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Universidade de São Paulo

Faculdade de Educação
Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da Educação
Introdução aos Estudos da Educação I

VICTOR PANDOLFI RICALDI

Fichamentos dos textos da disciplina

São Paulo
2019
Fichamento do texto “Uma ciência que perturba”, de Pierre Bourdieu.
Entrevista a Pierre Thuillier. In Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco
Zero, 1980. pp 16-20.

O texto “Uma ciência que perturba” consiste em uma entrevista transcrita


na qual Pierre Bourdieu responde questionamentos a respeito das Ciências
Sociais e, sobretudo, do caráter científico da sociologia.

A primeira pergunta realizada pelo entrevistador busca compreender qual


a necessidade da sociologia ser vista e entendida como ciência. Bourdier explica
que, justamente por ser matéria perturbadora – que busca entender e analisar
criticamente o meio social – há uma necessidade que os sociólogos “dignos
deste nome” partilhem uma série de conceitos, aquisições, métodos e
procedimentos de verificação em comum. É justamente esta perspectiva crítica
e interrogativa da sociologia que permite com que ela conteste o meio e “crie
problemas”, segundo o sociólogo. Em seguida questiona-se o por quê a
sociologia perturba, e, consequentemente, cria problemas – ao que Bourdieu
responde ser o caráter desvelador o motivo principal. Sendo útil para revelar
mecanismos ocultos de dominação – e cita como exemplo a falsa correlação
entre “sucesso escolar” e “inteligência” – a sociologia desmente verdades muitas
vezes arraigadas e instituídas nos meios sociais.

As perguntas que se seguem continuam a refletir a respeito do caráter


científico da sociologia. Agora a sociologia é confrontada com o jornalismo
crítico: qual a diferença entre a sociologia e qualquer outro meio de se questionar
os acontecimentos sociais? Ao que Bourdieu responde ser justamente o caráter
científico de investigação o diferencial da matéria sociológica, já que, consciente
dos seus métodos, é capaz de produzir “verdades pertubadoras”. Revestindo-se
do método científico, as conclusões sociológicas não podem ser reduzidas à
mera opinião ou influenciadas por interesses políticos, paixões, ideologias.

Neste momento da entrevista o entrevistador relaciona o atraso do


desenvolvimento da sociologia com a dificuldade em considerá-la ciência. O
sociólogo defende que o suposto atraso ocorre justamente pela matéria
trabalhada pela sociologia: seus temas são objetos de luta, e, portanto,
intimamente relacionados aos interesses sociais e disputas de poder. Sendo
assim, interessada em questionar os contextos de dominação e hierarquia no
meio social, a sociologia é desencantadora, perturbante, amedrontante. Ao
questionar as bases do meio social o sociólogo questiona também a si, uma vez
que também é agente e inserido neste contexto.

Diante desta resposta o entrevistador questiona a neutralidade do


sociólogo: é possível ser um observador imparcial? A resposta começa
estabelecendo o local do sociólogo diante do meio social: este é detentor de
certo capital econômico, social, cultural, sendo assim, é capaz de analisar o meio
somente diante da posição em que ocupa. Seu interesse estará limitado por
aquilo que o constitui, portanto é impossível que tenha intenções “puras”,
“imaculadas” ou pretenciosamente neutras. Nesta via de mão-dupla o sociólogo
estará interessado a questionar aquilo que lhe é disponível, sendo possível,
segundo Bourdieu, que oculte de si verdades que possam abalar as estruturas
sociais e hierarquias que ele próprio se beneficia. Daí retorna a necessidade de
que a sociologia tenha métodos científicos de verificação: através de estratégias
críticas e de uma lógica investigativa torna-se capaz de gerar verdades
científicas – que muitas vezes fere interesses de grupos dominantes,
interessados em “reencobrir aquilo que foi descoberto” (p. 20).
Fichamento do texto “Os três estados do capital cultural, e o Capital
Social”, de Pierre Bourdieu, in Escritos de Bourdieu, org. NOGUEIRA, Maria
Alice & CATANI, Afrânio, Escritos de educação, Ed. Vozes, 1998.

O texto “Os três estados do capital cultural” nos apresenta uma série de
conceitos e definições dos diferentes tipos de capitais presentes no processo de
socialização do indivíduo segundo a teoria proposta por Bourdieu. Assim,
através dos três estados de capital cultural – incorporado, objetivado e
institucionalizado – e da noção de habitus, o sociólogo busca compreender de
que maneira se articulam os mecanismos ocultos de dominação e desigualdade
presentes no meio social.

A reflexão a respeito do capital cultural é prontamente confrontada diante


da falsa noção que relaciona o sucesso escolar com supostas aptidões naturais
dos indivíduos. Bourdieu entende ser a diferença na distribuição do capital
cultural o motivo principal para explicar as diferenças no desempenho escolar e,
consequentemente, na hierarquia social. Segue a explicação afirmando que a
transmissão doméstica do capital cultural consiste em um investimento educativo
determinante e oculto, no qual o investimento de tempo e esforço contribui para
a ascenção e distinção de certos grupos sociais.

A partir de então, o sociológo começa a explicação a respeito dos tipos de


capitais culturais, a principiar pelo estado incorporado. É possível definirmos
capital cultural como o conjunto de disposições de cultura que são valorizados
pela estrutura social. Sendo assim, define-se como capital cultural incorporado
como a assimilação das disposições de cultura presentes, através do dispendio
de tempo e esforço. Assim o agente social cultiva em si noções a respeito da
cultura valorizada e de prestígio, incorpora em si, ao seu habitus, modificando a
forma como age e interage com o mundo. Sendo incorporado, é intransmissível,
uma vez que sua assimilação é gradual, menos evidente que a acumulação de
capital econômico, por exemplo. A definição de habitus pode ser descrita como
sendo um conjunto de disposições de cultura que nos influenciam na forma de
agir, ser e pensar.

Uma vez que uma acumulação plena de capital cultural exige capital
econômico e um contexto prévio rico em capital cultural, percebe-se como esta
transmissão é segregada. Como não possuem dificuldades financeiras, há uma
tendência que os grupos hierarquicamente superiores possam acumular e
incorporar capital cultural durante todo seu processo de socialização, ao passo
que agentes menos favorecidos possuem preocupações economicas que os
atrasam no processo de incoroporação. O ciclo vicioso parece sempre beneficiar
aqueles que já possuem capital cultural e econômico para que possuam ainda
mais – assim se distinguem também pelo prestígio da raridade e prestígio.

O capital cultural objetivado corresponde ao capital suportado em objetos


materiais, como quadros, pinturas, textos escritos, monumentos. É transmitido
de maneira física, em sua materialidade, ainda que carregue relação próxima
com o capital cultural incorporado, que não pode ser transmitido
instantaneamente. O acesso às vias de interpretação, desfrutação, do capital
objetivado de um quadro, por exemplo, constitui o capital cultural incorporado,
ou seja, as noções artísticas, históricas, culturais, que permitem ao observador
valorar o objeto artístico. A obra de arte canônica tem seu valor não por sua
materialidade, sua “propriedade jurídica”, mas sim diante do valor que os agentes
lhe proporcionam – conferido pelo capital cultural incorporado.

Finalmente, o autor define o capital cultural em estado institucionalizado,


ou seja, o capital cultural sob uma certidão de competência institucionalizado,
como o diploma ou a nomeação a cargo público. Esta certidão confere ao
indivíduo uma forma de capital que tem “autonomia em relação ao portador”,
uma vez que o possuidor de um diploma possui ferramente capaz de atestar sua
competência por si só. A ficção do capital cultural institucionalizado cria, através
da “magia coletiva” partilhada pelos membros da sociedade, a noção de que
quem possui um diploma necessariamente tem incorporado em si capital
cultural. A institucionalização presume a competência do indivíduo, inserindo-os
em um contexto que facilita a conversão de capital economico em capital cultural
– uma vez que o acesso à diplomas é ditado sobretudo pela disponibilidade de
capital econômico.

A leitura dos dois textos de Pierre Bourdieu, neste momento inicial, parece
ter sido de grande importância na estipulação de conceitos chave para uma
investigação sociológica e de entendimento do processo de socialização dos
indivíduos. Uma vez que ambos os textos se complementam, a união de ambos
em um único fichamento parece ser a solução mais prática e adequada. As
bases teóricas firmadas pelo sociólogo são úteis na medida em que nos
permitem definir com mais precisão quais os objetos de estudo da sociologia e
os conceitos que nos auxiliarão na investigação. Definindo a sociologia como
ciência Bourdieu nos ensina um método confiável e responsável de análise; os
três estados de capital cultural proporcionam com clareza as formas que o capital
cultural assume e insere os mesmos frente as outras espécies de capital –
econômico, simbólico e social. A leitura dos textos proporciona criticidade capaz
de nos fazer perceber de que formas (muitas vezes ocultas) grupos
hierarquicamente superiores buscam se manter no poder – e como o processo
de socialização tem papel fundamental nisso.

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