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5 FoRMACAO PROFISSIONAL paRA A ATUAGAO EM SAUDE PUBLICA* E* texto tem como objetivo discutir a formagio profis- sional em saiide enfocando o trabalho no sistema de sai- de piblico e sua consequente centralizacio dos servigos na sten- io basica ou atengzo priméria em saide (APS) que, em nosso pais tem se configurado na Estratégia Satide da Familia, Parte-se da hipotese de que hé na formagio profissional para 0 SUS um divércio historicamente colocado, mas indesejavel, entre as Instituigbes de Ensino Superior (IES) € o SUS. Existem duas grandes tradigdes para a organizagio do cuida- do & satide: os sistemas nacionais (salide piblica) e 0 modo libe- ral privado (saiide individual) (Campos, 2007). Nem sempre aparecem de forma pura, De modo esquemitico poderiamos di- ferenciar esses dois modelos de atengio a partir de pares de opos- tos, O modelo privado tem seu maior foco na doenga e seu tratamento, desenvolvendo sua atengio por episédio, tendo no médico seu agente principal e responsivel maior, ¢ a organizagio do fluxo a partir da demanda espontinea. Ji o sistema nacional Piblico focaliza o cuidado geral & saiide, trabalhando numa aten- 50 continuada, tendo como agentes equipes multiprofissonais, ¢ 8 organizagio do fluxo pelo planejamento de agdes ¢ populagio adscrita, Vale insistir que essa categorizagio € esquemitica ¢abs- * Este capitulo contou com a coautoria de Luciana Kind (PUC-Minss)- 43080 Lelte Ferreira jetg 132 trata, uma vez que 2 &XP* samentos 1 Pde atengao. Esse inacabamento nio se refere a0 movimen. «io de continua revisio de seu funcionamento, mas a vee eatrutural, O movimento sanitirio, que construiu 0 pro. ‘omo texlo movimento socal, sempre trabalhou com srs ativas ou imagens-objetivo, indicadores da diresio dese. jus, Assim devem ser entendidos os principios do SUS seus des. Yobramentos em politicas especificas, como as de formagio em ‘aide. Tas indicadores acenam mais como um alvo do que como uma pri a. A razio nio ¢ falsear, mas mobilizar for- a8 e apoio legal para a realizagio de suas metas. Sua primeira cestratégia de agio consistiu na criagio de um aparato juridico-ins- icioal visando garantir avangos nas conquistas. Esta estratégia teve seu auge na constituinte de 1986, cujo produto final, fruto de negociasies e embates, no contemplou todas as aspiragdes do movimento, particularmente ao permitir que o setor privado participasse do SUS em cardter complementar (Mattos, 2003). Mesmo reconhecendo que foi avango possivel & época, a exis- téncia do setor suplementar aguga as influéncias ¢ intercessées do modelo liberal nas priticas de cuidado do sistema piblico. A cons trucio paulatina de um modelo médico-assistencial privatista, du: ante 0s sessenta anos que antecederam o SUS, teve o Estado como | financiador, via Previdéncia, do setor privado como prestador de servigos. O setor privado, por sua vez, apoiava-se amplamente 1 mercado internacional como grande produtor de insumos, equi Pamentos e medicamentos. Por tudo isso, a realizacio plena do Projeto do SUS ainda tem um longo caminho a percorrer ¢ Iwas a travar no redesenho de seus contornos ao resgatar pontos ers nee © acabamento de seu projeto, delineado na década de Das diretrizes do SUS, imagens-objetivo da diresio desei* vel das reformas, aprovadas em 1990 na lei 8.080, a que POS ’ Formagéo profssional para a atuasdo em saute pines 133 senor grau de realizagio, sem divida, é¢ s0, ¢ as de prevensio e promogio da sade (Whar cat 7 acento nas ages de tratamento,heranga da longa teed > Ieira de atengao liberal privada, ainda & prevalente =e bras. de atengo do SUS. Por ess rio, aco ma wanalormarasia ticas de cuidado é 0 grande objetivo atual do movimenns sone rio, como pode ser comprovado em um recente fe ” P ‘cente documento produzido para interlocugio com o Legislativo. imitulsdo de "0 SUS para valer: universal, humaniaado e de qualidade” (Fs Reforma Sanitéria, 2006), cle defende uma mudanga ral we priticas de assisténeia como condigio de garantia da legitimid. ‘de popular do SUS. . ce ta Alguns autores tém discutido a perda progressva de apoio popular que o SUS vem sofrendo apés sua implantasio (Fleury, 2009), Varias forsas politicas importantes, como os sindicatos, tim substitufdo a lutaa favor do SUS pela busca de planos de sade para sua categoria. O setor privado tem sido eficiente no convenci- mento da sua maior effcicia de atengio, capturando a classe mé- dia ¢ alta com seu produto na saiide suplementar, fsvorecido pelo histdrico subfinanciamento do SUS. © Brasil vem investindo em torno de 3,5%% do Produto In- temo Bruto (PIB) em scu SUS tes paises investem, em gera indicam a importéncia de um “gasto péblico superior a 6% do PIB plos, entre outros, temos a Espanha cor © Candi com 9,6% de seus respectivos PIBs (Rodrigues & Santos, 2009). Curiosamente, enquanto uma demora de duss horas numa Uunidade do SUS é recebida com indignagdo por parte da popul $0, uma demora de dois meses para mareagio de consulta com -onveniado em plano de saiide € recebida com cert Sepocane don 1c", Um conjunto de fatores, de JoBo Leite Ferreira Ne 134 eto sao produtores desse estado de coi izagio do que é piblico em nosso mudanga dessa atitude passa fando econdmico e cultural, que se traduz na desval ‘Mas uma das estratégias para pela alteragio das rétcas de atengio no cotidiano do SUS. Para atingi esse objetivo, de qualificar a atengZo & sade na perspectva da atengio integral, nfo bastam ages no émbito in- Pirno do SUS. A implementacdo da estratégia da sauide da fam. lia foi um passo importante e decisivo nessa diregao, mas no suficiente, Afinal, como trabalhar com uma ESF generalista, quan- do as graduagGes, marcadamente a de medicina, profiss3o nuclear no campo da sate ocidental, tem sua estrutura curricular confi. stas? A mudanga na formagio pai ¢gurada para a formagio de espe > ‘oferecida pelas Instituigdes de Ensino Superior (IES) torna-se um fator importante para a realizagio plena do SUS. ‘A patente contradigio da maior parte dos cursos de medi- cina das universidades piblicas no pais estarem voltadas para a as, sendo que as mais visadas so exata- formagio de especi mente as de inser¢io hospitalar, carreiras com maior rendimen- to no setor, aparece nos demais cursos da area da saiide com outras nuangas. Para discuti-las, vale caracterizar melhor a atua- ‘0 na atengio bisica, centro dos sistemas piblicos de saide, da atengo hospitalar, diferenciando-a da atuagao no ambito hospita- rea mais lucrativa do setor suplementar e, por conseguintey ais visada pelo mesmo, O trabalho de Merhy (1997) de classificagao das tecnologias em saide pode nos ajudar nessa analise. © autor classifica a5 teenologias em satide em trés categorias: as duras, equipamentos insumos, estruturas organizacionais; as leve-duras, saberes estT¥ aes as leves, teenologias relacionais tais como vinculo, 3¢2* Roaeunsrerar as centre outras. As duas primeiras si0 md eee i 1 rabalho morto, mas as tecnologias leves, de “e jetividades”, dele escapam permanentementes 5° '© como trabalho vivo em ato. A atengao bisica em su dade humana e territorial com as condigdes de vida é% Formagdo profisional para a atuacBo em save pitica e 135 populagio adscrita, hierarquiza essas teenologias ma or logis leves, eenologis lve dra tenaapes dara fc Jia inversa e um evidente € necessario acento nas tecnologias di leven ido 3 taracteristicas de sua modalidate papi oe A grande questio & que as profisSes do campo da sine cons- troem sua identidade profissional exatamente a partir das tecno- logias leve-duras e duras; ou sej, a parti da estruturagio de ome campo de saber disciplinar e seu uso de equipamentoseisumon, As tecnologias leves relacionas, tas como o aclhimento,vinclo, operadas por qualquer categoria profission. atuagio na atengo bisica carrega certa tendéndia “desprofisiona- lizante”, sendo as ages compartilhadas por todos os membros da equipe, sem grandes reservas de mercado profissional, mesmo que estas ainda existam e sejam necessirias. Os profissionais saidos dos cursos de graduasio em saide sio ensinados a desenvolver agBes especifica de seu campo de atusgio ‘© ser zelosos na preservagio do mesmo. A nosio ji apresenta: da de “preconceito tecnoldgico” desenvolvida por Goldberg (1996), da tendancia dos profissionais apresentarem dilfculdades de desenvolver ages que ultrapassassem 0 repertorio precoaiea- do pela propria formagio, pode funcionar como uma resisténcia gria, Na busca da afiemagio profissio- pondam a sua formagio, muitas ver sidadees concretas dos servigos ¢ da populs jor com o exemplo da psi ntre as associagdes pt é especilice de JoSo Leite Ferreira Neto pudanga 0s Em soma, a vie igio de 1988 no seu istema Unico srtigo 200, estabel co de Saiide o ordenamento fle", © Programa Nacior 3 Saide) constitui-se na present ons aasoetacio com o Ministerio da Educagig aqralisador das relagSes entre a formagio de profis- superior para a saiide ¢ 08 servigos de satide. ‘no ambito da Psicoterapia Institucional, anali- ‘ecimentos ou fendmenos reveladores ores; produtos de uma situagio que 32). Conforme revemos 3 fren- ¢ uma estratégia de inter- Conceito cunl sador diz respeito a“ € a0 mesmo tempo ca ager sobre ela” (Lourau, 2004 te, 0 Pro-Satie porta um diagn’ ‘yengio junto aos cursos de graduagio em satide, cuja andlise pode expor as tensGes, paradoxos e possibilidades nele contidas. tio da formagio para a atuago em sati- € anterior 4 idcalizagio do Sistema Unico de Saiide (SUS), iniciaremos com um breve histérico dos antecedentes des- se debate para, a sequénca, explorar com detalhes a propostaatual. Apontamentos histéricos sobre a formacdo em saude Hi vasta produsio sobre esse instigante tema, inclusive con tendo discussdes dedicadas ao entendimento dos processos hist dee de produgio de politicas de formagio profissional interessados em apenas assinalar alguns elementos que sustentam 7 Miscusdes atuais sobre a formagio para o SUS, leitores a oportunidade de se debru «a produsio histarica, oe As preocupages com : pages com a formag3o cm saiide remontam 20 campo da medicina preventivista estadunidense, quando, nas dé- FormagS0 profisional para 2 atuacéo em sate pibicy 137 de 1940 © 1950 se dedica & redefinigss lefinigio de responsabi no ensino da irea (Donnangelo, 1976; Arne roy raiber & Machado, 1997). prarmastccd ras produgdes no bojo do movimento sanititio, Donnance pondera que o aumento da interferéneia estatal na ais dca, acarretaria uma reforma na area, na qual dever-se-is arejar uma transformasio do proprio médico como agente importante das transformagdes do setor. Esse projeto se expressa nas palavas tor: ae cariter fragmentirio de sua pritica, asegeriodo gue 2 so clos atos médicos, assim eorrigidos, moxkfigse atx talidade da atengio médica e das necessidades de sade. (p. $0) A reforma educacional necessiria se voltaria para 0 desen- de novas percepgies e atitudes profssionais dante do campo da satide, O profissional méxico seis ranscender ato médico individual para atin- Jodo Leite Ferreira Neto 138 cou durante o regime militar, presidida por Leonel Miran, ann ete ministro da sade que, em set diSCUFSO, aposta no foc coe ile recursos humanos como a possbilidade “de os edu. adores se tornarem mais sanitarstas ¢ de os sanitaristas se tor. rnarem mais educadores este mesmo ministro, Nacional de Sadde, de 1968, con privada, A conferéncia démicos, acentuando diresdes técnicas para a formagdo de recur- sos humanos de modo a melhorar as condigdes de satide da populagio Latino-Americana. ‘No final dos anos 1960 a Organizagao Pan-Americana da Sai politicas de sadde na América Latina, Dentre os principios expres- 505 nos programas que seguiam as recomendagdes da OPAS Stralen (1996) destaca como rel vantes a integracio interinstitu- \¢30, a divisio hierarquica ccontratagio de pessoas das comunidades e participagio comunitéria. Investidas pelos pri ros passos do movimento s brasileiro, pelo financiamento estrangeiro! e pelo clima pol entre secretarias estaduais e municipais de sade, na década de 1970 foram iniciadas experiéncias de expansio de cobertura da ‘ssisténcia & satide que se caracterizariam como iniciativas ante- cessoras do SUS. E interessante observar como 0 movimento ' Ofinancamento de proposts de medicina comunitiia advinham da OPAS, 4s Fundagio Kellog, da Fundagio Rockefeller, para mencionar algumas fon~ E,Reemacionais de financiamento, Para uma apreensio mais aprofundada { importiniadesarela3o com o nancamento de agbes de medica co- ),Stralen (1996), Escorel (1998), Pak 8, confira Fleury etal. (1995) "s PresAlves & Hochman (2008). Formago profissional p: 2 atuagho em satide pibica 139 sanitirio teve como causalidade imanente u tores convergentes, ¢ a linha do financiany trazendo consige 0 ideirio preconizado p cionais, foi um fator d ima pluralidade de fa- nto internacional que, clos organismos interna. alguns financiados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimeng Gen tifico eTeenolégico (FNDCT) que, via sua agénciaFinancadors de Estudos e Projetos (FINEP), possibilitou ‘crescente investimento. em estruturas e propostas de formasio profisonal pra asi, ‘A FINEP financiou pesquisas por meio do Programa de Estudos Socioeconémicos em Satide (PESES) ¢ do Programa de Estudos Po- pulacionais e Epidemiolégicos (PEPPE), além dos estimulos financeiros para a criagio, em 1972, do Instituto de Medicina So- cial, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro que se tornaria importante centro de formagio em satide coletiva. Escorel (2008) assinala que o Peses produ, para além dos conhecimentos pro- porcionados por suas pesquisas, “a articulagSo de um conjunto de niicleos académicos ¢ de profissionais da saide espalhados pelo Brasil em uma espécie de ‘rede’ de medicina social” (p. 41). Stralen (1996) destaca alguns dos programas que se torna- tam importantes para o desenvolvimento do movimento sanit rio. Dentre eles o Programa de Preparagio Estrategia de Pessoal de Satide (PPREPS) ¢ 0 Programa de Interiorizagio das AgSes de Saiide ¢ Saneamento (PIASS). O PREPS se configurava como ‘uma parceria entre o Ministério da Satide, o Ministrio da Edu- ‘ago e Cultura e a Organizacio Pan-Americana da Sade com 0 objetivo central de “promover a adequagio da formagio de pes- soal de Satide (quantitativa e qualitativamente) is necessidades © idades dos servigos através de uma progressiva ‘integra S80" das atividades de formagio na ‘realidad do Sistema de Se vigos de Satide” (Ministério da Saiide, 1976, p- 3)- © oe emergiu como resultado do trabalho de um grupo intermi ¥ial para idealizar um programa nacional com a finalidade de pre Jodo Leite Ferreira Nety 140 | diretamente para a saitde ¢ planejar sua distribu. parar pessoal di 0 nos servigos. 7 de 1976 0 PPRE vidades com um e pessoal de -assistenciais no pal previa a articulagao entre in 3) integragao das est aay Coral, emolvendo todos os Estaclos da Unio, com 0 pro- pésito de dar sustentabilidade ao programa. O texto do programa (Ministério da Saide... 1976) previa o inicio de atividades docen- te-assistenciais integrais para os Estados do regionais para Pernambuco, Sao Paulo, Parand, Pa neiro, Espirito Santo e Minas Gerais. Em Minas Gerais a proposta de regionalizag3o da assistén- cia e de extensio de cobertura dos servigos de saiide foi substan-

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