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NORMAN ANGELL
A GRANDE
ILUSAO
-
SINOPSE
O ASPECTO ECONÔMICO
"A conservação não é o fim supremo das nações e tampouco dos indivíduos ...
O progresso da humanidade pode reclamar a extinção do indivíduo (neste mun
do), como pode exigir igualmente o exemplo e a inspiração que resultariam de
uma nação mártir. Enquanto a Divina Providência precise de nós, a fé cristã
exige que depositemos nossa confiança nas forças invisíveis da boa ação, do
amor e da retidão; mas, conforme Jeremias ensinou ao seu povo no passado, se
a vontade divina o solicitasse, deveríamos estar prontos a imolar até mesmo a
existência da nação em holocausto dedicado àqueles desígnios supremos a que
toda a Criação obedece.
"Isso pode ser fanatismo; mas, neste caso, é o fanatismo de Cristo e dos seus
profetas, e com eles estamos prontos a ocupar o nosso lugar." 1
1 () caminho da rerdadcira tida, p. 29. Sei (jue muitos dos pacifistas modernos, mesmo da escola
inglesa, aos quais essas observações poderiam ser aplicadas, argumentam em base mais objetiva
do (jue Crubb; no entanto, aos olhos do "homem sensual, comum e corrente", o pacifismo
ainda sofre, para muitos, dessa espécie de altruísmo auto-irnolatório 01. capítulo IH da Terceira
Parte), a despeito da obra admirável da escola pacifista francesa, tratada no princípio do capítulo
]] da Segunda Parte.
Defesa da guerra sob o aspecto econômico 7
:' () iornal f ,e i\/lIlill publicou recentemente uma série de rcvclaçócs segundo as quais, para
castigar um ato trivial de insubordinaçáo, o parrâo de um barco francês dos lJue se dedicam à
pesca do bacalhau abriu o ventre de um tripulante e, depois de salgar seu intestino, jogou o
corpo palpitante no fundo do porào, com os peixes. ( Is outros tripulantes estavam rào empe
dernidos e ráo familiarizados com todo tipo de atrocidade lJue nào pensaram em protestar, e o
incidente S(') ficou conhecido mais tarde, pelas conversas dos marinheiros nas tavernas. / .-I.'1\1l1lill
menciona o episódio como um caso típico das brutalidades ljUe prevalecem nos barcos france
ses dedicados à pesca do bacalhau nos mares da Terra Nova. Na mesma ordem de idéias, a
imprensa socialista alemã mencionou recentemente o que chamou de "baixas na batalha indus
trial": as perdas de vida por causa de acidentes industriais a partir de 1R71, ou seja, em plena paz,
foram incomparavelmente maiores do l!Ue a mortalidade na guerra franco-prussiana.
Defesa da guerra sob o aspecto econômico 9
OS MODERNOS AXIOMAS
ESTATÍSTICOS
"O secular instinto predatório, qu~ motiva o forte a apoderar-se do que cobiça,
ainda subsiste ... I': não basta a energia moral para chegar a conclusões definitivas,
enquanto não é complementada pela força física. Os gO\Trnos são instituicôcs, ~ as
insrituiçoes nào têm alma. Além disso, os gO\Trnos são depositários de interesses
alheios - dos seus povos -, pelos quais devem zelar, antes de mais nada ... Cada dia
mais a Alemanha precisa contar com a importação de matérias-primas e, elKjUanto
possível, com o controle das r~giô~s qu~ as produzem. I ~ cada dia mais precisa
também contar com mercados ~ ter garantida a importação de provisócs, pois a
cada dia é relativamente menor a produção desses bens no seu próprio território,
dado o rápido aumento da população. Tudo isso se traduz em sq.,'urança marítima '"
Contudo, a supremacia britânica dos mares da I':uropa equivale a um domínio larcn
te c perpétuo sobre o comércio alemão. 1/;1 al,l,rum t~mpo o mundo se habituou à
idéia da existência de uma potência naval supr~ma, associando-a com a Inglaterra, e
tem sido observado que ess~ predomínio esta em g~ral associado ao predomínio
industrial c comercial, clue é hoje objeto d~ disputa entre a (;rã-Bretanha ~ a Alema
nha. (: essa situação qu~ obriga as naçocs a procurar novos mercados ~, na medida
do possível, a exercer sobre eles o controle da força predominante, cuja expressao
definitiva é a posse..., Disso emanam duas conscqucncias: a primeira, o esforço por
adquirir territórios; a s~gunda, a organização de forças destinadas a manter a posse
obtida .., ] ':sta afirmação não é senão a expressão específica da necessidade geral que
indicamos; é um elo na cadeia inevitável de fatos vinculados pela lúgica: indústria,
mercados, controle, bases navais ..." I
I The lnterer1 0/ Amerirn in l ntemationa] Cril/r/iliollJ, Londres, Sampson LO\\', Marsron & Co.
Os modernos axiomas estatísticos 13
opinião da grande massa que imprime direção aos atos dos governos e
explica a sua política - transcrevo os parágrafos seguintes, colhidos aqui
e ali nos jornais e revistas mais à mão:
"Foi a valentia da nossa marinha ... nossa posição dominante no mar ... clue
edificou o Império Britânico e o seu comércio." (Editorial do "J'imeJ)
"Sendo o seu comércio infinitamente vulnerável e estando a sorte do seu
povo vinculada ao comércio em termos de provisões e salários ..., a Ingla
terra precisa ter uma frota poderosa, uma organização perfeita de apoio a
essa frota e um exército defensivo. I '~nljuanto não contarmos com esses
elementos, o país estará sob a ameaça crescente dos couraçados alcmâes,
yue hoje navegam pelo Mar do Norte. Desaparecerá todo elemento de
segurança; e o comércio e a indústria britânicos declinarão rapidamente,
sem yue saibamos o que nos trará o amanhã, acentuando assim a decadên
cia e a degeneração nacionais." (II.\V \'Vilson, ;,\'a/irmal Rel'ieJJ', maio de 19(9)
"() poder marítimo é o único yue falta à Alemanha para alcançar completa
supremacia no comércio internacional. Atualmente, a Alemanha só ex
porta cerca de 50 milhões de libras para os mercados fora da I':uropa e dos
I':stados lJ nidos, ou seja, uma sétima parte da sua produção nacional ...
Haverá entre os conhecedores do assunto yuem imagine clue exista na pro
pria Alemanha ou em qualquer parte do mundo um poder capaz de impe
dir c]lJe, consumada a primeira parte da sua obra, a Alemanha dispute com
a Grà-Bretanha até a última gota dos 240 milhóes representados pelo co
mércio ultramarino? Tendo chegado a este ponto, descobrimos a sombra
que se oculta, como uma realidade presente, por trás de todas as jogadas da
diplomacia e de todos os armamentos colossais yue constituem preparati
vos para uma nova luta pela supremacia marítima." (Benjamin Kicld ,
I ''or/I/<2,NI)' Rel'ieJl', 1() de abril de 1910)
,,(,: em vào yue se falar em limitaçào de armamentos se as nações do mundo
nào consentirem em abandonar todas as suas ambições egoístas. As na
çôcs, como os indivíduos, cuidam antes de tudo dos seus próprios interes
ses, e, quando estes se chocam com o interesse alheio, geralmente surgem
disputas. E se o prejudicado é o mais fraco, seu destino final é o ralo, por
mais yue tenha pleno 'direito', enyuanto o mais forte - tenha sido ou nào
o agressor - é o dono da situação. Na política internacional, a caridade não
subsiste, e é natural que seja assim, pois o primeiro dever do estadista é
zelar pelos interesses do seu país." (UI/i/erl Xrrri« MC{2,(/;:;ille, maio de 19(9)
"Por llue a Alemanha atacaria a Inglaterra? Porque os dois países são rivais,
comercial e politicamente; porque a Alemanha ambiciona o comércio, as
14 N () R :\1 i\ N A N c: I,: L L
"() crescimento constante da nossa população nos obriga a dedicar cada vez maior
atenção ao dcscnvolvirncnto de nossos interesses no Ultramar. A firme execução
do nosso programa naval ~ a única coisa Llu~ nos pode garantir a posição exata
yu~ nos cabe, e Llu~ precisamos obter, na vastidão do oceano. () crescimento
constante da nossa população nos obriga a p~rsq.,"uir novos objetivos ~ a ascender
do nível de potência continental ao de potência mundial. Nossa poderosa indús
tria deve aspirar a novas conquistas ultramarinas. I':m vinte anos, o nosso amplo
comércio mais LIU~ duplicou de volume, crescendo de 500 milhões para HOO mi
lhôcs (dos quais 6()() milhóes correspondcm ao comércio marítimo) durante os
dez anos em yu~ o programa naval se manteve estacionário. (~ um comercio Llu~
só pode continuar prosperando se soubermos suportar com honradez o onus
imposto pelos nossos armamentos de mar ~ terra. Para nâo sermos acusados de
miopia pelos nossos filhos, ~ necessário garantú' nossa posição ~ nosso poder
entre as outras naçocs, o yu~ só poderemos alcançar sob a protccáo de uma pode
rosa esquadra alemã, capaz de garantir-nos no futuro a paz, c uma paz honrosa."
* * *
Um escritor alemão muito popular vê a possibilidade de "destruir"
o Império Britânico e de "apagá-lo do lnapa do mundo em menos de
vinte e quatro horas" (cito textualmente suas palavras e ouvi também de
um homem público inglês explosões análogas). Para mostrar como se
passariam as coisas, esse autor adota urna atitude profética. Situando-se
em 191 t~ escreve:
2 Ou seja: tudo isso deveria ter acontecido antes de 1<)11 (o \i\TO data de vários anos atrás).
;\ peça correspondente, do lado da Inglaterra, aparec~u em anos anteriores, como folhe
tim de um jornal inglês sob este título: ";\ invasâo alcmà de 1<) I (l".
16 NORM/\N ANel-:LL
"No princípio do século XX, a Grã-Bretanha era um país rico, livre e feliz, onde
cada cidadão, do Primeiro-Ministro ao último carregador do cais, podia jactar-se de
pertencer a uma grande nação, senhora do mundo. À frente dos negúcios públicos
havia, desempenhando funcóes de governo, homens encarregados de cumprir o
mandato recebido, cujos atos eram submetidos à sanção da opinião pública, repre
sentada por uma imprensa independente. O hábito de governar-se formara, ao lon
go de séculos, uma raça que parecia destinada a exercer autoridade, e assim a Ingla
terra tinha alcançado os triunfos mais notáveis na arte do governo e na administração
dos povos que lhe estavam subordinados ... E esse imenso Império, que abrangia
todos os territórios desde o Cabo até o Cairo, toda a parte meridional da Ásia, a
metade da América do Norte e o quinto continente, foi apagado do mapa em me
nos de vinte e quatro horas. Esse fato, aparentemente inexplicável, parece-nos per
feitamente compreensível quando lembramos as circunstâncias com as quais se
chegou a constituir o Império colonial inglês. A verdadeira base da sua supremacia
mundial não tinha sido a sua força, mas a debilidade marítima das outras naçôes
européias, cuja escassez de recursos navais, ou a completa ausência desses recursos,
havia conferido à Inglaterra um verdadeiro monopólio, que ela soube aproveitar,
anexando todos os domínios que tinham algum valor. Se a Inglaterra tivesse consc
guido manter o resto do mundo na mesma posição em ~Iue se encontrava durante o
século XIX, o Império Britânico teria podido perdurar indefinidamente. () desper
tar dos I ~stados continentais para a independência política e para a percepção das
suas próprias dificuldades pús em jogo fatores inesperados da Ireltpolitik, e com o
tempo a Inglaterra se viu obrigada a abandonar a posição que ocupava, submeten
do-se ao jugo das novas circunstâncias."
* * *
() escritor nos informa o modo como as coisas se passaram, gra
ças a uma névoa e mediante um esforço eficiente de espionagem - a
derrota da estrutura militar inglesa e o êxito da Alemanha, que no mo
mento preciso deixou cair uma nuvem de bombas sobre os navios britâ
nicos no Mar do Norte:
"Essa guerra, decidida com uma sú batalha de uma hora, não durou mais do
que três semanas, e a Inglaterra se viu obrigada pela fome a assinar a paz. A
Alemanha impôs suas condições com sábia moderação. Além de uma indeniza
ção em harmonia com a riqueza dos Estados vencidos, contentou-se com a
aquisição das colônias africanas, com exceção dos territórios ao sul do conti
nente, que tinham proclamado a sua independência. As possessões assim adqui
ridas foram divididas entre os membros da Tríplice Aliança. Não obstante, a
Os modernos axiomas estatísticos 17
t-,'Uerra foi o fim da Inglaterra. Bastou uma batalha para revelar ao mundo intei
ro lJue o Colosso tào temido tinha os pés de barro. Em uma única noite o
Império Britânico foi reduzido a escombros. Os pilares erguidos pela diploma
cia ingksa durante tantos anos de trabalho nào resistiram à primeira prova."
; ( )s oráculos dos dois lados parecem esquecer completamente o fato de llue a modificaçào
das rclacócs entre a l-rança e a Alemanha terá como resultado mais ou menos rápido a
construção do túnel sob o canal, e daí em diante a Inglaterra poderá desempenhar à vontade
um papel insular ou continental, o llue lhe permitirá, em grande parte, fazer abstracáo da
supremacia naval, !':nquanto a l-rança era o "inimigo" em perspectiva, a possibilidade de ser
surpreendida por meio do túnel fez com l]Ue a Inglaterra se opusesse à sua construção, Com
a aliança entre a l-rança e a Inglaterra, o túnel passaria a significar que, mesmo sem a eSlllta
dra, a Inglaterra poderia manter suas comunicações com o resto do mundo; e, cooperando
com a l-rança, poderia ameaçar a fronteira ocidental a ponto de tornar completamente
impossivcl a invasão da ilha, por mais lIue seus navios fossem destruídos. () túnel aumenta
ria de tal modo a mobilidade das forças combinadas anglo-francesas contra a Alemanha, llue
esta se encontraria, de toda forma, em uma siruaçào desesperadora.
1H N () R :\[ A N A N c: ,.: I. I.
"Meu segundo objetivo ao escrever este livro é a esperança de llue os filhos dos
nossos filhos cheguem a possuir aquela terra formosa e infeliz, em cuja absor
ção definitiva pelos nossos primos anglo-sa:--J)es resisto absolutamente a crer.
Talvez nos caiba a sorte de unir essa terra com a i\fãe Pátria alemã, em benefício
tanto da Africa do Sul como da Alemanha."
I V cr, na Terceira Parte deste livro, a carta ao jornal l ,« 1\[{I/ill, de 22 de agosto de 190R, e
extratos do seu artigo.
Os modernos axiomas estatísticos 19
A GRANDE ILUSÃO
I Naturalmente, essa nào l' a única base comparativa. (.: conhecido o alto grau de conforto
2 Segundo números do St(/kJllltlll:r ) rar Hook, a Noruega tem, relativamente ú sua popula
çâo, três vezes o "{{II"')'iJ~~ trade" da Inglaterra, ou seja, o somatório das mercadorias ljUe
transitam pelo país, incluídas aquelas com outro destino final.
30 N () R l\l A N A N c; F L L
menta que pode ter esse destino não tem mais a condição de garantir a nossa sehru
rança nacional. Não obstante, abundam neste país os que nos falam dos tratados
como coisas sólidas, l)ue nunca perdem valor. São pessoas admiráveis, mas perigo
sas, sonhadores excessivamente benevolentes e inocentes l)ue vivem em um mundo
árduo e cruel, onde a força é a lei suprema. Não obstante, há atualmente inocentes
desse tipo no Parlamento. Esperemos l)ue não permaneçam lá por muito tempo.";
Até certo ponto, o Major Murray tem razão: a opinião dos militaris
tas, dos que "confiam na guerra" e a defendem até mesmo do ponto de
vista moral- porque sem ela os homens "sofreriam uma degeneração"
, contribui para sustentar essa doutrina da força e representa o ambiente
próprio do militarismo, promovendo-o em toda parte. No entanto, essa
opinião implica um sério dilema: se só a força pode garantir a riqueza de
um povo, e se os direitos assegurados pelos tratados não valem o papel
em que foram escritos, como se pode explicar a evidente segurança das
riquezas de um Estado relativamente desprovido de força militar? Pelos
receios recíprocos dos que subscreveram a sua neutralidade? Nesse caso,
esses receios poderiam respaldar C0111 a mesma eficácia a segurança dos
grandes Estados. Os termos dessa questão são colocados assim por Farrer:
mas haveria um único alemão c!!l0 patrimônio pessoal aumentasse com isso? Os
holandeses se converteriam de cidadãos de um Estado pequeno e in
significante em cidadãos de um Estado de grandes dimensões: masjica
riam mais ricos ou teriam melhores condições pessoais? Sabemos perfeitamente
que a vida dos alemães e dos holandeses não melhoraria em nada. E
sabemos também que provavelmente ela pioraria. Em todo caso, pode
mos afirmar que a situação dos holandeses pioraria sensivelmente, com
o regime de tributos moderados e serviço militar leve substituído pela
tributação muito mais onerosa e pelo serviço militar mais exigente do
"grande" Império Germânico.
* * *
A matéria seguinte, publicada no Daz/y Mai! em resposta a um arti
go desse jornal, projeta mais lu? sobre alguns dos pontos que tratamos
neste capítulo. () jornalista mencionara a Alsácia-Lorena como um gan
ho da conquista alemã, com o valor de 66 milhões em dinheiro, e acres
centava: "Se a Alsácia-Lorena tivesse permanecido em poder da França,
teria produzido para o Estado francês, sob o seu regime tributário, uma
renda de 8 milhões por ano. Renda que foi perdida pela França e bene
ficia a Alemanha."
Minha resposta foi a seguinte:
j A qual, diga-se de passagem, nào é nem de H nem de 3 milhões de libras, mas de cerca de
1 milhào.
A grande ilusão 35