Isabel Figueiredo Pereira de Souza, nº USP: 9829629
Resumo crítico: Bourdieu, Pierre (1980) “Le Capital Social: Notes provisoires”, Actes de la recherche en sciences sociales, 31(1), 2-3.
Pierre Félix Bourdieu (1930 - 2002) nasceu em uma família campesina, na
cidade de Denguin, na França. Entrou na faculdade de letras em Paris e, posteriormente, formou-se em filosofia, iniciando sua carreira como professor. Cumpriu serviço militar e foi enviado à Argélia, onde assumiu um cargo de professor na Faculdade de Letras da capital do país. De volta a Paris, foi assistente de Raymond Aron, importante filósofo, sociólogo e comentarista político da França, na Faculdade de Letras de Paris. Em 1960 se tornou membro do Centro de Sociologia Europeia, no qual ocuparia o cargo de secretário-geral dois anos depois. Nessa época, tem início sua intensa produção acadêmica que deu origem ao volumoso conjunto de textos publicados entre 1960 e 1980 e da aquisição de status de um dos mais importantes sociólogos modernos. No que se refere à sociologia moderna ocidental, Jeffrey Alexander (1987) indica a polarização entre grupos de autores que privilegiavam o enfoque sobre a ação individual ou sobre as estruturas sociais. Segundo o autor, no âmbito da sociologia pós-funcionalista, desenvolveram-se escolas que dividem-se entre aquelas identificadas com a “microteorização” individualista, e outras que enfatizavam de forma vigorosa as estruturas sociais e sua força coercitiva, em “macroteorizações” (Alexander 1987, p.1).
Com relação ao desenvolvimento do princípio estruturante da sociologia
ocidental contemporânea, Alexander (1987) contribui para o debate acerca do enfraquecimento dos enfoques unilaterais que, nas décadas de 1960 e 1970, marcavam as escolas sociológicas surgidas no pós-guerra. Tendo em vista superar contradições que se estabeleciam nos dois pólos das escolas sociológicas que priorizavam o enfoque sobre a ação individual ou compreendiam a coerção das estruturas sobre as condutas, na década de 1980, conforme explicita o autor, nova geração de sociólogos desenvolvia, à época, teorias que apontam para a síntese e articulação entre as duas perspectivas modernas.
Pierre Bourdieu pode ser identificado como um expoente deste novo
movimento teórico enunciado por Jeffrey Alexander. Mediante encontros sistemáticos com o universo empírico, sobretudo no âmbito da sociedade francesa, Bourdieu desenvolveu modelos interpretativos e um sistema de conceitos que complexifica a relação entre ação e estrutura. Dessa maneira, torna-se possível compreender sua produção como oposição, tanto ao subjetivismo, quanto ao objetivismo, superando limitações de ambas as formas de apreensão sociológica, relacionando a questão das condutas individuais com as estruturas sociais. Bourdieu (1996) identifica como aspecto elementar de seu trabalho a contribuição para o que denomina de filosofia da ciência relacional que, indo contra um senso comum esclarecido vinculado a realidades substanciais, o autor dá primazia, na construção do trabalho científico, às estruturas de relações objetivas a serem desvendadas, evitando o reconhecimento apenas dos fenômenos diretamente observáveis como reais (Bourdieu, 1996 p.9). Também é apontada pelo autor como fundamental em seu trabalho, a construção de filosofia da ação ou diposicional, que apreende a relação entre estruturas exteriores e as estruturas incorporadas pelos agentes sociais, como uma via de mão dupla (Bourdieu, 1996, p.9). O sociólogo francês recusa, nesse sentido, tanto as formulações teóricas em torno de um racionalismo estreito das condutas de indivíduos autônomos, quanto o estruturalismo que reduz os agentes a mero epifenômenos da estrutura (Bourdieu, 1996, p.10). Ao mergulhar na particularidade de determinadas realidades empíricas para capturar a lógica do mundo social, o autor apreende estruturas e mecanismos comuns à construção e reprodução de diversos espaços sociais. Bourdieu compreende que os espaços sociais (noção que pode ser identificada com o conceito de campo desenvolvido pelo autor, em sua dimensão mais ampla) são objetivamente estruturados a partir das diferentes posições que assumem seus agentes. Essa noção, para o autor, define-se a partir da existência de posições distintas e coexistentes, caracterizadas por sua exterioridade mútua, e pela proximidade ou distanciamento entre seus agentes ou grupos. A distribuição de posições que delimita a proximidade ou distância entre os agentes sociais no interior de um campo ocorre, segundo o autor, de acordo com o volume global de capital acumulado. Verifica-se, nesse sentido, que Bourdieu expande a concepção do que se configura como “capital”, associando o conceito às posses materiais ou imateriais de diferentes naturezas, que operam como recurso de poder no interior de uma sociedade. Dessa forma, Bourdieu desenvolve teoria dos capitais, na qual, destacam- se além do capital econômico (relacionado às posses materiais e poder aquisitivo), sobretudo, o capital cultural (existente sob as formas de competências e habilidades incorporadas, posses e sob a forma de certificações no âmbito do universo cultural legítimo e legitimado) e o capital social (relações pessoais que podem ser mobilizadas trazendo vantagens aos indivíduos) (Bourdieu, Passeron, 2014). “Capital Social - notas provisórias” é um texto publicado em 1980 na revista Actes de la Recherche en Sciences Sociales (ARSS). Fundada por Bourdieu em 1975 e dirigida por ele até a sua morte, a revista abrigou “rascunhos” de vários de seus trabalhos que depois integrariam seus livros. Nesse breve texto Bourdieu apresenta principais premissas em torno da noção de capital social A noção de capital social impõe-se, para o autor, como o único meio de designar o fundamento de efeitos sociais visíveis nos casos em que diferentes indivíduos obtêm um rendimento desigual de um capital (econômico ou cultural) mais ou menos equivalente, segundo o grau em que eles podem mobilizar o capital de um grupo (família, antigos alunos de escolas de "elite", clube seleto, nobreza, etc.). Nesse sentido, é possível observar que a ampliação da noção de capital, pelo autor, ocorre a partir da estruturação de complexo sistema conceitual, no qual diferentes tipos de capital relacionam-se entre si no interior de um campo.
Bourdieu define “capital social” como: “o conjunto de recursos atuais ou
potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis”.
As ligações - que constituem redes de relações e o pertencimento a grupos -
entre agentes são ao mesmo tempo materiais e simbólicas e precisam ser reconhecidas para que sejam instauradas e perpetuadas. Dando ênfase em visão de certa forma mais microssociológica, Bourdieu compreender que esse reconhecimento ocorre graças a “alquimia da troca” que, em suas palavras: “transforma as coisas trocadas em signos de reconhecimento e, mediante o reconhecimento mútuo e o reconhecimento da inclusão no grupo que ela implica, produz o grupo e determina ao mesmo tempo os seus limites, isto é, os limites além dos quais a troca constitutiva, comércio, comensalidade, casamento, não pode ocorrer”.
O autor, no texto publicado em 1980, adentra na questão da intencionalidade
dos agentes com relação à instauração e manutenção dessas redes de relações, processos que coloca como produto de trabalho, afastando a ideia de que trataria-se de dado natural. Não obstante, Bourdieu propõe que, ainda que a configuração da rede de relações seja produto de estratégia de investimento social que tem como fim proporcionar lucros materiais ou simbólicos, isso pode ocorrer de forma consciente ou inconsciente.
Nesse sentido, a possibilidade de realizar as referidas trocas dependeria de
certo trabalho de sociabilidade dos agentes (dispêndio contínuo de tempo e esforços que depende de certa disposição adquirida) e também de instituições que as favoreçam, sendo determinantes para a reprodução do capital social.
Por fim, cabe apontar que, conforme mencionado, para Bourdieu, a
diferenciação de posições que ocupam os agentes no interior de um campo varia de acordo com o volume de capital global acumulado e que, não obstante, quando pensamos em um tipo específico de capital - como o capital social - também há no interior de um grupo, a concorrência por sua obtenção. O capital social é distribuído de maneira desigual, o que levaria ao certo dinamismo de posições. Contudo, na medida em que a existência de um grupo fundamenta-se sobre a acumulação de capital, essa concorrência interna tem limites estabelecidos que implicam na delegação pelo grupo do capital específico a todos os seus membros - ainda que em graus muito distintos. Referências Bibliográficas
Alexander, J. O Novo movimento teórico. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.
2, n. 4, p. 5-28, jun. 1987.
Bourdieu, P. (2009) O senso prático. Petrópolis: Vozes.
Bourdieu, P. (1996) Razões práticas: Sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus
Bourdieu, P.; Passeron, Jean-Claude. Os herdeiros: os estudantes e a cultura.
Tradução de Ione Ribeiro Valle e Nilton Valle. Florianópolis: Editora da UFSC, 2014.