Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/303551238
CITATIONS READS
0 7,612
1 author:
SEE PROFILE
All content following this page was uploaded by ALEXANDRE MAGNO FERNANDES Moreira on 27 May 2016.
O Direito à
educação
domiciliar
2
Prefácio
Hoje, existem mais de dois milhões de crianças educadas em casa nos Estados Unidos.
Pesquisas demonstram que as crianças que são educadas em casa estão bem preparadas
acadêmica e socialmente para participar de uma democracia liberal. Em comparação com
3
a média da população, pesquisas sugerem que crianças educadas em casa são mais
civicamente engajadas, empreendedoras, envolvidas na sociedade, e a educação
domiciliar foi tema de debate político intenso ao longo de duas décadas. Pesquisas
também revelam que não existe uma correlação positiva entre a regulamentação e
resultados para crianças educadas em casa. Isto significa que os altos níveis de
regulamentação não implicariam resultados mais positivos.
Muitos interpretam o direito das crianças e dos pais na educação como uma garantia ao
direito à educação domiciliar. Advogados pela educação domiciliar, como eu, também
enxergam numerosos documentos internacionais de direitos humanos estabelecem
claramente que as crianças, em sua maioria, estão sob os cuidados de seus pais, cuja
autoridade e responsabilidade para tomar decisões educacionais são respeitadas pelo
Estado. Alexandre era redator principal dos Princípios do Rio
(www.therioprinciples.org), que estabelecem a forma de como o direito de educação
domiciliar deveria ser visto no âmbito do quadro internacional contemporâneo de direitos
humanos.i
Infelizmente, parece que muitas pessoas confundem o ensino obrigatório com frequência
obrigatória na escola, especialmente escolas públicas. Esta visão, contudo, não é a melhor
referência à luz dos direitos dos pais e crianças quanto à educação.
À medida que o Brasil trilha seu caminho como uma nação desenvolvida e uma sociedade
livre, é importante que a educação não se torne monopólio de uma instituição. Devido ao
fato de que o propósito principal da educação é permitir o florescimento humano, esta
deveria ser a mais individualizada possível. E educação domiciliar é a educação mais
individualizada disponível. Há muitos argumentos práticos e persuasivos em favor da
permissão da educação domiciliar, em um sistema político pluralista; mas o respeito à
dignidade humana e ao valor inerente e individual do indivíduo está entre os mais
convincentes.
MIKE DONNELLY
Introdução
Descolorirá
Que descolorirá
Que descolorirá
Que descoloriráiii
Ouvir Toquinho cantar Aquarela como trilha sonora de um comercial de lápis de cor é
uma das grandes lembranças da minha infância. Aos ouvidos de um menino de oito anos
de idade vivendo no interior de Minas Gerais, essa música não apenas soava sumamente
bela, mas também conseguia tocar o coração ao revelar verdades sobre a vida ainda
inacessíveis à mente racional. Hoje ao ouvi-la ainda me emociono, pois percebo mais de
três décadas depois que a vida realmente é uma aquarela, ou talvez várias aquarelas, sobre
7
Soa absurdo pedir que alguém se prepare para uma longuíssima viagem, sem destinos
definidos, sem duração determinada, sem nem ao menos saber com certeza quem vai
acompanhá-lo nessa viagem. Porém, é exatamente isso que a vida pede a cada um de nós.
A vida pede que estejamos prontos para um amanhã que depende de forças absolutamente
fora de nosso controle. Já dizia Martin Heidegger que os seres humanos são simplesmente
“jogados no mundo” ao nascer, chegando em uma realidade para a qual não demos a
menor contribuição. Talvez o mais exato seja dizer que somos jogados no mundo todos
os dias ao acordar, obrigados a lidar com uma realidade quase sempre fora do nosso
controle.
E o que precisamos para realizar esse embate cotidiano com um mundo assustadoramente
maior que nós? Melhor dizendo, como podemos transformar esse embate em uma dança
entre o eu e o ambiente que o cerca, na qual a tensão permanente entre ambos é
transformada em harmonia e beleza? Para responder essa pergunta, bibliotecas inteiras
poderiam ser construídas com as formulações altamente sofisticadas de mestres da ética
e da religião. Não há tempo, porém, para que um mero ser humano leia e absorva tão
vasta obra, fruto da sabedoria acumulada de toda a humanidade. Não há também opção:
é preciso viver aqui e agora e é preciso também se preparar para o futuro incerto.
Uma das mais antigas e mais urgentes questões da humanidade consiste em como realizar
essa preparação para o futuro. Para a maioria dos adultos, essa pergunta não faz mais
sentido: a vida deve ser vivida cotidianamente, dia após dia, com a torcida de uma velhice
serena e de uma morte indolor. De minha parte, creio que eles estão mortalmente errados:
8
o hoje é sempre o pai do amanhã e nossas escolhas atuais determinarão nosso futuro
mesmo que não pensemos nisso. Não podemos escapar: a vida também é uma preparação
para a morte.
Com as crianças, porém, é diferente: prometemos a elas que depois de vários anos de
preparação, estarão prontas para viver. Deixarão de ser meras “pessoas em formação”,
como diz o Estatuto da Criança e do Adolescente, para se tornar “pessoas plenamente
formadas” e prontas para atuar em sociedade em nome próprio, sem a necessidade de
apoio formal de nenhum adulto. E para isso, a Constituição Federal diz que dos quatro
aos dezessete anos, a pessoa deve ser obrigatoriamente “educada”.
Não há o mínimo consenso, porém, sobre o que seja essa exatamente esse processo de
preparação para o futuro denominado de educação. Seria alguma forma de cultivo em que
a pessoa, como uma planta, recebe os estímulos necessários para realizar seu potencial?
Em outras palavras, a educação seria simplesmente o cumprimento do comando de
Nietzsche: “torna-te quem tu és”? Ou, por outro lado, seria a introdução da criança ao
patrimônio cultural da humanidade, apta a transformar um ser biológico em um ser
humano? Ou, na forma mais pragmática, seria apenas a preparação para a uma vida
economicamente produtiva, tornando as pessoas aptas ao mercado de trabalho? Afinal de
contas, as crianças devem mesmo ser educadas por adultos ou podem fazer isso por si
mesmas?
seja a mesma para a maioria das crianças. Certamente, a escola não é a opção mais
adequada para todas as crianças, mesmo porque não existe essa opção.
A experiência tem demonstrado que existem tantas maneiras de se educar quanto existem
crianças no mundo. Nenhum ser humano percorre um caminho exatamente igual aos
demais. Tentar impor um modelo idêntico para todos não apenas vai contra essa
experiência como também viola a dignidade de cada criança, tratando-a meramente como
parte de uma massa amorfa e não como uma pessoa a parte que deve ser respeitada em
sua individualidade. Esse tipo de mentalidade centralizadora e autoritária tem sido
responsável por intenso sofrimento de milhões de crianças por todo o País, que têm seu
bem-estar atual gravemente prejudicado em nome da preparação para um futuro que, na
imensa maioria das vezes, não tem nada a ver com seu potencial, seus talentos, suas
deficiências e seus desejos. Dessa maneira, a infância de hoje termina por ser brutalmente
sacrificada em nome de um “adulto ideal”, concebido artificialmente pelo sistema, que
pouco ou nada tem a ver com o potencial da criança. Estamos, enfim, sacrificando a alma
de nossas crianças em nome de uma criatura futura que somente existe na cabeça de uma
elite intelectual.
Sim, a criança é frágil e precisa ser protegida, cuidada e amparada. Porém, somente os
adultos que a amam têm real condições de fazer isso, pois naturalmente o interesse deles
consiste na realização dos interesses da criança. Deixar a educação nas mãos daqueles
que não tem amor pela criança significa na prática submetê-la a um tratamento indigno e
profundamente desrespeitoso com sua individualidade. Nem todas as famílias, porém,
têm condições de efetivamente dirigir a educação dos filhos, como determina nosso
Código Civil.
Este livro fala das famílias que não apenas têm condições de dirigir a educação dos filhos,
mas principalmente têm disponibilidade e vontade para fazer isso. A educação domiciliar
não é meramente uma alternativa à escola; muito mais do que isso, consiste no mais
integral cumprimento dos deveres decorrentes do poder familiar. Essencialmente, educar
10
os filhos em casa é provavelmente a maior manifestação de amor que os pais podem dar
a eles.
Sabemos, porém, que a criança não pode viver apenas de amor: ela precisa efetivamente
ser educada, preparada para a vida adulta. Em outras palavras, a educação precisa ser
eficiente, precisa cumprir seus objetivos. Milhões de famílias no mundo todo e milhares
de famílias no Brasil têm demonstrado que isso é possível por meio da educação
domiciliar. Na verdade, as crianças educadas essas famílias têm mostrado resultados bem
melhores do que aquelas educadas no sistema escolar, mesmo em escolas privadas.
Se esses fatos fossem suficientes para falar por si, este livro seria absolutamente inútil.
Infelizmente, muitas vezes toneladas de evidências podem não significar nada para as
autoridades públicas. Estamos afinal em um Estado Democrático de DIREITO, onde tudo
deve ser justificado a partir de normas jurídicas. Com essa pretensão o livro foi escrito: a
de traduzir na linguagem jurídica a experiência concreta desses milhares de famílias no
Brasil.
Faço votos de que este livro ajude a tornar a vida dessas famílias um pouco menos difícil,
para que elas possam se concentrar naquilo que realmente interessa: a educação de seus
filhos. Vejo esta obra também como um subsídio para todos aqueles que, educando em
casa ou não, acreditam e lutam por mais liberdade educacional. Desejo por fim que este
livro se torne, no futuro próximo, uma peça de museu, reminiscência de uma época em
que ainda se considerava necessária a elaboração de complexas teses jurídicas para
explicar o óbvio ululante, qual seja, que os pais não apenas podem educar seus filhos em
casa como também são as pessoas mais capacitadas e mais interessadas na educação de
seus próprios filhos.
11
Índice
II – A família
5. O pluralismo político
Conclusões
Apêndices
A música Another Brick in the Wall, da qual foi retirado o trecho acima, é provavelmente
a manifestação mais famosa de repúdio ao sistema escolar. Lançada no final de 1979,
alcançou em 1980 o primeiro lugar das paradas em países tão diversos como Estados
Unidos, Israel e Nova Zelândia. A música chegou a ser proibida pelo regime racista da
África do Sul, pois havia se tornado um verdadeiro hino nos protestos contra a segregação
nas escolas sul-africanas. Ainda hoje, Another Brick in the Wall é considerada uma das
melhores músicas de todos os tempos.v
Idealmente, a educação formal e não formal distinguem-se nos seguintes aspectos: xxiii
Cultura, em sentido antropológico, engloba tudo aquilo que o ser humano produz para
garantir sua sobrevivência e desenvolvimento. Abrange desde atividades essencialmente
materiais, como a agricultura,xxix até obras de caráter mais intelectual, como a literatura e
as artes. A Constituição Federal adotou esse conceito ao definir patrimônio cultural
brasileiro como “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou
em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira” (art. 216, caput). A transmissão da cultura se
faz por meio da educação, formal, não formal e mesmo informal.
Escolarização (ou educação escolar), por sua vez, refere-se a todos os processos de
caráter educacional controlados por uma instituição específica, a escola. Em termos
jurídicos, escolarização é sinônimo de submissão a padrões homogêneos definidos
nacionalmente; no caso do Brasil, esses padrões constam da Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional – também conhecida
como LDB), que delimita expressamente seu âmbito de aplicação: “Esta Lei disciplina a
educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em
instituições próprias” (art. 1º, § 1º).xxx A escolarização não é apenas a educação
institucionalizada (isto é, conduzida por estruturas burocráticas altamente reguladas, as
escolas), mas também uma ideologia xxxi, um mito xxxii, uma religião xxxiii e um processo
educacional xxxiv.
Intelectual, em sentido lato, é todo aquele que, dotado de cultura consideravelmente maior
que a média da população, reflete sobre as realidades sociais e propõe soluções para os
problemas dessa sociedade. A classe dos intelectuais é tradicionalmente denominada de
intelligentsia. Na conhecida classificação das espécies de poder realizada por Max
Weber, o poder intelectual (ao lado do militar e do político) tem destacada importância,
20
uma vez que determina a ação alheia sem a necessidade da utilização da força física ou
de meios financeiros.
(...)
Ser um educador intelectual transformador é compreender que as escolas não são espaços
neutros de mera instrução, mas carregados de pressupostos que representam as relações
de poder vigentes e convicções pessoais nem sempre explicitadas. Imaginar que a escola
seja um local apolítico, em que são transmitidos conhecimentos objetivos e apartados do
21
Ideologia tem duas concepções: a neutra e a crítica. De acordo com a primeira, ideologia
é uma visão de mundo compartilhada por determinado grupo; é, nesse caso, sinônimo de
ideário. Na concepção crítica, de fundo marxista, ideologia é a estratégia utilizada pelos
intelectuais a serviço de uma classe para representar falsamente a realidade em benefício
dessa classe. Para propagar a ideologia dominante e manter o sistema mediante o
consenso da população, o Estado contaria com aparelhos ideológicos, quais sejam,
instituições como a família, a religião, a escola, o sistema legal, a cultura e a
comunicação. xxxviii
pode ser compreendido fora de seu contexto; ele é o sujeito de sua própria
formação e se desenvolve por meio da contínua reflexão sobre seu lugar no
mundo, sobre sua realidade. Essa conscientização é pré-requisito para o processo
de construção individual de conhecimento ao longo de toda a vida, na relação
pensamento-prática. Visa à consciência crítica, que é a transcendência do nível de
assimilação dos dados do mundo concreto e imediato, para o nível de percepção
subjetiva da realidade como um processo de relações complexas e flexíveis ao
longo da história.
Glossário
Conceito “A educação é a ação exercida pelas gerações
Educação adultas sobre as que ainda não amadureceram
pela vida social.” (Durkheim)
Características Compreende diversos processos de
aprendizagem no decorrer da vida.
Desenvolve um poder inato da pessoa.
Varia de acordo a com situação concreta da
pessoa.
Participantes: educador, educando e sociedade.
Classificação Formal Conceito Realizada em
estabelecimentos
de ensino e
regulamentada
pelo Estado.
Classificação Ensino
fundamental
E. médio.
E. superior.
Informal Não há um processo educativo
(ou não separado da vida cotidiana da
intencional) criança.
26
II – A família
Família! Família!
Família! Família!
(...)
Família! Família!
Família! Família!
Fica doente
Uô! Uô!
Uô! Uô!
(...)
Família! Família!
Família! Família!
Uô! Uô!
Uô! Uô!
A geração que nasceu nas décadas de 1960 e 1970 foi a primeira a ter o rock nacional
como sua grande referência musical e talvez a última a ter uma noção mais estabilizada
do termo “família”. Como ilustra a simpática música dos Titãs, a família era vista como
um lugar onde vários conflitos e desavenças aconteciam, mas mesmo assim as pessoas
estavam reunidas essencialmente por relações de consanguinidade (“Vovô, vovó,
sobrinha”). Analogamente, “família” ainda incluiria relações afetivas entre pessoas sem
vínculo de consanguinidade, os amigos mais próximos, e mesmo entre pessoas e animais
(“Cachorro, gato, galinha”). Se levarmos ainda mais longe essa analogia, “família”
incluiria quaisquer relações sociais que tivessem, ao menos retoricamente, algum grau de
afetividade, como empresas, associações e sindicatos. Porém, mesmo que apenas
intuitivamente, todos nós sabíamos que família “pra valer” abrangia apenas aquelas
pessoas pelas quais nós tínhamos relações de parentesco.xlvii Para as demais, isso não
passava de uma figura de linguagem (era como chamar os amigos mais próximos de
“irmãos”).
Essa noção relativamente bem definida de família tem sido progressivamente contestada
por movimentos sociais que procuram inflar a sua abrangência (para incluir, por exemplo,
uniões informais, casais gays ou mesmo uniões afetivas de mais de duas pessoas) ou
mesmo para destruir o próprio conceito de família, considerada como uma instituição
criada na era patriarcal que não teria mais função na sociedade contemporânea. Por isso,
mais do que nunca, é preciso identificar as diversas definições de família, além das
variadas formas de estruturas familiares.
31
A palavra “família” tem origem no latim pater familias (chefe de família) e famulus
(servos), e incluía, portanto, o chefe de família, seus descendentes e servos (a mulher não
era necessariamente parte da família do marido). Apenas no final do século XVII
“família” passou a designar, na Europa, o conjunto dos pais e dos filhos. Bronisław
Malinowski (1884-1942), antropologista polonês, declarou que a família era uma
instituição universal, cuja definição compreendia três elementos:
a) um grupo delimitado de pessoas (uma mãe, um pai e seus filhos) que reconhecem
uns aos outros e são distinguíveis de outros grupos;
Essa definição foi objeto de muita controvérsia uma vez que nem sempre essas
características estavam presentes nas estruturas familiares estudadas pelos antropólogos
ao redor do mundo. Considerando que a universalidade da família derivaria de uma
necessidade humana constante, a criação das novas gerações,xlviii parece-me que seria
mais adequado considerar a família, estruturalmente, como qualquer grupo doméstico
que contenha ao menos um adulto e uma criança sob a dependência desse adulto.
A família também pode ser definida funcionalmente, ou seja, de acordo com o seu papel
social. Nesse sentido, a função primária da família é a perpetuação da sociedade, tanto
biologicamente, por meio da procriação, quanto culturalmente, por meio da educação
informal (socialização) ou formal. Secundariamente, a família tem diversas funções,
dentre as quais se destacam:
no momento do nascimento
ou antes de 2 anos de idade.
Divorciado mais tarde Criança vivia com a mãe e o Os pais biológicos não estão
ou guarda conjunta pai biológicos do atualmente casados um com o
nascimento até a idade de 18 outro.
anos, seja através de guarda
conjunta ou em uma família
intacta que mais tarde passou
por divórcio.
Mãe tinha uma Criança vivia com a mãe 91% dessas crianças viviam
relação lésbica (biológica ou adotiva) que com a mãe enquanto ela
teve um relacionamento estava em um relacionamento
romântico do mesmo sexo do mesmo sexo; 57% viviam
por algum período de tempo. com sua mãe e sua parceira
durante pelo menos 4 meses; e
23% viviam com sua matriz e
sua parceira durante pelo
menos 3 anos.
Família biológica Criança vivia com seus pais Pai e mãe biológicos foram
intacta biológicos, casados entre si, casados durantes toda a
do nascimento até os 18 infância da criança e
anos. permanecem casados.
Pai em um Criança vivia com o pai 42% dessas crianças viviam
relacionamento gay (biológico ou adotivo) que com o pai enquanto ele estava
teve um relacionamento em um relacionamento do
romântico do mesmo sexo mesmo sexo; 24% viviam
por algum período de tempo. com seu pai e o parceiro dele
durante pelo menos 4 meses; e
2% viviam com o pai e seu
parceiro durante pelo menos 3
anos.
34
(...) serem criadas por uma família biológica intacta apresenta claras vantagens para as
crianças sobre outras formas de parentalidade. Particularmente, o estudo fornece
evidências que as gerações anteriores de cientistas sociais foram incapazes de coletar -
evidências sugerindo que as crianças de famílias biológicas intactas também superam
seus pares que foram criados em lares de um pai que teve relações do mesmo sexo.
Portanto, esse novo estudo reafirma e fortalece a convicção de que o melhor padrão para
criar os filhos ainda é a família biológica intacta.lvi
O casamento é essencial para unidades familiares estáveis e fortes, que por sua vez são
essenciais para proteger a estabilidade da nossa sociedade. (Até mesmo alguns a favor
do casamento homossexual reconheceram esse fato e tentam usá-lo para promover sua
própria posição!) (Declaração do parlamento australiano)lvii
36
b) a família extensa ou ampliada, “aquela que se estende para além da unidade pais
e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a
criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”
(ECA, art. 25, parágrafo único).
Nos termos da Constituição, a família, ou a entidade familiar,lxi pode ser classificada em:
a) a família biparental: comunidade formada por dois adultos, unidos por meio de
casamento (art. 226, §§ 1º e 2º) ou de união estável (art. 226, § 3º)lxii, e os eventuais
filhos ou netos que tiverem; e
Família
Conceito Comunidade formada por Casamento ou união estável
indivíduos unidos em razão de Parentesco Consanguíneo
Por afinidade
Por adoção
Classificação Quanto à abrangência Natural
Extensa ou ampliada
Quanto aos pais Biparental
Monoparental
No atual contexto constitucional, a família, como agrupamento, deve ter sua função
compatibilizada com os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil,
dentre os quais se destaca a “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, inc. III); com os
objetivos fundamentais da República, principalmente a promoção do “bem de todos” (art.
3º, inc. IV); e com os direitos e garantias individuais, com destaque para a igualdade
substancial (art. 5º, caput). lxiii Nesse contexto, a família se torna, nas palavras de Cristiano
Chaves de Farias e de Nelson Rosenvald, um “instrumento de proteção avançada da
pessoa humana”. lxiv De acordo com esses autores:
(...)
Desse modo, avulta afirmar, como conclusão lógica e inarredável, que a família cumpre
modernamente um papel funcionalizado, devendo, efetivamente, servir como um
ambiente propício para a promoção da dignidade e a realização da personalidade de seus
membros, integrando sentimentos, esperanças e valores, servindo como o alicerce
fundamental para o alcance da felicidade. lxv
38
A família tem algumas semelhanças com o Estado. Primeiramente, ambos têm uma
finalidade em comum: proteger os direitos fundamentais de seus membros, possibilitando
que eles usufruam o máximo bem-estar possível. Os direitos fundamentais, apesar de
serem dirigidos primordialmente ao Estado, são providos primariamente pela família que,
se contar o mínimo de estabilidade, atua com eficiência consideravelmente maior que o
Estado. Por exemplo, os direitos à vida, à segurança, à alimentação, ao lazer, à moradia
são providos em primeiro lugar pela família, somente se justificando a atuação estatal nas
situações em que a família não tem condições de prover esses direitos adequadamente
(trata-se do conhecido princípio da subsidiariedade, que será analisado mais a frente).
Além disso, família e Estado tem em comum a previsão expressa dos responsáveis pelo
exercício do poder, com a determinação das competências dessas autoridades. Enquanto
a Constituição Federal trata detalhadamente da distribuição do poder político entre os
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, o Código Civillxvi e o Estatuto da Criança e
do Adolescentelxvii definem as competências daqueles que exercem o poder familiar, ou
seja, o pai e a mãe. É notável ainda que a CF estabeleça deveres apenas para duas
instituições: o Estado, juntamente com seus agentes públicos, e a família, representada
pelos pais.
Além disso, é dever dos pais “assistir, criar e educar os filhos menores” e dos filhos
maiores “ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (art. 229).
39
As nítidas semelhanças entre a família e o Estado conferem a ela um status único entre as
instituições da sociedade civil: a de uma entidade semiestatal. A autonomia privada,
fundamento do princípio da dignidade humana e principal contrapeso ao poder estatal, é
fundamentalmente exercida em dois níveis: individual e associativo. Quanto à família,
espécie de associação, parte da doutrina a considera mais do que autônoma, mas até
mesmo soberana.lxviii Vide, a esse respeito, a contundente lição do administrativista
chileno Eduardo Soto Kloss:
Família que nasce do poder soberano de um homem e de uma mulher que se dão
mutuamente e em que ambos são “cossoberanos”, comunidade de vida e amor que
constitui a primeira e mais radical forma de sociedade humana, “autônoma” em seus
fins e bens, “independente de todo o poder estatal e “soberana” na sua potencialidade
de gerar direitos, anteriores e superiores ao Estado. lxix
Neste ponto, cabe enfatizar que nenhuma norma jurídica tem função meramente
decorativa ou retórica. Pelo contrário: por definição, a norma jurídica, e mais ainda a
norma constitucional, é promulgada com a finalidade de produzir efeitos na realidade
social. Portanto, a incomparável importância dada à família faz com que essa instituição
tenha poderes e atribuições da mais notável relevância, merecendo não apenas um
específico ramo jurídico, o Direito de Família, mas também a mais intensa proteção do e
contra o Estado.
Família
Concepções Tradicional Instituição (fim em si mesma)
Contemporânea Instrumento (proteção dos direitos
individuais de seus membros)
Semelhanças com o Estado Finalidade: proteção dos direitos fundamentais de seus
membros.
Previsão expressa dos responsáveis pelo exercício do
poder, com a determinação das competências dessas
autoridades.
Previsão de deveres
Deveres familiares Educação
41
a) Liberal: as regras para a habilitação aos benefícios são estritas e muitas vezes
associadas ao estigma; os benefícios são tipicamente modestos. O Estado, por sua
vez, encoraja o mercado, tanto passiva – ao garantir apenas o mínimo – quanto
ativamente – ao subsidiar esquemas privados de previdência;
Essa concepção da central da família nas políticas sociais não é algo novo no Brasil, como
bem salienta Andréa Pacheco de Mesquita:
43
Assim, quando a Constituição Federal determina que apenas a família “tem especial
proteção do Estado” (art. 226, caput), isso significa que a família é a destinatária
preferencial das políticas sociais, como saúde, educação, e assistência social. Como
destacado acima por Mesquita, compete à família decidir autonomamente como distribuir
esses benefícios entre seus membros. Presume-se, dessa maneira, que a família tem maior
capacidade e competência que o Estado para gerir benefícios sociais para os membros da
família. Exemplo dessa política é o conhecidíssimo bolsa-família, benefício que é
distribuído não individualmente, mas a cada grupo familiar, e que ainda determina
obrigações específicas para esse grupo familiar, como a obrigatoriedade de vacinação dos
filhos.
É quase impossível discordar do lamento expresso nessa música. Nos últimos anos, temos
testemunhado um fenômeno coletivo de “desistência (ou renúncia) familiar”, no qual
progressivamente a família delega a outras instituições sociais as suas atribuições mais
típicas. Parece que sobra para a imensa maioria das famílias a função mais rudimentar de
todas: o sustento dos filhos. Dá-se as condições materiais necessárias para a sobrevivência
e o conforto dos filhos e deixa-se todo o restante para o Estado e para outras instituições
sociais. Isso aconteceu de forma mais marcante quanto à atribuição mais fundamental da
família: a educação dos filhos.
Quase não se educa mais em casa. O cotidiano das crianças brasileiras, de qualquer nível
socioeconômico, é marcado por uma divisão entre o espaço da escola (reservado à
educação) e o da casa (reservado basicamente aos cuidados materiais, sendo o tempo livre
quase totalmente preenchido pela televisão). E isso não provoca nenhum escândalo em
nossa sociedade (aliás, escândalo no Brasil parece ter que envolver sempre desvio de
dinheiro público...), apesar de sua extrema gravidade: todos os dias, milhões de famílias
por todo o país descumprem seu dever natural (e obrigação constitucional) de educar os
próprios filhos, de prepará-los para a vida adulta. Do descumprimento dessa função
essencial, que gera a disfuncionalidade da família, até a pura e simples desagregação
46
familiar, costuma haver um caminho incrivelmente curto, que muitas vezes é percorrido
sem que se tenha consciência de seu destino final.
Por outro lado, cresce o número de famílias que resolveram trilhar o caminho oposto, ou
seja, que tomaram para si a responsabilidade pela educação de seus filhos. Muitas dessas
famílias ainda se utilizam de estabelecimentos escolares por razões meramente práticas
(para elas, as escolas são um “mal necessário”, funcionando como “creches mais
sofisticadas”, pois é preciso deixar as crianças em algum alugar enquanto ambos os pais
trabalham); nos períodos em que toda a família se encontra em casa, a prioridade absoluta
é a educação dos filhos, ou seja, a transmissão da cultura familiar para as novas gerações.
Essas famílias tentam compatibilizar as demandas da vida contemporânea com a
educação dos filhos, lutando para transmitir o que têm de melhor e buscando cumprir seus
deveres naturais e jurídicos. Seu grande mérito talvez seja reconhecer a sabedoria do
famoso ditado segundo o qual, a “educação vem de berço”. Elas, porém, não são o foco
deste capítulo.
Aqui, será analisado o fenômeno dos pais que retiraram (ou nunca incluíram) os filhos no
ambiente escolar, centralizando a sua educação no ambiente familiar. Primeiramente, se
verificará a terminologia mais adotada (“educação domiciliar”) para em seguida, analisar
suas características, sua classificação, as principais motivações dos pais e a situação do
fenômeno no Brasil e no mundo.
A instrução, por sua vez, diz respeito à transmissão de conhecimentos para possibilitar à
pessoa atuar de modo produtivo no mercado de trabalho.lxxix De acordo com o Instituto
Central de Ciências Pedagógicas – ICCP, lxxx
A opção pelo termo “instrução” ao invés de “educação” deve-se ao fato de que não há
controvérsias a respeito do poder dos pais de educarem os filhos (o art. 205 da CF, por
exemplo, estabelece que a educação é “dever da família”).lxxxiii O que se tem questionado
juridicamente é se esse poder abrange também a prerrogativa de ministrar, diretamente
ou por meio de terceiros especialmente selecionados, os conhecimentos necessários à
preparação para o mercado de trabalho.
48
Por essa razão, é utilizada aqui a expressão “instrução dirigida pelos pais”, ainda mais
precisa do que “instrução familiar” pois o ensino não é necessariamente conduzido no
seio da família. Na verdade, essa modalidade de instrução permite aos pais o mais amplo
poder de escolha com relação a quem, como, onde e quando se dará o aprendizado dos
filhos. Assim, a instrução não precisa ser ministrada pelos pais (apesar de ser a situação
mais comum), mas estes têm o controle direto sobre o processo instrucional dos filhos.
Trata-se do elemento que substancialmente distingue essa modalidade de instrução
daquela ministrada no ambiente escolar, onde a liberdade dos pais se resume na maioria
das vezes à escolha da instituição de ensino onde os filhos serão matriculados.
Como visto no primeiro capítulo, a educação nos moldes determinados pelo Estado é
denominada de “educação formal”, que compreende no Brasil, o ensino básico
(fundamental e médio) e o ensino superior. A educação formal tem a importantíssima
função social de possibilitar o acesso a determinados setores do mercado de trabalho, com
o credenciamento exercido por meio da expedição de diplomas (no Brasil, é ilícito, por
exemplo, exercer a advocacia sem ter a “credencial” expedida por uma faculdade de
Direito).
Sem essa função credenciadora, existe a educação não formal, que compreende tanto
alternativas quanto complementos à educação formal. A educação domiciliar é
nitidamente uma espécie de educação não formal alternativa ao modelo escolarizado de
educação. Nada impede, porém, que a educação domiciliar seja realizada de forma
complementar à educação escolar, com a participação ativa da família nas atividades
49
escolares; essa hipótese, porém, não será objeto de análise aqui, uma vez que não contém
controvérsias jurídicas significativas.
Geralmente, as famílias que decidem adotar a educação domiciliar passam por uma
transição, um rompimento com o modelo anterior, baseado na instituição escolar. Essa
transição é chamada de desescolarização e tem as seguintes fases:
I) mudar o sistema; ou
II) abandonar o sistema e educar os filhos em casa;
d) Lidando com as consequências dessa decisão: depois que a decisão é feita a favor
da educação domiciliar, os pais devem constantemente suportar as consequências,
que implicam, quase sempre, uma radical mudança no estilo de vida da família, o
incluindo a tomada de consciência e de responsabilidade sobre certas práticas
antes automatizadas; maior flexibilidade, sem planejamentos rígidos de longo
prazo, e diversas ramificações na vida pessoal, como senso de maior significado
e de desenvolvimento pessoal. lxxxiv
50
Lidando com
Decisão em
Procura de as
favor da
Crise uma
educação consequências
alternativa
domiciliar
dessa decisão
Esse rompimento com o modelo escolar pode acontecer de forma mais ou menos radical:
em um extremo, existem famílias que simplesmente transplantam a metodologia
tipicamente escolar para casa enquanto que, no outro extremo, existem também famílias
que buscam se desvincular de modo absoluto do modelo escolar. Esses dois tipos
extremos podem ser assim caracterizados:
Escola em
Unschooling
casa
A educação domiciliar é uma modalidade de ensino que não obedece a uma lógica única,
massificada para todas as famílias, uma vez que se baseia no princípio da soberania
educacional das famílias, ou seja, seu fundamento é a liberdade de cada família
determinar como será realizada a educação de cada um de seus filhos. Por essa razão,
diversas abordagens podem ser adotadas, a critério da família. Nesse contexto, alguns
estilos de educação domiciliar se destacam:
Educadores
domiciliares
marginais
Educadaores
domiciliares
pragmáticos
Unschoolers
Educadores
domiciliares
estruturados
a) Ideólogas: explicam que educam em casa por dois motivos – objeção ao que é
ensinado em escolas, tanto públicas quanto privadas; e para fortalecer o
relacionamento com os filhos. Esses pais são cristãos fundamentalistas e têm
valores, crenças e habilidades específicas que querem ensinar a seus filhos. Além
das matérias tradicionais, os pais querem que seus filhos aprendam doutrinas
religiosas fundamentalistas e uma perspectiva política e social de caráter
conservador;xc
Finalmente, há uma curiosa classificação que não tem em vista as famílias, mas as mães,
que na maior parte dos casos são as responsáveis diretas pela educação domiciliar:
a) Primeira opção: são mães que sentem terem sido chamadas a educar seus filhos
em casa, tanto por razões estritamente pedagógicas quanto por razões religiosas;
b) Segunda opção: são mães que resolveram educar os filhos em casa depois de os
outros métodos educacionais terem falhado; para essas mães, a educação
domiciliar não faz parte de sua identidade, mas é apenas uma opção temporária.
xciv
Classificações
Quanto ao grau de integração social Educadores domiciliares estruturados
Unschoolers
Educadores domiciliares pragmáticos
Educadores domiciliares marginais
Quanto à motivação para a adoção da Famílias ideólogas
educação domiciliar Famílias pedagogas
Quanto à influência doutrinária Crentes
Inclusivos
Quanto à situação das mães De primeira opção
De segunda opção
As famílias escolhem a educação domiciliar pelas mais variadas razões, que podem ser
classificadas em quatro categorias principais:
a) Sociais: a socialização oferecida pela escola seria geralmente negativa, uma vez
que é improvável um contato humano significativo com um grande número de
pessoas, o que ainda aumenta as chances de submissão às pressões do grupo. Por
outro lado, as crianças educadas em casa desenvolveriam mais autoconfiança e
um sistema de valores mais estável, que são os ingredientes básicos para uma
socialização positiva;xcv
Antes de a escola tornar-se um fenômeno de massas no decorrer dos séculos XIX e XX,
a educação era quase sempre provida integralmente em casa, de modo mais informal, com
o aprendizado do ofício paterno pelos filhos das famílias mais humildes, e de modo mais
formal, com a contratação de tutores e preletores para a educação dos filhos das famílias
mais prósperas. Essa modalidade de educação, que predominou durante quase toda a
história da humanidade, foi se tornando cada vez mais marginalizada com a propagação
das leis de escolarização compulsória, até o ponto de ser realizada principalmente por
minorias (linguísticas, culturais e étnicas) não inseridas na cultura predominante. A esse
fenômeno historicamente determinado, denomino educação em casa, para diferenciar do
movimento contemporâneo de educação domiciliar.
A educação domiciliar ainda está presente em dezenas de outros países do mundo, sendo
expressamente legalizada em diversos países, como África do Sul, Canadá, Colômbia,
México, Peru, Índia, Indonésia, Israel, Áustria, Espanha e Itália.
59
Legenda:
Verde: legal
Como visto, no mapa acima, no Brasil a educação domiciliar não está prevista em
nenhuma norma; apesar disso, quase sempre é tolerada pelas autoridades judiciais e
60
administrativas (uma proporção bastante reduzida das famílias educadoras tem sofrido
problemas de natureza jurídica). Não há um censo que indique com precisão o número de
famílias que adotam a educação domiciliar; presume-se que em 2015 eram cerca de 2.500
famílias.
Eu fiquei indignado
A massa indignada
A nossa indignação
De nossas casas
61
(REFRÃO)
Indignação, indigna
Indigna, inaçãoxcviii
Estamos na era da indignação. Nas redes sociais, todos os dias somos estimulados a
demonstrar nossa fúria e desprezo contra algo que consideramos injusto, ofensivo ou
incorreto. A indignação é sempre a atribuição de um valor negativo a alguém; por meio
dela, nós procuramos demonstrar que essa pessoa tem menos valor que as demais, por
causa de suas atitudes ou de seu caráter, ou mesmo que essa pessoa é tão degradada que
não guarda em si nenhum valor positivo. Decerto, temos várias razões para nos
mostrarmos indignados hoje em dia, mas em Direito é preciso inverter o foco e considerar
ao invés disso, a dignidade de cada pessoa.
Preâmbulo
(...)
Considerando que, na Carta,xcix os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua
fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na
igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o
progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais
ampla;
(...)
Artigo 1°
É notável que a dignidade tenha sido reconhecida não apenas como inerente a todo ser
humano, mas também que todos nascem iguais em dignidade. Porém, a DUDH, como
revela seu próprio nome, não é uma norma jurídica, mas apenas uma declaração. A
vinculação jurídica das nações do mundo ao princípio da dignidade humana se deu com
63
Todos esses tratados internacionais de direitos humanos não apenas foram ratificados
pelo Brasil, sendo, portanto, de observância obrigatória, mas também, de acordo com o
entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, têm valor supralegal, ou seja,
são hierarquicamente superiores às leis nacionais, sendo subordinados apenas à
cv
Constituição Federal. A última convenção (sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência) ainda tem o status de emenda constitucional, uma vez que observou o
procedimento previsto no art. 5°, § 3° da Constituição Federal (CF). cvi
"(...) a dignidade da pessoa humana precede a Constituição de 1988 e esta não poderia ter
sido contrariada, em seu art. 1º, III, anteriormente a sua vigência. A arguente desqualifica
fatos históricos que antecederam a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei
6.683/1979. (...) A inicial ignora o momento talvez mais importante da luta pela
redemocratização do país, o da batalha da anistia, autêntica batalha. Toda a gente que
conhece nossa História sabe que esse acordo político existiu, resultando no texto da Lei
6.683/1979. (...) Tem razão a arguente ao afirmar que a dignidade não tem preço. As
64
coisas têm preço, as pessoas têm dignidade. A dignidade não tem preço, vale para todos
quantos participam do humano. Estamos, todavia, em perigo quando alguém se arroga o
direito de tomar o que pertence à dignidade da pessoa humana como um seu valor (valor
de quem se arrogue a tanto). É que, então, o valor do humano assume forma na substância
e medida de quem o afirme e o pretende impor na qualidade e quantidade em que o
mensure. Então o valor da dignidade da pessoa humana já não será mais valor do humano,
de todos quantos pertencem à humanidade, porém de quem o proclame conforme o seu
critério particular. Estamos então em perigo, submissos à tirania dos valores. (...) Sem de
qualquer modo negar o que diz a arguente ao proclamar que a dignidade não tem preço
(o que subscrevo), tenho que a indignidade que o cometimento de qualquer crime
expressa não pode ser retribuída com a proclamação de que o instituto da anistia viola a
dignidade humana. (...) O argumento descolado da dignidade da pessoa humana para
afirmar a invalidade da conexão criminal que aproveitaria aos agentes políticos que
praticaram crimes comuns contra opositores políticos, presos ou não, durante o regime
militar, esse argumento não prospera." (ADPF 153, voto do Rel. Min. Eros Grau,
julgamento em 29-4-2010, Plenário, DJE de 6-8-2010.)
O princípio da dignidade humana é citado ainda mais três vezes no texto constitucional,
sendo todas elas no capítulo “Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do
Idoso” (arts. 226 a 230). Além disso, diversas leis ordinárias fazem referência a esse
princípio, como é o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente.
(...) a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz
merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano,
como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da
própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.cvii
Negar a dignidade humana, em seu aspecto externo, a alguém, significa tratá-lo como um
objeto e não um ser humano. Trata-se do procedimento de objetificação, que
necessariamente envolve uma ou mais das seguintes noções:
Neste caso, contudo, a Constituição vai além, pois não apenas afirma a dignidade de todos
os seres humanos, inclusive das crianças, mas também estabelece para estas o “direito à
cxii
dignidade”. Essa expressão, porém, é equivocada, uma vez que “a dignidade não é
algo que alguém precise postular ou reivindicar, porque decorre da própria condição
67
humana. O que se pode exigir não é a dignidade em si – pois cada um já a traz consigo –
mas respeito e proteção a ela”cxiii. Assim, é logicamente impossível que a dignidade
humana seja ao mesmo tempo o fundamento de todos os direitos conferidos aos seres
humanos (como um “direito a ter direitos”, para usar a feliz expressão de Hannah
Arendtcxiv) e também um específico direito humano. Ora, somente se preveem direitos
quando algo pode ser perdido e por isso mesmo deve ser protegido pela ordem jurídica (o
direito à vida, por exemplo, tem seu fundamento na possibilidade de se perder a vida); a
dignidade, porém, é inerente a qualquer ser humano e por isso mesmo não pode “ser
perdida”, pois, por definição, não existe ser humano que não tenha dignidade.
a) igualdade – a intrínseca dignidade humana de cada ser humano requer que todos
sejam tratados com igual consideração e respeito, sem distinções de qualquer
natureza;
A dignidade humana não pode ser plenamente valorizada ou respeitada a menos que os
indivíduos sejam capazes de desenvolver a sua humanidade, a sua “condição humana”
68
em toda a extensão do seu potencial. Cada ser humano é singularmente talentoso. Parte
da dignidade de cada ser humano é o fato e consciência desta singularidade. A dignidade
humana de um indivíduo não pode ser plenamente respeitada ou valorizada, a menos que
o indivíduo tenha permissão para desenvolver seus talentos únicos de forma otimizada.
(...)
Uma “sociedade aberta” (...) é uma sociedade em que as pessoas são livres para
desenvolver suas personalidades e habilidades, para buscar sua própria realização última,
para cumprir a sua própria humanidade e de questionar toda a sabedoria recebida sem
limitações colocadas sobre eles por parte do Estado. A “sociedade aberta” sugere que os
indivíduos são livres, individualmente e em associação com outros, para perseguir
amplamente seu próprio desenvolvimento pessoal e realização e sua própria concepção
da “bem viver”.cxv
E qual seria o conteúdo desse direito? Prever um direito à autonomia significa conferir
proteção estatal para a liberdade fundamental do ser humano de determinar seus próprios
objetivos, de definir seus valores, seu modo de vida, enfim, de realizar as decisões
fundamentais de sua existência. Em uma “sociedade aberta” (democrática e pluralista)
cada indivíduo deve ter as mais amplas condições possíveis de exercer a sua
singularidade, a sua individualidade, de realizar seus projetos pessoais.
De fato, pode soar estranho que as crianças tenham um “direito à autonomia”. Como seria
possível que pessoas menores de 18 anos, portanto incapazes e dependentes de
representação e assistência de um adulto, tenham o direito de decidir sobre sua própria
vida? Para entender esse direito é preciso antes compreender o conceito de “evolução da
capacidade”, conforme previsto no art. 5 da Convenção sobre os Direitos das Crianças:
Todas as crianças que tenham capacidade de se expressar (ou seja, com certo domínio da
linguagem) têm direito aos três primeiros níveis de envolvimento conforme determina o
art. 12 da Convenção sobre os Direitos da Criança:
Artigo 12
1. Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus próprios
juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos
relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em
função da idade e maturidade da criança.
Para reforçar e enfatizar a proteção conferida à criança, a Constituição Federal logo após
enunciar o direito à dignidade, também previu o direito da criança ao respeito (cf. art.
227, caput). Esse enunciado pode causar perplexidade tendo em vista a semelhança
semântica entre respeito e dignidade. Porém, como observado anteriormente, cabe ao
intérprete distinguir entre os signos constitucionais, sendo inadmissível a presença de
sinônimos perfeitos na Constituição Federal, que teriam como consequência a
inaplicabilidade de algum dos termos considerados semanticamente idênticos.
Como visto, porém, a Constituição Federal enunciou esse direito especialmente para as
crianças (e também para os adolescentes e jovens). Isso significa que as crianças, por sua
condição peculiar de “pessoas em desenvolvimento” (Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), art. 6°), além de todos os direitos previstos para as pessoas em geral,
têm “proteção integral” (ECA, art. 3°) e por isso devem ter seus direitos assegurados com
“absoluta prioridade” (ECA, art. 4°). Em consequência, de acordo com o estatuto, “o
direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da
criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da
autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais” (ECA, art. 17).
Janusz Korczak, pedagogo polonês, deu início a experiências pioneiras em orfanatos, nos
quais as crianças eram tratadas com o mesmo respeito e consideração que os adultos.
Além disso, foi influência determinante na Declaração dos Direitos das Crianças, de 1959,
e na Convenção sobre os Direitos das Crianças, em 1989. O seu manifesto, “O Direito da
Criança ao Respeito”, de 1929, é provavelmente a mais bela e eloquente defesa já feita
da criança como um ser humano integral e não apenas um potencial, um “futuro adulto”.
Desse manifesto, destaco os seguintes trechos:
É como se existissem duas vidas. Uma é séria e respeitável; a outra vale menos, é apenas
tolerada com indulgência. Costumamos dizer: o futuro homem, o futuro trabalhador, o
futuro cidadão. Eles passarão um dia a existir de verdade, sua real trajetória ainda está
por começar, só mais tarde virão a ser levados a sério. Damos licença para que fiquem
zanzando por aí, mas sem eles tudo é mais cômodo.
Pois bem: não é verdade. As crianças existem e hão de existir sempre. Não caíram de
repente do céu, para um rápida visitinha. Uma criança não é um vago conhecido, de quem
nos podemos desvencilhar, num encontro ao acaso, com um simples alô e um sorriso.
(...)
Na Antiguidade da Grécia e de Roma, uma lei cruel mas franca permitia matar uma
criança. Na Idade Média os pescadores achavam nas suas redes cadáveres de bebês
afogados nos rios. No século XVII as crianças maiores eram vendidas a mendigos,
enquanto as menorzinhas eram distribuídas de graça em frente à catedral de Notre Dame.
E isso foi ainda outro dia. E até hoje muitas crianças continuam a ser abandonados quando
começam a incomodar.
73
(...)
Renunciar a hoje em nome de amanhã? O que o futuro nos prenuncia de tão sedutor
assim? Pintamo-lo com cores exageradamente sombrias; e eis que chega o dia em que
nossas previsões se concretizam: o telhado desaba, porque a construção das fundações foi
feita com negligência.cxvii
A educação tal qual a conhecemos é uma aposta de altíssimo risco. Vultuosos recursos
materiais, humanos e de tempo são alocados para um dos mais ambiciosos objetivos a
que a humanidade já se propôs: formar seres humanos, aptos a exercer sua cidadania,
utilizar seu potencial e serem membros produtivos da sociedade. Em nome desse
“esplendoroso” e incerto ser do futuro, a vida de seres humanos efetivamente existentes
é radicalmente transformada, em um processo com pouquíssima ou nenhuma participação
da vontade desse ser humano real.
A educação escolar, em especial, encontra-se tão naturalizada que se tornou lugar comum
identificar educação com escolarização. A despeito de seus variados e conhecidos
problemas, a existência e a necessidade da instituição escolar são vistas como
inquestionáveis. O pensamento quase hegemônico é mais ou menos o seguinte: “sempre
é possível melhorar a escola, mas não se pode conceber a educação completamente fora
da escola”.
Talvez uma analogia possa deixar essa questão mais clara. A intervenção que a escola
realiza na vida da criança somente pode ser comparada na vida adulta à realizada pela
prisão. Os pontos de semelhança são vários, como uma estrutura autoritária, a perda da
autonomia individual, a ausência de participação na formulação das decisões e tempos
determinados para todas as atividades. Há uma notável semelhança inclusive com relação
à função primordial: enquanto a escola se destinaria à socialização das crianças, a
penitenciária se destinaria à ressocialização dos adultos.
Quanto maior a intervenção externa na vida de uma pessoa, menor a sua autonomia e
mais exposta a riscos estará sua dignidade. Em algumas situações, a essa intervenção pode
ser inevitável, como em tratamentos médicos para pessoas que não podem expressar sua
vontade; em outras, a sua necessidade é questionável, como é o caso das escolas. De
qualquer forma, em todas as situações de intervenção compulsória sobre a vida de alguém,
existe o risco de lesão à sua dignidade e à sua autonomia.
75
Deixe-me começar com duas proposições opostas quanto à relação entre dignidade e
educação.
Essas afirmações deixam claro que o conceito de dignidade tem ao menos duas diferentes
funções na reflexão educacional. Primeiro, a dignidade da criança pode fundamentar uma
demanda para educação. A ideia é que a criança – ou o adulto em que ela se tornará – tem
necessidade de educação: sem educação, ela não viverá uma vida satisfatória e autônoma
e poderia ser privada de certas oportunidades sociais e econômicas.
O problema é, porém, que fomentar determinadas capacidades pode ser contrário aos
desejos atuais da criança. Isso nos leva à segunda função do conceito de dignidade: pode
funcionar como uma restrição normativa às interferências educacionais. (...)cxix
Hoje em dia, há uma concepção hegemônica de que as crianças devem ser educadas tendo
em vista a indisfarçável necessidade futura de adultos funcionais, tanto econômica (para
76
Esses bens específicos da infância somente podem ser preservados se as crianças puderem
exercer efetivamente sua autonomia. Em educação, a autonomia das crianças significa:
O sistema escolar brasileiro atual não confere nenhum espaço para que as crianças possam
exercer sua autonomia. Pelo contrário: não há absolutamente nenhuma participação ativa
dos alunos dos alunos no processo educacional ao qual eles estão submetidos. O aluno é
apenas o recipiente passivo que recebe não apenas as informações, mas também as
atitudes e os valores daqueles que o ensina. Das relevantes instituições modernas, a escola
talvez seja a mais autoritária de todas: não há opção quanto a entrar, sair ou permanecer
e durante esse período, a autonomia da criança é absolutamente desrespeitada. No limite,
o único direito das crianças no decorrer do processo pedagógico é o de não ser submetido
a maus-tratos.
A partir desse ponto, a instituição passa a ter como finalidade primordial o seu próprio
crescimento em detrimento das finalidades explícitas da instituição. Então, os
destinatários dos serviços da instituição passam a ser meros instrumentos, meros pretextos
para os verdadeiros fins dessa instituição. Um órgão público, por exemplo, oficialmente
existe para prover serviços à população, mas tendo em vista o altíssimo grau de
institucionalização do Estado, sua finalidade precípua será beneficiar os servidores
públicos e os políticos ligados a esse órgão.
Uma sociedade sem escolas, tal como proposta por Ivan Illich, em clássica obra de mesmo
nome, cxxiv representaria portanto o desemprego para milhões de pessoas e a falência de
inumeráveis empresas. Uma diminuição mínima do aparato escolar já significaria o
desemprego de milhares de pessoas e bilhões de reais a menos no orçamento educacional.
São poderosos interesses, portanto, que exigem não apenas a manutenção mas
principalmente o contínuo crescimento do sistema escolar.
Por essas razões, a relação ser humano/instituição tende a se inverter no caso do sistema
escolar: o primeiro passa a existir em função do último e não, como era de se esperar, o
contrário. A escola, ao invés de servir aos alunos, serve-se deles como instrumentos para
a satisfação dos interesses internos de seus membros. Essa inversão retira a humanidade
dos alunos, transformando-os em meros objetos, instrumentos a serviço de propósitos
externos a eles.
matérias, a metodologia de ensino e mesmo o ritmo em que as matérias são dadas em sala
de aula necessariamente levam em consideração algum tipo de média estatística.
O ser humano, portanto, é despojado de seu caráter único e distinto e passa a ser tratado
como algo fungível, ou seja, exatamente igual aos demais. Não há mais indivíduo, com
sua específica necessidade de descobrir e conhecer o mundo, mas apenas uma média
estatística, da qual se espera os mesmos resultados dos demais, que também se tornam
parte indiferenciada desse todo. Trata-se de uma lesão não apenas ao direito à dignidade
e ao respeito, mas também ao direito à diversidade, pelo qual cada pessoa tem o poder de
definir suas necessidades, seus desejos e sua visão de mundo.
Seria possível reformar o sistema escolar atual de modo a realmente garantir que todas as
crianças sejam tratadas com dignidade e respeito? Curiosamente, essa crucial questão
raramente é objeto de consideração por educadores e pedagogos. Decerto, reformas
pontuais sempre são possíveis e, de certa forma, estão sendo formuladas e testadas
continuamente. Praticamente todos os pedagogos e educadores proeminentes advogaram
algum tipo de reforma do sistema escolar.
Para verificar a viabilidade de uma reforma radical e global do sistema escolar, é preciso
revisitar as três tensões já analisadas.
A primeira delas diz respeito à perda de autonomia da criança atual frente ao hipotético
acréscimo de autonomia do futuro adulto em decorrência da educação. Seria possível uma
escola em que as crianças tivessem graus crescentes de autonomia de acordo com seu
grau de desenvolvimento intelectual? Sem dúvida, é possível tornar as escolas mais
democráticas, participativas e inclusivas, como demonstram várias experiências nesse
cxxv
sentido. Porém, o que chama a atenção nessas experiências é exatamente seu
restritíssimo alcance: as “escolas democráticas”, onde é garantido o direito à dignidade e
ao respeito dos estudantes não apenas são raras mas também em cada caso envolvem um
80
número bastante restrito de crianças. Aliás, não se conhece um sistema escolar que, como
um todo, tenha adotado essa abordagem. Não por acaso existem sérios questionamentos
a respeito do caráter inerentemente autoritário da escola, que teria como uma de suas
funções implícitas “ensinar a obedecer a ordens”. cxxvi Portanto, permanece extremamente
improvável que a escola venha a se tornar um espaço que garanta o respeito e a dignidade
às crianças.
A questão torna-se ainda mais problemática quando analisamos a segunda tensão, que diz
respeito ao conflito de interesses entre os estudantes e aquelas pessoas que efetivamente
detém o poder dentro do sistema escolar (professores e burocratas em geral). Esse conflito
de interesses é latente dentro de qualquer grande instituição e se revela de forma explícita
quando os interesses internos à instituição se posicionam de forma contrária à dignidade
e ao respeito aos alunos. Trata-se de uma questão estrutural do sistema escolar, que, sendo
uma das maiores instituições já criadas pelo ser humano, encontra-se inevitavelmente
vergado por esses interesses internos. Neste caso, existe uma impossibilidade prática de
o sistema escolar estar realmente a serviço da dignidade e do respeito às crianças. Aliás,
isso pode acontecer, mas de forma acidental, desde que os interesses das crianças
coincidam com os interesses internos do sistema.
A última tensão diz respeito à posição da criança enquanto indivíduo e enquanto parte
indistinta de uma massa. Como visto, quando milhões de crianças devem ser ensinadas
conforme um padrão determinado, necessariamente qualquer noção de individualidade é
dissolvida dentro de um padrão comum. Seres únicos tornam-se fungíveis por um
imperativo do sistema escolar. A ausência de autonomia das crianças, descortinada na
primeira tensão, impede que a educação seja direcionada pelas necessidades específicas
de cada aluno. O resultado inevitável é uma brutal padronização, que não atende por
inteiro os interesses de nenhuma criança. Essa tensão pode ser diminuída da mesma forma
que a primeira, ou seja, por meio da democratização das escolas, mas nunca poderá ser
extirpada, tendo em vista a existência de currículos mínimos obrigatórios, como
determina a Constituição Federal, e a simples e inevitável circunstância de que escolas
implicam por definição agrupamento de alunos, com tratamento idêntico de crianças com
necessidades e desejos absolutamente diversos.
dos interesses das crianças. No limite, uma instituição que nega cotidianamente esse
direito às crianças seria considerada uma associação para fins ilícitos, se não fosse
expressamente prevista na própria Constituição Federal (o art. 206, inc. I, se refere ao
princípio da “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”).
Nesse sentido, a única opção para minorar os efeitos deletérios da escolarização, tal qual
a conhecemos, sobre as crianças, é conferir a maior liberdade educacional possível para
as famílias e às instituições educacionais. Essa liberdade já se encontra prevista na
Constituição Federal, no art. 206, inc. II e III:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
(...)
Enfim, é necessário e urgente que ampliemos o foco das discussões a respeito de educação
e dignidade humana. Sem dúvida, a educação é um fator importantíssimo para que a
pessoa no futuro tenha condições de desenvolver seu potencial e atuar efetivamente na
82
sem destino
ou da inocência de um menino
subdimensão
de você
83
de fraqueza.
dentro de você
Essa belíssima música de Zé Geraldo trata da angústia existente em cada ser humano de
viver entre as mais diversas pressões externas enquanto busca realizar seu projeto de vida
único e intransferível. Quase sempre, o ambiente no qual a pessoa se encontra é pobre de
opções de projetos de vida; pior ainda, muitas vezes as pessoas nem sabem que essas
opções existem. Aqui, o papel do Estado é prover as condições necessárias para que os
projetos individuais possam ser realizados pelo maior número possível de pessoas. Esse
papel pode ser efetivado de forma positiva, por meio do provimento de condições
materiais para a realização desses projetos (em ações de assistência social, por exemplo),
ou de forma negativa, por meio da abstenção de condutas que restringiriam indevidamente
o leque de opções a ser dado a cada indivíduo.cxxx Nesse sentido, as condutas vedadas ao
Estado vão desde a mais explícita coerção, como a censura e a vedação do exercício de
determinadas atividades, até a mais sutil manipulação comportamental, totalmente
imperceptível às suas vítimas. A concepção fundamental é a da instrumentalidade do
Estado, que não deve “formar” seres humanos, mas se conformar às necessidades e
demandas destes. Neste ponto, cabe um breve retorno (vide capítulo anterior) ao
supraprincípio da dignidade humana.
84
Reconhecer o outro ser humano como digno tem duas importantíssimas repercussões para
os fins deste estudo. A primeira diz respeito à relação entre indivíduo e Estado:
ultrapassadas as doutrinas totalitárias, que determinavam a dissolução do indivíduo no
Estado soberano (“não há legítimos interesses particulares, mas apenas estatais”), o
85
Estado passa a se constituir como servo do ser humano, como um instrumento a serviço
do bem-estar de seus cidadãos. Trata-se do “Estado eudaimônico”,cxxxi ou seja aquele que
tem por objetivo supremo permitir, proteger e incentivar a busca da autorrealização de
cada um de seus cidadãos. Nesse sentido, qualquer ação estatal somente pode ser
considerada legítima caso tenha por finalidade suprema a contribuição para os projetos
individuais de cada um de seus cidadãos. cxxxii
A segunda repercussão diz respeito ao modo como cada indivíduo se autorrealiza. Cada
pessoa deve ter a possibilidade de escolher como viverá: desde os seus hábitos mais
cotidianos (como a escolha do tipo de alimentação ou de transporte) até os valores mais
profundos (como a visão de mundo, a religião, a filosofia de vida) passando pelas decisões
fundamentais da vida (como a escolha da profissão e da(s) pessoa(s) para relações
íntimas). É por meio dessas decisões e escolhas que se exerce a autonomia, decorrência
necessária da dignidade humana. Em termos mais superficiais, a autonomia é respeitada
por meio da ausência de coerções ilegítimas. Em um nível mais profundo, porém, a
autonomia individual requer o respeito às convicções fundamentais de todo ser humano;
nesse sentido, ninguém pode ser coagido, manipulado ou mesmo influenciado, contra sua
vontade expressa, a acreditar em uma concepção da realidade (por exemplo, a existência
ou inexistência de um mundo espiritual), de normas éticas (por exemplo, a existência ou
inexistência de um dever de ajudar os mais pobres) ou em uma filosofia política (que
requeira, por exemplo, maior ou menor intervenção do Estado na sociedade). O respeito
à autonomia individual deve alcançar inclusive as meras apreciações estéticas, como as
relativas a estilos de músicas. Enfim, por meio da autonomia o ser humano se autoconstrói
moralmente, intelectualmente, filosoficamente e espiritualmente, sendo vedadas, a
princípio, quaisquer intervenções externas ao indivíduo e no caso das crianças, à sua
família, como se verá mais adiante.
Com relação aos valores fundamentais de cada pessoa, o Estado pode ter duas atitudes
básicas. A primeira delas é o perfeccionismo político, no qual o Estado adota
determinados valores, ou seja, define o que é uma “vida correta”, e passa a estimulá-los
e, no limite, a impô-los. Diversos regimes políticos totalitários adotam políticas
perfeccionistas, banindo escolhas e modos de vida considerados como “ruins” ou mesmo
demandando a aderência a um estilo de vida considerado “virtuoso”. É o caso do
marxismo, que propôs a abolição da propriedade privada para concretizar as
potencialidades e excelências humanas e desencorajar os modos de vida que careceriam
86
dessas excelências. Também é o caso dos regimes islâmicos, que limitam as escolhas
individuais àquelas compatíveis com os preceitos da Sharia, a lei islâmica diretamente
derivada do Alcorão. O perfeccionismo é, portanto, um exemplo da “tirania dos valores”
a que se referiu o julgado do STF acima transcrito: valores pertencentes a determinados
grupos são impostos a toda a sociedade por meio do aparato estatal.
a) o Estado não deveria promover alguma visão de bem, seja de forma coercitiva ou
não coercitiva, a não ser que aqueles submetidos à autoridade do Estado
consintam a que este faça isso;
b) o Estado não deve promover alguma visão de bem a não ser que exista um
consenso social que o suporte nessa ação;
c) o Estado não deve justificar o que faz apelando a concepções do bem que estão
sujeitas a discordâncias razoáveis.cxxxiii
(...) qualquer estrutura social fiel aos princípios liberais de justiça política vai
inevitavelmente se demonstrar não neutro em seus efeitos em vários grupos sociais,
doutrinas abrangentes e modos de vida, alguns dos quais podem não ter resistência aos
valores políticos liberal-democráticos. Nenhuma democracia liberal pode prometer
neutralidade de efeitos. Isso porém não poderia contar contrariamente a ela, pois nenhuma
concepção de justiça, liberal ou iliberal, pode prometer, para não mencionar entregar,
neutralidade de efeitos. Uma vez institucionalmente organizadas, todas as concepções de
justiça vão se demonstrar não neutras em seus efeitos em várias doutrinas abrangentes ou
modos de vida ao redor dos quais grupos sociais específicos se organizam.cxxxiv
87
(...) nenhuma vida será melhor por ser vivida exteriormente, segundo valores que a pessoa
não endossa. Minha vida só será melhor se eu a estiver conduzindo interiormente,
segundo minhas crenças a respeito de valor. (...)
Rawls argumenta que essa descrição da autodeterminação deve nos levar a endossar um
“Estado neutro” – isto é, um Estado que não justifica suas ações com base na
superioridade ou inferioridade intrínseca de concepções de boa vida e que não tenta
deliberadamente influenciar os juízos de valor das pessoas sobre estas diferentes
concepções. Ele contrasta isso com as teorias perfeccionistas, que incluem uma visão
específica ou leque de visões, quanto a quais são os atributos que mais vale a pena serem
desenvolvidos. (...)
Para Rawls, por outro lado, nossos interesses essenciais são prejudicados por tentativas
de impor às pessoas uma visão específica de boa vida. (...) Como a vida tem de ser
conduzida do interior, o interesse essencial de uma pessoa em levar uma vida que seja
boa não é promovido quando a sociedade penaliza ou discrimina os projetos que, ao
refletir, ela sente serem os mais valiosos para si. (...) cxxxv
Mesmo a mera escolha dos conteúdos a serem ministrados já requer uma valoração a
respeito do conhecimento necessário para a formação do ser humano (vide, por exemplo,
a atual controvérsia entre o ensino da história grega e o ensino da história africana).
Assim, por definição, não existe educação neutra; pelo contrário, toda forma de educação
requer que se façam opções políticas, filosóficas e antropológicas, mesmo que essas
opções não sejam expressamente assumidas.
Esse caráter não neutro da educação é reconhecido de forma praticamente unânime por
pedagogos e filósofos da educação. É notável, por exemplo, que as escolas brasileiras,
para orientar seus professores, façam um projeto político-pedagógico e não simplesmente
um projeto pedagógico.cxxxvi Paulo Freire, denominado de patrono da educação brasileira
e pedagogo brasileiro mais reconhecido no exterior, reconhece expressamente esse fato:
Do ponto de vista critico, é tão impossível negar a natureza política do processo educativo
quanto negar o caráter educativo do ato político. Isto não significa, porém, que a natureza
política do processo educativo e o caráter educativo do ato político esgotem a
compreensão daquele processo e deste ato. Isto significa ser impossível, de um lado, como
já salientei, uma educação neutra, que se diga a serviço da humanidade, dos seres
humanos em geral; de outro, uma prática política esvaziada de significação educativa.
Neste sentido é que todo partido político é sempre educador e, como tal, sua proposta
política vai ganhando carne ou não na relação entre os atos de denunciar e de anunciar.
Mas é neste sentido também que, tanto no caso do processo educativo quanto no do
ato político, uma das questões fundamentais seja a clareza em torno de a favor de
quem e do quê, portanto contra quem e contra o quê, fazemos a educação e de a
favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra o quê, desenvolvemos a
atividade política. Quanto mais ganhamos esta clareza através da prática, tanto mais
percebemos a impossibilidade de separar o inseparável: a educação da política.
Entendemos então, facilmente, não ser possível pensar, sequer, a educação, sem que
se esteja atento à questão do poder.cxxxvii (grifou-se)
essencialmente não neutra como a educação. Essa separação é possível, em tese, nos
países de constituição sintética, como os Estados Unidos, na qual não é prevista
cxxxviii
expressamente a educação como um dever do Estado. No caso brasileiro, essa
demanda é juridicamente impossível, uma vez que a Constituição Federal de 1988 não
apenas trata da educação em vários de seus dispositivos, como também explicita, em seu
art. 208, os meios pelos quais o Estado participa ativamente da educação brasileira. A
Constituição determina além disso que “serão fixados conteúdos mínimos para o ensino
fundamental (...)” (art. 210, caput), o que implica ao menos a influência estatal na
elaboração dos currículos a serem utilizados pelas escolas.
A inexistência de consenso pode ser dar em vários aspectos do ensino, como, por
exemplo, qual o conteúdo a ser ministrado, quais os materiais didáticos a serem utilizados,
a adoção de determinada visão de mundo em pontos específicos (por exemplo,
criacionismo ou evolucionismo) ou mesmo no planejamento global do ensino (por
exemplo, uma educação científica ou clássica), sobre quem está melhor preparado para
ensinar (os pais ou professores credenciados) e sobre quem deve dirigir o processo
educacional (a criança, segundo seus interesses, os pais ou os professores). Em uma
sociedade pluralista, baseada no respeito à autonomia, inclusive das crianças, são
incontáveis as possibilidades de divergência sobre a condução do processo educacional.
Na educação infantil, o critério fundamental para resolver essas divergências está previsto
no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos: “Os Estados Partes do presente
Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais e, quando for o caso, dos tutores
legais de assegurar a educação religiosa e moral dos filhos que esteja de acordo com suas
90
próprias convicções” (Art. 18, 3). Nesse sentido, os pais ou responsáveis pelos menores
têm a prerrogativa de determinar quais são os valores, morais e religiosos, a serem
transmitidos por meio da educação às crianças. Em caso de divergência entre os pais e a
escola ou mesmo entre os pais e o Estado, deve prevalecer a vontade dos pais.
Quais são os limites do poder dos pais de determinar os valores a serem transmitidos por
meio da educação às crianças? O primeiro deles se refere à obediência a “padrões
mínimos de ensino prescritos ou aprovados pelo Estado” (Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Art. 13, 6), ou seja, o exercício da autonomia
educacional familiar não pode se dar em prejuízo da qualidade da educação recebida pelos
filhos; não se concebe, por exemplo, que as crianças não sejam devidamente
alfabetizadas. O segundo limite refere-se ao próprio conceito de valores: os pais têm
primazia na transmissão de convicções fundamentais que integram determinada religião
ou filosofia de vida, não meros gostos ou caprichos pessoais. Em terceiro lugar, como
visto no capítulo anterior, é preciso também respeitar a autonomia das crianças de acordo
com seu grau de desenvolvimento intelectual (muitas vezes, a criança e mais
especialmente o adolescente pode vir a escolher valores diversos daqueles esposados por
seus pais). Finalmente, existem alguns valores que necessariamente devem ser
observados na educação, conforme determina o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais:
Artigo 13
em casa ou na escola, sendo possível até a escolha de um sistema misto (algumas matérias
ensinadas na escola e outras em casa), de acordo com a conveniência e com os valores da
família.
(...)
Várias gerações de católicos brasileiros cresceram embalados por essa música. Não foi
por acaso: a “Oração pela Família” mostra de forma belíssima o desejo e o sentimento
que temos com relação às famílias em geral e à nossa em especial. De fato, todos
queremos que a família seja um lugar de “ternura aconchego e calor” e que “as crianças
aprendam no colo o sentido da vida”. Essa mensagem ultrapassa os meios católicos e tem
93
Ao contrário da sociedade e do Estado, onde as relações sociais devem ser mediadas por
critérios de Justiça, a família é o lugar onde o princípio fundamental das relações deve
ser o amor. Muito mais do que tratar nosso cônjuge e nossos filhos com isonomia e
proporcionalidade, queremos cuidar deles e buscar satisfazer as mais íntimas
necessidades de suas almas. Muito além da ética dos princípios e das normas (sociais e
estatais), a família é o lugar da ética da proteção, do cuidado e do amor. Muitas vezes,
essas duas éticas podem entrar em colisão frontal, o que no limite leva os pais a agirem
de forma contrária às normas jurídicas emanadas do mundo extrafamiliar. Nesses
momentos, o mundo jurídico deve ceder perante a consciência individual da família e
entra em cena a inviolável liberdade de consciência, crença e de religião, reconhecida no
art. 5°, inc. VI, da Constituição Federal.
Muitos pais procuram resolver essa tensão por meio da matrícula dos filhos
em instituições de ensino vinculadas a determinada confissão religiosa ou filosofia (pais
católicos, por exemplo, podem matricular seus filhos em escolas católicas). Assim, os
filhos a princípio receberiam na escola os mesmos valores que recebem em casa. Essa
solução, porém, ainda contém certas dificuldades que no limite podem ser insolúveis.
A diretoria da escola eximirá de frequência na escola qualquer aluno que, juntamente com
seus pais, em razão da formação religiosa ou de crença de boa-fé é conscientemente
contrário à frequência na escola. Para os fins desta subdivisão, “formação religiosa ou de
crença de boa-fé” não inclui pontos de vista essencialmente políticos, sociológicos ou
filosóficos ou um código moral meramente pessoal. (§22.1-254 B 1 of the Code of
Virginia)
possível inclusive que alguém aja de acordo com sua consciência, mas contrário às regras
da religião a que pertence.
A família
É lá o inicio de tudo
o a bê cê dê;
e você.
A vida é interrogação.
e eu a bailarina.
o que será?
É hora de dormir...
É lá o inicio de tudo
o dó ré mi fá,
de lá mistérios do mundo:
vivercxlii
É preciso ressaltar ainda um aspecto da educação pouco analisado pela doutrina brasileira:
a sua profunda interseção com a política cultural. Essa conexão já é dada na própria
rubrica do Capítulo III do Título VIII da Constituição Federal: “Da educação, da cultura
e do desporto” e no art. 210, caput, que determina como uma das finalidades da fixação
de conteúdos mínimos para o ensino fundamental é “assegurar (...) respeito aos valores
culturais e artísticos, nacionais e regionais”. Na verdade, entre educação e cultura há uma
relação de continente e conteúdo, ou seja, uma cultura somente pode existir como tal se
for continuamente transmitida às novas gerações por meio da educação, formal ou
informal; por outro lado, o conteúdo da educação é sempre a transmissão de
determinada(s) cultura(s).
No art. 215, a CF determina que o “Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais”. cxliii De acordo com a Declaração de Freiburg sobre direitos culturais, adotada
100
em 2007, esses direitos decorrem diretamente da dignidade humana, uma vez que visam
proteger a identidade cultural, definida como “a soma de todas as referências culturais
através das quais uma pessoa, sozinha ou em comum com os outros, se define ou se
constitui, se comunica e deseja ser reconhecida em sua dignidade” (art. 2.b da declaração).
Cultura, por sua vez, “abrange os valores, crenças, convicções, línguas, conhecimento e
as artes, tradições, instituições e modos de vida através do qual uma pessoa ou um grupo
expressa sua humanidade e os significados que eles dão à sua existência e ao seu
desenvolvimento” (art. 2.a).
Existe uma inevitável tensão entre o sistema escolar regulado ou provido pelo Estado e o
pleno exercício dos direitos culturais. A educação escolar sempre tende à uniformização
cultural: no Brasil, o currículo é nacionalmente unificado, da mesma forma que os livros
didáticos, a formação dos professores e avaliação do ensino. Desse modo, as múltiplas
culturas existentes no território nacional, após passarem pelo sistema educacional oficial,
tendem a ser assimiladas dentro da “faixa cultural”cxliv considerada aceitável pelo sistema.
Essa tendência já foi demonstrada concretamente várias vezes no decorrer da história,
como mostrou a educação dada aos indígenas durante a colonização do território
brasileiro, que muitas vezes tinha por objetivo um verdadeiro genocídio cultural, com a
substituição da cultura indígena pela cultura portuguesa. A escola, portanto, tem sido o
lugar por excelência da assimilação, ou mesmo da dissolução, de uma cultura em outra,
o que indubitavelmente viola frontalmente os direitos culturais, que protegem a
transmissão de uma cultura às futuras gerações.cxlv
Fora das escolas e das instituições oficiais, o patrimônio cultural é transmitido às novas
gerações fundamentalmente pela família por meio da educação domiciliar. Na verdade, a
família é a unidade cultural mais importante, pois não apenas transmite cotidianamente
o patrimônio cultural aos filhos, como também garante que, devido às mais diversas
formações culturais das famílias, cada cultura específica seja devidamente preservada por
meio de sua transmissão às novas gerações. Não por acaso, os pais têm garantido o direito
de transmitir seus valores, ou seja, a sua cultura familiar para os filhos. Mais ainda: sendo
a cultura um conjunto de valores, crenças e convicções, a responsabilidade para decidir
em qual cultura devem ser educados os filhos recai primordialmente sobre os pais.
101
5. O pluralismo político
Antes de se iniciar a análise das relações da família com o Estado, é necessário verificar
a questão da natureza do poder estatal sobre a sociedade, nos termos definidos pela
Constituição Federal, e das suas relações com os grupos presentes na sociedade, como a
família, as igrejas, os sindicatos e as associações profissionais.
somente tem única uma fonte, o Estado. Em outras palavras, o Estado tem o poder
supremo sobre todas as pessoas que estão em seu território. A nível internacional, a
soberania foi identificada como a igualdade de prerrogativas de um Estado com relação
a outro.
A plenitude do poder estatal se encontra em seu ocaso; trata-se de um fenômeno que não
pode ser ignorado. Com isto, porém, não desaparece o poder, desaparece apenas uma
determinada forma de organização do poder, que teve seu ponto de força no conceito
político-jurídico de Soberania. (...) Estando esse supremo poder de direito em vias de
extinção, faz-se necessário agora, mediante uma leitura atenta dos fenômenos políticos que
estão ocorrendo, proceder a uma nova síntese político-jurídica capaz de racionalizar e
disciplinar juridicamente as novas formas de poder, as novas “autoridades” que estão
surgindo. cli
A alternativa ao abandono do conceito de soberania foi dada por uma nova teoria da
soberania: o pluralismo. Os pluralistasclii se voltaram contra a teoria monista da soberania
que considerava ser o Estado a única fonte do Direito. Para eles, o Estado é uma
instituição social entre várias outras, ao invés de uma entidade soberana. Eles consideram
que a associação é uma das qualidades mais básicas da sociedade moderna, que consiste
fundamentalmente em uma rede de associações. Isso quer dizer que cada uma das
104
Portanto, de acordo com a teoria pluralista, não existe uma soberania, materializada no
poder estatal, mas diversas soberanias, cada uma relativa às funções típicas de cada
associação. A relação entre essas soberanias foi sistematizada pelo holandês Abraham
Kuyper, que criou o conceito das “esferas soberanas”, ou seja, instituições não estatais
cuja autoridade é, em última análise, equivalente à do Estado. Nesse modelo, uma
variedade de esferas tem autonomia legal substancial para levar adiante seus propósitos
soberanos, sendo o Estado é limitado em sua autoridade para intervir nessas esferas.
Porém, uma concepção da ordem jurídica baseada nas esferas soberanas mantém um
papel vital para o Estado, que media entre as esferas e assegura que elas não abusem do
seu poder com respeito aos indivíduos submetidos à sua autoridade. cliv
a) assegurar que cada esfera opere dentro das suas próprias finalidades e não interfira
com as demais (“resolução de disputas de fronteiras entre as esferas”);
b) intervir dentro de cada esfera para reprimir o abuso de poder contra o membros
mais frágeis (“resolução de conflitos internos das esferas”) ;
c) assegurar a sua própria unidade, por meio da coação, pessoal ou financeira, para
a manutenção do Estado.clv
105
Cabe agora verificar se a Constituição Federal de 1988 optou pelo monismo ou pelo
pluralismo político. No preâmbulo da Constituição, a sociedade brasileira é qualificada
clvi
como “pluralista”. Em geral, esse qualificativo pode ter dois significados: primeiro,
pode ser uma simples descrição de um estado de coisas (“a sociedade brasileira é
pluralista”); segundo, pode ter um sentido normativo, ou seja, determina que a
diversidade é um estado desejável e, portanto, deve ser estimulada (“a sociedade brasileira
deve ser pluralista”).clvii Nesse caso, como ele se encontra inserido em um texto
normativo, a Constituição Federal, seu significado necessariamente é normativo, ou seja,
a sociedade que a Constituição se propõe a construir tem como característica
fundamental a pluralidade, que deve ser protegida e estimulada pelo poder público. clviii
É imprescindível, contudo, notar que uma sociedade pluralista conduz à poliarquia, conforme
Bordeau com as seguintes palavras: “Politicamente a realidade do pluralismo de fato conduz
à poliarquia, ou seja, a um regime onde a dispersão do poder numa multiplicidade de grupos
é tal que o sistema político não pode funcionar senão por uma negociação constante entre os
líderes desses grupos (...)”. clxiii
No mesmo artigo, a CF dispõe, no parágrafo único, que o povo exerce pode exercer o
poder diretamente, “nos termos desta Constituição”. Tradicionalmente, esse dispositivo é
interpretado apenas em conjunto com o art. 14 da CF, que prevê o exercício da soberania
popular por meio de plesbicito, referendo e lei de iniciativa popular.clxv Essa interpretação,
porém, despreza o princípio do pluralismo político ao limitar o exercício direto do poder
pelo povo a ações consistentes apenas na influência do povo no exercício do poder estatal.
Essa conclusão seria admissível em um sistema monista, no qual apenas o Estado seria
fonte do Direito. Em um sistema pluralista, como visto, o poder político (e
consequentemente jurídico), tem diversas fontes, dentre as quais se destacam as
associações voluntárias. Portanto, o exercício do poder pelo povo vai muito além da
tentativa de influenciar a produção dos atos estatais, manifestando-se primordialmente na
formação e no funcionamento de associações, as quais são constituídas como “esferas
soberanas”, como se verá a seguir.
Seus elementos são: base contratual, permanência (ao contrário de reunião), fim lícito (fim
não contrário ao Direito). A ausência de fim lucrativo não parece ser elemento da associação,
pois parece-nos que o texto abrange também as associações lucrativas. Então, a liberdade de
108
A seguir, a CF deixa essa liberdade ainda mais explícita ao declarar que “a criação de
associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo
vedada a interferência estatal em seu funcionamento” (art. 5º, inc. XVIII). Nesse sentido,
o Estado é proibido não apenas de autorizar ou impedir a constituição de associações, mas
também de interferir em seu funcionamento, ou seja, as normas que determinam o modo
como a associação deve desenvolver suas atividades internas são de competência
exclusiva da própria associação (trata-se, em outras palavras, de um poder legislativo
interno). Da mesma forma, o Estado não pode participar da administração da associação,
que cabe exclusivamente a seus associados (desta vez, trata-se de um poder executivo
interno). Portanto, a despeito de a doutrina de Abraham Kuyper ser praticamente
desconhecida no meio jurídico nacional, percebe-se claramente que a CF adotou um
paradigma bastante semelhante à teoria das esferas soberanas.
Logo após, a CF ainda determina que “as associações só poderão ser compulsoriamente
dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro
caso, o trânsito em julgado” (art. 5º, inc. XIX). Portanto, as associações somente poderão
ser extintas ou suspensas caso seja comprovado, por meio de processo judicial, que elas
têm fins ilícitos ou paramilitares. Finalmente, a CF prevê que “ninguém poderá ser
compelido a associar-se ou a permanecer associado” (art. 5º, inc. XX), permitindo que a
participação em associações seja absolutamente livre, sem qualquer obrigação de agregar-
se ou manter-se agregado a uma associação. clxxi
Como visto, a família é uma espécie de associação íntima. Sua proteção contra
interferências estatais indevidas deriva não apenas das garantias constitucionais de
associação, vistas acima, mas também pelo direito de autonomia individual (previsto no
art. 5º, inc. II), por meio do qual os indivíduos são livres para buscar as relações íntimas
que estejam de acordo com seu projeto de vida e sua visão de mundo; pelo direito de
privacidade (protegido pelo art. 5º, inc. X a XII), prerrogativa pela qual é possível evitar
o conhecimento e a atuação de pessoas de pessoas estanhas na vida íntima dos indivíduos;
e inclusive pelos direitos culturais, uma vez que a família é o principal meio de
transmissão de “formas de expressão” e “modos de criar, fazer e viver” (art. 216, inc. I e
II). Além disso, a CF confere diretamente à família prerrogativas específicas em seu art.
226.
110
Verifica-se, portanto, o peculiaríssimo status constitucional da família, que tem uma série
de poderes não apenas por ser uma associação ou mesmo uma associação íntima, mas
principalmente em virtude de ser “a base da sociedade” (CF, art. 226, caput). Dessa
forma, não há nenhuma espécie de instituição social para a qual tenha sido conferida
tamanha proteção constitucional nas mais diversas áreas. A família é, assim, a mais
importante “esfera soberana”, sendo imprescindível a análise de suas relações com a
“esfera das esferas”, o Estado.
(...)
(...)
O conjunto das prerrogativas conferidas aos pais com o objetivo de gerir as questões
internas da família é denominado de poder familiar, que constitui um “conjunto de
direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, em
112
igualdade de condições, por ambos os pais, (...) tendo em vista o interesse e proteção do
filho”. clxxiii Esse poder tem as seguintes características:
b) é irrenunciável, pois o pais não podem perder a titularidade desse poder por ato
próprio;
c) é inalienável, indisponível e indelegável, uma vez que não pode ser transferido
voluntariamente a terceiros;
e) é incompatível com a tutela, pois não se pode nomear tutor para menor cujo pai
ou a mãe permanece com o poder familiar;
f) tem a natureza de uma relação de autoridade, uma vez que há subordinação dos
clxxv
filhos pelos pais.
O poder familiar não requer previsão explícita no ordenamento jurídico, pois, como visto,
cada associação se constitui em um “governo privado”, com atribuições de caráter
exclusivo para gerir seus assuntos internos. clxxvi Além disso, a família, constituindo uma
instituição de caráter pré-político, tem seu funcionamento interno regido primordialmente
clxxvii
por normas de Direito Natural. De qualquer forma, o legislador considerou
pertinente a explicitação das atribuições decorrentes do poder familiar no art. 1.643 do
CC,clxxviii no art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescenteclxxix e no art. 229 da
Constituição Federal. clxxx Dentre essas atribuições, destaca-se a direção da criação e da
educação dos filhos menores,
(...) provendo-os de meios materiais para sua subsistência e instrução de acordo com seus
recursos e sua posição social, preparando-os para a vida, tornando-os úteis à sociedade,
assegurando-lhes todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Cabe-lhes
ainda dirigir espiritual e moralmente os filhos, formando seu espírito e caráter, aconselhando-
os e dando-lhes uma formação religiosa. (itálicos nossos) clxxxi
113
Neste ponto, a questão é estabelecer quais são as relações possíveis entre a família,
representada pelos pais, detentores do poder familiar, e o Estado, representado pelos
agentes públicos no exercício de suas competências legalmente estabelecidas.
Essa vedação, porém, não é absoluta. O Estado pode intervir na família nos casos em que
o poder familiar não for desempenhado adequadamente, ou seja, nas situações em que os
pais não puderem garantir aos filhos o usufruto de direitos fundamentais, como vida,
saúde e educação. Nesse exato sentido é o magistério de Cristiano Chaves de Farias e
Nelson Rosenvald:
(...)
Nas relações de família, a regra geral é a autonomia privada, com a liberdade de atuação do
titular. A intervenção estatal somente será justificada quando for necessário para garantir os
direitos (em especial, os direitos fundamentais reconhecidos em sede constitucional) de cada
titular, que estejam periclitando. É o exemplo da atuação do Estado para impor a um relutante
genitor o reconhecimento da paternidade de seu rebento, através de uma decisão judicial em
ação de reconhecimento de filho. Também é o exemplo da imposição de obrigação
alimentícia a um pai que abandona materialmente o seu filho.
Em tais hipóteses, impõe-se a atuação estatal para efetivar a promoção dos direitos e
garantias (especialmente, os fundamentais) dos seus componentes, assegurando a dignidade.
clxxxii
Além disso, a atuação estatal deve ser precedida de um processo que permita aos pais ou
responsáveis não apenas o conhecimento integral da acusação feita contra eles (em suma,
de não prover adequadamente os direitos fundamentais aos menores sob sua
responsabilidade), mas também lhes dê a oportunidade de se defenderem adequadamente
e de, ao final, terem o processo decidido por uma autoridade imparcial. Trata-se da
aplicação dos conhecidíssimos princípios constitucionais do devido processo legal (art.
5º, inc. LIV – “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal”) da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inc. LV – “aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”). clxxxvi
A Constituição Federal, em seu art. 6º,cxciii classifica a educação como um direito social,
ou seja, como uma prestação que pode ser exigida pelo cidadão ao Estado. A finalidade
dos direitos sociais é proporcionar melhores condições de vida aos setores mais
fragilizados da sociedade; trata-se de uma decorrência do princípio da igualdade
substancial (art. 5º, caput) e do objetivo da República Federativa do Brasil de “erradicar
a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º). cxciv
Nesse sentido, e tendo em conta as limitações orçamentárias do Estado e o dever de
eficiência (previsto no art. 37, caput), “é preciso levar em consideração que a prestação
cxcv
devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade específica de cada cidadão”.
Por exemplo, a construção de moradias realizada, direta ou indiretamente, pelo Estado
deve destinar-se somente àquelas pessoas que não têm condições financeiras de pagar por
uma moradia. cxcvi
116
(...) há que recordar – de acordo com a precisa e oportuna lição de Jörg Neuner – que o
princípio da subsidiariedade assume, numa feição positiva, o significado de uma imposição
de auxílio e, numa acepção negativa, a necessária observância, por parte do Estado, das
peculiaridades das unidades sociais inferiores, não podendo atrair para si as competências
originárias daquelas. Neste sentido, ainda na esteira de Neuner, o princípio da
subsidiariedade assegura simultaneamente um espaço de liberdade pessoal e fundamenta
uma “primazia da autorresponsabilidade”, que implica, para o indivíduo, um dever de zelar
pelo seu próprio sustento e o de sua família. cxcviii
No art. 205, a CF determina que há duas instituições responsáveis por prover o direito à
educação: o Estado e a família. Essas instituições devem receber a colaboração da
sociedade, que deverá promover e incentivar a educação. Curiosamente, enquanto o dever
do Estado na educação é minuciosamente detalhado no art. 208, não há nenhum
dispositivo da CF que determine como será efetivado o dever da família com a educação.
cxcix
Mais ainda: sendo a educação um dever comum ao Estado e à família, não foi definido
expressamente quais são as relações entre uma e outra instituição no tocante ao
provimento desse serviço.cc A despeito dessas lacunas, é preciso ressaltar a indiscutível
existência do dever da família de prover educação, que se sobrepõe inclusive às escolas
particulares, as quais, como integrantes da sociedade, têm apenas a função de promover
e incentivar, mas não de realizar o processo educacional.
Ei vamos cantar
118
Nesse sentido, o Estado reconhece e protege as várias formas de pluralidade (de visões
de mundo, de associações, de seres humanos, de contextos culturais e de minorias
criativas), sendo impedido de impor à sociedade determinada forma de pensar e de ver o
mundo.cciv Portanto, em uma sociedade pluralista, a transmissão de valores cabe aos
indivíduos e às associações, dentre as quais se destaca a família, que realiza essa
transmissão por meio da educação dada às crianças. ccv
Porém, é natural que haja uma visão de mundo comum entre os detentores do poder
estatal, que não necessariamente se identifica com a visão de mundo da maioria da
população. Essa dissonância pode provocar um déficit de legitimidade das autoridades
políticas, o que naturalmente as levará a tentar diminuí-la. O instrumento mais útil para
esse fim é a educação pública,ccvi por meio da qual pode se realizar a doutrinação
ideológica, que propaga abertamente determinada visão de mundo, e a alteração
comportamental, que induz as crianças a adotarem determinados comportamentos sem a
defesa explícita de uma ideologia. ccvii
Essa alternativa, porém, ainda assim pode ser problemática para a família, pelas seguintes
razões:
Portanto, sendo cumprido o dever de educar, o Estado não pode impor à família a adoção
de determinado sistema educacional, no caso, a educação escolarizada. Essa prerrogativa
da família é reconhecida pelo Código Civil ao dispor que a primeira decorrência do poder
familiar é a competência dos pais de dirigir a “a criação e educação” dos filhos menores
(art. 1.634, inc. I). Da mesma forma, a Declaração Universal de Direitos Humanos
reconhece essa prerrogativa ao dispor que “Os pais têm prioridade de direito na escolha
do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos” (art. XXVI, item 3). É notável,
por outro lado, a ausência de qualquer norma que determine ao Estado a direção da
educação das crianças nem a escolha do tipo de ensino a ser ministrado (tradicional ou
alternativo, formal ou informal, institucionalizado ou familiar). Ademais, o direito de
liberdade de associação (previsto na CF, art. 5º, inc. XX) impede que os pais sejam
obrigados a se associarem contratualmente a escolas para o provimento de instrução a
seus filhos. ccxv
Mais ainda, esse princípio determina que se houver conflito entre diversas associações da
sociedade civil, deve-se dar preferência àquelas de menor envergadura, ou seja, as que
estejam mais próximas ao indivíduo titular desses direitos. Neste ponto, a questão assume
peculiar concretude, pois somente em cada caso particular poder-se-á verificar a
inadequação da atuação familiar no provimento dos direitos sociais. Portanto, se a família
recusar-se a utilizar a educação escolar, estatal ou privada, caberá ao Estado respeitar
essa opção, a não ser que demonstre, após o devido processo legal, que a família não
provê adequadamente esse direito. ccxvi
Da mamãe, carinho
Do papai, a proteção
Para aplicar esse princípio à educação domiciliar, é preciso ter em vista que existe uma
tríade de interesses envolvidos: dos pais, do Estado e da criança. O interesse dos pais tem
dois aspectos: um autointeresse, baseado nas vitais necessidades emocionais que são
preenchidas pelo relacionamento entre pais e filhos;ccxxi e um interesse pelo outro, ou seja,
uma genuína vontade dos pais de promover o bem-estar dos filhos. O Estado também tem
dois interesses relacionados à educação das crianças: primeiramente, tem interesse em
123
prover uma educação cívica que possibilite sua participação nas estruturas políticas da
sociedade;ccxxii em segundo lugar, o Estado tem um interesse em que as crianças recebam
uma educação básica suficiente para torná-las adultos capazes de funcionamento
independente na sociedade. ccxxiii Finalmente, é preciso verificar os interesses das crianças
na educação, que também são duplos: primeiramente, as crianças têm interesse em se
desenvolver como adultos capazes de funcionamento independente, ou seja, as crianças
querem adquirir uma série de competências que as permitirão atuar nas diversas
instituições da sociedade; em segundo lugar, as crianças têm interesse em se tornarem
pessoas minimamente autônomas, que podem buscar realizar suas próprias aspirações e
participar, se quiser, do processo político.
Muito comumente, os interesses de cada um desses atores são similares (por exemplo, o
interesse em prover capacidades adequadas para uma vida adulta autônoma). Porém,
conflitos podem ocorrer (por exemplo, os pais podem discordar do modo como o Estado
decide promover a educação cívica). Em situações como essa, é preciso estabelecer
algumas diretrizes para uma “teoria da autoridade educacional”: todos esses interesses
são, a princípio, legítimos e devem ser respeitados, sendo necessário compatibilizá-los
(deve-se evitar o totalitarismo estatal e qualquer forma de despotismo dos pais ou da
criança); apenas em caso de impossibilidade de compatibilização, deve-se dar preferência
aos interesses das crianças. É preciso agora responder à seguinte questão: em uma
situação de claro predomínio da autoridade parental, como é o caso da educação
domiciliar, podem os interesses do Estado e da criança na educação serem satisfeitos?
Essa pergunta somente pode ser respondida de forma concreta, ou seja, com base nos
dados atualmente disponíveis sobre educação domiciliar. A despeito de ainda não terem
sido feitas pesquisas de larga escala no Brasil, nos Estados Unidos, onde o homeschooling
é um fenômeno de massas há décadas, existem diversas estatísticas consolidadas. ccxxiv A
quantidade avassaladora de dados positivos a respeito da educação domiciliar permite
uma resposta claramente positiva à questão. A educação desenvolvida
predominantemente em ambiente familiar é capaz de realizar não apenas os interesses dos
pais, mas também do Estado e das crianças. Mais ainda: diversos estudos mostram que
comumente a educação domiciliar satisfaz esses interesses de forma superior à da
educação escolarizada, seja pública ou privada. ccxxv Em especial, a satisfação do melhor
interesse da criança se dá por meio de uma educação individualizada, que permite o
124
Conclusões
A questão discutida nesta obra não se restringe aos milhares de famílias brasileiras que
adotam a modalidade educacional conhecida como educação domiciliar ou
homeschooling. A essência diz respeito à própria identidade do Estado brasileiro como
definida na Constituição Federal. Trata-se da reafirmação da República Federativa do
Brasil como um Estado Democrático de Direito fundamentado na dignidade da pessoa
humana e no pluralismo político (CF, art. 1°, III e V) comprometido com o bem-estar de
todos, sem quaisquer formas de preconceito e discriminação (CF, art. 3°, IV).
125
ou filosofia. Da mesma forma, o Estado não pode proibir estilos de vida e valores, mesmo
que estejam em contradição com o modo de pensar da maioria da população e com a
opinião das autoridades governamentais. Nesse sentido, essa Egrégia Corte ao julgar a
constitucionalidade da união homoafetiva, deixou bem claro seu papel contramajoritário
em defesa de minorias contra concepções de vida predominantes na sociedade. No
acordão, a afirmativa de que o Estado deve ser absolutamente neutro em questões
religiosas sobressai-se por sua clareza e definitividade. Exatamente pelas mesmas razões,
o Estado deve ser absolutamente neutro em questões relacionadas a convicções filosóficas
ou políticas, até pela indissociável ligação entre liberdade de religião e liberdade moral.
Finalmente, esse acordão indica que o Estado ainda deve dar um passo além, ou seja, deve
ativamente proteger as crenças e convicções minoritárias em nossa sociedade contra
qualquer forma de assimilação forçada dentro da cultura predominante.
É opinião unânime entre os pedagogos de que a educação não é não deve ser neutra (vide,
por todos, a contundente exposição de Paulo Freire a respeito da estreita vinculação entre
educação e política). Educar sempre tem em vista uma visão de mundo determinada e um
ideal de ser humano que deve ser alcançado ou ao menos buscado. Bem ou mal, a
educação provida por meio do sistema escolar reflete as concepções valorativas da elite
intelectual em determinada época. Desse modo, a escola não é, como se diz comumente,
um lugar de pluralismo e de diversidade. Pelo contrário, o sistema escolar é o maior
mecanismo social de assimilação e dissolução da diversidade cultural espontânea da
sociedade em uma massa relativamente homogênea. Esse não é um defeito do sistema,
mas uma característica inerente a ele. Ressalte-se que as famílias de baixa renda são as
que menos têm condições para escapar desse processo de destruição cultural, uma vez
que a elas somente são reservadas as escolas públicas, que operam dentro de padrões
muito bem definidos – a formação dos professores, o material didático utilizado e as
avaliações são todos padronizados nacionalmente. Atualmente, está sendo discutida a
base curricular nacional, que aprofundará ainda mais essa padronização.
Tendo em vista essa realidade, o legislador constituinte achou por bem reconhecer como
norma fundamental da educação o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”
(CF, art. 206, III). A importância desse dispositivo não pode ser subestimada. As ideias e
127
As outras duas finalidades são secundárias, uma vez que não advém diretamente do
princípio da dignidade humana. O preparo para o exercício da cidadania é a finalidade
que mais interessa diretamente ao Estado, uma vez que diz respeito à própria manutenção
129
do regime político atualmente vigente. Para isso, é necessário que as novas gerações não
apenas tenham os conhecimentos suficientes para atuar politicamente, mas também
recebam os valores que constituem a base desse regime, como bem expressou o Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em seu art. 13, 1:
A qualificação para o trabalho é a mais simples das três finalidades da educação. Dentro
de sua inafastável autonomia, a pessoa escolhe em primeiro lugar se vai participar ou não
do mercado de trabalho e caso positivo qual profissão pretende exercer. Feita essa opção,
a Constituição garante “o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas
as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (art. 5°, XIII). Para atender a essas
qualificações profissionais, a pessoa deve adquirir os conhecimentos necessários para o
exercício desse trabalho, ofício ou profissão. A rigor, a aquisição desses conhecimentos
consiste em treinamento profissional, que pode ser realizado dentro do sistema de ensino
formal ou mesmo em atividades não formais, como os cursos desenvolvidos em empresas
ou nas entidades do Sistema S.
Ora, não existem evidências empíricas de que a escola seja a única instituição apta a
prover todas estas finalidades. Pelo contrário, há uma extensa lista de pessoas com
realizações notáveis que nunca frequentaram os bancos escolares ou o fizeram por
períodos reduzidos. Nesse grupo estão incluídos diversos políticos, como os presidentes
americanos George Washington, Woodrow Wilson e Andrew Jackson, escritores, como
Agatha Christie, C. S. Lewis e G. K. Chesterton, artistas, como Leonardo da Vinci,
Claude Monet e Louis Armstrong, esportistas, como Venus e Serena Williams, artistas,
como Justin Timberlake e Taylor Swift, e inclusive o renomado sociólogo brasileiro
Gilberto Freire. De nenhum deles pode se dizer que sua personalidade não foi plenamente
desenvolvida; pelo contrário, todos eles são exemplos de excelência humana em suas
130
respectivas áreas. Seria enfim no mínimo estranho que as mais diversas personalidades
humanas somente pudessem se desenvolver por meio de uma instituição específica e
delimitada historicamente como a escola.
Knowles, J. Gary and James A. Muchmore. "Yep! We're Grown Up, Home-schooled
Kids--And We're Doing Just Fine, Thank You!."Journal of Research on Christian
Education, 4, No. 1 (1995), 35-56(EUA)
Os autores não acharam nenhuma indicação que educação domiciliar foi uma
desvantagem em termos sociais para 10 adultos selecionados de 46 voluntários para
representar a demográfica da população. Ao contrário, sugiram que contribui para um
senso forte de independência e autodeterminação.
Sutton, Joe P. and Rhonda S. Galloway. "College success of students from three high
school settings." Journal of Research & Development in Education, 33, No. 3, Spr
2000, 137-146(EUA)
Para crianças e adolescentes com pais profundamente religiosos, o fato de ser envolvido
ou não em educação domiciliar, não fez nenhuma diferença estatística na seu
comportamento e compromisso religioso. A influência dos pais era a mesma,
independentemente de ser envolvido em educação domiciliar ou não. Um resultado
contraintuitivo que põe em dúvida, a associação por muitos teóricos que o meio da
educação domiciliar aumenta a influência ideológica dos pais.
Adultos que foram educados com educação domiciliar votam mais do que a média
nacional nos EUA onde o voto não é obrigatório e são mais propensos ser voluntários em
organizações cíveis. Porém, o estudo não controlou para renda, nível de educação e outras
características demográficas.
Van Pelt, Deani A. Neven, Patricia A. Allison and Derek J. Allison. "Fifteen Years
Later: Home-Educated Canadian Adults." London, Ontario: Canadian Centre for
Home Education (2009) (Canadá)
Adultos que foram educados com educação domiciliar votam mais do que a média
nacional no Canadá (88% vs. 47% - eleições federais), onde o voto não é obrigatório, e
são mais propensos a participar em atividades de organizações cíveis (69% vs. 48% da
população geral).
Dos adultos pesquisados falando sobre suas experiências com crianças em educação
domiciliar, 32% relataram oportunidades para interação social fora da família em mais do
que 10 horas por semana, 38% entre 5 e 10 horas, e 27% menos do que cinco horas por
semana.
134
A proteção das associações contra terceiros, inclusive contra o Estado, é reforçada caso o
objeto da associação tenha relação com outro direito constitucionalmente protegido. Uma
associação que defenda determinada causa, por exemplo, está protegida não apenas pelo
direito de associação mas também pelo direito à liberdade de expressão, conforme
determinam o art. 5°, IX (“é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica
e de comunicação, independentemente de censura ou licença”) e o art. 220, caput (“A
manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição”). Da mesma forma, a liberdade associativa é reforçada caso a relação entre
135
seus membros tenha caráter íntimo, conforme dispõe o art. 5°, X (“são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (...)”).
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e Artigo 12 do Pacto de São José da Costa
Rica).
Neste ponto, cabe fazer um breve retorno à questão do pluralismo. A CF não se contentou
em denominar a sociedade brasileira de plural, o que por si só constitui um compromisso
com a proteção das mais diversas formas de vida e visões de mundo presentes na
sociedade. O texto constitucional foi além ao determinar que um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil é o pluralismo político (art. 1°, V). Nesse sentido, a
sociedade brasileira ultrapassou definitivamente o velho monismo estatal, no qual apenas
o Estado poderia exercer o poder político, reconhecendo a existência de outras esferas
dentro da sociedade, que são soberanas no exercício de suas atribuições intrínsecas. O
direito das associações, portanto, é decorrência direta do pluralismo político reconhecido
como fundamento da República Federativa do Brasil. Trata-se do reconhecimento de um
caráter político às associações voluntárias constituídas no seio da sociedade que as deixa
livres de qualquer interferência estatal em seu funcionamento.
Esse caráter político das associações transparece de forma nítida na família, que tem
pontos de contato com a própria estrutura e função estatal. Primeiramente, ambos têm
uma finalidade em comum: proteger os direitos fundamentais de seus membros,
possibilitando que eles usufruam o máximo bem-estar possível. Além disso, família e
Estado têm em comum a previsão expressa dos responsáveis pelo exercício do poder, com
a determinação das competências dessas autoridades (enquanto o Estado tem os
conhecidíssimos Três Poderes, a família conta com o poder familiar). É notável ainda que
a CF estabeleça deveres apenas para duas instituições: o Estado, juntamente com seus
agentes públicos, e a família, representada pelos pais. ccxxxii
mas já deixou de exercer suas funções intrínsecas, como a proteção mútua de seus
membros.
simples: o Estado deve atuar para prover bens e serviços que a família não tem condição
de prover por seus próprios meios.
Dentre os direitos sociais, a educação naturalmente tem especial destaque, pois consiste
na importantíssima missão de prover as crianças e adolescentes com os meios necessários
para a realização de seu potencial, o que inclui uma vida independente em sociedade, com
participação no mercado de trabalho e vida cívica da sociedade. A importância da família
na educação dos filhos é reconhecida desde o primeiro momento na CF, que ao abrir o
capítulo sobre educação dispõe que esta é “direito de todos e dever do Estado e da família”
(art. 205), no que é estritamente acompanhado pelo ECA: “Aos pais incumbe o dever de
sustento, guarda e educação dos filhos menores (...)” (art. 22). No mesmo sentido, o
Código Civil determina que o poder familiar consiste primeiramente em dirigir a criação
e a educação dos filhos (art. 1.634, I).
De todas as normas referentes a educação, sem dúvida a mais importante está no referido
caput do art. 205 da CF, que determina a titularidade dos direitos e deveres educacionais.
Como visto, em um regime baseado na dignidade humana, na neutralidade e no
pluralismo político não se pode dizer que cabe ao Estado educar os indivíduos, pois a
formação de cada ser humano é algo personalíssimo, que depende das condições
específicas de cada pessoa. Por outro lado, acreditar que acabe ao Estado a constituição
de cada personalidade humana seria dar-lhe um poder totalitário sobre a sociedade, o que
é absolutamente incompatível com os valores constitucionais.
Assim, cabe ao próprio indivíduo educar-se e no caso das crianças e adolescentes cabe à
família a educação. Neste caso, como nos demais, o papel do Estado é subsidiário ao do
indivíduo e da família. Cabe a ele prover as condições necessárias para que cada pessoa
possa se educar adequadamente e para que cada família possa educar seus filhos. Essa
atividade subsidiária do Estado inclui não apenas prover serviços educacionais por meio
das escolas públicas, mas também fixar parâmetros mínimos de qualidade educacional e
fiscalizar o cumprimento desses parâmetros.
139
Neste ponto, cabe fazer uma comparação com os dispositivos da Constituição de 1967
relativos à educação. Em seu art. 168, a constituição pretérita determinou que “a educação
é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de oportunidade,
deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de
solidariedade humana” (essa redação se manteve com a Emenda Constitucional n° 1, de
1969). É nítido o contraste desse dispositivo com o atual art. 205: antes, a educação
necessariamente incluía a escola (“será dada no lar e na escola”); hoje, por outro lado,
inexiste essa determinação, sendo apenas estabelecido o dever do Estado e da família na
educação. Despiciendo lembrar da ocasião da promulgação da constituição pretérita,
principalmente de sua primeira emenda – provavelmente o período da história brasileira
com as mais notórias violações de direitos humanos e de brutal perseguição às
mentalidades dissidentes. Sendo impossível controlar o que era ensinado aos filhos em
casa, a ditadura militar determinou a escolarização compulsória, mantendo rígido regime
de censura e de doutrinação ideológica nas escolas. Não por acaso o art. 168 da CF de
1967 determinou que a educação deve ser inspirada, em primeiro lugar, “no princípio da
unidade nacional”, ou seja, as crianças deveriam ser essencialmente educadas não apenas
para garantir a unidade territorial do Brasil, mas principalmente para garantir a
uniformidade de pensamento necessária para a manutenção do regime militar que não
140
regra, portanto, o Estado deve agir com deferência em relação às escolhas educacionais
dos pais. Aliás, nesse caso, estamos tratando da mais importante e mais ampla escolha
educacional, que se refere ao tipo de educação que os filhos vão receber. A doutrina
pedagógica reconhece os seguintes tipos essenciais de educação: educação formal,
centrada nos estabelecimentos escolares controlados ou reconhecidos expressamente pelo
Estado, e educação alternativa (também chamada de informal ou paraformal), que inclui
desde a educação dos povos tradicionais indígenas até a educação a distância, passando
pela educação popular e a educação domiciliar. Portanto, a DUDH conferiu aos pais
ampla liberdade educacional, sempre condicionada, como já visto, pela satisfação das
finalidades da educação e pela garantia dos direitos das crianças. Ressalte-se que embora
não seja juridicamente vinculativa por si só, a linguagem da DUDH forma um fundo
hermenêutico importante para a interpretação e aplicação das outras normas de direitos
humanos reconhecidos universal e regionalmente. Não por acaso, todos os mais
importantes tratados internacionais de direitos humanos contêm referências diretas à
DUDH em seus preâmbulos. ccxxxv
Nesse sentido, diversos tratados internacionais reconheceram essa prioridade dos pais na
educação. Vide, por exemplo, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais (art. 13):
a) o direito dos pais de escolher para seus filhos escolas não estatais, com a única
condição de que elas devem estar em conformidade com os “padrões mínimos de
ensino” se tal estiver previsto pelo Estado;
142
b) o direito dos pais direito de assegurar a educação religiosa e moral dos seus filhos
de acordo com suas próprias convicções (igual ao do PIDCP),
c) o direito dos pais direito de estabelecer e dirigir instituições de ensino sob a
condição de que a educação aqui fornecido também deve estar em conformidade
com “padrões mínimos” acaso fixados pelo Estado.
A determinação de que “os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus
filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas
próprias convicções” (repetida no Pacto de São José da Costa Rica, art. 12.4), merece
especial atenção. Trata-se de um direito dos pais; em termos mais precisos, de uma
decorrência da liberdade de consciência aplicada à relação entre pais e filhos. De acordo
com ele, a educação moral e religiosa dos filhos deve estar submetida às convicções (ou
seja, às crenças filosóficas e/ou religiosas) dos pais. A educação moral refere-se à
atividade por meio da qual as crianças adquirem aquelas virtudes ou valores morais
necessários para uma vida digna, individual e socialmente. A educação religiosa, por sua
vez, consiste no ensino das crenças, doutrinas, rituais e costumes de determinada religião.
Na verdade, não há uma diferenciação essencial entre educação moral e religiosa, uma
vez que a primeira quase sempre decorre da segunda. Em outros termos, toda educação
143
religiosa é também uma educação moral; por outro lado, é possível a existência de valores
morais não derivados necessariamente de uma religião.
Neste ponto, cabe perguntar: matricular os filhos na escola poderia em tese lesionar esse
direito dos pais? Em outros termos, apenas pelo fato da criança assistir às aulas em uma
escola, haveria o risco de ela ser educada de acordo com convicções morais e religiosas
diversas daquelas professadas por seus pais? Se considerarmos a escola como um lugar
valorativamente neutro, no qual não são ensinados valores morais ou religiosos de
nenhuma espécie, a resposta deve ser necessariamente negativa. Porém, como visto
anteriormente, há uma percepção quase unânime entre pedagogos e filósofos da educação
no sentido de que a escola não é nem deve ser valorativamente neutra; trata-se, ao
contrário, de um locus politicamente engajado, como defendia Paulo Freire. A adoção do
currículo cientifico no Brasil, por exemplo, foi decisivamente influenciado pela filosofia
ccxxxviii
e religião positivista de Augusto Comte. A despeito de várias outras ideias e
concepções pedagógicas terem se seguido ao positivismo, percebe-se claramente a
manutenção dessa matriz por meio do predomínio explícito das matérias de caráter
científico na grade curricular. Por outro lado, a educação clássica, com foco em aspectos
mais metafísicos e religiosos do ser humano foi completamente abandonada pelo sistema
ccxxxix
oficial de ensino. Aliás, não há registro mesmo de escolas privadas no Brasil que
adotem a educação clássica, a grande antípoda à educação positivista hoje hegemônica.
Portanto, o sistema escolar, especialmente se considerarmos a conformação atual no
Brasil, indubitavelmente desrespeita o direito de incontáveis pais de educarem seus filhos
de acordo com suas convicções. Esse desrespeito atinge com maior intensidade as
famílias que adotam determinada religião, as quais veem seus filhos sendo doutrinados
por meio de uma concepção pedagógica declaradamente antirreligiosa. ccxl
Finalmente, por sua fundamental relevância, cabe fazer referência à Convenção sobre os
Direitos da Criança, promulgada no Brasil em 1990 e que serviu de base para o Estatuto
da Criança e do Adolescente:
Artigo 18
à educação e ao desenvolvimento da criança. Caberá aos pais ou, quando for o caso, aos
representantes legais, a responsabilidade primordial pela educação e pelo
desenvolvimento da criança. Sua preocupação fundamental visará ao interesse maior da
criança.
3. Os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas a fim de que as crianças cujos
pais trabalhem tenham direito a beneficiar-se dos serviços de assistência social e creches
a que fazem jus.
Mais uma vez, um documento internacional reconhece a prioridade dos pais na educação
dos filhos (“caberá aos pais e aos representantes legais a responsabilidade primordial pela
educação (...) da criança”) e estabelece a função suplementar do Estado com relação à
educação (“os Estados Partes prestarão assistência adequada aos pais e aos representantes
legais para o desempenho de suas funções no que tange à educação da criança”). Trata-
se, sem dúvida alguma, da aplicação do princípio da subsidiariedade, amplamente
reconhecido pela doutrina e jurisprudência dos direitos humanos, à educação. Nesse
sentido, cabe ao Estado auxiliar as famílias na educação dos filhos, provendo medidas de
assistência social às famílias que não tiverem a condição ou a vontade de exercer
plenamente esse mister. Caso a família demonstre condições de educar seus filhos, a
atuação estatal torna-se não apenas desnecessária, mas também violadora da autonomia
da família.
a) Os pais têm o direito de precedência e dever de educar os seus filhos; o papel do Estado
na educação é sempre subsidiária à dos pais da criança.
b) Os pais têm o direito de educar seus filhos de acordo com suas convicções morais e
religiosas. Daí decorre necessariamente que os pais têm o direito e o dever de garantir
que seus filhos não sejam obrigados a participar de um sistema obrigatório de educação
no qual a religião seja excluída ou a assistir às aulas que não estão de acordo com suas
próprias convicções morais e religiosas.
d) Os pais têm direito a subsídios públicos para que eles possam exercer livremente o seu
dever de fornecer para a educação de seus filhos sem incorrer em encargos injustos, tais
como custos adicionais, diretos ou indiretos, que impeçam ou injustamente limitem o
exercício desta liberdade.
e) A prioridade do direito dos pais de educar significa que, quando não escolherem a
educação domiciliar, eles têm o dever e o direito de colaborar com professores e
autoridades escolares, e, em particular, nas formas de participação projetados para dar à
família uma voz no funcionamento das escolas e na formulação e implementação de
políticas educacionais. ccxlii (Grifou-se)
Nesta obra, procurou-se demonstrar que a opção pela educação domiciliar está inserida
naturalmente na autonomia de família, não requerendo que a sua adoção seja justificada
às autoridades públicas. Caso, porém, se compreenda que a escolarização compulsória é
uma “obrigação legal a todos imposta” é imprescindível levar em conta que o direito
individual de objeção de consciência, protegido pela cláusula pétrea insculpida no art. 5°,
inc. VIII, da CF. Neste último caso, o direito à educação domiciliar seria um
desdobramento do direito à objeção de consciência e requereria para a sua efetivação em
cada caso concreto a informação motivada às autoridades a respeito da existência dessa
objeção.
146
---
A escola pode: ensinar que todas as pessoas devem ser tratadas com dignidade, mesmo e
principalmente quando se concorda com as suas atitudes. Nesse sentido, a pessoa "A" não
pode ser desrespeitada por adotar certo comportamento ou estilo de vida.
A escola não pode: fazer juízos de valor (certo\errado) com relação a comportamentos
moralmente controversos, pois essa avaliação é exclusiva da família. Da mesma forma,
não pode estimular ou reprimir esse tipo de comportamento. Nesse sentido, não se pode
exigir ou estimular que os outros concordem ou discordem do comportamento ou do estilo
de vida da pessoa "A".
---
“Existe uma ideia mais radical na história da raça humana do que entregar os seus filhos
a estranhos totais que você não sabe nada sobre, e ter esses estranhos trabalhando na
mente do seu filho, fora de sua vista, por um período de doze anos? . . . é uma ideia louca!”
---
Para quase todas as pessoas, a escola não é uma prestadora de serviços educacionais, mas
a fornecedora de um produto bem específico: o diploma, o grande requisito para se
pleitear cargos e empregos com remunerações mais elevadas. Raramente a qualidade da
educação é questionada se o diploma for devidamente entregue pela escola, de preferência
com notas que possam ser objeto de orgulho da família.
---
Você sabia?
---
“A palavra ‘educação’ significa todo o processo da vida social por meio do qual os
indivíduos e grupos sociais aprendem a desenvolver conscientemente dentro, e para o
benefício das comunidades nacionais e internacionais, o conjunto das suas capacidades
pessoais, atitudes, aptidões e conhecimento. Esse processo não está limitado a quaisquer
atividades específicas.”
148
---
Resposta: se você entende por neutra aquela totalmente desvinculada de visão de mundo,
religião, filosofia ou ideologia, evidentemente não existe educação neutra.
Necessariamente, a educação compreende a assimilação de determinada visão de mundo,
religião, filosofia ou ideologia por alguém. Se isso não acontece, não há de fato educação,
mas apenas instrução.
---
Pergunta: você sabe em qual lei aparece a palavra "socialização"?
Resposta: nenhuma!
---
Pergunte a várias pessoas o que é educação e a imensa maioria delas não vai ser capaz de
dar uma resposta minimamente razoável. Da minoria que saberá responder algo com
algum sentido, dificilmente se encontrará duas pessoas que concordem sobre o conceito
de educação. Em consequência, as discussões políticas e jurídicas sobre educação se
tornam uma gritaria dos infernos na qual as pessoas discordam ou concordam entre si sem
terem a mínima ideia do que os outros estão falando e, pior, mesmo do que elas próprias
estão falando.
---
Nenhuma forma de desrespeito ou de tratamento indigno pode ser aplicada à criança em
nome de um eventual benefício que o futuro adulto pode vir a receber. É como justificar
a tortura sob o argumento de que a pessoa pode se tornar mais resistente a adversidades
em decorrência disso. Em outras palavras, a educação que prejudique os direitos e
interesses da criança de hoje é simplesmente uma forma de abuso que deve ser reprimida
dentro dos rigores da lei.
---
Para horror de alguns e com a ignorância de quase todos no Brasil, a Convenção sobre os
Direitos das Crianças estabeleceu que todas as crianças têm liberdade de se associar ou
não com outras pessoas, tanto outras crianças quanto adultos. Isso significa que os
149
relacionamentos das crianças com terceiros fora da família dependem da sua vontade e
concordância.
---
Famílias educadoras,
Da próxima vez em que perguntarem sobre socialização, sugiro responder com outras
perguntas:
Então, me desculpe: não há uma regra que obrigue as pessoas a fazer amigos apenas na
escola. Aliás, as amizades minhas ou dos meus filhos fazem parte da nossa privacidade e
ninguém pode se intrometer nisso.
Então, novamente me desculpe: nem eu nem meus filhos somos obrigados a nos adequar
a qualquer padrão de mediocridade social. E convenhamos, saber se relacionar com os
outros é uma habilidade que nunca requereu uma instituição para ser aprendida.
Olha, se você chama de cidadão aquele que conhece seus direitos e deveres frente ao
Estado, não há segredo algum: em poucas horas, uma pessoa de inteligência média pode
aprender o necessário. Porém, se você chama de cidadão um tipo específico de pessoa
que está comprometida com a manutenção do sistema político atual, esqueça: meus filhos
terão capacidade de fazer escolhas políticas, que poderão muito bem ser contrárias ao
estado de coisas atual.
---
“Ao contrário da sociedade e do Estado, onde as relações sociais devem ser mediadas por
critérios de Justiça, a família é o lugar onde o princípio fundamental das relações deve
150
ser o amor. Muito mais do que tratar nosso cônjuge e nossos filhos com isonomia e
proporcionalidade, queremos cuidar deles e buscar satisfazer as mais íntimas
necessidades de suas almas. Muito além da ética dos princípios e das normas (sociais e
estatais), a família é o lugar da ética da proteção, do cuidado e do amor. Muitas vezes,
essas duas éticas podem entrar em colisão frontal, o que no limite leva os pais a agirem
de forma contrária às normas jurídicas emanadas do mundo extrafamiliar. Nesses
momentos, o mundo jurídico deve ceder perante a consciência individual da família e
entra em cena a inviolável liberdade de consciência, crença e de religião, reconhecida no
art. 5°, inc. VI, da Constituição Federal.” (Trecho do livro “Direito à Educação
Domiciliar”, a ser publicado em breve)
---
Declaração Modelo sobre os Direitos das Famílias, proclamada em Roma no ano de 2013:
a) Os pais têm o direito de precedência e dever de educar os seus filhos; o papel do Estado
na educação é sempre subsidiário ao dos pais da criança.
b) Os pais têm o direito de educar seus filhos de acordo com suas convicções morais e
religiosas. Daí decorre necessariamente que os pais têm o direito e o dever de garantir
que seus filhos não sejam obrigados a participar de um sistema obrigatório de educação
no qual a religião seja excluída, ou a assistir às aulas que não estão de acordo com suas
próprias convicções morais e religiosas.
c) Os pais têm o direito e o dever de escolher livremente as escolas de acordo com suas
convicções, incluindo a educação domiciliar ou outros meios necessários para educar seus
filhos, que estejam em conformidade com os padrões mínimos que possam ser aprovados
pelo Estado.
d) Os pais têm direito a subsídios públicos para que eles possam exercer livremente o seu
dever de fornecer para a educação de seus filhos sem incorrer em encargos injustos, tais
como custos adicionais, diretos ou indiretos, que impeçam ou injustamente limitem o
exercício desta liberdade.
e) A prioridade do direito dos pais de educar significa que quando não escolherem a
educação domiciliar eles têm o dever e o direito de colaborar com professores e
autoridades escolares, e, em particular, nas formas de participação projetados para dar à
151
---
---
No meio de tanta confusão, passou quase despercebida uma mudança ocorrida no ECA
recentemente, bastante favorável às famílias. Trata-se do parágrafo único adicionado ao
art. 22 do estatuto:
---
Mesmo que discordemos absolutamente dos valores dos pais, são eles os exclusivos
responsáveis pela educação dos filhos. Em nenhuma hipótese, podemos defender uma
doutrinação a pretexto de combater outra.
---
---
1. Liberdade de educação: não pode ser imposto um método, uma pedagogia ou uma
instituição para realizar a educação. Cada pessoa e cada família deve ter a máxima
liberdade possível para escolher como será realizada a educação.
2. In loco parentis: a educação é sempre dada pelos pais ou por pessoas que atuam em
nome deles. Caso os pais decidam matricular os filhos na escola, esta deve atuar sempre
em nome deles e nos termos por eles definidos. Nem o Estado nem a escola tem
autonomia para determinar como as crianças devem ser educadas.
---
Um número crescente de pais com filhos autistas está se interessando por educação
domiciliar. Os relatos mostram um cenário de horror para os autistas nas escolas, onde
encontram professores despreparados e são vítimas constante de abusos por parte dos
colegas.
---
Dados importantes:
Das 123 jurisdições em que se pratica educação domiciliar no mundo, 101 permitem e
apenas 22 proíbem.
Cuba, um país que inspira tanta gente por aqui, também proíbe expressamente a educação
domiciliar.
---
"O homem nobre é exigente consigo mesmo, o homem vulgar é exigente para com os
outros" (Confúcio).
---
153
Apenas 8% dos brasileiros adultos têm proficiência na leitura, ou seja, apenas uma
minúscula fração da população adulta brasileira sabe ler adequadamente. Pois é, esse dado
saiu e praticamente ninguém se escandalizou.
Talvez uma comparação meio tosca ajude: é como se de cada 100 TVs fabricadas, apenas
8 funcionassem realmente; e mesmo assim as pessoas continuassem comprando essas
TVs. Absurdo, não é? Tenho dificuldades de imaginar um exemplo melhor de fracasso
total e absoluto e ainda conjugado com resignação cínica.
E a culpa é de quem? É de todos nós. Isso não é o fracasso do governo, mas do Brasil
como nação. Nós apenas fazemos de conta que nos importamos com educação. Na
verdade, nem sabemos ao certo o que é isso. Queremos os diplomas, que nos dão acesso
aos melhores postos no mercado de trabalho. E já temos nossas fábricas de diplomas, que
na imensa maioria das vezes usam a educação como pretexto para vender seu verdadeiro
produto.
---
Não tenho a pretensão de controlar minhas filhas, mas de fazer algo muito mais sério:
ensiná-las a ter autocontrole.
---
---
Quem tem mais incentivos para satisfazer as necessidades educacionais das crianças, os
pais ou os professores?
---
Todo mundo sabe: quase sempre, os pais agem em benefício do melhor interesse dos
filhos. E pelo simples motivo de que os amam.
---
154
Quem deve ser a principal autoridade educacional para as crianças: os pais ou as maiorias
democráticas?
---
---
Ok, todas as escolhas educacionais devem levar em conta, dentre outros fatores, o melhor
interesse da criança. Só tem um problema: não existe o mínimo consenso a respeito do
que seja exatamente esse melhor interesse da criança.
---
Em uma sociedade pluralista, é inviável o consenso sobre o que é viver uma boa vida. Em
consequência, é inviável também um consenso sobre como preparar uma pessoa para
viver bem, ou seja, sobre o que é uma boa educação.
---
O impulso de nossas práticas educacionais (públicas e privadas) tem sido sempre ensinar
as crianças a acreditar em determinados valores e regular a sua exposição a valores
conflitantes.
---
---
PS: na acepção popular, esquisita é toda aquela pessoa que não se identifica plenamente
com a média.
---
A experiência cotidiana sugere que a maioria das crianças, se forem criadas com liberdade
para escolher seus valores, escolheriam uma vida de autogratificação fácil, imediata e
indisciplinada ao invés de uma vida de responsabilidade, trabalho duro e autodisciplina.
Sem estas características, as crianças são incapazes de satisfazer seus interesses de longo
prazo ou de se comportar de maneira respeitosa ou justa com outras pessoas. Em resumo,
a ausência de transmissão de valores dos pais aos filhos produzirá pessoas que são
escravas dos seus próprios apetites ao invés de indivíduos com autocontrole moral.
---
Quando eu morava nos EUA, onde a educação domiciliar é comum, ficava fácil
identificar as crianças educadas em casa. Por algum motivo (não sei ao certo), elas eram
muito mais tranquilas e em paz. Desconfio que a escola estimule a hiperatividade.
---
Privacidade também é não ser molestado por criar os filhos de maneira diferente da
maioria das pessoas.
---
As decisões dos pais presumem-se feitas no melhor interesse dos filhos. Essa presunção
somente pode ser derrubada depois de uma sentença judicial transitada em julgado.
---
---
Os dez países com maior índice de liberdade educacional são: Irlanda, Holanda, Bélgica,
Malta, Dinamarca, Reino Unido, Chile, Finlândia, Eslováquia e Espanha. Por outro lado,
os dez países com menor índice de liberdade educacional são: Gambia, Líbia, Cuba,
Arábia Saudita, Afeganistão, República Democrática do Congo, Etiópia, República
Árabe da Síria, Mauritânia e Serra Leoa. O Brasil, em 58° lugar, está ao lado de Benin
(56°), Qatar (57°), Camboja (59°) e Vietnam (60°).
---
“(…) a deferência que nós estendemos às escolhas educacionais dos pais deve se
aproximar (porém, não necessariamente deve ser igual) à deferência que nós damos às
escolhas dos indivíduos adultos que digam respeito a eles mesmos. Em educação, como
nas outras áreas, uma visão abrangente pode ser vista como razoável a não ser rejeite
normas morais e políticas para as quais exista um consenso geral entre indivíduos
razoáveis em nossa sociedade. Ao menos, devemos tratar como razoáveis quaisquer
visões abrangentes que reconheçam a importância do desenvolvimento humano normal,
abraça a tolerância cívica e o respeito pela lei e aquiescem a nossos arranjos
constitucionais básicos. Porque poucos pais em nossa sociedade escolherão educar seus
filhos em formas que não satisfarão esses parâmetros, o Estado raramente será capaz de
justificar de se sobrepor à autoridade educacional dos pais”. (GILLES, Stephen (1996)
"On Educating Children: A Parentalist Manifesto," University of Chicago Law Review:
Vol. 63: Iss. 3, Article 2, p. 939-940)
---
Objeção de consciência
157
--
1. O Conselho Tutelar é o órgão de fiscalização dos direitos das crianças, não tendo
poderes para impor nenhuma medida à família.
2. Todos os pais que ensinam em casa devem estar preparados para uma eventual visita
do Conselho Tutelar. Essa visita ocorre porque o conselho precisa verificar se não há
situação de abandono intelectual.
4. A família deve presumir que os representantes do Conselho Tutelar não têm a mínima
noção do que seja educação domiciliar, pois essa é a situação em quase todos os casos.
Assim, é preciso que a família saiba explicar exatamente o que é isso e porque é uma ação
legítima.
5. Mais do que explicar, é indispensável que a família prove que efetivamente está
ensinando os filhos em casa. Por isso, é preciso que todas as atividades educacionais
estejam devidamente registradas.
6. A presença de um advogado não é indispensável, mas pode ser útil para explicar os
fundamentos jurídicos da educação domiciliar. Porém, se houver interesse, a própria
família pode se informar e explicar a questão jurídica aos representantes do Conselho
Tutelar.
158
---
“(…) a deferência que nós estendemos às escolhas educacionais dos pais deve se
aproximar (porém, não necessariamente deve ser igual) à deferência que nós damos às
escolhas dos indivíduos adultos que digam respeito a eles mesmos. Em educação, como
nas outras áreas, uma visão abrangente pode ser vista como razoável a não ser que rejeite
normas morais e políticas para as quais exista um consenso geral entre indivíduos
razoáveis em nossa sociedade. No mínimo, devemos tratar como razoáveis quaisquer
visões abrangentes que reconheçam a importância do desenvolvimento humano normal,
abraçam a tolerância cívica e o respeito pela lei e aquiescem a nossos arranjos
constitucionais básicos. Porque poucos pais em nossa sociedade escolherão educar seus
filhos em formas que não satisfarão esses parâmetros, o Estado raramente será capaz de
justificar de se sobrepor à autoridade educacional dos pais”. (GILLES, Stephen (1996)
"On Educating Children: A Parentalist Manifesto")
---
O que significa dizer que "a educação é dever da família" (CF, art. 226)?
Esse dever deve ser exercido pelo pai e pela mãe em igualdade de condições. Assim, a
educação dos filhos não pode ser realizada apenas pelo pai ou pela mãe ou de forma
desproporcionalmente maior por um deles.
---
Certamente. E ainda podem ensinar aos filhos qualquer ideologia, filosofia ou religião. O
que se proíbe é que outras pessoas as ensinem sem autorização expressa dos pais. Esse é
o princípio da autonomia educacional da família.
159
---
---
A primeira é a adubagem que permitirá a uma pequena muda transformar-se num belo e
majestoso carvalho. A segunda é a constante podagem dessa mesma muda que acabará
por transformá-la num belo e inofensivo bonsai.
---
Todos os pais que têm filhos na escola precisam se resignar com a seguinte situação: se
houver divergência de opiniões entre os pais e os professores das crianças, estes quase
sempre ganharão. O motivo é ridiculamente simples: ao matricular o filho na escola, os
pais implicitamente dizem que os professores sabem mais do que eles; afinal de contas, a
escola serve para colocar totalmente a educação nas mãos dos "profissionais".
---
---
Para os juristas, só existem um ou dois dispositivos do Pacto de São José da Costa Rica.
Para todo o resto, a indiferença é total. Na faculdade de Direito, aliás, não se fala de
direitos humanos.
Para a esquerda, direitos humanos só servem se forem para certos seres humanos, as tais
"minorias oprimidas". Esquecem que os direitos humanos são, por definição, universais.
Para a direita conservadora, direitos humanos não passam de uma desculpa para a
imposição de uma agenda de dominação global. Pouquíssimos sabem da poderosa
influência da doutrina católica dos direitos naturais sobre os tratados de direitos humanos.
Quase ninguém sabe que o aborto é proibido por esses tratados.
Resultado: os direitos humanos são cotidianamente violados no Brasil, sem ao menos que
as pessoas saibam o que está acontecendo.
---
“Um ponto importante que deve ser constantemente lembrado é a circunstância de que se
está educando um ser humano, capaz de apreender e compreender e que pode e deve ser
participante ativo do processo. A criança deve poder manifestar sua vontade durante a
aprendizagem, deve poder obter uma resposta quando quiser saber o porquê daquilo que
lhe está sendo ensinado e deve ter certa liberdade para trabalhar mais naquilo que
corresponde à sua vontade.” (Dalmo de Abreu Dallari, O direito da criança ao respeito,
p. 49)
---
Nesse cenário, quem deve decidir o que vai ser aplicado a cada criança? A resposta é dada
pelos tratados internacionais de direitos humanos: aos pais cabe escolher a modalidade
de ensino a ser ministrada a seus filhos.
161
162
---
"Tá bom, tá bom! Estou convencido por todos esses argumentos a favor da educação
domiciliar. Tudo faz sentido. Só não serve pra mim. Não estou disposto a abrir mão das
comodidades que a escola me proporciona. Olha, eu tenho uma vida boa, não posso
reclamar; trabalho no que gosto, pratico esportes e viajo sempre que posso. E não estou
disposto a abrir mão dela em nome da educação dos meus filhos. No fim das contas, eles
aprenderão tudo o que quiserem aprender; essa é uma responsabilidade deles e não minha.
Eu já os sustento, pago a melhor escola disponível e ainda saímos juntos nos finais de
semana. Estou de consciência limpa, pois sei que cumpro meus deveres. E numa boa,
todo esse lance de educação domiciliar parece papo de quem não tem vida própria. Eu
tenho e não abro mão. Olha que eu sou sincero: quase todo mundo que eu conheço pensa
exatamente assim, mas não tem coragem de assumir".
---
“Alguns podem se perguntar por que eu falo de 'fazer' ou 'fazer as coisas melhor' em vez
de 'aprendizagem'. Por um lado, a palavra 'aprender' implica (como a maioria das pessoas
agora parecem acreditar) que a aprendizagem é separada do resto da vida, que só podemos
fazê-la ou fazê-la melhor quando não estamos fazendo qualquer outra coisa, e de
preferência em um lugar onde nada mais é feito. Quase todo mundo que passa por escolas
sai acreditando que (1) se eu quiser aprender alguma coisa importante, eu tenho que ir a
um lugar chamado uma escola e arranjar alguém chamado um professor para ensiná-lo a
mim; (2) o processo vai ser chato e doloroso; e (3) eu provavelmente não vou aprender.”
(John Holt)
Estão se multiplicando os casos pelo País de pais que decidiram pela educação domiciliar
porque a escola é motivo de profundo sofrimento para seus filhos. Nesses casos, um laudo
de psicólogo atestando a incompatibilidade da criança com o ambiente escolar aumenta
bastante a segurança da família contra eventuais questionamentos. O problema é que a
grande maioria dos psicólogos têm mentalidade totalmente escolarizada, desconhecendo
163
Se você já tentou de tudo e seu filho continua encarando a escola como uma verdadeira
tortura, é seu dever buscar alternativas que o protejam física, moral e mentalmente. A
educação domiciliar é uma dessas alternativas.
O verdadeiro professor “ensina com mais sucesso quando não está conscientemente
tentando ensinar, mas quando ele age espontaneamente a partir de sua própria vida. Então,
ele pode ganhar a confiança do aluno; ele pode convencer o adolescente que há verdade
humana, que a existência tem um significado. E quando a confiança dos alunos foi
conquistada sua resistência contra a ser educado dá lugar a um acontecimento singular:
ele aceita o educador como pessoa. Ele sente que pode confiar este homem, que este
homem está participando de sua vida, aceitando-o antes que desejam influenciá-lo. E
assim ele aprende a perguntar”. (Martin Buber)
Um dos pilares da educação deve ser o respeito pela verdade, pelos outros e
principalmente por si mesmo.
As pessoas precisam aprender a acreditar no seu valor intrínseco e que seus planos de
vida merecem ser concretizados.
As pessoas que não receberam dos pais um conjunto coerente de valores, baseiam suas
decisões em três fatores:
c) influência da mídia.
“A educação moral das crianças é atribuição dos pais”. Nunca vi alguém discordar desta
frase, aliás reafirmada em tratados de direitos humanos. Porém, se esquecem de algo:
transmitir os valores morais é um dever que os pais têm com relação aos filhos. E esse
dever somente pode ser cumprido se os pais tiverem uma consciência bem clara de seus
próprios valores. Se você realmente quer educar seus filhos, eis a pergunta fundamental:
em que você realmente acredita?
a) coragem intelectual;
b) empatia intelectual;
d) perseverança intelectual;
e) justiça intelectual; e
f) fé na razão.
Aquele que não tem essas virtudes apenas dá vazão a seu próprio autoengano.
Suponha, por exemplo, que uma escola resolva dar aulas sobre técnicas de
sadomasoquismo. A informação pode ser precisa e objetiva (ou seja, neutra), mas o fato
de transmiti-la implica necessariamente considerá-la relevante ou mesmo necessária. A
grande questão é se as crianças que tiverem essa “aula” serão influenciadas em direção a
esse comportamento. E a resposta é positiva, mesmo que não se dê nenhum incentivo
explícito.
Uma das principais questões da Ciência Política é a definição de quem deve ter a
competência para decidir sobre temas socialmente controvertidos. Doutrinadores mais à
esquerda tendem a responder que é o Estado enquanto que doutrinadores mais liberais
tendem a responder que é o indivíduo. Para as questões relativas à criança e ao
adolescente, porém, não há dúvida: a primeira e quase sempre a definitiva instância de
tomada de decisões é a sua família.
Quando falamos das mazelas da educação brasileira, costumamos esquecer dos maiores
vilões: as próprias famílias, que quase sempre têm absoluto desinteresse pela educação
que os filhos recebem na escola. Para ilustrar essa situação, vou transcrever aqui uma
conversa que eu tive com Renato Nunes, grande amigo e compadre, professor e gestor
escolar há duas décadas.
Renato Nunes
A grande verdade é que a grande maioria dos pais se interessam apenas pela nota dos
filhos; ou seja; se um professor relapso der uma nota boa para o filho mesmo sem ter dado
uma aula adequada dificilmente será questionado.
Essa informação é chocante! Parece que a regra quase sem exceção é a total negligência
dos pais com relação à educação dos filhos.
Renato Nunes
A escola tem autonomia para determinar qual o conteúdo das aulas a serem ministradas
em cada ano, devendo em geral apenas seguir certas diretrizes do Poder Público. Essa
autonomia é materializada no projeto político-pedagógico (PPP), que enuncia os valores,
a missão, a metodologia e as concepções pedagógicas adotadas pela escola. É o
documento fundamental, uma espécie de constituição da escola. Os planos de trabalho
dos professores devem ser baseados nesse documento.
Na a decisão da escola para o filho, o PPP contém a informação que mais interessa. E
depois de feita a decisão, a escola pode ser fiscalizada e demandada pelos pais e alunos
nos termos do PPP.
"Faz uma grande diferença em educação se um estudante é visto como 'macaco nu' de
Desmond Morris ou como um filho de Deus. Da mesma forma, é importante saber se as
crianças são essencialmente boas, como é afirmado em Emile de Rousseau, ou se a sua
bondade foi radicalmente corrompida pelos efeitos do pecado. Variação em posições
antropológicas levarão a abordagens significativamente diferentes para o processo
educacional." (George R. Knight)
167
"Por que é que as igrejas cristãs gastam milhões de dólares todos os anos em sistemas
privadas de ensino quando os sistemas públicos gratuitos estão amplamente disponíveis?
É por causa de crenças metafísicas sobre a natureza da realidade última, a existência de
Deus, o papel de Deus nos assuntos humanos, e a natureza e o papel dos seres humanos
como filhos de Deus. Homens e mulheres, em seu nível mais profundo, são motivados
por crenças metafísicas. Eles estão dispostos a viver e morrer por essas convicções, e eles
desejam criar ambientes educacionais em que essas crenças mais básicas serão ensinadas
para suas crianças". (George R. Knight)
Sem respostas satisfatórias a essa questão, qualquer método educacional será no mínimo
uma forma elaborada de se desperdiçar recursos.
Só para relembrar:
Eu, chato que sou, consigo pensar imediatamente em dois problemas nessa utopia.
Primeiro: sem família não existe amor; quem cresceu numa creche sabe o quanto isso faz
falta. Segundo: sem família não há diversidade, não há pluralidade, existe apenas a
igualdade no totalitarismo.
Todos conhecem o art. 26, 3, da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Aos pais
pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos”. Vejam
agora como ele surgiu concretamente:
“No que diz respeito à família, o representante da União Internacional das Ligas de
Mulheres Católicas, C. Schaeffer, fez questão de observar, quando a comissão discutiu
art. 16 (da educação) que a doutrinação nazista tinha envenenado números muito grandes
de jovens alemães. Ele ressaltou que ‘os artigos não mencionam o direito fundamental e
a responsabilidade dos pais para educar seus filhos o que bem entendessem. Se esse
direito não fosse reconhecido na Declaração, poderia muito bem haver uma repetição de
situações como a que prevaleceu na Alemanha sob Hitler’. Assim, graças à ênfase do
Congresso Judaico Mundial e Beaufort, o representante holandês, uma terceira seção foi
acrescentado ao artigo 26 passou a dizer: ‘Os pais têm prioridade de direito na escolha do
gênero de instrução que será ministrada a seus filhos’.” (J. Morsink, The Universal
Declaration of Human Rights, p. 265).
169
Se você fizer isso, estará a caminho de formar um adulto seguro, equilibrado e ético.
Se seu filho conseguir a proeza de decidir com base em princípios e não nas conveniências
ou pressões do momento, você poderá ter a satisfação de saber que a educação dada ele
foi bem-sucedida.
Toda educação é inevitavelmente religiosa porque toda a educação transmite uma visão
de mundo que molda e determina o caráter, a vida, as crenças, o comportamento e o futuro
das crianças.
"A educação é uma arma e tudo depende de quem a maneja e para quem está apontada."
(Stalin)
170
Já perceberam que a educação quase sempre é considerada uma espécie de salvação para
a humanidade? Frases no estilo "tudo é possível com educação" e "nada é possível sem
educação" estão em todos os lugares. Porém, será que é isso mesmo?
Estudar Química, por exemplo, não melhora o caráter de alguém, mas apenas dá maiores
poder para a pessoa exercer sua personalidade. Com esse conhecimento, a pessoa pode
tanto produzir medicamentos quanto armas químicas. Aliás, existe uma terceira
possibilidade: conhecer química pode ser absolutamente irrelevante para a pessoa, o que
é de longe a situação mais comum.
"Não há nada de remotamente católico na teoria que crianças devem passar ao menos seis
horas diárias, cinco dias por semana, num ambiente que ataque continuamente as suas
crenças. Todos os textos laicos estão impregnados de valores anticristãos, de ideias do
New Age, de critérios feministas, de um único governo mundial na 'Nova Ordem
Mundial'. Mas o pior é [...] a mentalidade de que tudo é relativo, de que não há verdades
absolutas, de que Deus pode não existir e de que uma doutrina é tão boa como qualquer
outra. Integração* não é paganização. Às pessoas que me perguntam pela integração dos
meus filhos, sempre lhes respondo que não hão de ir à escola para aprender uma
linguagem vulgar, para aprender como usar camisinhas [...]ou zombar de coisas sagradas.
Os nossos filhos não devem socializar-se, se por socialização se entende a formação das
suas mentes e dos seus corações nos mesmos valores da sociedade em que vivemos."
Mary Kay Clark, Catholic Home Schooling, TAN Books, 2009, Charlotte, North
Carolina, p. 80.
O fato: nunca um pai foi preso por ensinar o filho exclusivamente em casa.
Esse crime somente ocorre se os pais ou responsáveis deixarem de prover instrução para
as crianças. Assim, não é crime deixar de matricular a criança na escola, mas deixar de
ensinar (instruir) a criança. E educar em casa necessariamente inclui prover a instrução
para os filhos.
A rigor, uma atividade somente pode ser denominada educação se produzir efeitos
permanentes na formação da pessoa. Aquilo que se aprende hoje e se esquece mês que
vem pode ser no máximo passatempo, mas nunca educação.
Muita gente boa tem reclamado, e com razão, da doutrinação ideológica nas escolas.
Porém, esse talvez seja o menor dos problemas na educação brasileira atual. Há algo
anterior a isso e muito mais sério.
O problema é que raramente vemos nas escolas brasileiras algo que possa ser realmente
chamado de educação. Somente há educação quando estiver presente um projeto de longo
prazo, com finalidades determinadas, princípios e integração dos conteúdos entre si e com
a realidade.
173
Alguns professores mais cínicos (ou mais sinceros) chegam a dizer que tudo isso é
simplesmente "para passar na prova". E o aluno sabe disso: tanto geralmente esquece tudo
logo depois da prova.
A longo prazo, quase nada do que foi "ensinado" contribuirá para a formação da pessoa
e nem ao menos para sua qualificação no mercado de trabalho. Isso não é educação, mas
uma farsa, um teatro absurdo que no mínimo joga pelo ralo preciosíssimos anos de nossas
crianças e adolescentes.
PS: eu passei torturantes anos tentando aprender Química, Física e Matemática. Com
apenas 14 anos, eu já tinha total consciência da inutilidade dessas matérias para o meu
futuro. E eu estava certíssimo: foi tudo uma gigantesca perda de tempo.
A propósito, quando a convenção diz que a família deve receber proteção e assistência
para assumir plenamente suas responsabilidades, ela obviamente inclui a primeira
responsabilidade, que é a educação.
174
Porém, vejam o que diz a Convenção dos Direitos das Crianças, ratificada pelo Brasil:
“Artigo 12
1. Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus próprios
juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos
relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em
função da idade e maturidade da criança.”
Moral da história: caso a criança se recuse a continuar indo à escola, ela deve ser ouvida
e os pais têm o dever de buscar a opção que melhor proteja os direitos da criança, o que
pode significar em muitas situações, retirá-la do ambiente escolar, por absoluta
incompatibilidade.
Qual deve ser a atitude do Estado com relação aos pais? De novo responde a Convenção
sobre os Direitos das Crianças:
"Artigo 5
Resposta: a atitude deve ser de respeito às responsabilidades, direitos e deveres dos pais
quanto à instrução e orientação das crianças
Os pais que educam em casa podem perder a guarda dos filhos? Mais uma vez, recorro à
Convenção sobre os Direitos das Crianças:
"Artigo 9
1. Os Estados Partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a
vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades
175
"-- Mãe, você está achando que eu aprendi a ler na escola? Você está doida? Eu aprendi
foi com o meu pai!
(Risadas)
-- Do que vocês estão rindo? Não tem nada de engraçado, vocês sabem que foi assim."
(Meu sobrinho mais velho, de cinco anos de idade, educado em casa e na escola)
"Todo pai que se preocupa com o filho é um pouco homeschooler." (Rodrigo Fernandes
Moreira, meu irmão)
São juízos que classificam as ações humanas em certas ou erradas. Estão incluídos nessa
definição os valores de origem religiosa.
Sim, desde que sejam os mesmos valores dos pais. A matrícula em uma escola
confessional naturalmente implica a aceitação de que o filho receba determinados valores
na escola.
Os pais devem ser avisados com antecedência para que possam exercer seu poder de veto
à participação dos filhos na atividade escolar em que for feita essa defesa.
Existe limite ao poder dos pais de definir quais os valores serão transmitidos aos filhos?
Sim, esse poder não é absoluto. Os pais não têm o direito de transmitir aos filhos valores
que sejam incompatíveis com os direitos humanos e a existência de uma sociedade
pluralista e democrática. Por exemplo, um muçulmano pode ensinar ao filho que o
cristianismo é errado, e até diabólico, mas não pode ensiná-lo que a atitude correta é matar
cristãos.
Há, porém, uma minoria de famílias que pode, e com grande vantagem, dispensar a
escola. Para essas é que se dirige a proposta da educação domiciliar.
178
Nota histórica: o primeiro Estado a instituir a escolarização obrigatória para todos foi um
ducado alemão em 1592, sob influência direta da doutrina de Martinho Lutero.
Geralmente, as crianças usam quase todo o seu tempo desperto em duas atitudes passivas:
assistir as aulas na escola e assistir TV em casa. O problema é mais grave do que parece:
além das crianças não aprenderem a agir no mundo, elas não chegam nem a saber
exatamente qual o mundo real (só para dizer o óbvio: a vida adulta não tem nada a ver
com o ambiente escolar e nem com os programas da TV). O resultado disso já estamos
vendo: adultos que não conseguem ter a mínima atuação no mundo concreto e desejam
apenas diversão e distração da vida.
Ok, amiguinhos: todos querem que os filhos recebam uma educação eficaz e daqui a
alguns anos se tornem adultos talentosos, bem pagos, além de cidadãos conscientes (o
que quer que isso seja). Só não nos esqueçamos de uma coisa: esse adulto almejado é
apenas uma projeção de nossos desejos. O ser humano real, que merece ser tratado com
dignidade e respeito, é a criança que está na nossa frente hoje. Ou nos lembramos disso
ou corremos o risco de transformar a vida de nossos filhos em um inferno.
O brasileiro médio tem um seríssimo problema com o futuro. Quase sempre incapaz de
economizar para as incertezas e de planejar algo com mais de uma semana de
antecedência, o brasileiro vive em um estado de eterno presente.
E o que isso tem a ver com a educação? Bem, a educação de nossas crianças é de longe
nossa ação de mais longo prazo: educamos a criança para formar o adulto vários anos
depois. Se não conseguimos nos planejar nem para o mês que vem, imagine então para
daqui a mais de uma década!
O brasileiro não sabe o que quer para si e muito menos para seus filhos. E sem uma
finalidade almejada não existe de fato um processo educacional, mas apenas um caótico
passatempo escolar que no final das contas terá uma contribuição mínima na vida dos
filhos. Mas pelo menos, os meninos não ficaram à toa esse tempo todo...
179
"A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança apresenta uma perspectiva adicional.
Ela impõe limites não só ao Estado, mas também sobre os pais. Ela insiste que os
melhores interesses das crianças devem ser uma consideração primordial em todos os
assuntos que lhes digam respeito, que as suas opiniões devem ser seriamente consideradas
e que as capacidades em desenvolvimento das crianças devem ser respeitadas. Em outras
palavras, a convenção afeta o direito dos pais à liberdade de escolha na educação de seus
filhos; o direito dos pais de escolher a educação de seus filhos não é absoluto a declinar
à medida em que as crianças ficam mais velhas. A lógica por trás da escolha parental não
é legitimar uma negação dos direitos de seus filhos. Pelo contrário, é para evitar qualquer
monopólio estatal da educação e para proteger o pluralismo educativo. No caso de
conflito entre a escolha dos pais e o melhor interesse superior da criança, no entanto, a
criança deve ser sempre a prioridade." (UNICEF)
1. Ela tem apenas 12 anos, mas já publicou seu primeiro livro. Sua vocação de escritora
é indubitável. Apesar disso, deverá ainda ser submetida a vários anos de escolarização
forçada em matérias absolutamente inúteis para seu futuro (exatas, por exemplo, são uma
tortura para ela).
2. Ele tem 14 anos e venceu uma competição internacional de matemática. Disso resultou
uma bolsa em uma prestigiada universidade americana. Ele, porém, não poderá usufruir
disso, pois ainda precisa ultrapassar uma formalidade: os três anos de ensino médio.
Vez por outra, aparece a discussão: "A quem pertencem as crianças? Ao Estado, à
comunidade, aos pais?" A resposta, bastante óbvia, é: as crianças não pertencem a
ninguém, mas são pessoas com dignidade própria. Relações patrimoniais são exercidas
por pessoas em coisas; nenhuma pessoa pertence, é patrimônio de outra, a não ser que se
queira defender a escravidão.
180
Por isso, a rigor não existem direitos dos pais, mas apenas direitos das crianças (só para
lembrar: o Brasil é signatário da Convenção dos Direitos das Crianças). E o que a família
tem de tão importante? É a instituição que melhor provê os direitos das crianças. E porque
devemos dar, em regra, a máxima autonomia aos pais? Porque a relação entre pais e filhos
é aquela mais intensamente regida pelo amor; e somente aquele que ama pode cuidar,
proteger e respeitar o ser amado. Assim, protegemos as famílias para que estas melhor
protejam suas crianças.
"Educação moral é o processo de sair de uma condição egocêntrica, na qual somos apenas
vítimas dos nossos impulsos, para uma condição em que nós reconhecemos as
características objetivas de nossa situação" (Kenneth Minogue).
Mais do que interesse é requerido. O ensino, declara Santo Agostinho, é o maior ato de
caridade. O aprendizado é facilitado pelo amor." (Mortimer Adler)
A educação que mereça esse nome será utilizada pelo indivíduo em seu tempo de lazer,
quando poderá refletir sobre seu lugar no mundo, sua vocação, o sentido de sua vida e
agir de acordo com essa reflexão. Por outro lado, tudo aquilo que é voltado
essencialmente para o mercado de trabalho é apenas treinamento.
A educação bem-sucedida é aquela que possibilitou à pessoa utilizar com sabedoria seu
tempo livre. Aliás, o número de horas que as pessoas em geral passam em frente à TV
todos os dias é um forte indício de fracasso do sistema educacional.
“Portanto, parece ser uma opinião comum em todas as épocas que a educação deve buscar
desenvolver excelências características das quais os homens são capazes e que seus fins
últimos são a felicidade humana e o bem-estar da sociedade” (Mortimer Adler).
de mundo, a um ideal de ser humano. Nesse ponto, os marxistas estavam certos: não existe
educação neutra, imparcial. Ainda que conseguíssemos extirpar toda a doutrinação
ideológica explícita de nossas escolas, algumas perplexidades ainda permaneceriam.
Vou dar um exemplo simples: no sistema atual, é obrigatório o ensino de, digamos,
química orgânica, enquanto que é facultativo o ensino de retórica. Não existe uma razão
puramente técnica para essa escolha, mas uma decisão de privilegiar determinada visão
de mundo (no caso, a cientificista) sobre as demais. A ideologia privilegiada pode variar
(nosso currículo é deveras caótico), mas o raciocínio é o mesmo: sempre haverá a escolha
de um ponto de vista sobre os demais.
Enfim, educar é sempre transmitir valores. A questão ainda a ser discutida é quem decide
os valores a serem transmitidos.
A educação formal é a transmissão de uma faixa bem estreita de cultura tendo em vista
objetivos determinados. É uma intervenção calculada no processo de aprendizado que já
ocorre naturalmente.
Perguntas inevitáveis: qual é a sua visão de mundo? A que tradição você se filia? Qual é
a sua cultura pessoal? Somente depois de responder essas perguntas, é que você pode se
questionar: "o que ensinarei a meus filhos?"
A educação é sempre a relação entre o eu presente, que recebe determinada cultura, com
o eu futuro, que já sofreu a transformação decorrente da absorção dessa cultura. O
resultado da educação é a transformação do indivíduo em resposta às influências
recebidas.
Política educacional é política cultural. Ao determinar o conteúdo que deve ser ensinado,
o Estado seleciona certos elementos culturais para serem transmitidos às novas gerações.
182
A primeira pergunta para quem está cogitando educar em casa é "o sistema escolar está
de acordo com seus valores mais fundamentais"? Se essa pergunta for respondida
negativamente, a segunda seria: "você está disposto a alterar seu estilo de vida para educar
seus filhos"?
2. Pais que não tem interesse nenhum em cultura, pois ensinar em casa é transmitir
cultura.
3. Pais que preferem delegar a terceiros as suas obrigações familiares, pois somente há
educação domiciliar quando os pais estão dispostos a assumir diretamente suas
responsabilidades.
1. Onde se dá a educação?
Também responde o ECA: "Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos
filhos menores" (art. 22).
Os críticos das escolas deixam de lado exatamente a única questão insolúvel: o fato de as
escolas serem uma instituição altamente burocratizada. E por que isso é um problema?
Porque essas instituições têm como prioridade real a sua própria manutenção e
crescimento; a educação de crianças e adolescentes é um objetivo apenas secundário e
subordinado ao anterior.
Obviamente, os poderosos sindicatos de professores não têm por objetivo real a melhoria
da educação fornecida aos alunos, mas a melhoria das condições dos próprios professores.
A escola sustenta milhões de pessoas, entre professores e burocratas; continuar a sustentá-
los, cada vez mais, é seu real objetivo. No mundo concreto das escolas, "educação" quase
sempre é uma mera peça retórica que busca esconder os verdadeiros interesses em jogo.
Em educação, o que significa dizer que as crianças são portadoras de dignidade humana?
Significa que elas não podem ser transformadas em instrumentos a serviço de um fim
alheio a elas. Assim, a educação deve servir sempre para o desenvolvimento saudável da
própria criança e não para arregimentar seguidores de determinado projeto político ou
ideológico.
Se você quer que seu filho seja "socializado" para se tornar um homem de sucesso como
isso é definido na cultura brasileira, não pense duas vezes: matricule-o na escola. Somente
cogite a educação domiciliar se você quiser algo diferente e melhor do que esse padrão.
1. Família: transmite seus valores morais e religiosos. Caso entenda pertinente, ainda se
responsabilizar pela instrução dos filhos.
Desejo do dia: que o Conselho Tutelar passe a visitar e a pedir explicações para as famílias
que NÃO educam os filhos em casa (não custa lembrar: educar os filhos em casa continua
sendo obrigação da família mesmo que os filhos frequentem a escola).
185
Em quase tudo o que eu aprendi de forma duradoura na vida, não havia alguém ensinando.
Foi simplesmente um produto da minha curiosidade, exercitada de modo lúdico,
aprendendo apenas pelo prazer de aprender. Do primário até a universidade, tive
incontáveis problemas com o método de ensino centrado no professor. Ao contrário da
maioria dos colegas, eu não conseguia aprender nada sem uma boa dose de
espontaneidade.
Isso não me faz um gênio ou uma pessoa de inteligência superior, pois acredito que as
experiências descritas acima aconteceram com inúmeras pessoas. Mais ainda: não acho
que exista algo como a "educação compulsória", pois educar-se é sempre um ato que vem
de dentro; a verdadeira educação sempre envolve a livre decisão de incorporar certo
conhecimento ou habilidade. Sem isso, sobra apenas a hipocrisia: fingimos que
aprendemos para cumprir as formalidades prescritas ("passar na prova") e logo depois
esquecemos daquilo como se nunca tivéssemos apreendido.
PS: no quadro abaixo, isso fica bem nítido, pois 70% do nosso conhecimento vem da
aprendizagem informal.
186
Em termos de conhecimento, quase nada. A maior parte do que eu aprendia era esquecido
instantaneamente logo após a prova.
E a socialização?
3. Por outro lado, os pais podem ser obrigados a realizar a educação domiciliar exclusiva.
Isso pode acontecer nas situações em que a criança demonstra total incompatibilidade
com o ambiente escolar; são chamadas genericamente de "fobias escolares".
A grande função social das escolas hoje em dia é funcionar como meio de acesso ao
mercado de trabalho, não por causa do conhecimento adquirido pelos alunos, mas
simplesmente pelo fato de que o diploma fornecido pela escola é pré-requisito
indispensável para o exercício lícito das mais variadas posições. A escola é, em suma, a
grande instituição credenciadora de nossa sociedade. Sem a credencial escolar, mesmo a
pessoa mais apta e mais bem-informada está impedida de exercer dezenas de profissões.
Desconfio que isso seja um gigantesco desvio de finalidade: a escola não deveria existir
para ensinar e transmitir conhecimentos? Se a pessoa prova que tem esses conhecimentos,
qual é a necessidade de um diploma? Um exemplo: alguém que consegue a pontuação
necessária na prova da OAB precisaria mesmo de um diploma de uma faculdade de
Direito para se tornar advogado?
187
Enfim, uma pergunta sem resposta: o que aconteceria ao sistema escolar se os diplomas
fossem abolidos?
A educação domiciliar talvez seja o mais exótico movimento social do Brasil. Onde já se
viu um movimento que não pede um centavo ao governo e ter como participantes pessoas
que simplesmente querem cumprir o dever de educar os filhos?
Natureza jurídica: lesão à dignidade humana, uma vez que trata o aluno como um meio
para a execução de projetos políticos e não como um fim em si mesmo. Além disso,
impede o livre desenvolvimento da personalidade, que passa a ser condicionada
externamente, em desrespeito à autonomia individual.
188
Consequência jurídica: geralmente, não resultado em dano moral, pois não causa
necessariamente sofrimento para os alunos. Sempre, porém, caracterizará dano
existencial, pois impede a livre escolha dos projetos de vida pela vítima. Assim, aquele
que realizar essas condutas (o professor) ou se omitir frente a elas (a direção da escola)
pode ser responsabilizado civil (pagamento de indenização), administrativa (pena de
advertência, multa, demissão ou suspensão) ou mesmo criminalmente (crime de
prevaricação).
Nunca tente convencer alguém, mesmo que isso pareça absolutamente necessário. A
verdadeira educação (ou "evolução pessoal") é uma porta que somente pode ser aberta
por dentro. Quando a pessoa quiser e estiver pronta, ela espontaneamente buscará o
conhecimento de que necessita.
O aluno, como qualquer ser humano, é um fim em si mesmo e não um meio a serviço
das finalidades de outras pessoas. Por isso, a única forma de educação legítima é aquela
centrada nos interesses da criança e não dos pais, professores ou burocratas da educação.
Desejo do dia das crianças: uma educação que possibilite ao ser humano identificar o que
é realmente necessário e quanto desse necessário é preciso mesmo. Em outras palavras,
precisamos aprender a reconhecer o que é suficiente para nós.
Não contem comigo para tomar partido nessas disputas entre “conservadores” e
“progressistas” dentro do movimento da educação domiciliar. Estou absolutamente
convicto de que o foco é a soberania educacional da família, qualquer que seja o seu
perfil.
Aliás, uma curiosidade: as famílias de perfil mais "alternativo" têm como referência
essencial a obra de Ivan Illich, que foi exatamente um padre católico, e com doutorado
em Roma. Então, pessoal à esquerda e à direita, relaxem: todos estão no mesmo barco.
189
Da série "dogmas da cultura brasileira": " a remuneração de alguém deve ser diretamente
proporcional ao número de anos que essa pessoa passou na escola ". E aí, eu pergunto:
como chegaram a essa conclusão? Será que o simples fato de alguém ter passado mais
anos na escola torna seu trabalho necessariamente mais valioso?
Tudo pode ser resumido em uma palavra: família. Ao revermos individualmente nossas
histórias pessoais, cada um pode perceber o quanto a família foi importante para sua
formação. Todos nós fomos, ao menos informalmente, educados em casa. Nossas
primeiras impressões profundas foram formadas ao vermos como nossos pais agiam no
dia a dia tanto entre eles quanto conosco. Estou convicto de que as histórias que eu lia na
biblioteca de minha casa e os exemplos dados pelos meus pais foram infinitamente mais
importantes na minha formação do que os vários anos passados na escola.
Nos últimos tempos, o tema “família” não sai da mídia. Paradoxalmente, cada vez menos
pessoas escolhem realmente formar uma família (ou seja, terem filhos). Mesmo aqueles
que assim escolhem, quase sempre delegam a função educacional para instituições que
não têm essa atribuição – a propósito, precisamos parar de sobrecarregar as escolas, que
não servem para educar nossos filhos, mas apenas para instruí-los em determinadas áreas
do conhecimento. E qual a diferença da família para as outras instituições sociais? O
amor. Somente na família, o laço fundamental entre as pessoas é formado pelo amor.
Existem famílias que nadam contra a corrente. Essas famílias assumiram integralmente
o primeiro dever dos pais, aquele que justifica a existência da própria família: a educação
de seus filhos. Os resultados, repetidos aos milhões, são os mais impressionantes
possíveis e mostram a formação de uma nova geração de pessoas, que não apenas têm
desempenho acadêmico e profissional acima da média, mas também são mais felizes e
seguros, pois a base moral e intelectual de sua vida foi construída num ambiente de amor,
respeito e compreensão.
consenso sobre o tipo de educação ideal, até porque é impossível existir um modelo único
que sirva para todas as crianças e todas as famílias. Então, no meio dessas divergências
insolúveis, quem deve ter a última palavra quanto ao tipo de educação a ser dada às
crianças?
Vejam os resultados que mais aparecem no Google quando se pesquisa a expressão "a
escola me faz...". Pois é, há muito sofrimento envolvido no sistema escolar. Precisamos
começar a levar isso a sério.
Para a quase totalidade das famílias, a escola é apenas um lugar para deixar os filhos
enquanto pai e mãe trabalham ou realizam outras atividades. Talvez essa seja a real função
social da escola: dar um descanso aos pais.
Na minha opinião, para prover os eleitores de um "detector de merda". Sim, é isso mesmo!
Cotidianamente, os políticos abusam da retórica e do marketing para manipular os
eleitores. Um povo bem-educado, especialmente em lógica e retórica, tem a capacidade
de identificar esse tipo de discurso e desmascará-lo, protegendo-se da manipulação.
Obviamente, ainda estamos muito longe disso.
Se você se identifica com a filosofia de Rousseau e tem filhos pequenos, considere adotar
o unschooling. A obra "Emilio", de Rousseau, é a primeira a advogar uma educação
natural, absolutamente centrada nos interesses e necessidades das crianças.
A educação domiciliar brasileira não tem rumo, não tem direção. Cada família deve ser
livre para escolher seu próprio destino.
1. Informe-se, conheça seus direitos. Você precisa estar apto a responder eventuais
questionamentos, principalmente do conselho tutelar.
2. Registre tudo o que você estiver ensinando a seus filhos. Seja capaz de provar que você
está educando seus filhos em casa.
3.2 Coaching
3.3 Advogados: necessários apenas para os raros casos de famílias que são intimadas por
promotores ou juízes. Curso de Direito Educacional começa dia 28 de abril: indique o
curso para um advogado amigo da família.
3.4 Psicólogos: caso seu filho esteja na escola sofrendo abusos, negligências e maus-
tratos, requeira um laudo a um psicólogo de confiança. Isso poderá ser bem útil quando a
família for questionada a respeito da opção pela educação domiciliar. Está em formação
a Rede de Proteção às Crianças Vítimas da Escola, composta por psicólogos, psiquiatras
e psicopedagogos.
Estão se multiplicando os casos pelo País de pais que decidiram pela educação domiciliar
porque a escola é motivo de profundo sofrimento para seus filhos. Nesses casos, um laudo
de psicólogo atestando a incompatibilidade da criança com o ambiente escolar aumenta
bastante a segurança da família contra eventuais questionamentos. O problema é que a
grande maioria dos psicólogos têm mentalidade totalmente escolarizada, desconhecendo
por completo o homeschooling. Precisamos de psicólogos com a mente aberta e que
estejam dispostos a auxiliar essas famílias.
193
Os Princípios do Rio
Introdução
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao reconhecer o direito à educação,
proclama que deve ser dirigida “para o pleno desenvolvimento da personalidade humana
e ao reforço do respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais” (Artigo 26.2).
Através da pessoa, a educação afeta famílias, bairros, vilas, cidades, estados, culturas,
nações e o mundo inteiro.
Este dispositivo dos direitos humanos universais deve ser entendido e implementado na
sua ligação com outras disposições fundamentais da Declaração Universal, como a do
artigo 16.3, que afirma “a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem
194
Todos os seres humanos são dotados de dignidade inerente e de direitos inalienáveis, que
lhes dão liberdade e igualdade de tratamento perante a lei.
Os Estados deverão:
Os Estados deverão:
d) reconhecer que os pais da criança estão geralmente em melhor posição para determinar
o melhor interesse de seus filhos, em comparação com o Estado ou a qualquer outra
instituição social;
e) presumir que as decisões dos pais são para o melhor interesse das crianças, a menos
que o contrário é justamente provado por um tribunal competente, e garantir que todas as
instituições estatais e sociais seguirão esta presunção em prática.
196
A família é a unidade fundamental da sociedade e tem direito à proteção pelo Estado. Ela
tem um papel único e autoridade especial em relação à educação das crianças.
Os Estados deverão:
O Estado deve ser imparcial e, portanto, não impor qualquer visão particular sobre a
questão da boa vida, reconhecendo que as famílias são livres para definirem suas próprias
concepções filosóficas, morais e religiosas sobre a boa vida.
Os Estados deverão:
a) respeitar e proteger o papel único e prioritário dos pais na transmissão dos valores
morais e religiosos a seus filhos;
Todos os indivíduos e grupos têm o direito à sua própria identidade étnica, cultural e
religiosa. O Estado deve respeitar essa diversidade legítima.
Os Estados deverão:
Os Estados deverão:
II) escolher livremente o tipo de instrução que será ministrada a seus filhos, o
198
III) dar a educação religiosa e moral em que eles acreditam que a criança deve
ser educada;
“Toda pessoa, individualmente ou em comunidade com outros, tem o direito de ter sua
própria cultura respeitada” (Declaração de Friburgo, Art. 3).
Os Estados deverão:
Os direitos dos pais são direitos fundamentais derivados do simples fato de ser pai ou
mãe. “Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será
199
ministrada a seus filhos” (DUDH, Art. 26.3). O Estado respeitará e protegerá os direitos
fundamentais dos pais e sua primazia vendo-os como uma condição necessária para o
bem comum e o desenvolvimento genuíno da pessoa e da sociedade.
Os Estados deverão:
a) reconhecer que o livre exercício dos direitos dos pais é necessário para proteger os
direitos e interesses genuínos de uma criança, bem como manter a diversidade
educacional que é necessária em uma sociedade livre e pluralista;
b) respeitar, proteger e promover o direito dos pais a “escolher o tipo de instrução que
será ministrada a seus filhos”, incluindo a educação em casa (DUDH art. 26.3,
Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos; Art. 13.4,
Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar da Criança);
c) respeitar o direito dos pais “de fornecer, de uma forma consistente com as
capacidades em desenvolvimento da criança, direção e orientação apropriadas no
exercício pela criança dos direitos reconhecidos na presente Convenção” (Convenção
das Nações Unidas sobre os Direitos da criança, Art. 5);
d) respeitar a liberdade dos pais e tutores legais para assegurar a educação religiosa e
moral dos seus filhos de acordo com suas próprias convicções religiosas, filosóficas
ou pedagógicas (PIDCP 18,4, Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos
Humanos e das Liberdades Fundamentais Protocolo 1, Art. . 2);
g) reconhecer que os pais são os primeiros educadores dos seus filhos e que a
educação em casa é um meio legítimo pelo qual as crianças podem ser educadas;
h) respeitar e assegurar o caráter prévio e primazia dos direitos e deveres dos pais e
200
“Toda pessoa tem direito à educação” (DUDH, Art. 26.1). O respeito pela liberdade de
educação implica que o Estado não pode preferir um método educativo ou abordagem
especial, incluindo frequência obrigatória em uma instituição operada pelo governo.
Os Estados deverão:
f) garantir “a mais ampla proteção possível (...) à família, que é o núcleo natural e
fundamental da sociedade, em particular para o seu estabelecimento embora seja
responsável pelo cuidado e educação dos filhos dependentes”(Pacto Internacional
sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Art.10);
O direito à educação domiciliar é o direito fundamental das famílias, das crianças e dos
pais claramente derivado de todos os direitos acima mencionados e implícito neles,
201
Os Estados deverão:
c) não interferir na educação em casa, exceto em casos de grave violação dos direitos
de uma criança que causaram danos substanciais e que tenham sido justamente
comprovadas após o devido processo legal;
Procurávamos um tipo de desenvolvimento onde nosso filho fosse livre para encontrar
suas potências com respeito aos interesses que ele mesmo sempre demonstrou. Um onde
tivéssemos a intervenção de apenas criar as condições para o livre aprendizado. Esse onde
202
Para essa família (sublinhe-se: para essa família) essa é a opção. É isso que queremos e
é para isso que vivemos.
“Escolhemos educar nossos filhos em casa pois cada um deles tem necessidades
específicas e respeitamos cada uma delas. Do mesmo jeito que há habilidades e
capacidades genuínas oriundas de suas próprias especificidades há por sua vez
dificuldades que só serão superadas caso haja uma direção precisa. Além disso temos a
educação deles como nossa missão e desejamos fazê-lo em conformidade com nossa fé”.
203
“Meu nome é Renata, sou mãe de 3 meninos, 13,12 e 5 anos. O mais velho frequentou a
escola por 6 anos, o de 12 anos, frequentou por 5 anos, o mais novo nunca foi. Decidimos
tirá-los da escola por vários motivos. Meu filho mais velho que amava ler, aprender, era
supercurioso, estava indo por um caminho de total desinteresse por qualquer estudo. Isso
por querer ser parecido com os amigos, queria se enturmar, como era o único chamado
de ‘nerd’, preferiu perder sua autenticidade que ficar isolado. Eu assistia a isso
desesperada. Enquanto isso, meu filho de 12, com 9 na época, odiava a escola. Durante
os 5 anos que frequentou, me pedia todos os dias para faltar, além de ter crises de
ansiedade, adoecer muito e não ter um só amigo. Sempre foram ótimos alunos, com boa
reputação diante dos professores, mas eu vi que isso não seria bastante para proteger a
personalidade de cada um. Quando resolvemos mesmo tirar, a situação estava
insustentável. Então, mesmo contra a família e alguns amigos, eu e meu marido optamos
pelo homeschool. Os problemas de autenticidade, personalidade, tudo se resolveu em
menos de um mês com o Ensino Domiciliar. Conseguimos incentivá-los a serem quem
são, não há pressão para serem aceitos, sabem que são amados, aprendem naturalmente,
instintivamente. Estudamos juntos, somos unidos, não consigo ver nenhum só malefício
no homeschool. Agradeço a Deus, por colocar pessoas em minha vida que me mostraram
que isso era possível!”
(Renata Correa)
“Cada família em si, agrega valores baseados no que ela crê ser melhor para todos os seus
membros. Ao passo que, cada indivíduo também tem suas próprias idiossincrasias, e por
isso, requer algo específico para seu desenvolvimento, bem-estar e até mesmo para
contribuir com o meio onde vive.
Por isso, acreditamos valer a pena, usufruir do direito de poder assistir de maneira mais
proveitosa e participativa da formação acadêmica do nosso filho. Tendo em vista, que
cabe aos pais, a obrigação de educar e formar o caráter dos filhos, com base em valores
que achamos necessário preservar, um legado para eles.
204
Acreditamos que, esta modalidade de ensino é um presente de Deus, para os pais e para
os filhos. Porque resgata a essência da família, a união, a cooperação e sobretudo, os laços
que têm se desfeito, pela ausência que acaba por facilitar a estranheza entre os membros
da mesma família. Muitas vezes só se veem no final do dia, já cansados, ou até estressados
pela agitação e correria.
Podemos usufruir da companhia uns dos outros, vendo de perto nossos filhos crescendo,
conhecendo cada vez mais de suas reações diante de várias situações, e assim saber em
qual precisam de mais apoio e atenção. Enquanto eles aprendem a ver em nós, como lidar
com diversas dificuldades, podendo também conhecer nossas fraquezas, entendendo
assim, que todos têm algo a aprender sempre. Isso os tornará pessoas maduras, sensíveis
e capazes de ter empatia para com os outros.
O nosso filho (Lucas), completará 10 anos em agosto, foi alfabetizado em casa, gosta
muito de leitura; é bastante curioso. Quando desperta interesse por algo, pesquisa em
todos os meios, e gosta de falar do conhecimento adquirido para outras pessoas.
“Escolhi educar meus filhos em casa por que anseio que o Estado me permita e dê
condições de exercer um direito que me é inerente. A Constituição Federal e o Código
Civil me garantem o direito de prover a educação dos meus filhos. Não sou obrigada a
aceitar que o Estado venha a intervir nos meus princípios, prioridades e escolhas de
interesse da minha família. Em um momento social e político em que a família não é mais
reconhecida como base da sociedade, exijo o mínimo de proteção ao meu âmbito familiar,
de maneira que eu possa promover a educação dos meus filhos sem que os nossos
princípios sejam violados nem o nosso poder familiar retirado.”
(Mayres Pereira)
205
Poderia alegar diversas razões, mas creio que a principal delas é a tranquilidade, a
harmonia que o ambiente doméstico proporciona. O lar é um ambiente educativo em
tempo integral. Nele, pais e filhos estão em comunicação constante, e esta é de natureza
instrucional. Estudar em casa é uma responsabilidade mais séria que delegar a outrem em
ambiente externo ao lar, pois os pais tornam-se pesquisadores no anseio de oferecer um
ensino melhor aos seus filhos. Hoje, estamos diante de uma realidade diferente. Temos
boa formação e cultura de estudo não como obrigação, mas como algo necessário para
nos tornar ainda mais aperfeiçoados. Nós estudamos mais, investimos em tecnologias e
em alta cultura nos nossos lares, portanto, podemos ir além da escola. Para os educadores
domiciliares, o conceito de escola é ampliado. A escola é o mundo a ser investigado sob
as lentes da verdade, da beleza e da bondade.”
parece depender do professor. Como eu já sou professora, prefiro dar o meu melhor e
educar a minha filha onde ela quer aprender e estudar.”
(Cipriana Leme)
“Meu filho iniciou os estudos em escola normal aos quatro anos. Tinha lido que meninos
se adaptavam com mais dificuldade à escola antes desta idade, portanto, esperei e
enquanto isso, fazia homeschooling e nem sabia!
Ele foi estudar em uma escola com pedagogia freinetiana, cuja metodologia me pareceu
muito adequada ao meu pensamento. Escola fofa, tudo lindinho, arrumado, a diretora me
mostrou como uma escola poderia ser um sonho. Pois é, era um sonho mesmo. A
pedagogia fica nos livros, a mesmice na prática. Ele não se adaptava, chorava, não comia,
não respondia a nada. Estava me separando à época, então, segundo terapeutas, era esse
o motivo. No ano seguinte, mudei de escola, ele foi para uma de pedagogia naturalista,
que é um mix de tudo e nada ao mesmo tempo. Nada parecia ter mudado, sempre o levava
à força. Nesta escola ele migrou da letra caixa alta para a cursiva e tudo piorou, teve crises
intensas. Aos seis anos ele mudou novamente de escola, foi para uma conteudista,
tradicional. Se antes ele ia berrando para a escola, agora ele ia arrastado, babando,
gritando, esperneando. Eu o deixava aos prantos no chão. O que eu ouvia? “Mãezinha,
basta você sair que tudo melhora”, o que pode ser traduzido como: menino mimado, a
culpa é sua, você o protege demais, vê se melhora.
Ensinar em casa complica minha vida profissional, com certeza, por que eu sou a
provedora desta casa. Mas no ensino domiciliar ele é respeitado, ele é ouvido. As crises
sumiram, ele adora ler, adora aprender, está feliz. O que pode uma mãe querer mais na
vida que a felicidade de um filho? Pode detestar ainda a tabuada, mas sabe a composição
química do sol, sabe o que é um átomo, identifica constelações no céu, conhece unidade
de medida, fala um português corretíssimo. Mas não sabe tabuada, diriam alguns. Não
sabe e não quer saber, tem calculadora pra isso, ele diz. E ele está certo.”
(Adriani Hass)
“Decidir que meus filhos fossem educados em casa não foi um mar de rosas.
Muita reflexão e pesquisa. Conversas que entravam pela noite com meu marido. Dia sim,
dia não, mas por muito tempo investigamos a respeito da famosa educação domiciliar.
E entendemos uma coisa, que as famílias que optam pelo método não fazem por capricho
ou moda, mas porque chegaram à conclusão de que é o melhor para os seus filhos.
Não é para menos. A quantidade de informação é tamanha que você logo se convence de
que há mais vantagens que desvantagens. Daí até tomar a decisão, é outra história...
Mas eu e meu esposo decidimos, e respondo minhas razões porque educo meus filhos em
casa:
- Não precisa de lugar fixo para estudo. E isso, acreditem, faz muita diferença, porque
renova a motivação para aprender. Não que se acontecerá sempre em um lugar diferente,
mas tem mais liberdade, obviamente;
que ela pudesse entender, ensinamos as fases lunares, o movimento da terra... e hoje ela
já tem ideia de que existem outros planetas e que giramos ao redor do sol, etc. Ainda
falaremos muito disso...
- Acredito que o investimento nas nossas mãos será melhor aplicado. E acabamos
economizando bastante, sem dúvida.
Sabemos que na escola podem até ter professores muito bons, mas também existem
alunos que não querem aprender, cujos pais não são presentes em suas vidas e, com isso,
podem destoar um pouco e levar os outros alunos a se dispersarem também. Sem falar
nos casos que ouvimos de palavrões e historinhas nada adequadas à idade que algumas
dessas vítimas de maus pais levam pra escola. Isso é triste, mas é uma realidade.
Os pais, às vezes, optam por educar, porque eles não podem obter um lugar para o seu
filho em uma escola de sua escolha.
Se se acredita que a escola tem o dever de transmitir valores às crianças enquanto os pais
não levam à sério a própria missão, então tenho a alegria de pensar diferente e poder fazer
minha escolha!
Quando você passa a ensinar em casa, volta inevitavelmente para o conceito de família.
Posso, assim, trabalhar melhor a ideia de companheirismo, compromisso, paciência,
modéstia e valores necessários a qualquer pessoa em desenvolvimento.
De outra forma, as crianças podem crescer e não apreciar verdades atemporais na primeira
infância.
É muito animador para mim não só passar mais tempo com meus filhos, mas também
olhar para eles e vê-los aprender e aprender com eles!
209
É uma satisfação saber o quão feliz eu posso torná-los a despeito do mundo ao seu redor.
É coisa de mãe protetora? Pode ser, mas sei que não sou nenhuma neurótica a ponto de
privar meus filhos de novas experiências. Aliás, uma das coisas que a educação domiciliar
mais proporciona é isso: experiências. Sobretudo, experiências com mais cuidado, para
pais que não querem ver seus filhos se perderem para ideologias sem moral do mundo.
Incluo sem pusilanimidade aqui toda a problemática que as escolas brasileiras têm tido
com a doutrinação esquerdista, declarada e destemida.
Certamente, isto é justificativa das mais perfeitas para optar pelo homeschooling.
Por fim, ter a chance de ensinar-lhes como aprender qualquer coisa por si mesmos é de
uma alegria difícil de dimensionar! Educar minhas crianças em casa é ver a recepção de
conhecimentos com liberdade para desenvolverem seus próprios talentos, sem serem
moldados da mesma forma, como frequentemente acontece na sala de aula.”
Bibliografia
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. São Paulo: Moderna, 2006.
BAETS, Antoon De. A successful utopia: the doctrine of human dignity. Disponível em
http://ejournals.epublishing.ekt.gr/index.php/historein/article/view/2141/1981. Acessado
em 28 de janeiro de 2016.
BUSS, Emily. Parental rights. University of Chicago. PUBLIC LAW AND LEGAL
THEORY WORKING PAPER N. 23.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Volume 5. Direito de Família.
São Paulo: Saraiva, 2008.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, vol. 6.
Salvador: Editora Juspodium, 2012.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo:
Autores Associados: Cortez, 1989. (Coleção polêmicas do nosso tempo; 4).
GHEAUS, Anca. Unfinished Adults and Defective Children: On the Nature and Value of
Childhood. Journal of Ethics & Social Philosophy vol. 9 n. 1 February 2015, 1-21.
GALEN, Jane Van; PITMAN, Mary Anne. Home Schooling: Political, Historical, and
Pedagogical Perspectives. Ablex Publishing Corporation: Norwood, 1991.
HALL, Anthony L; MIDGLEY, James. Social Policy for Development. Londres: SAGE,
2004.
HOLT, John; FARENGA, Pat. Teach Your Own: The John Holt Book Of Homeschooling.
Da Capo Press; First Paperback Edition (April 2003).
JEUB, Chris. Why Parents Choose Home Schooling. September 1994 | Volume 52 |
Number 1 The New Alternative Schools Pages 50-52.
KANT, Immanuel. Kant on education. Boston: D.C. Heath & Co., publishers, 1900.
KUMAR, Satish; Sajjad, AHMAD. Meaning, aims and process of education. Disponível
em https://sol.du.ac.in/Courses/UG/StudyMaterial/16/Part1/ED/English/SM-1.pdf,
acessado em 14 de agosto de 2015.
KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea. Martins Fontes: São Paulo, 2006.
LOIS, Jennifer. Home Is Where the School Is: The Logic of Homeschooling and the
Emotional Labor of Mothering. NYU Press (December 17, 2012).
MESQUITA, Andréa Pacheco de. A família como centralidade nas políticas públicas: a
constituição da agenda pública da assistência social no Brasil e as rotas de reprodução
das desigualdades de gênero. Disponível em
http://www.ipea.gov.br/code2011/chamada2011/pdf/area2/area2-artigo29.pdf. Acessado
em 19 de outubro de 2015.
MOORE, Raymond S. Research and Common Sense: Therapies for Our Homes and
Schools. Teachers College Record Volume 84 Number 2, 1982, p. 355-377.
MOORE, Raymond S.; MOORE, Dennis R.; MOORE, Dorothy N. Better Late Than
Early: A New Approach to Your Child's Education. Reader's Digest Association; 1st
edition (August 1989).
NUSSBAUM, Martha C. Objectification. Philosophy and Public Affairs; Fall 1995; 24,
4; Research Library Core, pg. 249-291.
OLIVEIRA, Lucia Maria Pesce de; LEITE, Maria Tereza Meirelles. Concepções
pedagógicas. Especialização em saúde da família. Modalidade a distância. Módulo
pedagógico. São Paulo: Unifesp, 2011.
RIBEIRO, Renata. Cursos livres são mais procurados do que os autorizados pelo MEC.
Disponível em http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2012/09/cursos-livres-sao-
mais-procurados-do-que-os-autorizados-pelo-mec.html. Acesso em 19 de agosto de
2015.
RICHMAN, Sheldon. Separating School & State. How to liberate America´s families.
The future of freedom foundation: 1995.
RUBIN, Edward. Soul, Self, and Society: New Morality and the Modern State. Oxford
University Press; 1 edition (March 13, 2015).
SAMUEL, Ana. New Family Structures Research and the “No Differences” Claim.
Disponível em http://www.familystructurestudies.com/files/NFSS-summary-
20120809.pdf. Acesso em 16 de outubro de 2015.
WOODDY, Carrol H. Education and propaganda. The Annals of the American Academy
of Political and Social Science. Vol. 179, Pressure Groups and Propaganda (May, 1935),
pp. 227-239.
i
A tradução dos Princípios do Rio consta do Apêndice 2 deste livro.
ii
Tradução realizada por João Paulo Magalhães Arumaa e revisada pelo autor.
iii
Aquarela. Toquinho. Álbum: Aquarela, 1983.
iv
“Não precisamos de nenhuma educação
Não precisamos de controle mental
Chega de humor negro na sala de aula
Professores, deixem as crianças em paz
Ei! Professores! Deixem essas crianças em paz!
Tudo era apenas um tijolo no muro
Todos são somente tijolos na parede”
Another Brick in the Wall é uma faixa do álbum The Wall, da banda inglesa Pink Floyd. A letra e a tradução
estão disponíveis no site http://www.vagalume.com.br/pink-floyd/another-brick-in-the-wall-traducao.html,
acessado em 14 de agosto de 2015.
v
Lista feita pela revista Rolling Stone em 2004. Disponível em
http://web.archive.org/web/20080621075825/http://www.rollingstone.com/news/coverstory/500songs/pag
e/4, acessado em 14 de agosto de 2015.
vi
Um exemplo nítido dessa confusão entre instrução e escolarização é a intepretação doutrinária geralmente
feita do art. 246 do Código Penal (“Abandono intelectual Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à
instrução primária de filho em idade escolar: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa”), por
meio da qual “deixar de prover a instrução” torna-se, num passe de mágica, “deixar de matricular na
escola”.
vii
Vide, a esse respeito, a obra “Professor não é educador”, de Armindo Moreira (Ed. Edesio, 2013).
viii
Essa pluralidade semântica é bem demonstrada pela existência dos seguintes sinônimos do termo
“educação”: “instrução, ensino, disciplinamento; preparação, adaptação: ‘Educação disciplinar e sólida’
(E. Cunha). Civilidade, polidez, delicadeza, urbanidade, cortesia” FERNANDES, Francisco. Dicionário de
sinônimos e antônimos da Língua Portuguesa, p. 294. Editora Globo: Porto Alegre, 1974.
ix
“Nenhuma área do desenvolvimento tem inspirado tanto otimismo quanto a educação. Planejadores e
políticos igualmente, no Sul ou no Norte, têm consistentemente chamado a atenção para o potencial do
investimento educacional para promover ativamente tanto o desenvolvimento nacional quanto o pessoal.
Educação tem sido universalmente retratada como sinônimo de progresso e a falta de educação com atraso.”
(HALL, Anthony L; MIDGLEY, James. Social Policy for Development, p. 142. Londres: SAGE, 2004.)
x
Para o filósofo Immanuel Kant, a educação seria a própria condição para a existência do ser humano como
tal: “O homem só pode tornar-se homem pela educação. Ele é simplesmente o que a educação faz dele.”
(Kant on education, § 7. Boston: D.C. Heath & Co., publishers, 1900.)
xi
KUMAR, Satish; Sajjad, AHMAD. Meaning, aims and process of education. Disponível em
https://sol.du.ac.in/Courses/UG/StudyMaterial/16/Part1/ED/English/SM-1.pdf, acessado em 14 de agosto
de 2015.
xii
A palavra “educação” vem do latim educativo, que significa não apenas “educação, instrução”, mas
também “ação de criar, alimentar; alimentação; criação; cultura”. É significativo ainda que a palavra
educator, que deu origem a “educador” significa “aquele que cria, alimenta; pai; o que faz as vezes de pai.
Aio; preceptor”. Por fim, educo significa “conduzir para fora; fazer sair; tirar de” (TORRINHA, Francisco.
Dicionário Latino-Português, p. 278. Porto: Edições Maranus, 1945).
xiii
MIALARET, Gaston. Introdução à pedagogia, p. 12. São Paulo: Atlas, 1977.
216
xiv
Nesse sentido, entende a Lei de Diretrizes e Bases da Educação: “A educação abrange os processos
formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”
(Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, art. 1º, caput).
xv
Cf. KUMAR, Satish; Sajjad, AHMAD. Op. cit., p. 6.
xvi
A educação também é vista como um processo bipolar (relação entre dois sujeitos – educador e educando)
e excepcionalmente até mesmo unipolar, em que a transformação interior da pessoa é conduzida apenas por
ela mesma.
xvii
SCRIBNER, Sylvia; COLE, Michael. Cognitive Consequences of Formal and Informal Education.
Science, New Series, Vol. 182, No. 4112, (Nov. 9, 1973), p. 555 (tradução livre).
xviii
A educação informal é indistinguível da vida cotidiana da criança, tanto que é muitas vezes considerada
como sinônimo de socialização e de criação. Nesse sentido, está sempre presente na vida da criança, ao
contrário da educação formal, que pode ou não estar presente. Aliás, a educação informal atua mesmo
quando a criança é submetida à educação formal.
xix
Cf. idem, p. 556.
xx
De acordo com Carlos Rodrigues Brandão, existem quatro sentidos para a expressão “educação popular”:
“1) como a educação da comunidade primitiva anterior à divisão social do saber; 2) como a educação do
ensino público; 3) como educação das classes populares; 4) como a educação da sociedade igualitária.” (O
que é educação popular, p. 5. Disponível em:
http://sitiodarosadosventos.com.br/livro/images/stories/anexos/o_que_ed_popular.pdf. Acessado em 19 de
agosto de 2015.
xxi
“Os cursos de educação à distância que não precisam da certificação do Ministério da Educação e não
dão diploma, os chamados cursos livres, estão sendo mais procurados do que os autorizados pelo MEC.”
(RIBEIRO, Renata. Cursos livres são mais procurados do que os autorizados pelo MEC. Disponível em
http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2012/09/cursos-livres-sao-mais-procurados-do-que-os-
autorizados-pelo-mec.html. Acesso em 19 de agosto de 2015).
xxii
A classificação da educação não formal foi retirada de CARRON, Gabriel; CAR-HILL, Roy A. Non-
formal education: information and planning issues. International Institute for Educational Planning – IIEP
(established by UNESCO). Paris: IIEP, 1991. Disponível em
http://www.unesco.org/education/pdf/26_39.pdf. Acessado em 19 de agosto de 2015.
xxiii
Quadro baseado em SMITH, M. K. (2001). ‘What is non-formal education?’ The encyclopaedia of
informal education. Disponível em http://infed.org/mobi/what-is-non-formal-education/. Acessado em 2 de
outubro de 2015.
xxiv
LIBÂNEO, José Carlos. Didática, p. 23. São Paulo: Cortez, 1994.
xxv
Idem, ibidem. O próprio autor reconhece mais a frente que é possível instruir sem educar. É a situação
em que os conteúdos de uma matéria sejam aprendidos sem a intenção de utilizá-los na vida real. Por óbvio,
qualquer instrução que esteja subordinada à educação, que não vise à vida concreta, torna-se destituída de
qualquer finalidade concreta e termina por se reduzir ao mero entretenimento ou mesmo diletantismo, como
é o caso da leitura efetuada apenas como forma de passatempo.
xxvi
Idem, ibidem.
xxvii
Espécies de ensino. ARCHAMBALT, Reginald D. Educação e análise filosófica, p. 189-201. São
Paulo: Saraiva, 1979.
xxviii
ABAGNANNO, N. Dicionário de Filosofia, p. 71. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1982.
xxix
Etimologicamente, cultura tem o sentido de cultivar, e até hoje é sinônimo de agricultura.
xxx
Depois de vistas essas definições, fica bem nítida a impertinência da denominação “Ministério da
Educação”, uma vez que a área de atuação desse órgão não envolve a educação como um todo, mas apenas
a educação formal provida pelas escolas.
xxxi
“Sistemas educacionais em si mesmo são, em certo sentido, ideologias. Eles racionalizam a realidade
em termos modernos e removem as explicações sagradas e primordiais da natureza e organização social e
de conhecimento em sociedades modernas. Eles são, presumivelmente, os efeitos da reorganização da
sociedade moderna em torno do individualismo secular, que é o tem principal de Marx e Weber.” (MEYER,
John W. The effects of education as an institution. The American Journal of Sociology, Vol. 83, No. 1 (Jul.,
1977), p. 66 – tradução livre).
xxxii
“A educação [escolarizada] é um poderoso mito na sociedade moderna. Os mitos devem seus efeitos
não ao fato de os indivíduos acreditarem neles, mas ao fato de que eles “sabem” que todos os demais
acreditam, e portanto, “para todos os propósitos práticos” os mitos são verdadeiros. Nós podemos fofocar
privadamente a respeito da inutilidade da educação [escolarizada], mas, nas contratações e promoções, em
consultando os vários magos do nosso tempo e em organizando nossas vidas contemporâneas
217
racionalmente, nós fazemos nossa parte em um drama no qual a educação é autoridade”. (Idem, p. 76 –
tradução livre).
xxxiii
“Educação [escolarizada] é, como tem sido frequentemente percebido, uma religião secular nas
sociedades modernas. Como as religiões fazem, isso provê um cálculo legitimador da competência dos
cidadãos, da autoridade das elites, e as fontes de adequação do sistema social para manter a si mesmo em
tempos de incerteza”. (Idem, p. 72 – tradução livre).
xxxiv
“A escolarização vista de uma perspectiva dos processos educacionais que põe em funcionamento tem
duas marcas principais: a obrigatoriedade e a linha de ação restrita ao ensino‐aprendizagem.” (CORRÊA,
Guilherme Carlos. EJA, educação e escolarização, p. 4. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.)
xxxv
SEMERARO, Giovanni. Intelectuais “orgânicos” em tempos de pós-modernidade. Cad. Cedes,
Campinas, vol. 26, n. 70, p. 373-391, set./dez. 2006, p; 377-378.
xxxvi
Cf. GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da
aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997, obra que deu origem ao termo.
xxxvii
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação, p. 47. São Paulo: Moderna, 2006.
xxxviii
De acordo com Althusser, a escola substituiu as igrejas como o principal aparelho ideológico do Estado.
Cf. sua obra seminal, ALTHUSSER, Louis P. Aparelhos Ideológicos de Estado. 7ª ed. Rio de Janeiro:
Graal, 1998.
xxxix
É preciso diferenciar propaganda de publicidade. A despeito de ambas terem por objeto a indução de
determinados comportamentos, a propaganda tem um escopo mais amplo, pois busca definir uma ampla
gama de comportamentos do destinatário, enquanto que a publicidade busca apenas induzir os destinatários
a se tornarem consumidores de terminados produtos ou serviços.
xl
Nesse sentido, vide PALMER, R. Roderick: “Se educação pode ser distinguida de doutrinação é uma
questão que tem sido muito discutida” (tradução livre) in Education and indoctrination. Peabody Journal of
Education. Volume 34, Issue 4, 1957, p. 224. Carrol H. Wooddy chega a afirmar simplesmente que
“educação lida com a instrução das crianças e jovens; e propaganda consiste nos esforços para modificar a
comportamento de adultos” (tradução livre) in Education and propaganda. The Annals of the American
Academy of Political and Social Science. Vol. 179, Pressure Groups and Propaganda (May, 1935), pp. 227.
xli
Adaptado de Indoctrination & Propaganda vs. Education. Disponível em http://freedom-
school.com/truth/think.htm. Acessado em 5 de outubro de 2015.
xlii
Cf. SULLIVAN, Laurie. Agents of socialization. Disponível em
http://pop.goffstown.k12.nh.us:8100/~lsullivan/Ms._Sullivans_Site/Sociology_files/Agents%20of%20So
cialization.pdf. Acessado em 5 de outubro de 2015.
xliii
Por sua vez, a andragogia seria a ciência da educação dos adultos.
xliv
“Este termo que na sua origem significava a prática ou a profissão do educador passou em seguida a
significar qualquer teoria sobre a educação: entendendo por teoria não só uma elaboração ordenada e
generalizada das modalidades e das possibilidades da educação mas também uma reflexão ocasional ou um
pressuposto qualquer da prática educativa”. Abbagnano, op. cit., p. 717.
xlv
A classificação a seguir foi retirada integralmente de OLIVEIRA, Lucia Maria Pesce de; LEITE, Maria
Tereza Meirelles. Concepções pedagógicas. Especialização em saúde da família. Modalidade a distância.
Módulo pedagógico.
xlvi
Família é uma faixa do álbum Cabeça Dinossauro, de 1984, da banda brasileira Titãs. A letra está
disponível no site http://www.letras.mus.com.br, acessado em 15 de outubro de 2015.
xlvii
Situação ambígua ainda bastante comum nas casas de classe média e alta no Brasil diz respeito à
empregada doméstica, que além de ter uma relação de trabalho com a família, muitas vezes é considerada
como parte dessa família. “Destaca-se a frase ‘fulana é como um membro da família’ cujo efeito ideológico
para a empregada é a adesão ao ritmo e forma de viver da família e do ponto de vista da patroa é que ela
torna possível a aceitação de uma pessoa socialmente estranha dentro da casa, compartilhando o cotidiano
da família.” BRITO, Marcelo. Empregadas domésticas: intimidade e distanciamento nas relações de
trabalho. Disponível em
http://unimontes.br/arquivos/2012/geografia_ixerg/eixo_politica_meio_ambiente/empregadas_domesticas
_intimidade_e_distanciamento_nas_relacoes_de_trabalho.pdf. Acessado em 15 de outubro de 2015.
xlviii
“A criança humana precisa de proteção dos pais por um período muito mais longo do que todos os
outros jovens animais, inclusive os chimpanzés mais evoluídos. Por isso, nenhuma cultura poderia perdurar
sem que o ato de reprodução (ou seja, acasalamento, gravidez e nascimento) não estiver ligado com o fato
do parentesco legalmente constituído, isto é, um relacionamento no qual o pai e a mãe devem cuidar dos
filhos por um longo período e, em retorno, receber certos benefícios derivados dos cuidados e dos
problemas assumidos” (tradução livre). MALINOWISKI, Bronisław. A scientific theory of culture. Chapel
Hill: University of North Carolina, 1944, p. 99.
218
xlix
Percebe-se claramente a relação feita pelo IBGE entre família e domicílio. Esse e outros conceitos
adotados pelo instituto estão disponíveis em
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/conceitos.shtm.
Acessado em 15 de outubro de 2015.
l
Os resultados dessa pesquisa constam do site http://www.familystructurestudies.com/. Acessado em 16 de
outubro de 2015.
li
Frequência de uso de maconha nos últimos 12 meses, em média (1-6: 1 = Nunca, 6 = quase diariamente).
lii
Frequência de uso de cigarro nos últimos 12 meses, em média (1-6: 1 = Nunca, 6 = quase diariamente).
liii
Número de vezes preso, em média (1-4: 1 = Nunca, 4 = inúmeras vezes).
liv
Número de vezes que se declarou culpado de um delito grave, em média, (1-4: 1 = nunca, 4 = inúmeras
vezes).
lv
Esse tipo de família ainda tem os maiores índices de: a) percepção de segurança pelas crianças; b)
qualidade do relacionamento atual; c) identificação integralmente heterossexual; e os menores índices de:
a) suicídio (neste caso, empatada com o pai ou mãe solteira); b) utilização de terapia; c) depressão; d) toques
sexuais por adultos; e) estupro; f) doenças sexualmente transmissíveis; g) número de vezes em que
considerou o relacionamento atual problemático; h) parceiros femininos para as mulheres; i) parceiros
masculinos para as mulheres; e j) parceiros masculinos para os homens.
lvi
SAMUEL, Ana. New Family Structures Research and the “No Differences” Claim. Disponível em
http://www.familystructurestudies.com/files/NFSS-summary-20120809.pdf. Acesso em 16 de outubro de
2015.
lvii
Values in Australian society. Disponível em
lviii
Vide, a esse respeito, DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Volume 5. Direito de
Família, p. 9-15.
lix
O Código Civil, art. 1723, também realiza essa distinção, referindo-se a entidade familiar apenas quando
trata de união estável.
lx
Exemplo dessa diferença está no art. 1790 do Código Civil, que prevê regime sucessório específico para
o caso de união estável.
lxi
Tendo em vista a quase total identidade entre os dois termos, e em consonância com a doutrina
majoritária, daqui pra frente o termo “família” passará a englobar também “entidade familiar”.
lxii
A despeito de a CF reconhecer apenas a “união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”
(art. 226, § 3º), o Supremo Tribunal Federal ampliou o conceito do termo, ao admitir a validade jurídica de
uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo (Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, julgadas em 4 de maio de 2011).
lxiii
Utiliza-se aqui o tradicional cânone de interpretação constitucional segundo o qual o texto da CF deve
ser interpretado de forma conjunta, evitando a formação de contradições lógicas entre seus dispositivos.
Reconhece-se, porém, as limitações desse método, inclusive por pressupor implicitamente a presença de
legislador único e onisciente, somente possível em textos de caráter religioso, desprezando a realidade de
uma junção, muitas vezes incoerente, de posicionamento políticos definidos em diferentes épocas por
grupos absolutamente diversos de pessoas.
lxiv
Curso de Direito Civil, vol. 6, 4º edição, p. 45. Salvador: Editora Juspodium, 2012.
lxv
FARIAS e ROSENVALD, p. 47-48.
lxvi
Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.
Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou
impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.
(...)
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: (...)
lxvii
Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do
que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer
à autoridade judiciária competente para a solução da divergência
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes
ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
lxviii
Enquanto que a autonomia constitui-se em um poder subordinado a outro, a supremacia consiste em um
poder que não é limitado por outro.
lxix
Derecho Administrativo. Temas Fundamentales. Tercera edicion, p. 59 (tradução livre).
lxx
A Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, acrescentou ao art. 5º da CF o § 3º, que
dispôs: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada
Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
219
equivalentes às emendas constitucionais”. Até o momento, o único ato aprovado com base nessa norma foi
a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
lxxi
Em consonância com esses tratados internacionais, diversas constituições definiram família de forma
semelhante à brasileira. Vide, por exemplo, a constituição do Afeganistão (“A família é o principal pilar da
sociedade (...)), de Andorra (“(...) a família é a fundação básica da sociedade) e de Angola (“A família é o
núcleo básico da organização social (...)”). Lista completa de países disponível em
http://worldfamilydeclaration.org/assets/translations/WFD.German.2014.03.28.pdf. Acessado em 19 de
outubro de 2015.
lxxii
The Three Political Economies of the Welfare State. Princeton University Press (January 23, 1990).
lxxiii
Essas definições foram retiradas da versão em Português do primeiro capítulo do livro: As três
economias políticas do welfare state. Lua Nova nº 24 São Paulo Sept. 1991, p. 85-126.
lxxiv
Resolução nº 33, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Assistência Social.
lxxv
POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – PNAS, aprovada pelo Conselho Nacional de
Assistência Social por intermédio da Resolução n. 145, de 15 de outubro de 2004, e publicado no Diário
Oficial da União – DOU do dia 28 de outubro de 2004. O PNAS ainda dispõe sobre a matricialidade familiar
no seguinte sentido: “Por reconhecer as fortes pressões que os processos de exclusão sociocultural geram
sobre as famílias brasileiras, acentuando suas fragilidades e contradições, faz-se primordial sua centralidade
no âmbito das ações da política de assistência social, como espaço privilegiado e insubstituível de proteção
e socialização primárias, provedora de cuidados aos seus membros, mas que precisa também ser cuidada e
protegida. Essa correta percepção é condizente com a tradução da família na condição de sujeito de direitos,
conforme estabelece a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei
Orgânica de Assistência Social e o Estatuto do Idoso. A família, independentemente dos formatos ou
modelos que assume é mediadora das relações entre os sujeitos e a coletividade, delimitando,
continuamente os deslocamentos entre o público e o privado, bem como geradora de modalidades
comunitárias de vida” (p.25).
lxxvi
A família como centralidade nas políticas públicas: a constituição da agenda pública da assistência
social no Brasil e as rotas de reprodução das desigualdades de gênero. Disponível em
http://www.ipea.gov.br/code2011/chamada2011/pdf/area2/area2-artigo29.pdf. Acessado em 19 de
outubro de 2015.
lxxvii
Educação De Hoje Em Dia é uma música do cantor brasileiro Raone. A letra está disponível no site
http://letras.mus.br/raone/educacao-de-hoje-em-dia/, acessado em 15 de outubro de 2015.
lxxviii
Essa última denominação foi sugerida por Édison Prado de Andrade em sua tese de doutorado A
educação familiar desescolarizada como um direito da criança e do adolescente: relevância, limites e
possibilidades na ampliação do direito à educação. São Paulo: USP, 2014.
lxxix
Mesmo considerando-se especificamente a preparação para o mercado de trabalho, apenas a instrução
(transmissão de conhecimentos) é claramente insuficiente. Hoje, é majoritária na ciência da Administração
a concepção de que a atuação competente no mercado de trabalho requer não apenas conhecimentos, mas
também, e principalmente, habilidades (relacionadas a “saber fazer”) e atitudes (relacionadas a “querer
fazer”). Estes últimos fatores são adquiridos por meio da educação e não da instrução.
lxxx
Pedagogía. La Habana: Pueblo y Educación, 1988, p. 32.
lxxxi
O dever de autoeducação não é apenas moral, mas também jurídico. Vide, a esse respeito, a Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948): “Toda pessoa tem o dever de adquirir, pelo menos,
a instrução primária”.
lxxxii
Somente aos 18 anos a pessoa adquire verdadeira liberdade laboral, pois a Constituição Federal
estabelece a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer
trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos” (art. 7º, inc.
XXXIII).
lxxxiii
Este ponto será desenvolvido com mais detalhes à frente.
lxxxiv
ROTHERMEL, Paula (ed.). International perspectives on home education. Do we still need schools?
NY: Palgrave Macmillan, 2015, p. 213-214. As fases foram estabelecidas em decorrência de uma pesquisa
empírica em Israel.
lxxxv
Cf. HOLT, John; FARENGA, Pat. Teach Your Own: The John Holt Book Of Homeschooling. Da Capo
Press; First Paperback Edition (April 2003).
lxxxvi
Essa classificação foi obtida em KOCHENDERFER, Rebecca; KANNA, Elizabeth; KIYOSAKY,
Robert T. Homeschooling for Success: How Parents Can Create a Superior Education for Their Child.
Grand Central Publishing (July 1, 2002).
lxxxvii
ROTHERMEL, Paula (ed.). International perspectives on home education. Do we still need schools?
NY: Palgrave Macmillan, 2015, p. 45.
lxxxviii
Idem, p. 91-92. A classificação foi baseada em uma pesquisa empírica norueguesa.
220
lxxxix
Esta e as próximas classificações foram obtidas em How Have Scholars Divided Homeschoolers into
Groups? Disponível em http://www.responsiblehomeschooling.org/homeschooling-101/how-have-
scholars-divided-homeschoolers-into-groups/. Acessado em 13 de novembro de 2015.
xc
GALEN, Jane Van; PITMAN, Mary Anne. Home Schooling: Political, Historical, and Pedagogical
Perspectives, p. 66-67. Norwood: Ablex Publishing Corporation, 1991.
xci
Idem, p. 72-75.
xcii
Cf. MOORE, Raymond S.; MOORE, Dennis R.; MOORE, Dorothy N. Better Late Than Early: A New
Approach to Your Child's Education. Reader's Digest Association; 1st edition (August 1989).
xciii
De forma bastante semelhante às classificações anteriores, Milton Gaither classifica as famílias mais
conservadoras como “de comunidade fechada” e as famílias mais progressistas como “de comunidade
aberta”. Cf. Homeschool: An American History. Palgrave Macmillan; First Edition edition (June 15, 2008).
xciv
Cf. LOIS, Jennifer. Home Is Where the School Is: The Logic of Homeschooling and the Emotional Labor
of Mothering. NYU Press (December 17, 2012).
xcv
Cf. a respeito, MOORE, Raymond S. Research and Common Sense: Therapies for Our Homes and
Schools. Teachers College Record Volume 84 Number 2, 1982, p. 355-377.
xcvi
Cf. JEUB, Chris. Why Parents Choose Home Schooling. September 1994 | Volume 52 | Number 1 The
New Alternative Schools Pages 50-52.
xcvii
ANDRADE, Édison Prado de. A educação familiar desescolarizada como um direito da criança e do
adolescente: relevância, limites e possibilidades na ampliação do direito à educação. Tese (Doutorado em
Educação). Universidade de São Paulo.
xcviii
Skank. Indignação. Disponível em https://letras.mus.br/skank/72885/. Acessado em 13 de novembro de
2015.
xcix
A Carta das Nações Unidas, ou carta de São Francisco, de 1945, é o acordo que estabelece a Organização
das Nações Unidas. Logo no início, a Carta dispõe:
“CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS
NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS
a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe
sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade
e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações
grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes
de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos” (grifou-se)
c
“Os Estados Partes do presente Pacto,
Considerando que, em conformidade com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas, o
reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e
inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,
Considerando que, de acordo com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas, a liberdade, a
justiça e a paz no mundo se fundamentam no reconhecimento da dignidade inerente e dos direitos iguais e
inalienáveis de todos os membros da família humana;
Tendo em conta que os povos das Nações Unidas reafirmaram na carta sua fé nos direitos fundamentais do
homem e na dignidade e no valor da pessoa humana e que decidiram promover o progresso social e a
elevação do nível de vida com mais liberdade;
(...)
Considerando que a criança deve estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade e
deve ser educada de acordo com os ideais proclamados na Cartas das Nações Unidas, especialmente com
espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade;
221
(...)
Artigo 23
1. Os Estados Partes reconhecem que a criança portadora de deficiências físicas ou mentais deverá desfrutar
de uma vida plena e decente em condições que garantam sua dignidade, favoreçam sua autonomia e
facilitem sua participação ativa na comunidade.
(...)
Artigo 28
(...)
2. Os Estados Partes adotarão todas as medidas necessárias para assegurar que a disciplina escolar seja
ministrada de maneira compatível com a dignidade humana da criança e em conformidade com a presente
convenção.
(...)
Artigo 37
Os Estados Partes zelarão para que:
(...)
c) toda criança privada da liberdade seja tratada com a humanidade e o respeito que merece a dignidade
inerente à pessoa humana, e levando-se em consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade. Em
especial, toda criança privada de sua liberdade ficará separada dos adultos, a não ser que tal fato seja
considerado contrário aos melhores interesses da criança, e terá direito a manter contato com sua família
por meio de correspondência ou de visitas, salvo em circunstâncias excepcionais;
(...)
Artigo 39
Os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para estimular a recuperação física e psicológica
e a reintegração social de toda criança vítima de qualquer forma de abandono, exploração ou abuso; tortura
ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; ou conflitos armados. Essa recuperação
e reintegração serão efetuadas em ambiente que estimule a saúde, o respeito próprio e a dignidade da
criança.
Artigo 40
1. Os Estados Partes reconhecem o direito de toda criança a quem se alegue ter infringido as leis penais ou
a quem se acuse ou declare culpada de ter infringido as leis penais de ser tratada de modo a promover e
estimular seu sentido de dignidade e de valor e a fortalecer o respeito da criança pelos direitos humanos e
pelas liberdades fundamentais de terceiros, levando em consideração a idade da criança e a importância de
se estimular sua reintegração e seu desempenho construtivo na sociedade.
civ
Os Estados Partes da presente Convenção,
a) Relembrando os princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, que reconhecem a dignidade e o
valor inerentes e os direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana como o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,
(...)
h) Reconhecendo também que a discriminação contra qualquer pessoa, por motivo de deficiência, configura
violação da dignidade e do valor inerentes ao ser humano,
(...)
y) Convencidos de que uma convenção internacional geral e integral para promover e proteger os direitos
e a dignidade das pessoas com deficiência prestará significativa contribuição para corrigir as profundas
desvantagens sociais das pessoas com deficiência e para promover sua participação na vida econômica,
social e cultural, em igualdade de oportunidades, tanto nos países em desenvolvimento como nos
desenvolvidos,
(...)
Artigo 1
Propósito
O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos
os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito
pela sua dignidade inerente.
(...)
Artigo 3
Princípios gerais
Os princípios da presente Convenção são:
a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias
escolhas, e a independência das pessoas;
(...)
Artigo 8
222
Conscientização
1.Os Estados Partes se comprometem a adotar medidas imediatas, efetivas e apropriadas para:
a) Conscientizar toda a sociedade, inclusive as famílias, sobre as condições das pessoas com deficiência e
fomentar o respeito pelos direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência;
(...)
Artigo 16
Prevenção contra a exploração, a violência e o abuso
(...)
4.Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para promover a recuperação física, cognitiva e
psicológica, inclusive mediante a provisão de serviços de proteção, a reabilitação e a reinserção social de
pessoas com deficiência que forem vítimas de qualquer forma de exploração, violência ou abuso. Tais
recuperação e reinserção ocorrerão em ambientes que promovam a saúde, o bem-estar, o autorrespeito, a
dignidade e a autonomia da pessoa e levem em consideração as necessidades de gênero e idade.
(...)
Artigo 24
Educação
1.Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação. Para efetivar esse direito
sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema
educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida, com os
seguintes objetivos:
a) O pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e autoestima, além do
fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela diversidade
humana;
(...)
Artigo 25
Saúde
Os Estados Partes reconhecem que as pessoas com deficiência têm o direito de gozar do estado de saúde
mais elevado possível, sem discriminação baseada na deficiência. Os Estados Partes tomarão todas as
medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso a serviços de saúde, incluindo os
serviços de reabilitação, que levarão em conta as especificidades de gênero. Em especial, os Estados Partes:
(...)
d) Exigirão dos profissionais de saúde que dispensem às pessoas com deficiência a mesma qualidade de
serviços dispensada às demais pessoas e, principalmente, que obtenham o consentimento livre e esclarecido
das pessoas com deficiência concernentes. Para esse fim, os Estados Partes realizarão atividades de
formação e definirão regras éticas para os setores de saúde público e privado, de modo a conscientizar os
profissionais de saúde acerca dos direitos humanos, da dignidade, autonomia e das necessidades das pessoas
com deficiência;
cv
“PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE
DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS
TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica
(art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o
caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no
ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status
normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna
inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de
adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim
como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002).”
(RE 349703 / RS, julgado em 3.12.2008)
cvi
“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
cvii
SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade humana. Revista Brasileira de Direito
Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007, p. 383.
cviii
Essa classificação e o respectivo quadro consta de BAETS, Antoon. A successful utopia: the doctrine
of human dignity. Disponível em
http://ejournals.epublishing.ekt.gr/index.php/historein/article/view/2141/1981. Acessado em 28 de janeiro
de 2016.
223
cix
NUSSBAUM, Martha C. Objectification. Philosophy and Public Affairs; Fall 1995; 24, 4; Research
Library Core, pg. 249-291.
cx
Ontologia é o ramo da Filosofia das propriedades gerais do ser.
cxi
“Para efeitos da presente Convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito
anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada
antes.” (Artigo 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança) O Estatuto da Criança e do Adolescente faz
delimitação diversa: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.” (art. 2°). Nesta obra, será utilizada
a definição da Convenção sobre os Direitos da Criança.
cxii
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” É notável
aliás que o direito à dignidade seja conferido expressamente pela CF apenas à criança, ao adolescente, ao
jovem (art. 227) e ao idoso (art. 230), ou seja, a pessoas em condições etárias que as colocam em situação
de maior vulnerabilidade frente às demais.
cxiii
ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. O princípio fundamental da dignidade humana e sua
concretização judicial. Disponível em
http://www.tjrj.jus.br/institucional/dir_gerais/dgcon/pdf/artigos/direi_const/o_principio_fundamental_da_
dignidade_humana_e_sua_concretizacao_judicial.pdf. Acessado em 3 de dezembro de 2015.
cxiv
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo, p. 331. São Paulo: Companhia de Bolso, 2012.
cxv
Cf. JORDAAN, Donrich W. Autonomy as an Element of Human Dignity in South African Case Law.
The Journal of Philosophy, Science & Law. Volume 9, September 8, 2009, p. 3-4.
cxvi
LANSDOWN, Garison. The evolving capacities of the child. UNICEF. Innocenti Research Centre.
cxvii
DALLARI, Dalmo de Abreu; KORCZAK, Janusz. O direito da criança ao respeito, p. 85/90. São Paulo:
Summus, 1986.
cxviii
Cf., a esse respeito, BOBBIO, Norberto. A Era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
cxix
GIENSINGER, Johannes. Dignity and Education. Presentation at the Conference “Encountering
Children - Dignity, Autonomy, and Care”, June 9, 2011, University of Zurich.
cxx
“(...) é plausível que alguns tipos de valores, que nós podemos desfrutar plenamente como crianças são,
no caso da maioria das pessoas, diferentes daqueles que podemos desfrutar como adultos. À medida em
que nos transformamos em adultos melhoraram nossos conhecimentos e habilidades: Nós acumulamos
experiência e ganhar melhor controle de nossas emoções. Assim, tornamo-nos capazes de plena atuação
moral. Além disso, nos tornamos mais intencionais e adquirimos as habilidades necessárias para perseguir
os nossos objetivos de forma eficaz e, portanto, novos tipos de conquistas tornam-se disponíveis para nós.
Ao mesmo tempo, na transição para a vida adulta perdemos, em média, não apenas habilidades físicas
desejáveis, tais como agilidade e flexibilidade, mas também a maior parte da plasticidade mental,
imaginação, curiosidade e viva percepção, por vezes, sinestésica do mundo (ou seja, uma capacidade de
experimentar o mundo através de mais de um sentido de cada vez). No processo, a capacidade de imaginar
radicalmente diferentes mundos e as habilidades filosóficas e artísticas que tínhamos quando crianças é, em
média, perdida ou pelo menos diminuída em muito. Por conseguinte, a mudança da infância à idade adulta
não pode, em todos os sentidos ser tanto progresso - como a visão de ‘crianças como adultos inacabadas’
teria - ou regressão – como sugerida pela visão de adultos como crianças defeituosas.’ Pelo contrário, é
uma transformação de um tipo de intrinsecamente valioso ser humano a um diferente tipos intrinsecamente
valioso do ser humano.” (GHEAUS, Anca. Unfinished Adults and Defective Children: On the Nature and
Value of Childhood. Journal of Ethics & Social Philosophy vol. 9 no. 1 February 2015, 1-21.)
cxxi
É indispensável que a criança saiba como aquele conteúdo deve ser integrado em sua realidade atual e
futura. A ausência de justificação para a aquisição de determinado conhecimento, além de desrespeitar a
própria criança, ainda prejudica a efetiva absorção desse conhecimento. Tendo em vista o conceito de
“capacidades em evolução” da criança, quanto maior for sua maturidade intelectual, mais completa deve
ser a fundamentação da educação que ela vai receber.
cxxii
Isso pode ser realizado, por exemplo, pela adoção nos últimos anos do ensino básico de um sistema
semelhante ao existente no ensino superior, o de matérias optativas. Nesse sistema, o estudante do ensino
médio poderia escolher, dentro um rol de matérias, aquelas que ele consideraria mais pertinente.
cxxiii
Obviamente, há diversos outros meios de participação da sociedade civil na formulação de políticas
educacionais; é o caso, por exemplo, dos conselhos escolares. Nenhum deles, porém, pode ser comparado
aos sindicatos em termos de poder, estrutura, recursos financeiros e influência política.
cxxiv
ILLICH, Ivan. Deschooling society. Disponível em
http://www.arvindguptatoys.com/arvindgupta/DESCHOOLING.pdf. Acesso em 25 de janeiro de 2016.
224
cxxv
Provavelmente, o mais conhecido exemplo de escola democrática é a SummerHill School, fundada em
1921 na Inglaterra e ainda em funcionamento. Seu fundamento é a concepção de que a escola deve se
adequar ao aluno e não o contrário. Sua direção é conduzida em encontros escolares, dos quais qualquer
um pode participar, seja professor, aluno ou funcionário. Além disso, os alunos podem escolher entre
assistir ou não as aulas.
cxxvi
John Taylor Gatto chega a dizer que “a escola não ensina nada, exceto a obedecer ordens”. GATTO,
Taylor Gatto. Why Schools Don't Educate. Disponível em
http://www.naturalchild.org/guest/john_gatto.html. Acessado em 27 de janeiro de 2016.
cxxvii
O seguinte depoimento ilustra essa situação: “No início da minha educação, meus pais eram muito
dominantes, oferecendo uma tremenda quantidade orientação e ajuda na minha escolaridade. (...) Esse tipo
de atenção individualizada e apoio continuou durante toda a minha educação. (...) Conforme fui crescendo,
o papel dos meus pais mudou gradualmente, dando-me mais domínio sobre a minha educação, e cada vez
maior liberdade para escolher como e o que estudar”. GERBER, Abraham. Autonomy and education: the
case of homeschooling, p. 4 Disponível em
https://www.hamilton.edu/documents/English%20Proposal%20Sample%204.pdf. Acessado em 28 de
janeiro de 2016.
cxxviii
“Os alunos precisam receber apoio individual, porque os alunos têm habilidades diferentes e maneiras
diferentes de material de aprendizagem. Alguns alunos aprendem melhor sinestesicamente, enquanto outros
são aprendizes visuais, e por sua vez, alguns alunos prosperam na comunicação, enquanto outros prosperam
em tarefas de análise. Na sala de aula, o desafio é adotar um método ensino que ajude o maior número de
estudantes possíveis, trabalhando para garantir que todos os alunos serão incluídos no processo de
aprendizagem. No entanto, independentemente do método adotado na sala de aula, em termos de permitir
que os alunos adquiram material, orientação pedagógica individualizada será quase sempre mais eficaz do
que sala de aula, porque em um ambiente um-a-um, um professor pode calibrar às necessidades do aluno,
o método de ensino”. GERBER, Abraham. Autonomy and education: the case of homeschooling, p. 6.
Disponível em https://www.hamilton.edu/documents/English%20Proposal%20Sample%204.pdf.
Acessado em 28 de janeiro de 2016.
cxxix
“Como diria Dylan”, música de Zé Geraldo. Álbum “Estradas”, de 1980.
cxxx
Nada impede que o Estado legitimamente proíba estilos de vida ou comportamentos que prejudicam os
projetos de vidas de outras pessoas. É o caso, por exemplo, da proibição de associações criminosas.
cxxxi
Eudaimonia, geralmente traduzida como bem-estar, felicidade ou florescimento, constitui um conceito
central da ética aristotélica.
cxxxii
Vide, nesse sentido, RUBIN, Edward. Soul, Self, and Society: New Morality and the Modern State.
Oxford University Press; 1 edition (March 13, 2015).
cxxxiii
Wall, Steven, "Perfectionism in Moral and Political Philosophy", The Stanford Encyclopedia of
Philosophy (Winter 2012 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL =
<http://plato.stanford.edu/archives/win2012/entries/perfectionism-moral/>. Acessado em 12 de fevereiro
de 2016.
cxxxiv
REIDY, David A. Pluralism, liberal democracy and compulsory education. JOURNAL of SOCIAL
PHILOSOPHY, Vol. 32 No. 4, Winter 2001, 591-592. © 2001 Blackwell Publishers.
cxxxv
KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea, p. 259-263. Martins Fontes: São Paulo, 2006.
cxxxvi
Vide, a respeito, VEIGA, Ilma Passos Alencastro. (org) Projeto político-pedagógico da escola: uma
construção possível. 14a edição Papirus, 2002: “O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação
intencional, com um sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente. Por isso, todo projeto
pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso
sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária. É político no sentido de
compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade.”. Curiosamente, a Lei n° 9.394, de
1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), não menciona “projeto político-pedagógico”, mas apenas de
“proposta pedagógica” (art. 12, inc. I).
cxxxvii
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo: Autores
Associados: Cortez, 1989. (Coleção polêmicas do nosso tempo; 4)
cxxxviii
A respeito da defesa da separação entre educação e Estado, vide RICHMAN, Sheldon. Separating
School & State. How to liberate America´s families. The future of freedom foundation: 1995.
cxxxix
No caso brasileiro, existem diversas avalições, conduzidas pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), capazes de verificar a satisfação desses requisitos mínimos
no ensino fundamental e no ensino médio.
cxl
Sobre a deferência que o Estado deve ter em relação aos pais, vide BUSS, Emily. Parental rights.
PUBLIC LAW AND LEGAL THEORY WORKING PAPER N. 23, p. 10: “Uma premissa principal deste
ensaio é que um sistema legal que mostra forte deferência para com as decisões dos pais relativas à criação
225
dos filhos serve bem às crianças. A forte ligação emocional dos pais com seus filhos e um conhecimento
considerável das suas necessidades específicas fazem deles os especialistas mais qualificados para avaliar
e buscar melhores os interesses de seus filhos na maioria das circunstâncias. Em contraste, o conhecimento
do Estado e o compromisso com qualquer criança em particular é relativamente tênue. Um esquema de
fortes direitos constitucionais protege o pai especialista do intrusivo questionamento do Estado menos
especializado.”
Vide também GILLES, Stephen (1996) "On Educating Children: A Parentalist Manifesto," University of
Chicago Law Review: Vol. 63: Iss. 3, Article 2, p. 939-940: “(…) a deferência que nós estendemos às
escolhas educacionais dos pais deve se aproximar (porém, não necessariamente deve ser igual) à deferência
que nós damos às escolhas dos indivíduos adultos que digam respeito a eles mesmos. Em educação, como
nas outras áreas, uma visão abrangente pode ser vista como razoável a não ser rejeite normas morais e
políticas para as quais exista um consenso geral entre indivíduos razoáveis em nossa sociedade. Ao menos,
devemos tratar como razoáveis quaisquer visões abrangentes que reconheçam a importância do
desenvolvimento humano normal, abraça a tolerância cívica e o respeito pela lei e aquiescem a nossos
arranjos constitucionais básicos. Porque poucos pais em nossa sociedade escolherão educar seus filhos em
formas que não satisfarão esses parâmetros, o Estado raramente será capaz de justificar de se sobrepor à
autoridade educacional dos pais”.
cxli
Oração pela família. Padre Zezinho.
cxlii
Música interpretada por Zé Renato e composta por Edu Lobo.
cxliii
A importância da expressão “pleno exercício dos direitos culturais” não pode ser subestimada, uma vez
que não há nenhuma outra espécie de direitos na CF para a qual o Estado deva garantir o “pleno exercício”.
cxliv
Denomino de “faixa cultural” as manifestações culturais selecionadas pelo sistema escolar como
relevantes para fins de educação. Essa faixa necessariamente é bastante estreita, uma vez que é
concretamente impossível que seja transmitida a alguém toda a cultura já produzida pela humanidade e
mesmo apenas pela nação brasileira. Nesse sentido, previamente ao ato de educar, sempre há uma seleção
valorativa das manifestações culturais que “valem a pena” ser transmitidas às novas gerações.
cxlv
Nesse sentido, vide o art. 4.b da Declaração de Freiburg: “Ninguém deve ter uma identidade cultural
imposta ou ser assimilado em uma comunidade cultural contra a sua vontade”.
cxlvi
Isso não impede que uma criança, na medida do desenvolvimento de suas capacidades, decida
gradualmente por uma identidade cultural diversa daquela adotada pela família.
cxlvii
Retratos de um País Plural. Henrik Silva.
cxlviii
Paz de Westfália é um conjunto de tratados que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), a qual
teve como uma de suas causas os conflitos religiosos entre católicos e protestantes.
cxlix
Les six livres de la République. Édition et présentation de Gérard Mairet. Paris : Librairie générale
française, 1993, 607 pp. Le livre de poche, LP17, n° 4619. Classiques de la philosophie.
cl
Leviathan or The Matter, Forme and Power of a Common Wealth Ecclesiasticall and Civil, 1651.
Disponível em http://www.gutenberg.org/files/3207/3207-h/3207-h.htm.
cli
BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, Vol. 2, p.
1187-1188.
clii
A teoria pluralista da soberania é baseada principalmente nas ideias de Robert M. MacIver (1882-1970),
A. D. Lindsay (1879-1952), Leon Duguit (1859-1928), Harold J. Laski (1893- 1950), George Douglas
Howard Cole (1889-1959), Ernest Barker (1874-1960) e Hobhouse (1864-1929).
cliii
The pluralist theory of the state, p. 16. New York: Routledge, 1989 (tradução livre).
cliv
A respeito da teoria das esferas soberanas, vide Abraham Kuyper: a Centennial Reader – Wm. B.
Eerdmans Publishing Co. (February 13, 1998). Sobre a aplicabilidade jurídica das teses de Kuyper, vide
HORWITZ, Paul. Churches as First Amendment Institutions: Of Sovereignty and Spheres. Harvard Civil
Rights-Civil Liberties Law Review. Vol. 44, p. 79-131.
clv
HORWITZ, p. 96-97.
clvi
O preâmbulo introduz o texto constitucional, explicando o seu conteúdo. Apesar de não ser norma
jurídica, é considerado como um instrumento auxiliar de interpretação constitucional.
clvii
A respeito dessa distinção, vide WOLDRING, Henk E. S. The quest for truth and human fellowship in
a pluralist society. In: Truth matters. Essays in honor of Jacques Maritain, p. 285. Catholic University
America Pr (2004).
clviii
“A Constituição opta, pois, pela sociedade pluralista, que respeita a pessoa humana e sua liberdade, em
lugar de uma sociedade monista, que mutila os seres e engendra as ortodoxias opressivas. (...) Optar, pois,
por uma sociedade pluralista significa acolher uma sociedade conflitiva, de interesses contraditórios e
antinômicos” (SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição, p. 26. São Paulo: Malheiros,
2011)
clix
Cf., a respeito, WOLDRING, p. 285-299.
226
clx
The Universe Next Door: A Basic Worldview Catalog, 5th Edition. IVP Academic. Outra classificação é
proposta por Nancy R. Pearsey em Total Truth: Liberating Christianity from Its Cultural Captivity, p. 123-
152. Crossway Books; HARDBOUND edition (June 29, 2004).
clxi
Os primeiros a tratar da pluralidade de associações foram Johannes Althusius (1557-1638) e Alexis de
Tocqueville (1805-1859).
clxii
Cf. A study of history. Volume I: Abridgement of Volumes 1-6, p. 230. Oxford University Press, 1946.
clxiii
SILVA, p. 26-27. A obra citada de Georges Bordeau é o Traité de Science Politique, t. VII, p. 563-
564.
clxiv
Segue o teor completo do art. 1º da CF:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.
clxv
A rigor, a soberania popular é um mito construído para justificar o exercício do poder nas sociedades
democráticas ocidentais. Apenas por ficção poder-se-ia considerar que o poder supremo pertence a todas
as pessoas simultaneamente. Vide, a esse respeito, MORGAN, Edmund S. Inventing the People: The Rise
of Popular Sovereignty in England and America. W. W. Norton & Company; Reprint edition (September
17, 1989).
clxvi
Autonomia. Titãs. Composição: Marcelo Fromer / Arnaldo Antunes / Paulo Miklos.
clxvii
SILVA, p. 116.
clxviii
Sobre associações íntimas e associações expressivas, vide INAZU, John D. The Unsettling “Well-
Settled” Law of Freedom of Association. Connecticut Law Review, Volume 43, Number 1, p. 149-207.
clxix
Classificação parcialmente baseada em WOOLMAN, Stuart. Freedom of Association. Disponível em
http://www.chr.up.ac.za/chr_old/centre_publications/constitlaw/pdf/22-
freedom%20of%20Association.pdf. Acessado em 3 de outubro de 2014.
clxx
Em geral, os direitos e garantias individuais, previstos principalmente no art. 5º da CF, não têm caráter
absoluto, permitindo que se aplique parcialmente ou mesmo se deixe de aplicar um direito quando em
colisão com outro. Porém, ao afirmar que a liberdade de associação é plena, a CF conferiu maior proteção
a esse direito, impossibilitando que se faça juízo de ponderação com outros direitos e permitindo apenas
sua restrição nos casos expressamente previstos na CF. Vide, a esse respeito, o seguinte julgado do STF:
“O direito à plena liberdade de associação (art. 5º, XVII, da CF) está intrinsecamente ligado aos preceitos
constitucionais de proteção da dignidade da pessoa, de livre iniciativa, da autonomia da vontade e da
liberdade de expressão. Uma associação que deva pedir licença para criticar situações de arbitrariedades
terá sua atuação completamente esvaziada.” (HC 106.808, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 9-4-
2013, Segunda Turma, DJE de 24-4-2013.)
clxxi
“(...). Diria, até, que, sob a égide da vigente Carta Política, intensificou-se o grau de proteção jurídica
em torno da liberdade de associação, na medida em que, ao contrário do que dispunha a Carta anterior, nem
mesmo durante a vigência do estado de sítio se torna lícito suspender o exercício concreto dessa
prerrogativa. (...) Revela-se importante assinalar, neste ponto, que a liberdade de associação tem uma
dimensão positiva, pois assegura a qualquer pessoa (física ou jurídica) o direito de associar-se e de formar
associações. Também possui uma dimensão negativa, pois garante a qualquer pessoa o direito de não se
associar, nem de ser compelida a filiar-se ou a desfiliar-se de determinada entidade. Essa importante
prerrogativa constitucional também possui função inibitória, projetando-se sobre o próprio Estado, na
medida em que se veda, claramente, ao Poder Público, a possibilidade de interferir na intimidade das
associações e, até mesmo, de dissolvê-las, compulsoriamente, a não ser mediante regular processo judicial.”
(STF, ADI 3.045, voto do Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-8-2005, Plenário, DJ de 1º-6-2007.)
clxxii
Quem é você? Detonautas. A Saga Continua, 2014.
clxxiii
DINIZ, Maria Helena, p. 537.
clxxiv
Trata-se de outra evidente semelhança entre o poder familiar e o poder estatal, uma vez que a
Administração Pública também tem natureza de munus público, conforme o tradicional ensinamento de
Hely Lopes Meirelles: “A natureza da administração pública é a de um ‘munus público’ para quem a exerce,
isto é, a de um encargo de defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da
coletividade.” (Direito Administrativo Brasileiro, 18ª edição. Malheiros Editores, p. 81).
clxxv
Cf. DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 538-539.
227
clxxvi
Sobre a concepção de associações como “governos privados”, vide a definição de Roderick M. Hills,
Jr.: “(...) o termo ‘governo privado’ é usado para se referir a qualquer grupo privado que possui uma
estrutura legal e processos decisórios que permitem a seus membros, oficiais ou agentes buscar objetivos
comuns relativos à propriedade, empregados, membros ou outros constituintes da organização. Como
exemplos, tem-se as igrejas, sindicatos, empresas, associações de assistência social, grupos de
reinvindicação política e (mais controvertidamente) as famílias” (tradução livre). The constitutional rights
of private governments, p. 149. New York University Law Review. Vol.: 78:144.
clxxvii
“Pré-político” significa anterior (e independente) ao Estado. O caráter pré-político da família foi
reconhecido na Constituição Federal e nos tratados internacionais de direitos humanos ao defini-la como
“base” ou “fundamento” da sociedade. Além disso, quaisquer normas de direitos humanos, inclusive
aquelas protetivas da família, são, por sua própria natureza, de caráter pré-político, uma vez que
independem do reconhecimento estatal para existirem. Vide a esse respeito, GAVISON, Ruth. On the
relationships between civil and political rights, and social and economic rights. Disponível em
http://archive.unu.edu/unupress/sample-chapters/ghr-chapter1.pdf. Acessado em 7 de outubro de 2014. Por
outro lado, o caráter pré-político da família tem sido duramente questionado por diversos doutrinadores
ligados ao feminismo. O mais influente desses questionamentos foi realizado por Catherine MacKinnon
em Toward a Feminist Theory of the State, Cambridge, MA: Harvard University Press, 1989.
clxxviii
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
II - tê-los em sua companhia e guarda;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou
o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em
que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
clxxix
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes
ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
clxxx
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o
dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
clxxxi
DINIZ, Maria Helena, p. 542.
clxxxii
FARIAS e ROSENVALD, p. 156-158.
clxxxiii
A motivação é um dos princípios da Administração Pública e requer, para qualquer ato administrativo,
a exposição dos fundamentos de fato e de direito (Lei nº 9.784, de 26 de janeiro de 1999, art. 2º).
clxxxiv
Vide, nesse sentido, o art. 50, inc. I, da Lei nº 9.784, de 1999, in verbis: “Os atos administrativos
deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando neguem, limitem ou
afetem direitos ou interesses”.
clxxxv
É comum a invocação, pela doutrina administrativa brasileira, de um “princípio da veracidade dos atos
administrativos”, que eximiria a Administração Pública de demonstrar o fundamento de seus atos. Porém,
esse “princípio”, deve “ser considerado como não recebido pela Constituição redemocratizadora de 1988,
especialmente em face dos princípios da motivação e da presunção de inocência” (ARAGÃO, Alexandre
Santos de. Algumas notas críticas sobre o princípio da presunção de veracidade dos atos administrativos.
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 259, p. 85, jan./abr. 2012).
clxxxvi
De acordo com Donald C. Hubin, “Direitos humanos fundamentais, reconhecidos pela Constituição,
não devem, legal ou moralmente, ser suspendidos ou negados sem justa causa e devido processo legal. Isso
é especialmente importante quando esses direitos protegem importantes interesses humanos. Os direitos
dos pais são direitos humanos fundamentais reconhecidos pela Constituição. Mais ainda, eles protegem
relevantes interesses tanto dos pais quanto das crianças” (tradução livre). Parental rights and due process.
The Journal of Law and Family Studies. VOLUME 1, NUMBER 2 (1999), p. 123-150.
clxxxvii
Vide, nesse sentido, o art. 45, da Lei nº 9.784, de 1999, in verbis: “Em caso de risco iminente, a
Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia
manifestação do interessado”.
clxxxviii
A hipótese excepcional de intervenção estatal na família no caso de violência é expressamente prevista
na Constituição: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram,
criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (art. 226, § 8º). A Lei Maria da
Penha (Lei nº 11.340, de 26 de agosto de 2007), que regulamentou esse dispositivo, prevê, por exemplo, a
seguinte medida protetiva de urgência à ofendida: “afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos
direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos” (art. 23, inc. III).
228
clxxxix
O Estatuto da Criança e do Adolescente determina expressamente a utilização desse princípio na
aplicação de medidas protetivas a crianças e adolescentes: “São também princípios que regem a aplicação
das medidas: (...) proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação
de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada” (Lei
nº 8.069, de 1990, art. 100, parágrafo único, inc. VIII). A respeito do princípio da proporcionalidade, vide
ROMAN, Flavio José. Discricionariedade Técnica na Regulação Econômica, p. 210-247. São Paulo:
Saraiva, 2012.
cxc
“A família (...) tem especial proteção do Estado” (art. 226, caput). Exemplo de proteção à família é a
regra do Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990) que
determina o direito à remoção para “acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil
ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi
deslocado no interesse da Administração” (art. 36, inc. III, “a”). A propósito, é notável que apesar de o
termo “proteção” ser encontrado dezenas de vezes na CF, a expressão “especial proteção” é utilizada apenas
para se referir à família, denotando o reconhecimento pelo Estado da indispensabilidade da família.
“Proteção da família” ainda significa que o Estado deve ter políticas públicas que estimulem a manutenção
e a criação de entidades familiares, inclusive com o encorajamento da formalização de uniões em
casamento, inclusive como forma de diminuição da pobreza e da violência. Vide, a esse respeito,
LICHTER, Daniel T. Marriage as Public Policy. Disponível em
http://www.human.cornell.edu/pam/outreach/upload/marriage_lichter.pdf. Acessado em 9 de outubro de
2014.
cxci
“O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram (...)” (art. 226, §
8º). Diversas ações assistenciais do Estado, como o bolsa-família, têm como foco a família e não o indivíduo
isoladamente. Ressalte-se que a assistência social tem como seu primeiro objetivo “a proteção à família, à
maternidade, à infância, à adolescência e à velhice” (art. 203, inc. I).
cxcii
Não se despreza o fato de as associações privadas serem frequentemente objeto de fomento estatal. Isso
porém depende do preenchimento de uma série de requisitos previstos em lei (cf. Lei nº 13.019, de 31 de
julho de 2014, que estabelece o regime jurídico das parcerias voluntárias entre a administração pública e as
organizações da sociedade civil), inclusive e principalmente o exercício de uma atividade considerada de
interesse público. As famílias, ao contrário, realizam, por sua propria natureza, atividades de interesse
público, o que sempre as coloca sob a proteção do Estado.
cxciii
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição.”
cxciv
Cf. SILVA, José Afonso da, p. 186-187.
cxcv
MENDES, Gilmar Ferreira. Direito fundamentais e controle de constitucionalidade, p. 465. São Paulo:
Saraiva, 2012.
cxcvi
Assim, o programa habitacional denominado “Minha Casa Minha Vida” restringe seus beneficiários
àqueles que integram famílias “com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta
reais)” (Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, art. 3º, inc. III).
cxcvii
CAROZZA, Paolo G. Subsidiarity as a structural principle of international human rights. The American
Journal of International Law. Vol. 78:93, p. 38. Nesse artigo, é citado trecho do famoso discurso de Eleanor
Roosevelt na Organização das Nações Unidas em 1958: “Onde, afinal, começam os direitos humanos? Em
pequenos lugares, perto de casa – tão perto e tão pequenos que não podem ser vistos em nenhum mapa do
mundo. Ainda assim eles são o mundo do indivíduo: a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade
em que ele estuda; a fábrica, fazenda ou escritório onde ele trabalha. Esses são os lugares onde cada homem,
mulher e criança busca a mesma justiça, as mesmas oportunidades, a mesma dignidade sem discriminação.
A não ser que estes direitos tenham significado lá, eles não terão significado em lugar nenhum” (tradução
livre).
cxcviii
Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Revista de Doutrina
da 4ª Região, Porto Alegre, n. 24, jul. 2008. Disponível em:
http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao024/ingo_mariana.html. Acesso em: 10 out. 2014.
cxcix
Uma possível explicação para essa lacuna é a circunstância de que a formulação da Constituição de
1988 foi profundamente influenciada por interesses classistas, que garantiram diversos direitos aos
integrantes dessas categorias. Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos, p. 63. São
Paulo: Malheiros, 2012. Vide, a esse respeito, declaração da Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Estabelecimentos de Ensino (CONTEE): “Instalada a Assembleia Nacional Constituinte, quatro dias
depois, ou seja, no dia 5 de fevereiro de 1987, uma reunião com quase todo o segmento do movimento
sindical, na sede da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), era assinado um
importante documento, sendo signatárias as centrais sindicas Central Geral dos Trabalhadores (CGT),
Central Única dos Trabalhadores (CUT) e União Sindical Independente (USI). Assinavam também o
229
documento dez confederações de trabalhadores, dentre elas a Confederação Nacional dos Trabalhadores
em Estabelecimento de Educação e Cultura (CNTEEC), da qual saiu, na década de 1990, a nossa Contee,
a Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes) e a Confederação dos Professores do
Brasil (CPB), antecessora da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).”
SILVEIRA, João Batista da. A Constituição de 1988, sua instalação e a participação do movimento
sindical. Disponível em http://contee.org.br/contee/index.php/2013/10/a-constituicao-de-1988-sua-
instalacao-e-a-participacao-do-movimento-sindical/. Acesso em 10 de outubro de 2014. Por outro lado, não
havia à época da Assembleia Constituinte e ainda não há no Brasil uma associação de abrangência nacional
que defenda as prerrogativas das famílias contra a indevida interferência estatal.
cc
A CF somente define deveres para mais de uma instituição no art. 205 e no art. 227. Em ambos os casos,
refere-se ao Estado, à família e à sociedade. A despeito disso, ainda não foi desenvolvida pela doutrina
brasileira uma teoria jurídica das interações entre o Estado, a família e as associações, que constituem a
forma organizada da sociedade.
cci
Povo brasileiro. Natiruts. Álbum: Povo brasileiro, 1999.
ccii
A CF refere-se de modo genérico a “sociedade pluralista” no preâmbulo e a “pluralismo político” no art.
1º. Porém, quando trata de direitos fundamentais, apenas a educação está expressamente relacionada ao
pluralismo, o que demonstra a importância específica dada pelo constituinte à diversidade de processos
educacionais.
cciii
A educação tradicional, centrada na escola, recebe críticas que vão muito além da doutrinação ideológica
e da qualidade do ensino. A crítica mais profunda relaciona-se com os objetivos ocultos da educação
escolar. As escolas seriam, no dizer de Foucault, “instituições disciplinarias” que não teriam por finalidade
transmitir conhecimentos ou mesmo “preparar para a cidadania”, mas essencialmente modelar
comportamentos, disciplinando as pessoas para adotar certos hábitos, atitudes e automatismos que as
submetam irrefletidamente ao poder vigente. Vide, a esse respeito, FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir.
História da Violência nas Prisões. São Paulo: Vozes, 2007; e ILITCH, Ivan. Deschooling society. Marion
Boyars Publishers Ltd (July 1, 2000).
cciv
Diversos filósofos políticos contemporâneos rejeitam o perfeccionismo político, consistente na ação
estatal que busca concretizar uma concepção de bem baseada em determinada visão de mundo. De acordo
com eles, a ação estatal seria regida pelo princípio da neutralidade, que proíbe o Estado de promover uma
visão de bem sem o apoio consensual da sociedade. Vide, por todos, Rawls, J., 1971, A Theory of Justice,
p. 347-359. Cambridge, Mass.: Harvard University Press.
ccv
Essa prerrogativa da família é expressamente reconhecida pelo Pacto de São José da Costa Rica: “Os
pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e
moral que esteja de acordo com suas próprias convicções” (art. 12, item 3) e pelo Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: “Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a (...)
fazer com que seus filhos venham a receber educação religiosa ou moral que esteja de acordo com suas
próprias convicções” (art. 13, item 1).
ccvi
De acordo com John R. Lott Jr, qualquer atuação governamental produz transferência de renda de uma
categoria para outra de pessoas. Nessa transferência, os “perdedores” formariam naturalmente a oposição
ao governo. Essa oposição pode ser mitigada por suas formas: pela força (típica do totalitarismo) ou pela
educação (onde se realiza a doutrinação). Why is education public provided? A critical survey, p. 496. Cato
Journal, Vol.7, No.2 (Fall 1987)
ccvii
A respeito das técnicas atuais de alteração comportamental, vide BERNARDIN, Pascal. Maquiavel
Pedagogo. Vide Editorial, 2013.
ccviii
Vide, por exemplo, a situação descrita por JACOBINA, Paulo Vasconcelos. As escolas católicas e a
perenização das lendas negras antieclesiais. Disponível em: http://www.escolasempartido.org/artigos/511-
as-escolas-catolicas-e-a-perenizacao-das-lendas-negras-antieclesiais. Acessado em 17 de outubro de 2014.
ccix
A imposição estatal de uma ideologia, mesmo de forma sutil ou indireta, constitui a mais grave violação
do direito fundamental de liberdade de expressão, uma vez que torna inviável a própria condição de sua
existência, ou seja, a possibilidade concreta de obter as informações necessárias à adequada formação da
consciência individual.
ccx
A “educação liberal” consiste em um sistema educacional direcionado à formação integral do ser humano
sem vinculação necessária com a formação profissional. Têm especial relevância, por exemplo, a literatura,
a lógica e a retórica.
ccxi
O predomínio de matérias ditas científicas, como Matemática, Biologia, Física e Química, indica
claramente a adoção de uma visão de mundo cientificista segundo a qual o único conhecimento verdadeiro
é aquele derivado do método cientifico. A respeito das implicações ideológicas do ensino focado nas
ciências, vide COBERN, William W. Worldview Theory and Conceptual Change in Science Education.
Scientific Literacy and Cultural Studies Project. Paper 15; MATHEWS, Michael R. Teaching the
Philosophical and Worldview Components of Science. Science & Education. June 2009, Volume 18, Issue
230
6-7, p. 697-728; GAUCH Jr., Hugh G. Science, Worldviews, and Education. Science & Education. 2009,
p. 27-48.
ccxii
De acordo com Nomi Maya Stolzenberg, “a mera exposição a ideias divergentes sabota a crença
religiosa fundamentalista porque é permitido, e até encorajado, a análise racional e o debate coletivo. Na
visão dos pais, o ponto de vista da neutralidade distancia a criança de suas tradições familiares mediante a
transformação de absolutos religiosos em matérias de opinião pessoal. O apelo aparentemente objetivo das
escolas à razão individual nitidamente inculca os valores da escolha individual, tolerância e razão – valores
que, mais do que transcender a cultura, derivam e reproduzem uma sociedade liberal” (tradução livre). The
paradox of a liberal education. Harvard Law Review. Vol. 106: 581.
ccxiii
Vide, a esse respeito, as obras de John Taylor Gatto, especialmente Dumbing Us Down: The Hidden
Curriculum of Compulsory Schooling - New Society Publishers; 2nd edition (February 1, 2002) e Weapons
of Mass Instruction: A Schoolteacher's Journey Through the Dark World of Compulsory Schooling - New
Society Publishers; Paperback Edition (April 1, 2010).
ccxiv
A doutrina reconhece as seguintes funções principais para a família: “(...) de natureza biológica,
garantindo a descendência e a permanência do grupo; educadora e socializadora, adequando o
comportamento de seus membros aos valores dominantes no grupo familiar e na sociedade,
transmitindo-lhes a linguagem, os hábitos, a cultura; econômica, proporcionando-lhes as condições
materiais de existência e conforto, e psicológica, contribuindo para o equilíbrio, o desenvolvimento afetivo
e a segurança emocional de seus membros”. AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução, p. 140. Rio
de Janeiro: Renovar, 2006 (grifou-se).
ccxv
Ressalte-se a excepcional situação em que os pais podem ser compelidos a se associarem a uma escola
por ausência de interesse ou de condições para prover a instrução dos filhos.
ccxvi
O art. 18 da Convenção Internacional dos Direitos das Crianças deixa explícito que a atuação estatal no
tocante à educação tem caráter subsidiário à atuação da família:
“1. Os Estados Partes envidarão os seus melhores esforços a fim de assegurar o reconhecimento do princípio
de que ambos os pais têm obrigações comuns com relação à educação e ao desenvolvimento da criança.
Caberá aos pais ou, quando for o caso, aos representantes legais, a responsabilidade primordial pela
educação e pelo desenvolvimento da criança. Sua preocupação fundamental visará ao interesse maior da
criança.
2. A fim de garantir e promover os direitos enunciados na presente convenção, os Estados Partes prestarão
assistência adequada aos pais e aos representantes legais para o desempenho de suas funções no que
tange à educação da criança e assegurarão a criação de instituições, instalações e serviços para o cuidado
das crianças.” (grifou-se)
ccxvii
É bom ser criança. Toquinho. Álbum: Canção de Todas as Crianças, 1987.
ccxviii
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.” (grifou-se)
ccxix
“Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar
social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o
interesse maior da criança.” (Artigo 3, item 1) Essa convenção, na qual se baseou o ECA, tem valor
supralegal, como qualquer tratado internacional de direitos humanos, e portanto está acima de qualquer
legislação nacional, como o próprio ECA.
ccxx
“Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios,
todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.” (grifou-se)
ccxxi
“Sucesso ou fracasso na tarefa de ser pai, medidos de acordo com qualquer critério que nós
consideremos relevante, provavelmente afetará profundamente nosso senso geral de quão bem ou mal
nossas vidas têm sido”. CALLAN, Eamonn. Creating citizens (Oxford: Clarendon Press, 1997) apud
REICH, Rob. Testing the boundaries of parental authority over education: the case of homeschooling. In:
MACEDO, Stephen; TAMIR, Yael Tamir. Political and moral education. New York: New York University
Press, 2002.
ccxxii
Esse interesse está explicitado na CF, que dispõe “A educação (...) será promovida e incentivada (...)
visando ao (...) preparo [da pessoa] para o exercício da cidadania (...)” (art. 205).
ccxxiii
Esse interesse também está explicitado na CF, que dispõe “A educação (...) será promovida e
incentivada (...) visando [à] qualificação [da pessoa] para o trabalho” (art. 205).
ccxxiv
Cf. as estatísticas em http://www.nheri.org/research/research-facts-on-homeschooling.html. Vide,
ainda, MURPHY, Joseph. Homeschooling in America. Corwin; 1 edition (August 8, 2012).
231
ccxxv
De acordo com as pesquisas do National Homeschool Reasearch Foundation, aqueles que receberam
educação domiciliar “estão indo bem, geralmente acima da média, em medidas de desenvolvimento social,
emocional e psicológico. Medidas de pesquisa incluem interação entre pares, autoconceito, habilidades de
liderança, coesão familiar, a participação em serviços comunitários, e da autoestima” (tradução livre).
Disponível em http://www.nheri.org/research/research-facts-on-homeschooling.html.
ccxxvi
O foco nos talentos específicos de cada pessoa tem se mostrado um método de ensino naturalmente
muito superior à absorção de informações sem finalidade específica promovida pela escola. Vide, a esse
respeito, o interessante caso da família Harding, que conseguiu a admissão de vários de seus filhos na
universidade aos 12 anos de idade: HARDING, Kip; HARDING, Mona Lisa. The Brainy Bunch: The
Harding Family's Method to College Ready by Age Twelve. Gallery Books (May 6, 2014). Por outro lado,
são bastante conhecidos os problemas decorrentes da inserção em ambiente escolar, como a exposição à
violência, ao bullying, ao tráfico de drogas e o estímulo ao consumo precoce de álcool.
ccxxvii
A convivência comunitária, que ocorre em ambientes diversos da família (ex.: clubes, igrejas,
vizinhança), é um direito e da criança e do adolescente previsto no ECA (arts. 4º e 19).
ccxxviii
Neste caso, utiliza-se analogicamente o disposto no art. 28 do ECA, in verbis:
“Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente
da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.
§ 1º Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional,
respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá
sua opinião devidamente considerada.
§ 2º Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em
audiência.”
ccxxix
Os dez países com maior índice de liberdade educacional são: Irlanda, Holanda, Bélgica, Malta,
Dinamarca, Reino Unido, Chile, Finlândia, Eslováquia e Espanha. Por outro lado, os dez países com menor
índice de liberdade educacional são: Gambia, Líbia, Cuba, Arábia Saudita, Afeganistão, República
Democrática do Congo, Etiópia, República Árabe da Síria, Mauritânia e Serra Leoa. O Brasil, em 58° lugar,
está ao lado de Benin (56°), Qatar (57°), Camboja (59°) e Vietnam (60°).
ccxxx
Na CF, somente outra liberdade recebe esse qualificativo, a liberdade de informação jornalística (art.
220, § 1°).
ccxxxi
Ressalte-se que a Constituição Federal não prevê especial proteção para nenhuma outra associação
além da família. Na verdade, o art. 226, caput, é o único dispositivo constitucional a mencionar a expressão
“especial proteção”.
ccxxxii
Nesse sentido, é dever da família:
a) “a educação” (art. 205, caput);
b) “assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (art. 227, caput); e
não foi por acaso que a escolarização compulsória teve início historicamente no despótico Estado
germânico da Prússia, no sec. XIX.
ccxxxiv
Durante as negociações sobre o texto da DUDH, Catherine Schaefer, a representante da União
Internacional das Ligas Femininas Católicas, “observou que os 2 artigos [sobre educação e cultura]
deixaram de mencionar o direito fundamental e responsabilidade dos pais a educar os seus filhos o que bem
entendessem. Se esse direito não for estabelecido na Declaração, poderia muito bem haver uma repetição
de situações como a que prevaleceu na Alemanha sob Hitler”. Esta posição foi apoiada por diversos
delegados.
Beaufort, o delegado holandês, apontou que “os pais não seriam capazes de arcar com a responsabilidade
primária, a menos que eles fossem capazes de escolher o tipo de educação que seus filhos devem ter. Na
Alemanha nazista, onde a Juventude Hitlerista privou os pais do controle de seus filhos e forneceu uma
experiência que nunca deve ser permitida a acontecer novamente. Carton de Wiart, o delegado belga,
observou que “com efeito, a família tinha direitos anteriores sobre o Estado, que seria útil reconhecer, de
uma forma ou de um outro em uma declaração de princípio, como o artigo 23. O representante da Holanda
tinha expressado o horror que os países ocupados pelos nazistas ainda sentiam ao pensar que o Estado pode
obrigar as crianças a serem deformados moral e intelectualmente pela doutrina do partido no poder. (...)
Seria, de fato, um erro para não reconhecer os direitos da família em um artigo de tal importância,
especialmente como não poderia ser presumido que os direitos e deveres do Estado em matéria de educação
tinha sido desconsiderados ao fazê-lo. Como resultado da discussão da alteração introduzida pelo
representante do Líbano se tornou o que nós conhecemos agora como o artigo 26.3 da DUDH. “A maioria
daqueles que votaram a favor da alteração tinha ficado impressionado com o argumento de que os recentes
abusos nazistas do poder do Estado tinham de ser evitados. Shaista Ikramullah do Paquistão pensou que
“era essencial para garantir a liberdade de escolher a educação, um princípio flagrantemente violados pelos
nazistas”. Deve notar-se que, de facto, a mais forte oposição à linguagem proposta veio do outro regime
totalitário do tempo – os delegados da União Soviética comunista.
Cf. Morsink, Johannes. 1999. The Universal Declaration of Human Rights: origins, drafting, and intent.
Philadelphia: University of Pennsylvania Press, p. 177, 265-267.
ccxxxv
Ressalte-se que a DUDH tem sido utilizada na jurisprudência de forma equivalente à legislação
internacional, não havendo controvérsias a respeito de seu status de fonte de direitos.
ccxxxvi
“1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam
em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua
dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda em
que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre,
favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais,
étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.”
ccxxxvii
Esse mesmo caráter é reconhecido pela CF ao dispor que a educação é dever da família. Vide, a esse
respeito, GOODSELL, Willystine. A history of the family as social and educational institution. New York:
The Macmillan Company, 1920.
ccxxxviii
De acordo com o positivismo, a evolução do espírito humano passava por três estados: teológico,
metafísico e o positivo. Este último estado substituiria os dois anteriores e seria integralmente baseado no
saber científico.
233
ccxxxix
A educação clássica (ou educação liberal) tem dois fundamentos: as artes liberais (todo o conjunto de
técnicas intelectuais que ensinem ao aluno como pensar, como gramática, lógica e retórica) e os grandes
livros do pensamento ocidental, especialmente os de literatura.
ccxl
Esse viés antirreligioso da educação pública brasileira foi intensificado após a década de 1960, com a
crescente influência de autores marxistas, especialmente de Paulo Freire.
ccxli
A educação domiciliar também é um direito fundamental não enumerado, como será demonstrado mais
à frente.
ccxlii
The International Center on Law, Life, Faith and Family (ICOLF). A MODEL DECLARATION ON
THE RIGHTS OF THE FAMILY. A TRANSLATION OF THE CHARTER OF THE RIGHTS OF THE
FAMILY INTO INTERNATIONAL HUMAN RIGHTS LANGUAGE. Disponível em
https://s3.amazonaws.com/icolf/icolf/wp-content/uploads/ICOLF.ModelFamilyDeclaration1.pdf.
ccxliii
Tradução realizada por Timothy Brennan Junior e revisada pelo autor.