, dinheiro ou posses e o capital simbólico
está relacionado aos efeitos simbólicos da detenção de capital: “Todo tipo de capital
(econômico, cultural, social) tende a funcionar (em graus diferentes) como capital simbólico...”
(BOURDIEU, 2001, p.296). Refere-se não a um capital específico, mas, a importância
simbólica socialmente consolidada no reconhecimento desse capital.
O capital cultural refere-se aos bens culturais, sendo que Bourdieu (2007b) os classifica
em três estados: o estado incorporado, que está ligado ao corpo e pressupõe a incorporação. A
acumulação nesse estado deduz um trabalho de inculcação e de assimilação, custa tempo e deve
ser investido pessoalmente pelo investidor (bronzeamento); o capital cultural é um ter que se
tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante do indivíduo, um
habitus. O estado objetivado do capital cultural pode ser identificado em obras de arte, livros e
equipamentos possuídos pelo indivíduo e que podem ser transmitidos de forma material através
do capital econômico ou de propriedade jurídica. Bourdieu (2007b) ressalta, entretanto, que a
apropriação simbólica necessita de um capital cultural incorporado específico e que a condição
de apropriação cultural não é transmissível. O terceiro estado do capital cultural é o
institucionalizado, representado pelos diplomas que possuem valor convencional, constante e
pomadas e unguentos, são exemplos de ações voltadas para a conservação desse capital corporal
para um boxeador, uma vez que eles seguem uma “ciência concreta” de seu próprio corpo.
Medeiros (2011) interpreta o capital corporal a partir da teoria de Bourdieu, em que as
propriedades corporais são entendidas como capital para a obtenção de lucros sociais, a
habilidade corporal na prática de esportes e a introdução precoce de uma habilidade específica,
pois esta seria bem mais rentável do que se ocorresse tardiamente. Partindo desses
apontamentos sinaliza-se a importância não só prematura do desenvolvimento das habilidades
motoras, como o aumento de possibilidades a partir de uma gama maior de habilidades. Os
interesses pelos esportes são condicionados primeiramente pelo gosto de classe e
posteriormente pela capacidade ou não em dominar habilidades motoras das modalidades. O
universo motor e social do agente condicionam possibilidades corporais que proporcionam
acesso a campos específicos.
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Verificar em JANOWSKI, D. A. As práticas de cultura corporal na escola: entre os significados e a obtenção
do capital corporal na disciplina de Educação Física. Dissertação (Mestrado Acadêmico) – Programa de Pós-
Graduação em Educação. Universidade Federal do Paraná. Curitiba: UFPR, 2016.
Considerações Finais
Tem-se como premissa que a cultura corporal diz respeito a aspectos que podem
influenciar na construção do corpo social, resultante de uma incorporação de vivências e
aprendizagens motoras, sociais e cognitivas. O corpo passa então a ser pensado como uma
construção, produto do vivido, que pode trazer lucros nas relações sociais e abrir possibilidades
em campos específicos. A expectativa de lucro social, a agregação de ganhos físicos e a melhora
funcional do corpo pressupõe a existência de uma forma singular de capital, o capital corporal,
explorada no quadro teórico de análise de Pierre Bourdieu, para definir a possível acumulação
de valores corporais.
A imagem corporal e os atributos corporais podem ser entendidos então como um
produto de toda a formação corporal individual. A acumulação das vivências e aprendizagens
compõe um conteúdo importante na construção da héxis corporal e em sua resultante social.
Esse conteúdo acumulado pode ser considerado como capital corporal cuja quantidade de
acúmulo de recursos dos agentes em suas posições no campo, pode ser transformada em “uma
‘energia social’ congelada e conversível” (WACQUANT, 2002a, p. 98).
Investir no corpo pressupõe a ideia de lucro a partir da modificação ou adaptação
corporal com fins específicos, como melhor aceitação pelos pares nas relações, potencialização
das capacidades corporais e manutenção do corpo. Este relacionamento com corpo está
condicionado ao espaço social por onde circula o agente e onde também se traçam as melhores
Referências