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LIMITES E CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE DOS CAPITAIS DE BOURDIEU

CONDICIONADAS ÀS RELAÇÕES DE GÊNERO

Nathalia Zuccolotto Viana

Resumo: Bourdieu desenvolveu uma teoria relevante para a compreensão da


valoração dos bens na economia, utilizando o capital simbólico como conceito
central para tal. Este trabalho busca compreender como o gênero afeta a
relação entre os diferentes capitais propostos por Bourdieu, especialmente
entre capital simbólico e cultural, para demonstrar a contribuição do autor e
suas limitações. Ao apresentar e condenar o silenciamento das mulheres como
a principal tática de dominação masculina, Bourdieu, mesmo com seu
estruturalismo na compreensão das relações sociais, fornece as bases para a
compreensão de gênero como variável na compreensão das posições no
espaço social. Seu estudo da dominação masculina fornece uma importante
ferramenta para compreender a subordinação das mulheres. É por causa de
suas contribuições e limitações que outros autores complementam e avançam
no estudo da relação entre gênero e capital, trazendo novas interpretações e
entendimentos para ambos os conceitos, principalmente a crença de que o
gênero pode funcionar como uma forma de capital cultural.

Palavras-chave: gênero, Bourdieu, capital cultural, capital simbólico, classe


social.

1. Introdução

O capital simbólico, o capital econômico, o capital social e o capital cultural,


juntos, são essenciais para entendermos as formas de poder exercidas na
sociedade. É possível compreender a valorização dos bens, em especial dos
bens culturais, através da relação entre os diferentes capitais, em
determinando campo, que, por sua vez, são definidas por relações de poder
que influenciam na determinação de sua utilidade social, e, portanto, no seu
valor – quanto maior a utilidade social dentro de determinado campo, maior o
valor atribuído ao bem. (HERSCOVICI, 2014).

Segundo Bourdieu,
[...] o mundo social pode ser concebido como um espaço
multidimensional construído empiricamente pela identificação dos
principais fatores de diferenciação que são responsáveis por
diferenças observadas num dado universo social ou, em outras
palavras, pela descoberta dos poderes ou formas de capital que
podem vir a atuar, como azes de um jogo de cartas neste universo
específico que é a luta (ou competição) pela apropriação de bens
escassos [...] Os poderes sociais fundamentais são: em primeiro lugar
o capital econômico, com suas diversas formas; em segundo lugar o
capital cultural, ou melhor, informacional também em suas diversas
formas; em terceiro lugar, duas formas que estão altamente
correlacionadas: o capital social, que consiste em recursos baseados
em contatos e participação em grupos e o capital simbólico que é a
forma que os diferentes tipos de capital tomam uma vez que
percebidos e reconhecidos como legítimo (BOURDIEU, 1978, p.4).

Segundo Silva (1995), esses capitais, juntos, formam o chamado espaço


multidimensional das formas de poder, ou as classes sociais. As classes
consideradas dominantes são dotadas de maior capital cultural e econômico, e
em geral, são responsáveis pela definição do que é considerado legítimo e
superior em termos culturais e, portanto, são centrais no entendimento da
valorização de bens.

Bourdieu divide as classes sociais entre classe teórica, ou provável, e classe


concreta, ou real. As classes teóricas, são definidas como uma “[...] avaliação
das disponibilidades que os indivíduos ou grupo tem das formas básicas de
poder (os capitais)” (SILVA, 1995, p.31). As classes reais, ou concretas, por
sua vez tem propriedades comuns que são visíveis: compartilham local de
moradia, práticas culturais, estilo de vida, agem em função de seus interesses
etc.

É importante ressaltar que, para Bourdieu, não há, entretanto, uma relação
determinística entre classes reais e classes prováveis. Segundo Silva (1995,
p.31), “[...] o movimento de probabilidade para a realidade não é dado,
depende de outros princípios aglutinadores e formadores de identidades
grupais.”

Em seus estudos sobre Bourdieu, McCall (1992) argumenta que este define
que as origens (geográfica e posição da família na estrutura social), medida
pelo volume e composição do capital (econômico, social, cultural, simbólico), e
a trajetória de vida, ou seja, a metamorfose do capital inicial longo da vida,
como alguns dos diversos indicadores da posição de um indivíduo na estrutura
social. Porém, segundo a autora, é a ocupação a variável central organizadora
das posições dos indivíduos na estrutura social, ou seja, no espaço
multidimensional das formas de poder (McCALL, 1992).

A lógica de determinação da posição seria, portanto, a seguinte: a posição é


definida em sua maior parte pela ocupação. A ocupação, por sua vez, é
principalmente definida pelas origens e trajetória de vida - que por sua vez são
determinadas pelas ocupações dos pais. É importante mencionar que além das
variáveis mencionadas, existem diversas outras que afetam a posição do
indivíduo. Algumas destas são gênero, etnia, idade etc. McCall (1992) propõe
duas leituras para as estas variáveis consideradas secundárias: uma como
variáveis universais, e outra como variáveis “escondidas”. Ressalta-se que, a
etnicidade, como variável secundária, reforça a estrutura do capital cultural e
econômico pois ela é relativamente independente das propriedades
econômicas ou culturais, segundo Bourdieu (McCALL,1992). Outros autores,
de maneira similar, examinam as relações entre capital e gênero, avançando,
com a lente bourdiesiana, nesses tópicos.

Considerando os elementos supracitados, busca-se neste trabalho, entender e


apresentar como o gênero, uma variável a priori considerada secundária,
aparece condicionando as relações entre os diferentes capitais propostos por
Bourdieu, principalmente o capital simbólico e cultural, de forma a desdobrar as
contribuições e limitações de Bourdieu para a interseção do campo econômico,
da valorização de bens, com o campo das relações de gênero.

Com este objetivo em mente, serão apresentados nas próximas seções,


respectivamente, os conceitos de capital para Bourdieu, seus estudos sobre
gênero, a relação percebida para outros autores entre os dois conceitos, uma
síntese das contribuições e limitações do autor, e por fim, as considerações
finais.

2. Capitais de Bourdieu

De acordo com Herscovici (2014), na economia da cultura, a valorização de


bens parece não mais ser explicada pela teoria do valor trabalho ou pela teoria
neoclássica de igualação entre custos e receitas marginais. O "paradoxo de
Van Gogh" ilustra como o valor de obras de arte, por exemplo, não dependem
dos custos necessários à sua produção. É possível afirmar que essa
desvinculação do valor ao custo de produção ocorre por uma autonomização
do capital para fora da forma mercadoria. Essa análise pode ser estendida,
inclusive, para além da economia da cultura (HERSCOVICI, 2014).

Desse modo, entende-se que a valorização econômica de bens,


principalmente, bens culturais, se dá a partir de seu capital simbólico, no
sentido proposto por Bourdieu, que se constitui como fonte de poder e utilidade
social em determinado campo social (HERSCOVICI, 2014).

Por isso, faz-se mister definir os conceitos dos diferentes tipos de capital para o
autor e como eles se equivalem a recursos de poder que se equiparam aos
recursos econômicos.

Bourdieu propõe, inicialmente, três tipos de capital: o capital econômico, o


capital social e o capital cultural. A essa proposição inicial, acrescenta o capital
simbólico, como sendo responsável por legitimar as diferentes formas de
capital na ordem social (BOURDIEU, 1987).

O capital simbólico, como já mencionado, é a “forma que os diferentes tipos de


capital tomam uma vez percebidos e reconhecidos como legítimos”
(BOURDIEU,P. 1987, p.4). Os diversos capitais, portanto, tomam forma de
capital simbólico ao serem identificados como aqueles responsáveis pela
distinção, ou seja, como legítimos. É desta maneira, que ele irá compor a
utilidade social, cujo montante será central para a valoração de determinado
bem.

O capital econômico está relacionado a esfera monetária, e nada mais é do


que o acúmulo de riquezas materiais, inclusive na forma dinheiro, que, quanto
maior a quantia, maior capital econômico representa. Por vezes, este também
é chamado de capital financeiro.

Capital social e cultural não são entendidos como capital econômico, mas têm
a capacidade de se converter em capital econômico, nos permitindo pensar em
riqueza como um conceito que extrapola a questão monetária (WULFF et al.,
2022).

Para compreender inteiramente os conceitos de capital cultural e capital social


é necessário introduzir o conceito de habitus conforme proposto por Bourdieu.
Habitus, ou hábito, é definido como um “[...]sistema de disposições duráveis e
transponíveis, integrando experiências passadas, funciona a cada momento
como uma matriz de percepções, apreciações e ações [...](BOURDIEU, 1972,
apud WACQUANT, 2007, p.66).

Habitus é, em resumo, um conjunto de disposições físicas, comportamentais


individuais ou até coletivos. Reay (2004) escreve que o hábito de Bourdieu são
as formas como o corpo se apresentam no mundo social e, como o mundo
social se expressa através do corpo. Desse modo, segundo Reay (2004), o
hábito está na base dos capitais.

Com isso, capital cultural e capital social podem ser definidos, então, como um
conjunto de disposições e atributos pessoais adquiridos ou herdados da vida
em sociedade, estando estes, intimamente relacionados ao habitus.

O capital social, em particular, está associado a relacionamentos e a redes de


contatos. Segundo Bourdieu (2007), a possibilidade de possuir conexões
importantes, ou com figuras importantes, facilitará o acesso a oportunidades e
experiências que irão proporcionar uma posição distinta na ordem social e suas
respectivas recompensas (aprendizados, emprego, entre outros). Segundo
Wulff et al. (2022), o capital social é interessante, pois revela, de um lado, a
problemática e as desvantagens da exclusão social, e por outro, as vantagens
do privilégio e da inclusão.

É neste sentido que o capital social complementa o capital cultural. Perceba


que a exclusividade, ou até a diferenciação, não pode ser dissociada da base
comunicacional, que é capital social (SILVA, 1995). Assim, define-se o capital
cultural como o responsável por auxiliar os indivíduos na compreensão da
língua, comportamentos, valores e normas adequadas para cada espaço ou
situação social (SILVA, 1995). O capital cultural é tido como um recurso de
poder que se equivale aos recursos econômicos. Ele indica o acesso dos
indivíduos à cultura específica, considerada legítima e/ou superior pela
sociedade e sua fatia dominante (SILVA, 1995).

No conceito de capital cultural, pode-se destacar alguns aspectos distintos,


mas que estão intrinsicamente relacionados, estes são: o aspecto
“incorporado” e o “institucionalizado”. O aspecto incorporado refere-se ao
herdado da geração anterior (habitus), que

[...]funciona como uma espécie de adiantamento (tanto um avanço de


cabeça como um crédito) [...] fornecendo desde o início o exemplo de
cultura encarnada em modelos familiares, permite que o recém-
chegado comece adquirindo os elementos básicos da cultura legítima
(BOURDIEU, 2007, p.63).

O aspecto institucionalizado, por sua vez, se refere aos “títulos, diplomas e


todas as credenciais educacionais” (SILVA, 1995, p.25). Em outras palavras, é
como o capital cultural é reconhecido pelas instituições que permeiam a
sociedade.

É necessário frisar que, apesar da maneira didática que se apresentou os


capitais nesta seção (separadamente), eles não estão desassociados. Eles
aparecem em diferentes quantidades para cada indivíduo e em cada classe,
mas não podem ser compreendidos como conceitos independentes, que não
possuem relação, pois estes atuam conjuntamente para determinação das
posições no espaço social, inclusive se reforçando mutuamente, em conjunto
com outras variáveis sociais.

3. Gênero em Bourdieu

Neste ponto do presente estudo, apresenta-se qual é o entendimento de


gênero, e de como o gênero é percebido na sociedade em Bourdieu. Para tal, a
principal obra utilizada será “A dominação masculina”, cujo objetivo principal
era analisar as mudanças e permanências da ordem sexual.
Nessa obra, Bourdieu afirma:
O mundo social funciona (em graus diferentes, segundo as áreas)
como um mercado de bens simbólicos dominado pela visão
masculina: ser, quando se trata de mulheres, é, como vimos, ser-
percebido, e percebido pelo olhar masculino, ou por um olhar
marcado pelas categorias masculinas — as que entram em ação,
mesmo sem se conseguir enunciá-las explicitamente, quando se
elogia uma obra de mulher por ser ‘feminina’, ou, ao contrário, ‘não
ser em absoluto feminina’. Ser ‘feminina’ é essencialmente evitar
todas as propriedades e práticas que podem funcionar como sinais de
virilidade; e dizer de uma mulher de poder que ela é ‘muito feminina’
não é mais que um modo particularmente sutil de negar-lhe qualquer
direito a este atributo caracteristicamente masculino que é o poder
(BOURDIEU, 2012, p.118).

Nesse sentido, não há como desvincular a definição de capital simbólico da


dominação masculina e da submissão das mulheres, a qual é o “produto
cumulativo de forças econômicas e sociais, e sobretudo das forças de
produção e reprodução”(BURAWOY,2010, p.138).

Uma possível origem e explicação para o surgimento dessa dominação do


masculino sobre o feminino é a nítida diferença física e biológica entre os
sexos. As diferenças existem, porém elas não explicam a perpetuação da
submissão das mulheres. Segundo Bourdieu:
[...]O corpo e seus movimentos, matrizes universais que estão
submetidos a um trabalho de construção social, não são nem
completamente determinados em sua significação, sobretudo sexual,
nem totalmente indeterminados, de modo que o simbolismo que lhes
é atribuído é ao mesmo tempo convencional e ‘motivado’, e assim
percebido como quase natural [...].Dado o fato de que é o princípio da
visão social que constrói a diferença anatômica e que é esta diferença
socialmente construída que se torna o fundamento e a caução
aparentemente natural da visão social que a alicerça, caímos em uma
relação circular que encerra o pensamento na evidência de relações
de dominação inscritas ao mesmo tempo na objetividade, sob forma
de divisões objetivas, e na subjetividade, sob forma de esquemas
cognitivos que, organizados segundo essas divisões, organizam a
percepção das divisões objetivas.(BOURDIEU, 2012, p.20)

Isso significa dizer que a submissão das mulheres, apesar de na aparência, ser
uma determinação biológica, foi perpetuada e justificada ao longo da história,
até ser considerada um aspecto intrínseco ao ser feminino. Conforme
argumenta Burawoy,

A naturalização da dominação masculina devia-se ao encaixe das


estruturas objetivas com as estruturas subjetivas, a inculcação de um
habitus pelas estruturas da sociedade e a harmonização daí
resultante, de forma que a dominação não pudesse ser reconhecida
como tal. Essa harmonia é resultado de um longo processo histórico
por meio do qual se produz o efeito da eternização
(BURAWOY,M.2010, p.138).

Ou ainda, como conclui Bourdieu,


A força particular da sociodicéia masculina lhe vem de fato de ela
acumular e condensar duas operações: ela legitima uma relação de
dominação inscrevendo-a em uma natureza biológica que é, por sua
vez, ela própria uma construção social naturalizada (BOURDIEU,
2012, p.33).

Esta dedução, apesar de ser bem fundamentada na obra de Bourdieu, já


aparecia de maneira detalhada em “O Segundo Sexo” de Simone de Beauvoir,
em que ela revela que, de fato, homens e mulheres apresentam seus corpos
de maneira bastante distinta no espaço social, porém, essas maneiras não são
automáticas e naturais, elas são fortemente influenciadas pela socialização e
educação (BURAWOY, 2010). Argumenta-se que, apesar de Bourdieu
“[...]denunciar o silenciamento das mulheres [...], não hesita em evocar a
suposta dominação sartriana sobre a filósofa de Beauvoir para justificar a
supressão que ele próprio empreende da visão beauvoiriana da dominação
masculina” (BURAWOY, 2010, p.133).

Avançando no entendimento da construção dessa naturalização da dominação


masculina, Bourdieu afirma que esta é produto da atuação de instituições como
a família, igreja e escola, que juntas agiam (ou agem), sobre a reprodução da
estrutura de dominação. Essa atuação tem em seu cerne o fato dessas
instituições serem essenciais para a produção e reprodução de capital
simbólico, já que influenciam fortemente na legitimação do poder na sociedade.
Assim,

O princípio da inferioridade e da exclusão da mulher, que o sistema


mítico-ritual ratifica e amplia, a ponto de fazer dele o princípio de
divisão de todo o universo, não é mais que a dissimetria fundamental,
a do sujeito e do objeto, do agente e do instrumento, instaurada entre
o homem e a mulher no terreno das trocas simbólicas, das relações
de produção e reprodução do capital simbólico, cujo dispositivo
central é o mercado matrimonial[...] (BOURDIEU, 2012, p.55).

Nesse ponto de sua análise, Bourdieu aborda o mercado matrimonial como


sendo o espaço, abstrato, em que a mulher é vista como um perfeito objeto,
que ao ser adquirido, é responsável pela “perpetuação ou aumento do capital
simbólico em poder dos homens” (BOURDIEU,P. 2012, p.55).

É na lógica da economia de trocas simbólicas — e, mais


precisamente, na construção social das relações de parentesco e do
casamento, em que se determina às mulheres seu estatuto social de
objetos de troca, definidos segundo os interesses masculinos, e
destinados assim a contribuir para a reprodução do capital simbólico
dos homens —, que reside a explicação do primado concedido à
masculinidade nas taxinomias culturais. (BOURDIEU, 2012, p.56)

É interessante observar que, a mulher, vista como objeto, possui certa


ambiguidade quanto ao sinal de seu capital cultural. No mercado matrimonial,
ela adiciona ao capital simbólico, porém,
[...] qualquer que seja sua posição no espaço social, as mulheres têm
em comum o fato de estarem separadas dos homens por um
coeficiente simbólico negativo que, tal como a cor da pele para os
negros, ou qualquer outro sinal de pertencer a um grupo social
estigmatizado, afeta negativamente tudo que elas são e fazem, e está
na própria base de um conjunto sistemático de diferenças
homólogas[...]. (BOURDIEU, 2012, p.111)
Ademais, Bourdieu enfatiza o que as feministas chamam de
interseccionalidade1. Como supracitado, o autor menciona que as mulheres
têm em comum o fato de possui um sinal simbólico negativo, e o fato de
estarem submetidas à dominação masculina, mas ocorre que

[...] as mulheres continuam separadas umas das outras por


diferenças econômicas e culturais, que afetam, entre outras coisas,
sua maneira objetiva e subjetiva de sentir e vivenciar a dominação
masculina — sem com isso anular tudo que está ligado à diminuição
do capital simbólico trazido pela feminilidade (BOURDIEU, 2012,
p.112).

Em outra passagem, o autor deixa mais claro que as condições econômicas,


ou o capital econômico, que caracteriza a posição social, ou a classe, também
é um fator que não pode ser entendido como isolado da dominação masculina.

É na pequena burguesia, que devido à sua posição no espaço social


está particularmente exposta a todos os efeitos da ansiedade em
relação ao olhar social, que as mulheres atingem a forma extrema da
alienação simbólica. (O que significa que os efeitos da posição social
podem, em certos casos, como os citados, reforçar efeitos do mesmo
gênero ou, em outros casos, atenuá-los, sem nunca, ao que parece,
chegar a anulá-los) (BOURDIEU,P. 2012, p.83).

Ademais, Bourdieu reconhece que há redução de capital simbólico e


desvalorização social em profissões em que existe uma proporção significativa
de mulheres, especialmente naquelas que são aquelas consideradas uma
extensão do trabalho doméstico. Além disso, a presença de mulheres em
profissões não feminizadas, com maior valor social, é desestimulada, e
aparece com menor prestígio, e por vezes, menor remuneração. Segundo o
sociólogo, isso se dá pelo fato que o homem, no seu status de dominante tem
acoplado a si o status de nobreza.

Se a estatística estabelece que as profissões ditas qualificadas


caibam sobretudo aos homens, ao passo que os trabalhos atribuídos
às mulheres sejam "sem qualificação", é, em parte, porque toda
profissão, seja ela qual for, vê-se de certo modo qualificada pelo fato
de ser realizada por homens (que, sob este ponto de vista, são todas,
por definição, de qualidade) (BOURDIEU,P. 2012, p.76).

1
“A interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as
consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação.
Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe
e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições
relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. Além disso, a interseccionalidade trata
da forma como ações e políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais
eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento” (CRENSHAW, 2002,
p.177).
Bourdieu exemplifica como as mulheres, diante da divisão sexual das
atividades produtivas, estão apenas (apesar de todos os avanços, resultados
da luta dos movimentos feministas) estendendo a função domiciliar que lhes foi
naturalizada, ou seja, a de contribuir com o valor simbólico, ao ambiente
profissional:

Direcionadas à gestão do capital simbólico das famílias, as mulheres


são logicamente levadas a transportar este papel para dentro da
empresa, onde se lhes pede quase sempre para coordenar as
atividades de apresentação e de representação, de recepção e
acolhida (aeromoça, recepcionista, anfitriã, guia turístico, atendente,
recepcionista de congresso, acompanhante etc.), e também a gestão
dos grandes rituais burocráticos que, tais como os rituais domésticos,
contribuem para a manutenção e o aumento do capital social de
relações e do capital simbólico da empresa (BOURDIEU, 2012,
p.119).

Diante da exposição acima, é evidente que Bourdieu não considerou, em


nenhum momento de seus estudos, o gênero como uma variável sociológica
que tenha apenas um papel acessório na determinação do volume e
composição de capitais que determinam as posições no espaço social. Ele
aborda em diversos momentos as relações entre o ser feminino e sua relação
com o capital simbólico. Todavia, para as definições das ocupações, gênero
não aparece com tanto detalhamento e riqueza em seus trabalhos, como feito
para classes sociais SILVA, 1995). Por isso, faz-se necessário compreender as
possíveis leituras relacionando os conceitos dos diferentes capitais e de gênero
que foram apresentados, para posteriormente, sintetizarmos as contribuições e
limitações do autor.

4. Capital e gênero

Como já mencionado, Bourdieu reconhece que há redução de capital simbólico


e desvalorização social no ser feminino, e explica como a dominação
masculina se deu, para que este fato se tornasse naturalizado.

Resta desvendar como gênero aparece nas definições de capital de Bourdieu.


Ao abordar o capital cultural em diferentes formas, a saber, o capital
incorporado e o institucionalizado, McCall (1992) argumenta que são possíveis
duas leituras de Bourdieu para o entendimento das, a priori, chamadas
variáveis secundárias.
Seguindo McCall (1992), a primeira leitura é a mais direta. Em suma, a posição
de um indivíduo é em grande parte definida pela ocupação, e a ocupação é
essencialmente determinada pelas origens, mensuradas pela quantidade e
composição do capital (econômico, social, cultural, simbólico), e a trajetória de
vida, ou seja, como o capital inicial é transformado ao longo do tempo, que são,
ambas, influenciadas pelas ocupações dos familiares. Entre as outras diversas
variáveis que influenciam a posição, algumas das consideradas secundárias
incluem gênero, etnia, idade etc.

A estrutura social, portanto, é definida pelas ocupações e pelos capitais


associados. Os atributos mais fundamentais de posições e disposições, ou
estrutura social e hábito, são aqueles relacionados às posições nas relações de
produção econômica e cultural. O autor traz o caráter supérfluo como condição
de distinção, e é em comparação com esta "distância da necessidade" que o
gênero, etnia, idade se classificam como secundários da divisão social.

Essas variáveis são assim denominadas por adquirirem sua forma e valor
específicos como resultado do volume e composição do capital. Idade e
gênero, por exemplo, são considerados forças biológicas gerais que obtêm
especificidade da posição de classe social. Além disso, Bourdieu ainda atribui à
essas variáveis a condição acessória na mobilização de grupos, que também
seria determinada principalmente pelo capital. Ele afirma que "grupos
mobilizados com base em critérios secundários são provavelmente unidos
menos permanente e menos profundamente do que aqueles mobilizados com
base nos determinantes fundamentais de sua condição" (BOURDIEU, 2007,
p.107).

Porém, para o autor, gênero e classe estão intimamente conectados, de modo


que os papéis de gênero distinguem analiticamente as posições de classe e
vice-versa (McCALL,1992). Nesse sentido, ele permite usar feminilidade e a
masculinidade como índices da estrutura de classe, ou seja, como capital.
Bourdieu oferece essa possibilidade de expansão da sua formulação, pois,
como ele mesmo coloca, reconhecer “[...]que capital pode tomar uma variedade
de formas é indispensável para explicar a estrutura e a dinâmica de
diferenciação sociedades” (Bourdieu; Wacquant, 1992 apud Huppatz, 2009,
p.46).

A segunda leitura, por sua vez, propõe interpretação alternativa do que


Bourdieu aborda como secundário. Para McCall (1992), ele chama as variáveis
secundárias de critérios "ocultos" e "não oficiais", revelando, assim, como os
princípios de seleção e exclusão estão ocultos por trás da estrutura nominal de
categorias como ocupação e qualificações. Embora as formas de capital sejam
especificadas pela ocupação elas têm significado de gênero porque
desenvolvem essas formas por meio da orientação de gênero. Nessa
perspectiva, McCall (1992) afirma que deve haver uma compreensão mais
clara da relação entre posições, disposições, capital e gênero.

Nas obras de Bourdieu, gênero não aparece como uma forma de capital. O que
é intrigante, principalmente quando se aprofunda no relato de Bourdieu sobre
as formas específicas de capital incorporado ao capital cultural.
Segundo Bourdieu:
O capital cultural pode existir em três formas: no estado corporificado,
ou seja, na forma de disposições duradouras da mente e do corpo; no
estado objetivado, na forma de bens culturais (quadros, livros,
dicionários, instrumentos, máquinas etc.) [...] e no estado
institucionalizado, uma forma de objetificação resultando em coisas
como qualificações educacionais. (BOURDIEU, 1983, p.243)

Nesse sentido, o capital cultural incorporado se manifesta em disposições, ou,


em outras palavras, certos tipos de disposições são elas próprias capital
(McCall, 1992). Essas disposições estão na mente e no corpo, como afirma
Bourdieu:
A acumulação de capital cultural no estado corporificado, ou seja, a
forma do que se chama cultura, cultivo [...], pressupõe um processo
de incorporação, que, na medida em que implica um trabalho de
inculcação e assimilação, custa tempo, tempo que deve ser investido
pessoalmente pelo investidor [...] O capital cultural pode ser adquirido,
em grau variável, na ausência de qualquer inculcação deliberada e,
portanto, de forma bastante inconsciente. Ele permanece sempre
marcado por suas primeiras condições de aquisição que, através das
marcas mais ou menos visíveis que deixam (como as pronúncias
características de uma classe ou região), ajudam a determinar seu
valor distintivo (BOURDIEU, 1983, p.222).

A autora, portanto, afirma que gênero como princípio de divisão é secundário


pois é oculto e é oculto porque parece ser universal e natural. Ela afirma que
“gênero como tal, uma forma de capital, figura significativamente na análise do
espaço social, escapando do status superestrutural a ele atribuído pela
primeira e mais literal definição de secundário” (McCALL,1992, p.884).

Outros autores argumentam, similarmente, que a feminilidade é cultural e pode


operar como uma forma de capital cultural. Por exemplo, Skeggs (1997) afirma
que a feminilidade como capital cultural

[...]é a posição discursiva disponível através das relações de gênero


que as mulheres são incentivadas a habitar e usar. Seu uso será
informado pela rede de posições sociais de classe, gênero,
sexualidade, região, idade e raça que garantem sua aceitação (e
resistência) de diferentes maneiras. (Skeggs,1997, p.10).

Lovell (2000, p.25) menciona que "a feminilidade como capital cultural está
começando a ter uma moeda mais ampla de formas inesperadas". Além disso,
Skeggs (2004) discute que o conceito de capital pode ser retrabalhado para
que possamos ver o valor de uso das várias feminilidades que não são a
feminilidade de classe média-alta.

Outrossim, McCall (1992) exemplifica sua análise trazendo a posição das


pesquisadoras feministas no campo acadêmico. Segundo a autora, elas
produzem um habitus e uma disposição especificamente por causa da
opressão e dominação que sofreram. Desse modo, percebe-se que foram
socializadas de tal forma modificaram sua visão, o que permitiu que vissem o
que está oculto, o que está sutilmente dado, e por isso, adquiriram uma
perspectiva sociológica específica (de gênero) sobre o mundo social, mudando
assim o próprio mundo social (SILVA, 2017).

Com esta perspectiva, entende-se que o gênero pode ser interpretado como
uma forma de capital cultural, no seu aspecto incorporado, e ao ser
compreendido como tal, passa a explicar o fato da dominação masculina, em
conjunto com as diversas outras formas de dominação e da legitimação de uma
cultura distinta das demais, contribuir para desvaloração do aspecto feminino
na economia e nas diversas outras esferas sociais.

5. Contribuições e limitações

De antemão, faz-se necessário mencionar que as contribuições de Bourdieu


para o entendimento das relações de gênero, e de como ele condiciona os
capitais, campos e habitus é de suma importância entendimento da valorização
de bens que, só avança na sua interseção com estudos de gênero, graças a
contribuição desse autor. Por isso, considera-se que as contribuições e,
inclusive, as limitações, do autor, são significativas.

Pela relevância de Bourdieu nos seus estudos, diversas feministas


apropriaram-se na sua estrutura teórica a fim de examinar a relação entre
gênero e classe em cenários contemporâneos (HUPPATZ, 2009).

A noção de habitus, por exemplo, foi amplamente usada como um instrumento


central nos estudos de gênero. A própria teoria de Bourdieu, inclusive, pensa
nas articulações entre os gêneros, e na sua interação, gerando habitus e
disposições distintas, o que potencialmente gera transformações na ordem
social (SILVA, 2017).

É a partir de Bourdieu e do entendimento que ele traz à tona sobre os


diferentes conceitos, inclusive os de capitais determinantes das posições
sociais que foi possível a exploração de “configurações culturais e simbólicas
de classe” (Lawler,1999, p.3, apud Huppatz, 2009).

É necessário ressaltar com a sólida base proporcionada pelo autor, mas


levando em conta suas limitações, que foi possível outros autores
desenvolverem e teorizarem o relacionamento de gênero com capital e, ao
fazê-lo, foram além de Bourdieu.

Nesse sentido, argumenta-se que a mulher não só atua como um aumentativo


de capital simbólico no mercado de casamentos, ou acumulam os diferentes
tipos de capital, mas também possuem suas próprias formas femininas de
capital (embora o capital feminino também possa ser usado por homens, e o
capital masculino pode também ser usado por mulheres) (Skeggs, 2004).

Ao ir além, pesquisadores se aprofundam na compreensão do privilégio


proporcionado pela dominação masculina e de como ela opera para excluir as
mulheres, e reduzir a equidade e as oportunidades para elas (Huppatz, 2009;
McCall, 1992 ; Skeggs, 2004).

Estas teorias fornecem uma visão das desigualdades de gênero persistentes,


da discriminação e das questões culturais generalizadas do assédio de gênero
e sexual nas profissões especializadas. A segregação de gênero continua a
reforçar o mandamento de que as profissões especializadas são o trabalho dos
homens.

É importante mencionar que não se pretende reduzir a análise de exclusão


social ao fator de gênero, é sabido que é essencial considerar a
interseccionalidade no estudo das desigualdades, para compreensão completa
dessa problemática. Ou seja, é inquestionável que mulheres, pretas, em
ocupações subalternas são os sujeitos que ocupam as posições mais baixas e
desvalorizadas na estrutura social. Porém, foge ao escopo deste estudo
analisar todas as variáveis e suas intersecções para compreensão holística do
espaço social, sendo este uma meta que extrapola os objetivos deste artigo.

Em suma, as contribuições de Bourdieu para a análise da estrutura social são


significativas, inclusive em suas limitações em relação ao tratamento do gênero
e sua percepção como aspecto não determinante de posições no espaço
social. É a partir daí, com o caminho já aberto pelo autor, que foi possível
avançar nos estudos de gênero e suas relações com o capital simbólico,
cultural e consequentemente com suas outras formas, que são essenciais para
compreensão da persistente desigualdade de gênero.

6. Considerações finais

Buscou-se, neste trabalho, compreender como o gênero afeta a relação entre


os diferentes capitais propostos por Bourdieu, especialmente os capitais
simbólico e cultural, a fim de mostrar a contribuição do autor e suas limitações.

Bourdieu apresenta uma teoria pertinente para compreensão da valorização de


bens na economia, que responde aos paradoxos econômicos como o
“paradoxo de Van Gogh”, e nos presenteia com as definições de capital
cultural, simbólico, social e econômico.

Ao tratar o silenciamento das mulheres como principal estratégia para


dominação masculina e condená-la, Bourdieu , mesmo com seu estruturalismo
no entendimento das relações sociais, fornece aberturas essenciais para
compreensão de gênero como uma variável central no entendimento das
disposições e posições sociais. Apesar de podermos vê-lo entrelaçado por sua
própria dominação simbólica em algumas passagens, seu estudo da
dominação masculina oferece ferramentas essenciais para entender a posição
subordinada que atormenta as mulheres na sociedade.

Foi devido a sua contribuição que as pensadoras feministas complementam e


avançam os estudos das relações entre gênero e capitais, trazendo novas
leituras e entendimentos sobre os dois conceitos, principalmente
argumentando que o ser feminino pode operar como uma forma de capital
cultural, usando próprias as definições de capital de Bourdieu.

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