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Organizar uma coletânea de textos de um autor contemporâneo nos coloca diante da difícil tarefa
de situá-lo na corrente do pensamento sociológico moderno. Por um lado, reconhecemos o valor
de sua obra, mas, por outro, constatamos que ele ainda não se transformou em um "clássico", no
sentido que a literatura científica confere a este termo. Pierre Bourdieu é um exemplo deste tipo
de autor, difícil de ser situado em relação a uma "escola", pois se apresenta como um pensador
profundamente original.
Seus estudos abrangem uma infinidade de objetos, variando desde a etnologia árabe até os
trabalhos mais recentes que procuram desenvolver um quadro teórico que se toma cada vez mais
preciso. Além disso, Bourdieu tem ainda diante de si um horizonte aberto para novas produções
científicas. A esta "literatura-a-ser-feita", como diria Sartre, não podemos nos referir mesmo que
conheçamos a priori o habitus científico do autor.
No entanto, tendo em vista que Bourdieu é autor de uma "obra", senão acabada, pelo menos já
plenamente desenvolvida em seus princípios fundamentais, pode-se tentar, com auxílio de seus
próprios escritos, uma síntese desse pensamento sociológico que se expressa tanto no nível da
formulação teórica, quanto no nível das pesquisas empíricas.
Nesta introdução, desenvolveremos os pontos que nos parecem mais pertinentes para a
compreensão das premissas epistemológicas que orientam o trabalho de Bourdieu. Três aspectos
centrais de seu pensamento serão considerados: a) o conhecimento praxiológico; b) a noção de
habitus; c) o conceito de campo.
A seleção de textos obedece à mesma orientação. Esta abordagem nos permite perceber como o
pensamento teórico de Bourdieu se articula a sua prática de pesquisa sociológica.
Reservamo-nos, porém, o direito de tomar esse pensamento sob um ponto de vista crítico, o que
implica reconhecer os méritos e a originalidade dos escritos de Bourdieu, mas também as
limitações em que uma "sociologia da reprodução" se encerra.
Dito de outra forma, pretendemos tomar Bourdieu como um autor realmente "contemporâneo", o
que nos leva necessariamente a um debate distinto daquele que poderíamos travar com um
"clássico" da sociologia.
A questão teórica
A problemática teórica dos escritos de Bourdieu repousa essencialmente na questão da mediação
entre o agente social e a sociedade. Por isso, Bourdieu considera o problema dos métodos
epistemológicos como uma discussão que oscila entre dois tipos de conhecimentos polares e
antagônicos: o objetivismo e a fenomenologia.
Dito de outra forma, Bourdieu retoma a controvérsia sartriana da Questão do método e procura
reequacionar o problema da "interiorização da exterioridade e da exteriorização da interioridade".
Métodos distintos como o culturalismo, o estruturalismo e o marxismo "estrutural" podem ser
agrupados nessa mesma categoria epistemológica (objetivismo) que preside essas diferentes
concepções de apreensão do mundo.
A controvérsia objetivismo/fenomenologia
Do ponto de vista sociológico, a controvérsia objetivismo/fenomenologia se traduz pela oposição
de dois clássicos: Durkheim e Weber. Enquanto o pensamento weberiano se assenta em uma
sociologia da compreensão, isto é, tem seu ponto de partida na subjetividade, a sociologia
durkheimiana reifica a sociedade e a apreende como coisa.
Bourdieu considera que nem o objetivismo nem a fenomenologia dão conta da complexidade das
práticas sociais, pois o primeiro tende a ignorar as singularidades da experiência individual e o
segundo, a ignorar as estruturas sociais objetivas que limitam as ações individuais. Ele propõe o
conhecimento praxiológico como uma alternativa que articula os dois tipos de conhecimento,
permitindo uma análise que leve em conta tanto a dimensão objetiva quanto a dimensão subjetiva
da prática social.
A noção de habitus
Para Bourdieu, a dimensão subjetiva das práticas sociais é expressa pela noção de habitus. O
habitus é entendido como um conjunto de disposições duráveis que são adquiridas pelos
indivíduos ao longo de sua socialização e que orientam suas ações e escolhas.
O habitus não é inato, mas é adquirido através da incorporação das estruturas objetivas do meio
social. Ele é, portanto, o resultado da interação entre a estrutura social e a subjetividade
individual. O habitus é, ao mesmo tempo, uma estrutura objetiva e uma disposição subjetiva, que
se constróem mutuamente e que orientam as ações e escolhas dos atores sociais.
O habitus é, assim, uma das principais ferramentas conceituais utilizadas por Bourdieu para
superar a oposição objetivismo/fenomenologia, pois ele permite compreender a dimensão
subjetiva das práticas sociais a partir das estruturas objetivas que a condicionam.
O conceito de campo
Outro conceito fundamental para o pensamento de Bourdieu é o de campo. O campo é entendido
como um espaço social estruturado, que se organiza em torno de um conjunto de relações
objetivas de poder e de concorrência.
Os campos são autônomos e têm suas próprias lógicas internas, que são regidas pelas relações
de poder que se estabelecem entre os agentes que os compõem. Cada campo tem suas próprias
regras e suas próprias formas de legitimidade, que são definidas pelos agentes que o compõem.
O conceito de campo permite a Bourdieu compreender as dinâmicas sociais a partir das relações
objetivas de poder que se estabelecem entre os atores sociais. Os campos são, portanto, espaços
de luta, nos quais os agentes disputam posições e recursos.
Conclusão
Bourdieu é um autor contemporâneo que se destaca por sua originalidade e por sua capacidade
de articular teoria e prática. Seus estudos abrangem uma infinidade de objetos, variando desde a
etnologia árabe até os trabalhos mais recentes que procuram desenvolver um quadro teórico que
se toma cada vez mais preciso.
Bourdieu é, portanto, um autor que se destaca por sua capacidade de compreender as práticas
sociais a partir de uma perspectiva que articula teoria e prática, subjetividade e objetividade,
estrutura e agência. Sua obra é um convite à reflexão crítica sobre as limitações e possibilidades
da sociologia contemporânea.