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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO- UFMA

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CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

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NÍVEL: MESTRADO

DISCIPLINA: HISTÓRIA INTELECTUAL E LITERATURA

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DOCENTE: DORVAL DO NASCIMENTO CARGA HORÁRIA: 60hs

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HISTÓRIA INTELECTUAL E
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LITERATURA

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UMA DISCUSSÃO SOBRE O ESPAÇO RELIGIOSO
CAXIENSE A PARTIR DA IMPRENSA CATÓLICA
NAS DÉCADAS DE 1930 A 1950

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MIRIAN RIBEIRO REIS

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Verbetes

1. História intelectual

Campo de investigação que tem como objeto o contexto de produção de idéias, das
correntes de pensamentos, dos agentes sócio-profissionais. Visa dois pólos de análises:
de um lado, a compreensão do funcionamento de uma sociedade intelectual, ou seja,
suas práticas, seus modos de agir, seus mecanismos de legitimação, de outro lado, busca
perceber as características de um movimento histórico e conjuntural que impõe formas
de percepção e apreciação de uma produção cultural seja uma obra literária, científica
pictórica etc. Para o historiador Roger Chartier (2002), o conceito mais aceitável e
menos problemático de história intelectual, seria aquele pensado por Schorske, que
busca delimitá-la como o sub-campo da história que tem por objetivo a compreensão de
uma obra( seja ela literária, artística etc) e de um “autor” na intersecção de uma
temporalidade diacrônica, ou seja, relacionando a obra, o texto, o sistema de
pensamento com a produção que lhe antecedeu num mesmo ramo de produção cultural,
bem como em uma relação temporal sincrônica, no qual o historiador estabelece uma
relação entre esse produto ou artefato em relação as produções de outras na mesma
época no qual o objeto é produzido.

2. Intelectual

Jean François Sirinelli (2010) refere-se a duas acepções de intelectual, uma de caráter
sócio-cultural, sendo este o indivíduo criador e mediador cultural e a outra de caráter
mais restrito, baseado na noção de engajamento como ator nas questões político-sociais.

3. Estruturas de sociabilidades

Círculos sociais de convivência e de fermentação de idéias que aglutinam ou refratam


os sujeitos em torno de projetos e visão de mundo geralmente comum, são microssomos
do espaço social onde o historiador pode perceber com mais facilidade as redes de
relações dos ditos “intelectuais”. De acordo com Jean François Sirinelli (2010), as
estruturas de sociabilidades variam conforme a época e sociedade, sendo, portanto
aleatório, esboçar uma tipologia desses elementos. Contudo, faz se necessário tentar se
empreender uma identificação e compreensão desses espaços que na maioria das vezes
permite ao pesquisador visualizar algumas regras do que virá a ser o campo.
Sergio Micelli (2000) aponta a imprensa no Brasil como esse espaço que no início da
constituição do campo literário permitiu aos atores a possibilidade de obter renda para
uma produção autoral. Para Micelli, num momento que a produção intelectual de cunho
literário estava condicionada a outras instâncias de legitimação que não apenas as regras
do campo literário- a ligação dos agentes as elites político-burocráticas da primeira
República-, A escrita na imprensa diária imprime marcas nas temáticas e no estilo de
escritas das obras desses autores. Contudo, Micelli não deixa de apontar espaço editorial
(as revistas ilustradas), como aquele espaço onde os primeiros literatos modernistas
poderiam da vazão aos seus projetos mais ousados.

4. Campo

Espaço social de relações objetivas, especializadas, relativamente autônomas em relação


a outros espaços sociais. Para Bourdieu (2007), a noção de campo tem como função
primordial indicar uma direção à pesquisa que fuja das interpretações que coloca as
diversas formas de produção cultural-religiosas, artísticas, literárias etc, - em proporção
direta às condições sociais de seus produtores (reducionismo muitas vezes de viés
economicista) e por outro lado relativizar a contingência do artefato seja ele o literário,
pictórico, artístico, religioso a vontade individual do agente produtor, encerrando em si
mesmo seu processo de significação. Ao contrário, segundo Bourdieu (2009), é preciso
relacionar a obra, o artefato etc., à trajetória dos agentes e sua posição no
campo(religioso, intelectual, artístico) e processo de constituição e autonomização desse
espaço no qual eles se encontra. Neste sentido, o campo, apesar de não está separado
das outras esferas de poder (econômica, política, etc.) possui uma lógica própria e um
corpos de agentes especializados na produção, manipulação e conservação de um capital
ou um bem específico do campo, e que se opõe a todas as outras instâncias com
pretensões de legislar na esfera a qual corresponde à produção dos bens simbólicos ou
material específico ao campo. Como um espaço estruturado a partir das posições que os
agentes encontra-se- nem todos estão na mesma posição, as lutas no interior do campo
possui um caráter específico e dão se em torno da posse legítima da monopólio do
monopólio desse capital (Bourdieu, 2009,) e não são um reflexo das lutas que ocorre
nos outros espaços de poder, por exemplo o espaço econômico, apesar de que o campo,
mesmo sendo espaço de relações específicas não está apartado dos outros espaços
sociais. Para Bourdieu, o objeto produzido no interior do campo (a obra literária,
artística os bens religiosos, etc.), só ganha sentido se relacionarmos a posição que o
produtor- o agente- encontra-se no campo bem como pelo processo de depuração
geralmente o campo sofre no processo de autonomização.

1. Algumas reflexões sobre o campo religioso nas décadas de 1930 a 1950 do


século XX

Segundo Daniele Hervieu Leger (2005), os estudos voltados hoje, para o


que é considerada uma sociologia da vida religiosa, na sua maioria tem como pano de
fundo o que se considera como sendo teoria da secularização, segundo o qual um dos
traços mais característicos da modernidade seria o progressivo enfraquecimento da
religião como um referencial produtor de sentido para o homem. O imperativo de
produção de significação e apreciação do mundo em bases cientifica é um das
características mais destacada da considerada sociedade moderna.

Neste sentido, torna-se importante perguntar, qual a importância de estudos


que tem como objeto de análise um espaço religioso específico em uma sociedade, que
segundo dizem, estar em franco processo de dessacralização? Para Leger (2005), o
conhecimento que seria o responsável por dissipar os últimos fios de irracionalidade,
traz em seu bojo uma série de dúvidas e desafios que se tornam por sua vez focos para
novas “irracionalidades”. Assim sendo, se no âmbito do concreto, o projeto de
racionalidade global da modernidade não se realizou por completo, no âmbito teórico, o
homem racionalizado continua sendo o pano de fundo no debate sobre a modernidade
até meados da década de 60.

No tocante a esfera religiosa, o debate sobre as características do homem


moderno oscila entre a necessidade de autonomização do sujeito no processo de
significação do mundo, ao mesmo tempo em que se opera uma constante e progressiva
emancipação da ordem temporal da tutela da esfera religiosa, segundo Leger (2005) 1,
esse “exílio da religião”, precisa ser nuançado, pois se é verdade que a sociedade
moderna tem como princípio, um processo de construção de significados autônomos, as
sociedades ocidentais extraíram suas representações do mundo e seus princípios de
ação, em parte dos seus sistemas religiosos.

1
Assim sendo, De acordo ainda com autora, o fenômeno definido como secularização da sociedade é
bastante questionável pelos estudos que se debruçam sobre o fenômeno religioso contemporâneo. O
que há segundo está, é uma nova configuração das crenças e práticas e maneiras novas de produção de
sentido da vivência religiosa que não se referem diretamente ao sentido do religioso veiculado pelos
grandes dogmas institucionais.
Bourdieu (2009), chega afirmar na sua análise da sobre a constituição do
campo religioso, que a religião contribui para a imposição dos sistemas de percepção e
apreciação do mundo, de maneira tal, que a estrutura objetivamente fundada na no
espaço de relações sociais, e por conseguinte, política, apresente-se como uma
estruturação natural da ordem cósmica. Neste sentido, Bourdieu tenta mostrar a
necessidade de procurar compreender e identificar a gênese dos processos de percepção
e apreciação do mundo, do qual o pensamento religioso é uma parte importante,
relacionando-a diretamente as estruturas sociais, que são objetivadas na posição em que
o sujeito se encontra nesse espaço. Neste sentido, no campo, como em todo espaço
social, há uma correlação de forças entres os sujeitos/agentes a partir da posição em que
se encontram. O que parece ser a idéia mais original de Bourdieu é demonstrar que
num espaço definido mais ou menos como um campo - artístico, literário, religioso,
etc-, as lutas tem um caráter específico e se dão em torno de um bem ou capital legítimo
ou seja, específico ao campo, e na conservação ou redefinição deste capital. Neste
sentido, nem todos os sujeitos ou agentes que se encontra no campo possui o capital na
mesma proporção.

Assim sendo, as lutas no campo se objetivam em estratégias dos agentes, o


que só pode ser compreendida em relação a suas trajetórias, o que por seu turno
explicaria a disposição- “uma espécie uma tendência à” e posição deste agente em
relação ao mundo e a conservação e ou subversão em relação ao campo. O que nos
mostram que não podemos pensar o campo como um todo homogêneo, mas como um
espaço dinâmico, que possui uma linguagem específica, interesses específicos que só
pode ser compreendido relacionado a trajetória social, o habitus e a posição no campo
de cada agente. Contudo, apesar do campo possui uma lógica que não é redutível nem o
reflexo da lógica dos outros espaços de relações sociais, ou seja, uma normatividade
própria (Bourdieu, 2009, p.36) não é um espaço isolado dos outros espaços sociais. Os
agentes, que é o que dar sentido ao campo, estão inseridos em outros espaços de
relações, econômicas, políticas, culturais, etc que por se turno, constitui o habitus, o que
disposiciona e posiciona cada agente em relação ao campo no qual se encontra e em
relação ao mundo.

Neste sentido, torna-se interessante pensar a dinâmica interna do campo


religioso brasileiro, mais especificamente os mecanismos de reorganização do espaço
católico num momento crucial da história do Brasil, a saber, as primeira cinco décadas
do período republicano, período permeado por uma afastamento da Igreja da esfera
política e sua tentativa de reaproximação das elites administrativas quando da chamada
Revolução de 30. Neste sentido, a análise pauta-se sobre duas vertentes: a primeira, diz
respeito a conjuntura sócio histórica em que a Igreja enquanto instituição estava
inserida nas primeira metade do século XX; a segunda, tenta uma melhor compreensão
da dinâmica interna do espaço católico num momento de desgaste do catolicismo
como referencial de conduta moral e civilizacional para a sociedade brasileira, bem
como de uma maior visibilidade de um pluralismo político e religioso. Neste sentido
nesta sucinta análise do espaço religioso católico, um aspecto será privilegiado: o que
diz respeito às relações entre Igreja e sociedade abrangente, direcionando o foco de
análise, ao pensamento e ação da Igreja em relação às temáticas econômicas e sociais e
políticas consideradas de interesses nacionais.2

De fato, segundo José Oscar Beozzo (1984), os primeiros trinta anos pós-
proclamação da República foi profundamente problemático para a Igreja, pois esta
perde progressivamente sua influência, baseado na delegação implícita aos senhores de
escravos, que impunha à sua escravaria a religião católica fazendo-a batizar e participar
vez por outro lado, das missas e das festas religiosas. Isto só foi possível, porque com o
advento da República, a Igreja Católica perde seu sustentáculo na esfera política, as
velhas oligarquias do café, que agora se vêem despojadas dos principais postos
burocráticos da esfera estatal pelas novas oligarquias dependentes nascidas da nova
articulação com o capitalismo, quer seja no campo, quer seja na cidade.

Se a nova conjuntura sócio-política representa um progressivo afastamento


do catolicismo dos espaços decisórios de condução da vida política, por outro lado, na
esfera social, as elites se afastam rapidamente da Igreja, encontrando no liberalismo, no
positivismo e no protestantismo e nas organizações maçônicas, um substituto uma visão
de mundo proposta pelo catolicismo. Para Carvalho “A República não produziu
correntes próprias ou novas visões estéticas. Mas, por um momento, houve um abrir de
janelas, por onde circulavam mais livremente idéias que antes se continham no recato
mundo imperial (...)”. Algumas dessas idéias já eram amplamente discutidas no período

2
Apesar da importância do estudo das trajetórias dos agentes nos trabalhos que tomam como esquema
analítico as reflexões de Bourdieu (2009) sobre a constituição dos campos, nesta análise, não
ofereceremos nenhum dado sobre as figuras que estavam diretamente relacionadas ao espaço católico
no período, pois a pesquisa encontra-se na fase de levantamento de dados, detendo-se assim na
dinâmica interna do referido espaço através dos discursos proferidos na imprensa periódica.
imperial, como o liberalismo e anarquismo, outras como as idéias socialistas e
anarquistas configura-se como um fenômeno típico dessa atual conjuntura.

Eram estes segmentos os que mais professavam uma crítica corrosiva a


Igreja e ao catolicismo, para os liberais e positivistas, pensamento católico figurava
como um pensamento anti-científico e irracional, um empecilho a modernização do
país. Neste sentido, de aliada incondicional do Estado e legitimadora de suas ações, a
Igreja Católica enquanto instituição, passa a ser vista pelas elites como uma força
política contrária a ação do Estado e ao processo de modernização. O catolicismo, assim
como as elites escravocratas representavam para esses setores, o conservadorismo e a
atraso do país. Neste sentido, enfraquecida nos seios apoios tradicionais, a Igreja
Católica não tem condições de negociar uma posição de destaque no seio do regime
republicano, a iniciativa parte do Estado, que janeiro de 1890, decreta o estado laico.
Para a Igreja, não foi nada fácil perder o lugar privilegiado, dado em partes pelas elites
de referencial maior na formação e difusão de valores morais e de condutas individuais.
Assim sendo, todo o movimento da Igreja católica nos primeiros cinqüenta anos do
período republicano foi no sentido de retomar seu lugar de liderança político-religiosa
no seio da sociedade brasileira.

Entretanto, não era só a Igreja Católica, que fora pega de surpresa com os
rumos do mais novo regime, a camadas populares, e dentro destas, aqueles setores mais
marginalizados também se viam extremamente excluídas das ações políticas da
República, é nesse sentido que podemos compreender as revoltas contra a nova ordem
tanto no campo como na cidade. Contudo, se a Igreja, se via alijada das esferas mais
decisórias da vida pública, nem por isso tentara um apoio nas camadas populares, ao
contrário, desde cedo tentou demonstrar seu afastamento dos anseios dos despossuídos
colocando-os sob o signo de fanatismos. Afastamento dos seios das elites e uma não
identificação com as aspirações das camadas mais populares a reorganização do
pensamento católico, a reorientação da Igreja Católica, se deu no sentido de uma
reorganização da sua estrutura organizacional e de um apelo à autoridade e a tradição.

O que significou em outras palavras, um enrijecimento das estruturas


eclesiásticas e uma autocompreensão do catolicismo como único portador de uma
verdade de caráter eminentemente salvífico, e também pelo centralismo institucional, o
que significava colocar a Igreja de Roma como possuidora de uma autoridade sobre as
demais, e por último, por uma recusa ao mundo moderno, visto como princípio e como
resultado da dissolução dos valores cristãos. Neste sentido, se as décadas de 30 e 40
representam na história do catolicismo brasileiro, uma fase de discursos eminentemente
apologético, assentado no ideal de um cristianismo depurado, a Igreja enquanto
instituição não deixou de lançar mãos de uma gama de estratégias, para tornar mais
efetivo seu objetivo. Dentre elas, podemos observar um discurso de autodefesa,
assentado no arregimentamento das forças genuinamente católicas, a eliminação dos
elementos e práticas tidas como espúrias do seio da cristandade, ao mesmo tempo em
que se pensava uma tentativa de re-cristianização da sociedade através de órgãos de
ação ligados diretamente ao catolicismo. Sendo assim, se a Igreja, visava re-cristianizar
as elites importando práticas e conteúdos da Europa3, por outro lado, não deixou de
visar às camadas médias e populares, procurando purificar o catolicismo vivenciado por
ampla parcela da população, ao mesmo tempo em que visava às posturas tidas como
desviantes dentre elas, colocava-se os que comungavam das idéias comunistas, os
adeptos do protestantismo do espiritismo e das religiosidades que exibiam elementos da
religiosidade africana e indígenas

A imprensa, neste contexto de reorganização interna do catolicismo, bem


como nas formas de atuação na sociedade, representou um local estratégico, haja vista a
sua maior capacidade de alcance, bem como por ser um local onde se reuniam os
sujeitos que compartilhavam de idéias e valores relativamente comuns que buscavam
verem divulgados através da fala escrita. Indivíduos de trajetórias diferentes esses
sujeitos através de seus artigos diários, deram a tônica das feições que o catolicismo
ganharia nas primeiras cinco décadas do século XX.

Na análise aqui proposta, recorremos à imprensa periódica católica caxiense


mais especificamente o jornal Cruzeiro, para tentarmos entender a lógica interna da
Igreja nesse momento de reorganização do pensamento católico. Ressalta-se, contudo,
que objeto aqui tratado é temporal e espacialmente bastante delimitado: trata-se do
pensamento católico caxiense nas cinco décadas iniciais do século XX. Não obstante,
acreditamos que o esforço de entendermos esse espectro do catolicismo local, resultara
em uma melhor compreensão da dinâmica interna do catolicismo brasileiro como todo,

3
Este processo de europeização da Igreja ficou conhecido como ultramontanismo e significou um maior
enrijecimento da doutrina católica, pelo centralismo institucional em Roma e por uma recusa de contato
com o mundo moderno.
pois apesar das especificidades, os fenômenos típicos elencados pela historiografia da
Igreja reproduzem-se na maioria das falas e documentos do episcopado local.

2. Por um só credo, um só mandamento, um só batismo e um só Cristo: O discurso


romanizante no pensamento católico caxiense

Durante todo o período da história do Brasil até o limiar do período


Republicano, a Igreja Católica desfrutou de um lugar privilegiado junto às esferas de
comando da sociedade brasileira. O regime do padroado se lhe tirava boa parte de
liberdade de ação, por outro lado, lhe assegurava por uma condição de direito, a posição
de guia-mestra em todos os aspectos da realidade social. A derrocada das elites que lhe
davam sustentação bem como a entrada progressiva de idéias novas e, por conseguinte,
sua fermentação entre as camadas médias da sociedade, provocou um progressivo
desgaste do catolicismo como referencia na produção de sentido sobre o mundo e por
conseguinte, sobre as ações individuais. Neste contexto, a Igreja se reorganizou baseada
no conservadorismo e em um discurso de auto- defesa, como se vê nas matérias da
imprensa católica local

A Igreja há de morrer! Eis o brado ameaçador, eis o brado aterrorisador(sic)


que quase há dois mil anos, lançam em fase da Igreja Católica, os ateus,
incrédulos e toda esta casta imensa de homens que vivem pelo mundo a fora
como simples animais, sem religião e sem crença. Há dois mil anos que
empregam esforços descomedidos no sentido de fazerem ruir por terra a obra
sublime, a obra colossal do Cristo:- a Igreja Católica” (CRUZEIRO, 1936,
p.6)

Percebe-se no discurso acima, que o discurso eclesiástico veiculado no


semanário católico caxiense Cruzeiro em meados da década de trinta é um discurso de
auto-defesa, auto defesa esta, que se dá mediante a uma constante rememoração de um
mito fundacional e por conseguinte , a uma mobilização da memória coletiva no sentido
dado por Leger (2005) para esta , “a memória religiosa coletiva torna-se o desafio de
uma construção indefinidamente recomeçada, como se o passado inaugurado pelo
acontecimento histórico da fundação pudesse ser assumido em todos os momentos,
como uma totalidade de significados”. Podemos dizer que através da constante re-
tualização de um passado que se toma como bíblico e por isso verdadeiro, A Igreja
Católica buscou mecanismo de legitimação de sua posição enquanto instituição
portadora de uma verdade trans-histórica, pois que ela ganha sentido em elementos que
se situam forma da histórica, naquilo que Leger chama de descendência da fé

Na medida em que se aceita a suposição de que todo o significado da


experiência do presente possa estar contida de maneira pelo menos em
potencial, no acontecimento fundado, o passado fica sendo aceito
simbolicamente como um todo imutável e situado “fora do tempo”. Isto é,
fora da história. Ligado constantemente a esse passado, o grupo religioso
define-se objetiva e subjetivamente como uma “descendência de fé (LEGER,
2005, p.87).

No contexto do catolicismo, essa descendência de fé significa a tentativa de


agregar os eleitos em torno dos dogmas e práticas do catolicismo, pois para este
pensamento, a sociedade moderna com seus ideais de progresso, racionalidade e
cientificidade, atuava como um solvente dos princípios religiosos católicos, individuais
e coletivos. Traçando um panorama dessa conjuntura a partir dos referenciais católico
um articulista do Jornal Cruzeiro argumenta

Os tempos atuais estão bem definidos. Quem não é católico bom, é católico
inimigo. A síntese moderna, não quer saber de Deus, da família, da religião,
das boas obras. Os credos filosóficos ou não, culto e não cultos, semi-
católicos fazem campanha cerrada, aberta ou simulada ao católico. Somente a
Igreja é que repele e regeita a todos. Um só credo, um só mandamento, uma
só fé, um só batismo, como um só Deus, um só Cristo. [..]

Os anti católicos vivem pois de braços dados com os ateus, sem virtudes, sem
família, sem propriedade sem direito á vida. Os maus são destruidores da
sociedade familiar pela derrocada dos bons costumes (CRUZEIRO, 1946,
p.8)

De acordo com a Igreja, o advento da modernidade, com seus ideais de


racionalidade seriam um dissolvente dos princípios familiar na medida em não se
assentava no modelo nuclear de família cristã composta por pais, mãe e filhos e
assentada na autoridade masculina. Da mesma forma, as idéias comunistas, de amplo
debate e aceitação no meio do operariado eram vistam como extrema ameaça ao
princípio da propriedade individual e uma ameaça a autoridade Igreja na medida em,
que segundo a concepção desta, pregava uma sociedade livre dos princípios religiosos.
No artigo abaixo o pensamento da cúria eclesiástica deixa-se transparecer de forma mais
ampla

O povo brasileiro nasceu católico e vive catolicamente desde os albores de


Porto Seguro. E há de continuar com a graça de Deus. Mas necessita dos
bons ofícios de cada brasileiro. Contudo o seu clero diminuto, a ignorância
religiosa, o ensino leigo, a desorganisação (sic) oficial, a impiedade
crescente, o indiferentismo, o ostracismo da Igreja, a família cristã em
menospreso, etc. Tudo isso nos faz lembrar a celebre frase e adágio certo:
chama peste quem empesta os ares... É fato!! A situação dos padres e dos
católicos não é das mais tranqüilas e estaveis. Nada temos nada garantido,
apesar do espírito primacial é um joguete em face de um analfabetismo
criminoso ao lado de um estado de mil causas fatais que propinam o
ceticismo das massas (CRUZEIRO, 1947, p. 1)

É interessante perceber, como para a oficialidade Igreja local, das décadas


de 30 e 40 do século XX, as mais variadas questões do social são pensadas dentro da
ótica do catolicismo, assim se a sociedade está corrompida com a desestruturação das
famílias, pelo individualismo crescente que o afasta do amor ao próximo e da pratica da
caridade é por que cada vez mais encontra afastada do mundo cristão, o que para os
membros da Igreja Católica da época significa dizer católico. Neste sentido, pautando a
realidade social através dos valores do catolicismo oficial, o discurso veiculado através
do jornal Cruzeiro, é um discurso condenatório de todo e qualquer pensamento ou
postura que se forje fora dos limites impostos pelo catolicismo. Gaeta (1997, p.3) fala
de um paradigma sacramental e clerical como sendo essa tentativa do catolicismo em
regenerar o mundo católico eliminando os elementos considerados espúrios oriundo da
ignorância do povo ao mesmo tempo em que visava uma reestruturação da Igreja
enquanto instituição

Neste contexto, a Igreja buscou conter os resultados progressivo da


chamada secularização - o ensino leigo, a instinto materialista etc.-, dissolução dos
princípios do catolicismo, reorganizando sua doutrina e assentando-a cada vez mais no
recurso a tradição e autoridade, cooptando uma elite intelectualizada, investindo criação
de seminários e formação dos padres- haja vista como dar a transparecer no artigo o
pouco número de pároco existentes, o clero diminuto- ao mesmo tempo em que buscou
meio de atuação no interior da sociedade. Assim sendo, a noção de campo, como um
espaço dinâmico relações sociais de agentes especializados na produção de um capital
específico e onde as lutas se dão em torno da detenção maior ou menor deste capital
pelos agentes torna-se importante para pensarmos as feições e contornos do catolicismo
nos primeiros tempos republicanos.

Esta ótica permite pensar esta análise por duas vertentes, a primeira,
pensando a Igreja como uma instituição que se incumbia da produção, manipulação e
conservação dos bens religiosos e que por tal condição que buscava a constituição de
um corpus de especialistas socialmente reconhecidos como produtores, manipuladores e
guardiães legítimo dos bens de salvação. Por outro lado, esse corpus de especialistas
situados em um espaço que podemos chamar de atuação católica está em constante luta
pela monopolização da produção concernente a esfera religiosa. “Sem embargo, o
campo religioso se divide entre especialistas e leigos e, dentre os primeiros, entre
sacerdotes (burocraticamente designados para exercer suas funções institucionais) e os
bruxos e profetas, que oferecem seus serviços fora da instituição eclesial”. (NERIS,
2008, p.9)

Como espaço objetivamente estruturado entre aqueles de maior e os de


menor capital, o campo religioso pode ser entendido através das estratégias dos diversos
agentes na busca pelo controle do capital específico ao campo, ou seja, o monopólio da
produção e manipulação dos bens considerados de salvação. No caso dos agentes
ligados ao catolicismo, como vimos, uma estratégia constante foi à recorrência a
autoridade e a tradição. Neste sentido, a Igreja como instituição milenar foi elevada a
instituição que tinha o direito à monopólio do sagrado por ter sido segundo fundada
diretamente por Cristo.

Contudo, outros elementos podem ser visualizados no tocante aos recursos


utilizados pelos agentes em luta pelo controle e monopólio do sagrado, no tocante aos
mais próximos do espaço católico um dos desses recursos é o que podemos chamar de
recatolizaçao da sociedade brasileira como dar a perceber no artigo abaixo sobre a
criação da Ação católica

A A.C é uma doutrina, acima de tudo. É uma doutrina posta em contacto com
a vida real, quotidiana do christão. É o cristianismo vivido, realizado. A A.C
é uma revalorização dos prinicipios evangélicos em toda a vida, na vida
inteirinha do christão. E não é só um revalorização individual dos princípios
christãos, mas uma revalorização social dos mesmos. É uma christianização
não só dos individuos, mas também dos vários meios ou ambientes sociaes.
Isto porque é utópico pensar em christianizar totalmente os homens, sem
christianizar os meios em que elle vivem, se movem e trabalham
(CRUZEIRO,1936 ,p.1)

Segundo Dias (1996), a Ação Católica no Brasil teve início na década de


1930 e buscava por meio da ação leiga, orientada por bispos, levar a influencia católica
para os mais diversos ambiente sociais, como escola, trabalho e também as famílias.
Para Dias a ação católica influenciou a criação de vários outros movimentos com esse
caráter como a Juventude Universitária Católica (JUC), Juventude Operária Católica
(JOC), Juventude Agrária Católica (JAC) e Juventude Estudantil Católica (JEC).
Como dar a perceber no artigo acima, se no início, o objetivo da Igreja é uma
recristianização das elites como afirma Oscar Beozzo (1984), a ação do catolicismo
tampouco deixa de visar as camadas médias e populares. Neste sentido, podemos dizer
que uma das estratégias do catolicismo brasileiro foi a organização de movimentos de
cunho religiosos mas com ampla participação dos chamados leigos, no sentido de
espraiar o catolicismo nos lugares nos lugares mais recônditos. Neste outro artigo,
percebemos quais os setores da sociedade caxiense tinham ampla participação nesse
processo de recristianização da sociedade. Para o articulista

O movimento promissor de Ação Católica que vai se desenvolvimento nesta


diocese, graças ao zelo apostólico do nosso virtuoso pastor-Dom Luiz
Marelim e o concurso do rvd. Monsenhor Gilberto Barbosa e das virtuosas
senhoras e senhoritas de nossa terra, se está projetando de modo notável em
nosso meio social. O setor feminino da Ação Católica progrediu bastante em
um ano de atividade social, formando um numeroso grupo de estagiarias nos
membros da Liga Feminina Católica, da Juventude Operaria Catolica, as
quais freqüentaram assiduamente as aulas, logrando na sua maioria,
receberem os distintivos de sócias na festa de Cristo-Rei, em 31 de outubro
ultimo. (CRUZEIRO, 1943, p.2)

Recristianizaçao da sociedade por meio do laicato adulto, eis o projeto da


Igreja nos primeiros anos da República. Nesta empreitada, nada escapa ao olhar do
clericalismo caxiense, a família base do edifício cristão segundo o pensamento católico
em vias de dissolução pela entrada os princípios modernos nos lares, as escolas por uma
pedagogia não mais voltada aos princípios teológico e doutrinais e as fabricas, talvez o
dos três ambientes aquele mais espúrio por se ver contaminado pelas idéias comunistas
como dar a perceber os inúmeros artigos encontrados nos jornais.

O organismo mais robusto acaba definhando, sem uma athmosphera pura e


sadia, em que possa respirar e mover-se. Os mais bellos peixinhos dourados
acabam morrendo, se os mete em um aquario envenenado. O mesmo se diga
das almas. Sem uma athomosphera christã em todos os meios sociaes, sem o
ar saudavel do christianismo abundante nos lares, nas escolas, nas officinas,
etc., é inutil pensar em solida christianização dos indivíduos. (CRUZEIRO,
1936, p.1)

Vale salientar que se nessa reconfiguração do pensamento católico brasileiro


e caxiense a ação no seio da sociedade, era vista como primordial, a Igreja também
investiu na formação teológico e doutrinal dos seus membros, neste sentido um
investimento no aumento no capital cultural dos seus membros foi um recurso utilizado
nessa guerra considerada pela Igreja do bem contra o mal. A existência de seminários 4
para formação de padres, criação de mecanismos para a instrução do laicato mais
próximo a Igreja, bem como a influência do catolicismo na organização educacional da
cidade, através da fundação de escolas e de párocos lecionando em algumas escolas
leigas é atestado através do depoimento oral e nos diversos artigos diários veiculados na
imprensa periódica católica, como dar a perceber esse artigo de 1943.

A Ação Católica é uma instituição mundial e, por isso tem um campo vasto
de trabalho espiritual e de atuação moral em todas as regiões do mundo
cristão.

No Brasil, a Ação Católica está sendo organizada em diversas dioceses,


obedecendo assim ao pensamento da Igreja e ás boas intenções dos Sumos
Pontifices. A diocese de Caxias, aderindo ao movimento nacional de
organisação das forças católicas, erigiu há pouco a sua cruzada de ação
católica, sob a direção do exelentissimo Sr. Dom Luiz Marelim, auxiliado
pelos reverendos. Padres diocesanos.

Para a verdadeira eficiência desta instituição, os elementos que a ela se


filiaram, precisavam de se capacitarem dos seus fins essenciais, e sobretudo,
de se instruírem melhor na doutrina cristã, afim de difundirem o reino de
Cristo concientes dos ensinamentos. E deste modo, foram abertas aulas de
instrução religiosa e exercicios de ação católica, para todos os sócios do
setores feminino e mascolinos (CRUZEIRO, 1943, p.1)

Instrução do laicato leigo que se identifica com o catolicismo, o artigo nos


mostra a dinamicidade do campo (espaço católico) em relação a outros espaços sociais.
Neste sentido, enquanto a Igreja enquanto instituição buscava uma moralização do seu
quadro através de um melhor preparo do seu corpo de sacerdotes para oferta dos bens
religiosos por outro buscou integrar a estrutura da Igreja uma ampla parcela da
sociedade, através da criação de órgãos que ao mesmo tempo em que normatizavam a
vida desses elementos, mantinham esses setores junto ao pensamento católico os
adestravam para atuação junto ao restante da sociedade.

Contudo, esse projeto de cristandade perfeita, leia-se sociedade católica,


não ficou somente ao nível de uma reorganização do pensamento e estrutura do

4
Silva (2008) na sua pesquisa sobre as relações entre o protestantismo e o catolicismo na década de 50,
identifica a existência de um seminário para formação de padres, localizado na Praça Vespasiano Ramos,
no centro da cidade. Com relação ao sistema educacional, é notório a influencia do catolicismo. A
considerada ainda hoje, melhor escola da cidade, escola São José, foi fundada por irmãs capuchinhas.
catolicismo. Com relação aos outros credos, houve um combate intenso através da
imprensa e dos órgãos de comunicação locais como as estações de rádio e debates
públicos nas praças principalmente entre católicos e protestantes. (Silva, 2008), refere-
se a existência de dois jornais na cidade quando da chegada do primeiro grupo de
presbiteriano na cidade, segundo este, esses periódicos –a Gazeta caxiense e Jornal de
Caxias- alinhava-se respectivamente ao pensamento católico e as concepções calvinistas
sendo um dos meios pelo qual esse debate era travado. No Cruzeiro, jornal católico de
circulação posterior, encontramos inúmeros indícios dessa tentativa de afirmação do
catolicismo como religião oficial da sociedade local, frente a uma a parcela da
sociedade adepta ao protestantismo bem como a elevação da Igreja a portadora do
conhecimento sobre os desígnios de Deus e sobre o verdadeiro caminho para salvação
do indivíduo, diante de um pluralismo de concepções religiosas cada vez mais evidente.
Num artigo intitulado exige o nosso senhor a confissão católica ou a confusão geral
protestante? Um articulista tece as seguintes considerações

Uma coisa é certa: só Cristo tem a faculdade de perdoar “ a quem vos


perdoais os pecados, ser-lhes-ao perdoados”. Parece que essas palavras de
Jesus Cristo nos dão a entender a obrigação de confessar-se. Parece. Mas os
que querem alcançar o perdão dos seus pecados tem de pedir perdão aos
apóstolos e aos seus legitimos sucessores.

O sacerdote no confessionário não é sabedor completo e não pode ver o


interior das almas. Por causa disto tem de se informar sobre o estado
verdadeiro do pecador. Tem de saber os pecados, o seu número e as
circunstancias em que foram praticados. Esse conhecimento só se adquire
pela auto-acusação do pecador. Nosso senhor não fala só da faculdade de
perdoar, mas se refere também ao não perdoar. E o argumento da retensão
dos pecados é o argumento mais profundo da confissão individual. O não
perdoar não depende do prazer do confessor- juiz, mas da indignidade do
pecador penitente. O Sacerdote- Juiz tem de ser justo na administração do
santo Sacramento da penitencia. Só pode negar a absolvição ao indigno e ao
indisciplinado. Uma confissão geral do sistema protestante não pode servir.
Como pode o Sacerdote cumprir a vontade de Jesus Cristo em negar a
absolvição a um pecador, se não conhece o seu estado verdadeiro?

A confissão protestante é confusão e não corresponde a vontade de nosso


senhor. A acusação individual, a confissão minuciosa dos pecados é
necessária e indispensável. Fala-se de confissão leiga dos protestantes. O que
vale essa confissão? [...] (CRUZEIRO, 1958, p.2)

O artigo reproduzido acima é interessante porque nos apontam vários


elementos da dinâmica interna do campo religioso local. Principalmente as lutas
internas com relação aos a quem de direito teria a função na manipulação dos bens
religiosos, os chamados por Bourdieu, bens de salvação. Diante do avanço do
protestantismo na cidade e a cooptação de uma parcela elite caxiense, A Igreja Católica
local buscou meios de afirmar-se como a única instituição com direito ao monopólio do
sagrado. Um primeiro argumento foi o recurso a memória coletiva que agregava os
adeptos do catolicismo em torno de um projeto de regeneração da sociedade por
imbuírem-se de uma missão salvífica designada diretamente por Cristo. No imaginário
católico, essa missão salvífica compreendia salvar a Igreja das ameaças a sua existência
e autoridade, bem como a sociedade dos males da modernidade. Entre os inimigos,
encontrava-se o Comunismo, protestantismo e todas as práticas que se afastavam do
catolicismo dogmático, mais próximos das determinações da Igreja de Roma. Nesta
empreitada, o protestantismo representava uma ameaça bastante significativa por
cooptar uma parcela da população local, principalmente os comerciantes, bem como
pregar uma ligação direta entre o homem e o sagrado, sem intermediação de uma figura
temporal, como deixa transparecer o discurso do artigo. Nada mais contrário ao projeto
da Igreja, num momento onde a figura do padre passa a ser central na condução da
sociedade e do indivíduo.

Outro ponto a se enfatizado, é que se o debate entre protestantes e católicos


era realizado em torno de certos pontos das doutrinas das respectivas religiões, sendo
em certo sentido, um debate entre intelectuais ligados as respectivas Igrejas 5, com
relação às outras práticas religiosas, as críticas veiculadas no periódico católico negava
qualquer possibilidade de auto-gestão desses sujeitos no tocante a produção do sentido
religioso.

A delegacia de policia de Caxias, desde o ano passado, após muitas


reclamações, vem fazendo intensa campanha nos suburbios desta cidade e
interior deste município, contra a macumba e feitiçaria que, de longa data,
vêem dominando as nossas populações ignorantes e supersticiosas, mui
inclinada á pratica do baixo espiritismo, como herança perniciosa dos seus
antepassados, índios e negros. Em geral, a culpa dessa imbecilidade provem
do analfabetismo reinante dentro das populações rurais, abandonadas a toda
sorte de misérias, porque os governos do Paiz nunca lhes deram assistencia
social nem instrução e, muito menos, educação profissional. (CRUZEIRO,
1949, p.3)

Neste caso, se o protestantismo era visto como oriundo do instinto


materialista do homem moderno, as práticas de religiosidade conhecida como de

5
Segundo silva (2005), os protestantes a partir do fim do século XIX, passaram a utilizar a imprensa
como meio de divulgar suas concepções religiosas, bem como para rebater as críticas por parte da Igreja
Católica e dos contrários a sua presença na cidade. Silva refere-se à existência de um jornal da Igreja
presbiteriana na cidade. O periódico Estandarte.
referencial africano6, eram constantemente colocadas sob o signo do da ignorância e do
fatalismo das camadas subalternas. Fatalismo este, que na concepção do pensamento
católico da época, era oriundo tanto da ignorância das camadas populares, como dos
seus ascendentes raciais.

Neste sentido, podemos dizer que o pensamento católico operava a partir de


um paradigma civilizacional. As praticas e crenças que não estava em conformidade ao
modelo católico de conduta religiosa eram visto como uma involução rumo a uma
sociedade perfeita, neste caso, se com relação ao protestantismo, o discursos chegavam
a ter um caráter ponderativo, quando se tratava das práticas de religiosidade africana, o
tom era altamente depreciativo e incriminador como dar a perceber o artigo reproduzido
acima. Para oficialidade da Igreja, o fetichismo e o barbarismo, assim como eram vistos
esses cultos tinha raiz na constituição histórica e cultural da sociedade. Em sintonia com
o pensamento racialista7 da época, para elites locais, só através da instrução e por
conseguinte, da eliminação dos traços da cultura negra, é que a sociedade nacional e
local poderia alcançar o patamar de sociedade civilizada.

Neste caso se as práticas eram vistas como bárbaras e atrasadas por terem
origem numa cultura negra, os curandeiros eram vistos como pessoas extremamente
indesejáveis, sendo comumente serem acusados de exploradores da ingenuidade
popular. Sobre um famoso curandeiro um dos mais eminentes párocos locais e assíduo
colaborador do Cruzeiro, Monsenhor Arias Cruz tece os seguintes comentários

O birbante que como todo pagé é um misto de esculápio e falso messias,


distribui bênçãos e ministra defumadores e suspeitas infusões, entre dirigidos
e clientes.
Do sacerdote usurpa e macaqueia a mediania celestial, e do humanitário
apostolo da medicina o segredo de prevenir moléstias, restituir, conservar ou
consolidar a saude.
Dois enormes crimes, que redundam em distúrbios e danos, por ventura,
irremediaveis, na alma em botão da criança, no espirito sonhador, da donzela,
e até no coração, exausto de lutar, esperar e sofrer, do adulto de cerebro e
peito fertilizado por essa profunda ausência, mãe de tantos males, - a
ignorancia. (CRUZEIRO, 1948, p.2)

É nos seus artigos, que se encontra com mais ênfase os argumentos de


civilização e progresso no combate as manifestações populares de religiosidade
6
Essas práticas apesar de serem autodenominada na literatura sobre o tema como práticas de
religiosidade de referencial africano ou religiosidade afro-brasileira, continha e contém elementos da
cultura e da religiosidade indígena e portuguesa.
7
SCHWARCZ, Lilian Moritz. O espetáculo das raças: Cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
africana. Percebe-se no discurso de Monsenhor Arias Cruz, que na defesa do eu 8, o
falante constrói uma visão bastante negativizada do outro, o não – católico. É
importante observar, ainda os argumentos utilizados pelo pároco caxiense, para a
condenação de José Bruno perante aos leitores do periódico Cruzeiro. No discurso
veiculado através do citado jornal, José Bruno é duplamente incriminado, primeiro por
supostamente exercer funções religiosas, haja vista que age como um falso messias,
distribuindo bênçãos entre a população ignorante, parodiando, assim a função
sacerdotal, onde somente os membros da Igreja, especificamente designados para isto
poderiam e deveriam fazê-lo9. Neste sentido, na dinâmica do campo religioso, para
pensamento católico da época, o curandeiro não possui a competência religiosa
necessária para a manipulação do sagrado, não faz parte do corpus de sacerdotes
especializados, responsável pela produção e manipulação dos bens de salvação. Por isso
macaqueia, ou seja, imitam as práticas dos verdadeiros sacerdotes- padres, bispos etc
fingindo bênçãos e, além disso, fazendo uma bricolagem da religião católica com a
religião fetichista, através da introdução de elementos estranhos, os defumadores e as
bebidas a base de ervas. Somente neste sentido, é que podemos entender a pecha de
usurpador comumente legadas aos curandeiros e pais de santo pela oficialidade católica
caxiense na primeira metade do século XX. Como indicativo das lutas internas no
interior do espaço religioso, elas demonstram os conflitos pelo monopólio do domínio
da produção e do sentido do sagrado.
O pai de santo é condenado ainda, por exercer a função ilegal da medicina,
ministrando defumadores e suspeitas infusões (utilização de medicamento a base de
ervas) sob o falso argumento de produzir cura, conservar, restituir ou restabelecer a
saúde. Ressalta-se, que os argumentos do pároco sobre a prática ilegal da medicina,
utilizada pelo curandeiro José Bruno estava em plena consonância com os dispositivos
jurídicos criados pelo novo regime, mais especificamente com o Código Penal de 1890,
que condenava a prática ilegal da medicina, criminalizando boa parte das práticas
terapêuticas e religiosas realizadas por uma ampla parcela da população.

Considerações finais
8
O eu aqui, é antes de tudo, uma autoridade conferida por delegação. É um porta-voz autorizado, que
concentra o capital simbólico do grupo que lhe conferiu o mandato. ( BOURDIEU, 1994, P.88)
9
Para Bourdieu (2009, p.44), No âmbito de uma mesma formação social, a oposição entre a religião e a
magia, entre o sagrado e o profano, entre a manipulação legítima e manipulação profana do sagrado,
dissimula a oposição entre diferenças de competência religiosa que estão ligadas a estrutura da
distribuição do capital cultural.
A análise aqui elaborada buscou pensar a dinâmica interna do espaço
religioso caxiense a partir de algumas considerações Bourdiana sobre a constituição do
campo religioso mais especificamente aquelas em que o sociólogo francês trata dos
conflitos em torno da definição da competência legítima a produção e manipulação dos
bens religiosos. Análise teve como objetivo perceber quais os recursos utilizados pela
oficialidade católica local no processo de auto-afirmação do catolicismo como única
religião capaz de conduzir o homem e a sociedade ao mais alto grau de civilização, em
um momento que se esboça um pluralismo religioso dos mais marcantes. Um dos
recursos utilizados foi à recorrência constante a um ideal de cristandade perfeita sob a
tutela de uma Igreja que assentava a sua autoridade em uma memória coletiva
constantemente reelaborada que tinha como pano de fundo a autoridade e a tradição. O
discurso da primeira Igreja, aquela que foi fundada por Cristo, aquela que está mais
preparada para interpretação da palavra de Deus, etc., foi amplamente utilizado neste
projeto de reconversão. A imprensa nesse processo foi um local estratégico por agregar
em torno de si a intelectualidade próxima ao catolicismo, seja ela clériga ou leiga, e pela
possibilidade de maior alcance nesse processo de reorganização dos elementos para o
combate ao que considerava forças do mal. O combate ao comunismo neste contexto
ganha o primeiro plano, contudo as a eliminação das práticas religiosas que disputavam
com o catolicismo a preferência da população local não deixaram de serem visadas.

. Sendo assim, se a década de quarenta representou para esta uma época de


relativa estagnação, limitando-se, a um discurso apologético assentado em um ideal de
cristandade perfeita, esta não se privou de utilizar mão de uma gama de mecanismos na
disputa pelo monopólio da produção dos bens religiosos bem como pelo direito legítimo
a manipulação desses bens. Se esse novo tempo representava um desafio ao catolicismo
como referencial na produção de valores e de mediação na relação divino-homem, a
Igreja não se privou de lançar mão de uma gama de recursos no combate ao que
considerava elementos intrusos e espúrios. Esta mentalidade conservadora engendrou
um arcabouço teológico-doutrinário destinado se derramar pelos mais diversos poros da
sociedade e nos mais redutíveis níveis resultou estratégias reformadoras. A Criação da
Ação Católica na década de 30 é o exemplo mais marcante dessa atuação do catolicismo
no interior da sociedade.
De recristianização da sociedade por meio da ação leiga, ao combate as
práticas tidas como primitivas e bárbaras por meio da influência das autoridades
católicas junto às esferas administrativas locais, principalmente junto às autoridades
policiais, a análise dos discursos veiculado no periódico de propriedade da Igreja nos
mostra que o pensamento católico local, longe de apenas reproduzir um discurso
apologético, forjou meio efetivos de combate na disputa pela condução vida religiosa da
sociedade local. Também vale salientar, que o campo é um espaço dinâmico de
relações sociais por is o que significa dizer que, se por um lado, a Igreja buscou
mecanismo de auto-afirmação como legítima e condutora e produtora do sentido
concernente a vida religiosa, as outras práticas e crenças buscaram se legitimar por
mecanismos outros,10 muito deles diametralmente opostos aos pregados pelo
catolicismo. Por outro lado, importante ressaltar que a análise abrange um momento
histórico específico, e que pela análise da documentação até agora encontrada, parece
demonstrar que nos conflitos pela produção e manipulação dos bens religiosos, os
agentes que se encontravam no espaço religioso católico, lançavam mão de um capital
simbólico historicamente constituído, na mesma medida que buscava formas de re-
atualização desse capital, processo esse que passava necessariamente pelo investimento
por parte da Igreja, na produção de um capital cultural através da criação de seminários
para formação de padres e pelos congressos e conferências para a discussão da doutrina
da Igreja. O que significa dizer que em outra configuração, os agentes- corpus de
especialistas responsáveis pela produção e gestão do sagrado, - que estavam na posição
de dominados no interior do campo religioso possa a vir a encontrar-se em uma relação
em que sua posição seja de dominação.

Bibliografia

10
No caso do protestantismo, um argumento utilizado comumente nos conflitos com a Igreja Católica
era de que os princípios da doutrina protestantes norteavam a ação e os planos das maiores nações da
época, associando ao catolicismo à condição de ignorância e atraso do povo. (SANTOS, 2006, p. 156) O
que mostra que o campo, apesar de ter uma lógica própria, não sendo redutível aos outros espaços de
relações sociais, não estar “ imune” a “influências” de outros espaços de poder.
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